Quanto tempo passaram brincando, correndo, se escondendo e divertindo-se pelos jardins da Wammy’s House?
Ninguém sabe dizer.
O que Mail Jeevas sabia era que há dias não passava uma tarde feliz como aquela, na presença de outras crianças, sem preocupar-se com mais nada.
Quando bateu o sinal do jantar, em alto e bom som para que todos ouvissem, Mail e os outros já estavam ofegantes. Caminharam lentamente para dentro, em direção à câmara da esquerda.
- Matt! – Alguém o chamava, ao longe. Mail virou a cabeça sobre o ombro a tempo de ver o loiro alcançá-lo próximo à entrada do instituto. – Gostou do jogo?
Mail assentiu, um sorriso em seu rosto.
- Você... – Mello parecia relutante em dizer algo. – Já sabe com quem vai sentar no refeitório?
Ele negou com cabeça, corado, enquanto fitava o chão.
- Agora já sabe! – Disse Mello com um sorriso no rosto. – Vem. – E puxou o ruivo pelo pulso até o refeitório que, há essa hora, estava apinhado de crianças.
O refeitório era como de qualquer outra escola. Grande, capaz de suportar cerca de cinqüenta crianças, dispunha de várias mesas bem arrumadas, que variavam entre grandes e pequenas, dois bebedouros e um buffet onde as crianças eram servidas pelos funcionários.
Mello e Mail foram rapidamente servidos, algumas porções de carne e macarrão em seus pratos. O loiro direcionou Mail até uma das mesas com quatro lugares. Sentaram-se sozinhos, os outros alunos indo para as mesas maiores e mais lotadas.
- Por que não foi sentar com eles? – Mail perguntou timidamente.
Mello ergueu os olhos.
- Eu gosto de sentar sozinho.
O ruivo observou os olhos celestes do outro, inclinando levemente a cabeça para o lado.
- Então por que sentou comigo?
Mello olhou no fundo das grandes esmeraldas, tentando ler o que se passava naquela mente. Depois de abrir e fechar a boca três vezes, disse apenas:
- Porque eu quis. Isso te incomoda?
- Não... É legal. – Mail riu e começou a comer.
Garoto estranho... – Pensava Mello.
Comeram rapidamente, conversando ocasionalmente sobre coisas sem importância, até que Mello se levantou dizendo que ia para o quarto.
- Eu vou com você! – Matt apressou-se em acrescentar.
Os dois subiram as escadas em silêncio, um imaginando o que o outro estaria pensando. Andaram um pouco entre os quartos e rapidamente encontraram o de Mello.
- Quer entrar? – O loiro perguntou.
Mail assentiu e, juntos, cruzaram o portal.
O quarto estava uma verdadeira zona. Alguns livros e cadernos cobriam o chão, além de inúmeras barras de chocolate e objetos não identificados espalhados pelos cantos. A janela permanecia escancarada, a brisa noturna brincava com os cabelos de Mail.
- Desculpa, está um pouco bagunçado... – Mello comentou, corando levemente.
Mail riu.
- Tudo bem.
Os sentaram-se na cama, um de frente para o outro.
- Então... O que quer fazer?
- Eu não sei... – Mail pensou um pouco. - O que você costuma fazer aqui?
- Comer chocolate. – O loiro respondeu animado.
- É bom?
Mello arregalou os olhos.
- Você nunca comeu?
O ruivo abaixou o rosto, encobrindo os olhos esmeralda e negando levemente com a cabeça. Mello pensou um pouco e inclinou o corpo para o lado, pegando uma barra e oferecendo-a ao outro.
- Toma.
Mail ergueu os olhos para o loiro, que corava completamente, e pegou o chocolate com as mãozinhas. Cortou um quadradinho e colocou-o na boca. Mello observava os lábios cheinhos do outro a se mover.
- ... Gostou? – Disse após vê-lo engolir.
- É muito bom! – Os olhos do ruivo brilharam.
- Eu sei. – Mello sorriu vitorioso.
O olhar de Mail se perdeu pelo quarto, pousando nos mais variados objetos. Observou uma barra de chocolate com nozes, canetas vermelhas e azuis, pequenos sinos dourados, fita adesiva, cola, um despertador preto e algumas roupas espalhadas. Em um canto, perdurado no puxador do armário, havia uma espécie de óculos alaranjado, com as lentes envoltas por borracha e um elástico para prender atrás da cabeça.
- O que é aquilo? – Ele apontou para o objeto.
- É um óculos de piscina. – Mello levantou-se e pegou o objeto, brincando com o mesmo entre os dedos. – Usava no outro orfanato, mas agora não sei o que fazer com ele.
Mail observava o objeto, fascinado, e Mello não pôde deixar de perceber.
- Quer pra você?
Os olhares se encontraram e o ruivo assentiu, pegando o objeto que o loiro lhe oferecia. Levantou-se e foi até o espelho do banheiro, colocando-o no rosto e prendendo-o atrás da cabeça. Pareceu ajustar-se perfeitamente com sua expressão sorridente.
- Ficou ótimo. – Mello apareceu à entrada do banheiro e ambos riram.
Um sino anunciava o toque de recolher, onde as crianças de até doze anos deveriam ir imediatamente para seus dormitórios.
- Melhor você ir. – Mello anunciou, suspirando. – Não seria bom você quebrar as regras logo no primeiro dia.
Mail concordou com um aceno de cabeça e se dirigiu até a porta.
- Boa noite Matt.
O ruivo virou-se, já na saída do quarto.
- Boa noite... – Acrescentou baixinho: – Mello.
E fechou a porta com delicadeza.
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// Stalemate //
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Mail acordara assustado, ofegante, no dia seguinte. Tivera um pesadelo com seus pais, sendo novamente assassinados na sua frente.
- Matt... – Alguém batia em sua porta.
O ruivo levantou-se de um salto. Foi até o espelho, limpando da melhor forma que podia as lágrimas que insistiam em cair, e pegou os óculos amarelados no criado-mudo, ajeitando-os sobre os olhos.
- Matt? – Forçaram a maçaneta, mas a porta estava trancada.
- Já vai!
Trocou seu pijama listrado por uma camiseta, calça jeans e um tênis vermelho, dando mais uma olhada no espelho e abrindo a porta.
- Você não dormiu com isso na cara, né? – As grandes órbitas azuis de Mello o fitavam, desconfiado.
- Não.
O loiro pareceu relaxar.
- Você perdeu o café, então eu trouxe chocolate. – Ele estendeu duas barras para Mail, que aceitou, um pouco corado. – Quer conhecer o instituto?
O ruivo afirmou com a cabeça, seguindo Mello pelos corredores e mordiscando o chocolate que acabara de ganhar.
Desceram as escadas, lado a lado, enquanto Mello falava animadamente sobre cada lugar por onde passavam.
- Esta... – O loiro apontou para uma sala entreaberta, no segundo andar, de onde vinham gritos de comemoração. – É a sala de jogos.
Mello empurrara a porta, deixando seu interior visível.
Os olhos esmeralda fascinaram-se com o que vira. Vários fliperamas, visores com luzes brilhantes a ofuscar-lhe os sentidos, botões coloridos e alavancas enfeitando as máquinas espalhadas pelo cômodo. Games portáteis, dos mais antigos aos mais novos, eram manipulados nas mãos de crianças eufóricas, que gritavam de alegria e suspiravam com a derrota.
Mail aproximou-se cautelosamente de um menino de cabelos dourados cacheados, que de vez em quando socava levemente a máquina em que jogava.
- Merd... – Ele reparara que o pequeno ruivo fitava seu jogo e parara em meio a um palavrão. – Ah, olá. Quer tentar? Há uma hora não consigo passar desta fase.
Ele se afastara para o lado e Mail aproximou-se relutantemente. Seus dedos pousaram nos botões, esperando o jogo começar. Mello juntara-se a ele, observando-o ao lado do menino de cabelos cacheados.
Em minutos, ambos e mais dez crianças estavam de boca aberta.
Observavam Mail apertar os botões furiosamente, as belas órbitas esmeralda concentradas no jogo à sua frente. Juntara uma pequena multidão, que incentivava-o a continuar. O ruivo vencera uma fase após a outra, evitando rapidamente armadilhas e resolvendo pequenos problemas.
Após alguns minutos de euforia, Mail zerara o jogo. Todos observaram, encantados, quando o ruivo saiu da sala, totalmente corado, o chocólatra ao seu lado.
- Quantas vezes você zerou aquele jogo? – Mello perguntou, no momento em que deixaram a sala.
Mail abaixou os olhos, um pouco envergonhado.
- Foi a primeira vez. – Ele sussurrou.
Mello parou de andar abruptamente, abaixando a cabeça para olhar nos olhos do ruivo.
- Jura?
O menor riu do espanto nas órbitas celestes de Mello. Curvou os lábios cheinhos em um sorriso e olhou fixamente o loiro.
- Juro.
Os dois se fitaram durante alguns instantes, até os lábios de Mello também curvarem-se em um sorriso.
Caminharam lado a lado, conversando alegremente. Mail era apresentado à todas as salas do instituto, até as que Watari não mencionara, como a Sala dos Arquivos, onde informações estritamente confidenciais sobre os estudantes eram armazenadas. Diziam que havia recebido o sistema de proteção mais moderno do mundo e muitos nem sabiam que tal sala existia.
Depois de andarem por todo o orfanato, tirando o quarto andar que era destinado aos professores e proibido aos alunos, dirigiram-se aos jardins, onde falaram sobre quase tudo durante horas, chegando a perder o almoço. Debateram sobre jogos, músicas, comidas, carros, matérias escolares, colegas do instituto e preferências em geral. O loiro também explicara-lhe o que faziam ali, onde deveriam estudar furiosamente para que um deles se tornasse o sucessor de L, o maior detetive do mundo.
Mail aceitara, até demais, o que deveria ser feito. Acostumava-se com a ideia e conformava-se, como sempre. De qualquer modo, sempre gostara de estudar.
Curiosamente, o único assunto em que não tocaram foram suas famílias. E fora algo que ambos perceberam, mas não se manifestaram.
Contudo, não fora isso que Mello reparara em relação à Matt. Mas sim em relação aos seus conhecimentos acadêmicos.
O ruivo respondera corretamente a todas as perguntas que ele fizera, ás vezes dando pequenas escorregadas em fórmulas e datas, mas, no final, acertando-as. Do mesmo modo, Mello acertara todos os desafios lançados pelo outro, rindo vitoriosamente.
Impressionaram-se um com o outro, o mesmo pensamente passando por suas cabeças.
Por mais que fosse obrigação de ambos, por mais que o dever de competir entre si fosse necessário, por mais que deveriam vencer ao outro de qualquer maneira...
Por que não conseguiam se ver como rivais?
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