Finalmente senti vontade de levantar da cama. Minha cabeça vai explodir de dor. Sério. Não sei explicar como esse vergão enorme veio parar aqui. Devo estar alucinando. Tive a remota impressão de ter visto Del e nós todos tocando novamente. Que sinistro. Sem falar nesse buraco enorme que tá no teto da cozinha, permitindo que a aguaria entrasse como uma enxurrada. Nem tenho capacidade de devaneio da dor que sinto pra pensar numa alternativa de arrumar isso. Tá ficando insuportável essa sensação latejante na mente. Formou até um calombo roxo ali na minha careca. Imprevisível.
Da noite passada tenho a forte sensação – e talvez única lembrança coerente também – de porcamente ter ouvido algumas palavras vindas do Murdoc, prováveis planos dele?! Se forem, me pareceram bem simplificados e uma porcaria, por sorte sem motivos árduos de preocupação. São coisas que podemos fazer aqui mesmo, um tanto bobinhas. Óbvio que com essa chuvarada não dá nem pra cogitar uma saída. O que é uma droga, já que a comida tá acabando. Credo. Tá entrando muita água por esse buraco. Está horrível. Vou dar uma olhada na nossa área se consigo uma tábua ou sei lá, algo que ajude a tapar isso. Ou ao menos, uma luz a acender meus pensamentos, pra me dar alguma ideia.
Eu... Não... Creio... Man! As ruas estão completamente submersas. Tá dando uma enchente aqui. Nem consigo mais ver o carro do Murdoc. Se é que ainda está no mesmo lugar, naturalmente já deve ter sido levado. Acho que vamos ter que sair daqui, nos mudar o quanto antes. Na moral, essa cidade tá uma verdadeira merda. Faz tempo. Mesmo sem muito dinheiro acho que a gente consegue se reerguer noutro lugar. Porém onde? Nossa única sorte é a casa ser um pouco alta. Mas o porão e a garagem não dão mais nem pra ver daqui de cima. Só água. Precisamos dar um jeito nisso depressa. Mais um metro que a água suba e estaremos em grande perigo, porque aí ela vai adentrar a casa. Bem mais do que aquele buraco.
Entro num súbito. Fiquei assustado. Tremendo. Corro ao banheiro e encontro as pílulas de 2D. Todas estiradas por cima da pia. Fora das embalagens. Pensando na probabilidade delas serem pra dor, pus um punhado consideravelmente grande na boca. Engoli de uma vez só, exterminando os remédios possíveis. Ele vai me odiar por saber que eu fiz, mas tô realmente necessitado. Saí de lá um tanto zonzo. Os dois contracenam comigo indo em direção ao quarto. O que eu realmente queria era deitar. Esperar a dor passar. Mas não seria assim tão rápido.
- Nossa, o que aconteceu contigo?? – fala a japonesa curiosa.
- Eu também queria saber! – me abaixo para que ela consiga ver o hematoma arroxado.
- E o que é isso?! Desde quando você está assim?! – ela toca a ferida, fazendo latejar.
- Aaaauuu. Eu não sei. Não tenho a mínima ideia do que seja. Nem sei se quero. Me dá uma licença que eu preciso deitar um pouco.
- Tomou algum quebrante? – D pergunta com tom inocente, mas tenho certeza que está suspeitando do que eu fiz. Não sei se digo a verdade ou minto sobre os seus remédios. Que merda.
- Vocês não perceberam?! – diz Murdoc, abrindo a porta do seu covil, antes chamado de quarto – o Gasparzinho se mandou e só deixou ‘isso’ pra gente. Que saco. Eu tinha planos pra ele... – agradeço sua chegada, eu tava ficando numa saia justa.
- Gasparzinho?! – pergunto desentendido.
- Del é o nome... – Noodle retruca desgostando o apelidinho que o verde deu.
- Tanto faz! – põe a língua pra fora – O fantasminha camarada se mandou. Por esse motivo esse imbecil está acabado! Deve ter sido muita pressão! Haha – subitamente olha para 2D – E você?! Tá olhando o que? Quer um autógrafo?
- Não quero nada seu! – ele rebate rapidamente, pegando Murdoc de surpresa. Isso vai dar merda. O mesmo vai de encontro ao desdentado, obviamente pra acertar um golpe nele. Entretanto, ele foi mais esperto, correu e se trancou no quarto. Saindo da vista de todos.
- Insolente! Abra essa porta que eu vou te arrebentar... – dá murros na mesma. Noodle vira os olhos, por incrível que pareça ela não fez nada dessa vez.
- Vem Russel, vamos dar um jeito nisso... – me guia pela mão, até meu próprio cômodo. O que me causa abalo – Espera aí, eu já venho.
- Ok! – rapidamente ela sai dali, e retorna com uma malinha branca.
- Vou enfaixar seu machucado. Pode ser que fique inchado, então uma pomadinha vai fazer cair bem – sorri, enquanto pega as ataduras, estou perplexo – vai ser melhor pra você dormir também.
- Noodle, não precisa se incomodar. – digo envergonhado. Jamais esperaria uma reação dela dessa forma. Me sinto culpado. Eu deveria defendê-la.
- Não tem nada de incomodo. Vai arder um pouquinho – se aproxima e passa a pomada. Enquanto isso, eu fico me sentindo um total idiota. Como eu pude ser tão rude e ter gritado com ela por causa do 2D. Se eles querem ficar nesse impasse, é problema deles, não meu. Agora minha pequena baby girl vem toda adulta cuidar de mim, quando na verdade, eu deveria ser dessa forma com ela. Não pude impedir as lágrimas de caírem. A dor física era suportável, mas a que eu sentia no coração, era incurável.
O que eu estava fazendo? Me sinto um lixo. Os fiz acreditar que Murdoc tinha boas intenções, por que necessitamos de dinheiro, se isso desse realmente certo, seria um alívio pros nossos problemas. Eles jamais me entenderiam. Por muito, poderiam pensar que eu sou simplesmente um interesseiro. Entretanto, só estou tentando cuidar de todos nós. Independente de como as coisas saiam, espero que dessa vez sejam diferentes. E que possamos ao menos sobreviver pra aproveitar.
- Prontinho. Desculpa se doeu, mas vai ficar melhor – ela fala secando minhas lágrimas. Tenho a impressão que ela pensou que fosse do curativo que eu estava chorando, mas não, é algo bem pior.
- Obrigado – dou um forte abraço nela.
- Por nada grandão. Olha só, dorme aí que eu volto logo, ok?
- Como assim... – falo entre bocejos. Os remédios estavam fazendo efeito.
- Deixa pra mim. Fique aí quietinho que eu v...
Não ouvi mais nada. Os meus sentidos estavam todos pesando demais. Seja lá o que ela falou, ou como fará o que ela quer, saiu me tampando com a coberta, muito cuidadosamente, sem ruídos estridentes.
Essa chuva está perigosíssima. Não quero que nada de ruim aconteça a ninguém...
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