O plano era simples: pegar um vôo pra Coréia, tirar uns desocupados do prédio, derrubá-lo, pegar o ouro, voltar para a Itália e continuar sendo o consigliere fodão que todos temiam e respeitavam. Fácil e rápido. Não teria risco de vida, nem tiraria a de ninguém. O que Vincenzo não esperava era que uma baixinha linda, com um temperamento difícil, uma aura selvagem e incrivelmente escandalosa fosse mudar totalmente seus planos.
A primeira vez que a viu ela estava enfrentando um capanga metido a valentão, ele achou graça, a desconhecida lembrava aqueles gatinhos com raiva, e, por mais que ela não tivesse chance contra aqueles caras, ela parecia muito assustadora. Como de costume, sua entrada foi triunfal. Já havia tido contado com as pessoas que moravam naquele prédio, então facilitou as coisas. O jeito debochado como ela o olhou e como pronunciou seu nome de maneira sarcástica o deixou intrigado. Olhos castanhos ferozes, a mulher parecia uma onça pronta para atacar.
Quando terminou de lidar com aqueles homens medíocres que estavam dificultando sua vida, teve a oportunidade de conversar com o advogado, que tinha um escritório pequeno naquele prédio, e tentar convencê-lo de aceitar o acordo que, em resumo (e palavras simples que não diria) era: “então, essa é um proposta incrível para você e companhia tirarem suas tralhas desse prédio caindo aos pedaços para que eu possa derrubá-lo sem segundas intenções (é claro)”, entretanto, o que ele achava que fosse simples estava virando uma pedra em seu sapato. O grisalho era rabugento e desconfiado. Por um segundo pareceu familiar. Então, o que ele desejava que fosse apenas “familiar” virou um enorme desgosto – mal sabia ele que agradeceria todas as manhãs por aquele “desgosto”, foi ingênuo demais – quem diria que a desconhecida de antes fosse filha do tal advogado. Não ficou totalmente surpreso, pois o gênio dos dois era o mesmo.
Como se não bastasse os dois teimosos, ainda havia alguém – que ele ainda não sabia quem era, mas tinha certeza que estava por trás dos capangas de mais cedo – querendo o prédio também, e para que impedissem de demolir antes da hora, Vincenzo teve que agir. Quando disserem que ele é o maior advogado de toda máfia que sempre da um jeito em tudo, acredite, pois ele é. Foi preciso da ajuda dos moradores do prédio para organizar o que ele planejava, e no final, deu certo. Quem diria que o embaixador da Itália estaria no lugar certo na hora certa, não é mesmo? Coincidência? Quem sabe. A festa estava mais que esplêndida, atraiu muita gente, afinal, esse era o propósito. Atraiu também uma ferinha de olhos castanhos a quem ele acenava a cabeça enquanto bebia um gole de vinho.
– buona serata, mademoiselle! – saudou cordialmente.
– Vamos conversar. – Cha-young respondeu ríspida, não era boba, conhecia aquele tipo.
Subiram até o segundo andar do prédio, era aberto e tinha uma visão ampla da festa.
– Você pagou pela festa do seu próprio bolso para que pudesse impedir que destruíssem este lugar. Isso não é boa vontade ou ousadia. O que você quer? Por que está fazendo isso?
Cha-young era inteligente o bastante para entender que aquilo que aquele estranho estava fazendo não era gentileza. Uma hora ou outra descobriria o que era.
Vincenzo olhou para ela admirado. Não poderia brincar com a fera.
– Você usar um terno Booralro diferente por dia. O que será que quer fazer com o prédio? – ela continuou curiosa.
Ela não para de surpreendê-lo.
– Conhece o Booralro?
– Quem não conhece? – ela pegou o pulso de Vincenzo e puxou o tecido deixando a marca bordada a mostra. – Booralro é o alfaiate mais conhecido de Milão.
– Uau. – ele respondeu quase batendo palmas.
– então me diga por que está fazendo isso. – exigiu.
O mafioso se debruçou sobre o para peito.
– Eu me apaixonei por este lugar. – mentiu.
– Por quê?
– O amor não tem motivo.
– Deveria. Todo mundo finge que não tem, mas sempre tem. – cuspiu as palavras.
– Prefiro um amor sem motivo.
– O que é isso? Quer tornar isso romântico quando sabemos que não é.
Vincenzo teria que ter mais cuidado, discutir com ela seria uma causa perdida.
Na verdade, o mafioso admitia e lamentava, subestimou muito os inquilinos, principalmente a família de advogados teimosos. Por Deus, nunca havia presenciado tamanha discordância como aquela. Os encontros entre ele e onça braba começaram a ser corriqueiros, até viu algumas fotos antigas dela pendurado na casa do pai quando o foi visitar, em um primeiro momento achou que fosse outra pessoa, até havia perguntado para o Sr Hong se ele tinha outra filha, mas não, era realmente ela, uma frase que definia era: “o tempo faz milagres”. Aliás, Hong Cha-young era do nome dela. Criadora do caos – mais tarde seria a criadora do caos em seu coração – entre seu SIMPLES plano.
Digamos que ele não poderia mais chamar de “simples”. Empecilhos surgiram em seu caminho, muitos empecilhos. E o que Vincenzo achou que não envolveria morte – em um primeiro momento – ficou inevitável. Não envolvia mais somente o ouro, forças maiores estavam por trás disso, não era como se ele quisesse bancar o detetive gostosão (querendo ou não, ele era), mas depois de que quase morreu, seria impossível não investigar mais a fundo. O mafioso não sairia de lá sem o ouro mesmo.
Estava deitado de olhos fechados na cama do hospital quando ouviu uma voz triste e chorosa. Hong estava desabafando, pelo que entendeu entre os soluços da moça ela tinha pagado a conta do hospital por uma semana para ouvir sua versão da história e que estava fazendo papel de idiota chorando ali. E não, ela não estava chorando por sua causa, mas sim pelo pai. O velho tinha morrido naquele acidente – que claramente não era acidente, mas sim a mando de alguém –. Ele pode sentir na voz dela a dor e a frustração.
– Estou pagando esse quarto e conta do hospital só para ouvir sua versão da história, faz ideia de quanto isso custa?! – ela disse indignada.
– Então vamos ao banco.
– Transfira para mim...
Ela não sabia, mas ele já tinha acordado no dia anterior e se lembrava de tudo. Achou graça da cara de surpresa que ela fez quando ele se levantou. Até tocou em sua testa e bateu em sua bochecha verificando se a sensibilidade havia voltado. Seu toque era quente. Gostou da sensação. Na verdade não, não curtiu o que sentiu, o deixou meio inquieto. Então, com a maior calma do mundo, segurou os pulsos femininos o tirando de perto de si.
Mais tarde visitou o túmulo do aliado falecido. Ficou com raiva, não deixaria passar. Se alguém tinha feito aquilo no intuito de tirá-lo de cena, algo mais podre estava envolvido. Pelo que sabia, o advogado trabalhava no caso da babel farmacêutica, com acusações de substâncias ilícitas nos remédios e morte em um funcionário. Coincidência ou não, Cha-young também trabalhava no caso, só que do lado oposto ao pai, junto da advocacia Wusang, conhecida por defender seus clientes independentes da sujeira. Porém, depois que difamaram seu pai, mudou de lado. Isso incomodou Vincenzo, e, de certa maneira, falou a verdade na cara dela, não se preocupando em parecer insensível ou grosso, pois era essa sua intenção.
Sabendo que não conseguiria sozinha, ela foi atrás dele e sugeriu uma parceria inusitada. Um pouco hesitante, aceitou. Afinal, não era todo dia que uma mulher bonita como aquela fazia uma proposta perigosa. Claro, eles não sabiam dos riscos que iriam enfrentar, porém, Vincenzo Cassano era muito maior que todos os evolvidos.
Os meios que o advogado da máfia usava era um pouco peculiares. Algumas coisas aconteceram depois que decidiram se unir naquela empreitada: Cha-Young foi presa por uma acusação falsa, Vincenzo colocou um monte de faca no travesseiro do presidente da babel, tirou Hong da cadeia e ela descobriu que ele era da máfia. Oh droga.
Eles precisavam trabalhar juntos, tinham que convencer as testemunhas do caso da babel para que se manifestassem, segundo ela, seus métodos de convencimentos eram infalíveis. Vincenzo tinha suas dúvidas.
– Quer apostar que eu consigo?
Ele a olhou com cara de paisagem.
– Que tal um peteleco? Quem ganhar da um peteleco no perdedor.
Muito maduro.
– Não somos crianças. Além disso, não bato em mulher nem em um jogo.
– Não é assim. É uma punição simples por perder a aposta. – insistiu ela com a boca cheia de sanduíche.
– Não. Pretendo viver com meus princípios.
– Enfim, observe e aprenda.
Foi a coisa mais fingida que ele havia visto. O choro falso de Cha-young, sem surpresa alguma, não funcionou. As testemunhas ficaram assustadas isso sim. Ele teve que resolver a situação, e, como sempre, deu certo.
Estavam no escritório da jipuragi quando o Sr Nam se despediu dizendo que iria há um encontro as cegas. Cha-young se despediu e permaneceu estática, torcendo para que seu parceiro não se lembrasse da aposta. Virou-se devagar com um olhar esperançoso e disse:
– Vamos jantar? – ela o olhou com cara de desentendida, o sujeito alongava os braços e puxava os dedos para trás, como se estivesse treinando. Logo depois tirou o paletó – o que está fazendo?
– Fizemos uma aposta antes.
– Disse que não batia em mulheres, mesmo num jogo.
– Você disse que podia.
– Sim... Eu d-is-sse isso. – gaguejou frustrada. – aish, precisa se aquecer só para um peteleco?!
Ele alongava o pescoço e os ombros
– Vamos proceder? – mandou a chamando com os dedos.
– “Vamos proceder”? Estou sendo condenada? – ela fez um bico de raiva. – certo. Pra que tanto espetáculo? É conta os seus princípios. – murmurou enquanto chegava perto dele. – tudo bem, acabe com isso. Manda ver!
Vincenzo direcionou seu indicador até a testa dela. Hong estava engraçada e fofa ao mesmo tempo. Apertava o rosto, o bico e a testa franzida continuavam ali. Ele a admirou por um instante. Os detalhes do rosto dela eram tão suaves, a sobrancelha delimitada, as bochechas coradas e os lábios pintados levemente de vermelho. Algumas mechas da franja se soltavam de trás da orelha que devia ter uns três furos de tanto brinco que tinha. Ela era muito atraente. Um sorriso maroto estampou o rosto do mafioso e logo depois, encostou a ponta dos dedos na testa dela.
Ela olhou pra cima sem entender.
– O que foi isso? Faça direito. – sussurrou.
– Eu tentei, mas errei.
A primeira vez que eles enfrentaram a babel no tribunal foi de tirar o fôlego. Hong Cha-young estava linda naquele terninho rosa bebê, não só linda como também poderosa e imbatível. Chegaram no maior luxo, tinham que causar um impacto logo de primeira. Vincenzo jurava que se Cha-young não fosse advogada, com certeza iria investir na carreira de atriz. O desmaio falso na hora da sua fala de acusação foi muito bem feito, ele tinha de admitir. O auge do dia nem foi esse, com a ajuda dos inquilinos do prédio, conseguiu que vespas fossem soltas na sala para picarem o juiz corrupto. Vincenzo não era idiota, sabia que, se não adiassem a sessão, o juiz iria dar o caso em favor da babel, era óbvio que trabalhava em favor deles. Enfim, foi um sucesso.
Para comemorar, saíram pra beber naquela noite, de alguma maneira, o mafioso se sentia confortável ao lado dela. Na verdade, não era fácil lidar com seu temperamento eufórico, mas até que estava se saindo bem. A advogada era intuitiva e desconfiada, ela sentia o cheiro de seus interesses pelo Geumga Plaza. Vincenzo precisava da ajuda dela para conseguir o prédio, porém, sabia que ela o encheria de perguntas. Ele não sabia ao certo se era a bebida que já estava fazendo efeito ou se simplesmente queria contar a ela.
– Prometa que vai guardar segredo. Não pode contar a ninguém.
– Quer que eu rufe os tambores? – sugeriu batendo na mesa e fazendo um barulhinho com a boca.
Ele segurou as mãos dela, interrompendo o barulho, ela fez um biquinho.
– Debaixo do Geumga Plaza – começou sussurrando perto do ouvido dela – tem uma tonelada e meia de ouro.
– Uma tonelada e meio? Quanto isso vale?
– Cerca de 110 milhões de euros ou 150 bilhões de wones.
Ela fez um “AHHH” exagerado enquanto colocava as mãos tampando a boca pela surpresa.
– Só que tem um problema...
– Embaixo da minha casa – ela disse o interrompendo chegando perto de seu ouvido – tem 100 bezerras de ouro.
Ela riu histérica enquanto balançava as mãos de um lado pro outro para logo depois bater em seu ombro enquanto ria e ria. Vincenzo olhava aqui para ela sério, estava prestes a revirar os olhos.
– Aigoo! Essa foi boa! Você sabe como provocar as pessoas blefando. – ela disse se levantando – eu pago a conta.
– “Blefando”? Ei!
– Vamos, sheik mansour Cassano! – e saiu pela porta.
– Mas é verdade, aish!
Era só o que faltava, depois de encurralá-lo sempre que podia para se intrometer no assunto do prédio, quando ele decidia contar a verdade, ela não acreditava. Pensado bem, era compreensível
Folheavam os papéis em busca de mais alguma coisa que os ajudaria, suas costas doíam.
– Quando os processos acabarem, qual seu próximo plano? – Cha-youn perguntou.
– Este é o último. Vou embora depois de cuidar do prédio.
– Sem ver o grupo babel desmoronar?
Ele levantou o rosto para olhá-la. Suspirou.
– Acho que isso é o suficiente para acalmar minha raiva.
– Queria saber se você vai ficar na Coréia.
Seus olhos se encontraram. Ela sorria, por que ela sorria? Por que ela se importava se ele iria ficar na coréia ou não? Desviou o olhar, tinha medo de se perder na profundidade dos olhos castanhos.
– Não tenho muito apego a este país, quero ir embora logo. – disse por fim bebendo o restante de café que tinha na xícara.
A advogada ficou quieta por alguns segundos.
– Claro. É melhor ir embora. Você tem sua própria vida.
Aquilo, de alguma forma, doeu. Pegou a xícara de café novamente e levou em direção à boca esperando o gosto do liquido preto um pouco amargo descer pela garganta, mas a xícara estava seca. É mesmo, não tinha mais nada.
Foi um descuido, um descuido. A essa altura já sabiam quem eram os vilões da história, mas ainda faltava o principal, o presidente da babel, o verdadeiro. Invadiram a casa de Cha-young para ameaçá-la. Vincenzo já havia notado que estavam sendo seguidos desde que saíram o restaurante que estava jantando junto com as vitimas, por isso que, depois que a deixou no portão de casa voltou. Eram somente dois, foi fácil dar conta. Concluiu que seria melhor Hong ficar em outro lugar por enquanto, perguntou se ela tinha com quem ficar e sugeriu para que ligasse para esse pessoal. Ela acenou um sim com a cabeça. Ele sentiu o celular vibrar e o pegou para atender.
– Não.
– Por que não? – ela perguntou olhando pra ele enquanto fazia um biquinho.
– De jeito nenhum.
Vincenzo estava em casa fazendo seu precioso lámen quando ouviu umas batidas desesperadas na porta. Era ela, estava pálida dizendo que estava com medo. Por Deus, ele tinha acabado de deixá-la num hotel. Todos seus esforços não adiantaram, pois ela invadiu sua casa, comeu seu lámen e fez perguntas do tipo: “você já matou alguém?”. Não era o melhor assunto do mundo quando se está sozinho com uma mulher atraente, de suéter exibindo os lindos ombros deitada ao seu lado. Não literalmente ao seu lado – infelizmente – ela no sofá, ele no chão. O por quê? Bom, não é sempre que centenas de pombos invadem seu apartamento – que está caindo aos pedaços – e tomam o seu quarto para eles. Porém, a questão era: o que ele estava fazendo? Seu foco estava, aos poucos, se desviando. Mesmo que estivessem naquela batalha contra a babel e a wusang ele sentia que seu foco era atraído para outro lugar. E, mais tarde, se arrependeria por não ter se importado.
O auge foi quando ele foi sozinho fazer uma armadilha pra descobrir quem era o verdadeiro presidente da babel, ele avisou a advogada de ultima hora para que ela não se preocupasse, ele sabia que, se contasse, ela daria um chilique. O som das balas sendo disparadas por ambas as partes o mantinha em alerta, ele era experiente, sabia o que estava fazendo. Tanto é que logo que um capanga caiu no chão, pegou o celular dele e exigiu que fizesse a senha. Com o aparelho já desbloqueado, estava pronto para ir em “chamadas” quando o som de um carro estacionando chamou sua atenção. Cha-young saiu do automóvel e correu em sua direção, o vento gelado fazia o cabelo castanho voar, o rosto estava corado e ela chorava.
Por um momento, parecia que o mundo havia parado. Apenas eles e a neve caindo estavam ali. O impacto do seu corpo no dela o fez dar um passo pra trás. Ela o abraçou e enterrou o rosto em seu peito. Por um instante, ele não soube o que fazer. Pela primeira vez, ele hesitou. Porém, bastou alguns segundos para retribuir o abraço pousando a mão sobre os cabelos dela. Ela era fria, e ele, por coincidência, amava o inverno.
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