As duas primeiras noites no castelo são estranhas. Eu achava que saberia lidar, mas tudo ali ainda me é estranho e novo, e eu sei que a realeza não é a minha casa. Nada dali me pertence, não tenho razão mais óbvia além da minha vida para ficar. Me torturo pelas próximas horas de descanso, de solidão e adaptação. Poderia ser comum, mas o ócio nunca me foi mais que uma distração de alguns minutos.
Por ora, descubro que a comida ali é incrível. E que eles gostam de ser bastante pontuais nas refeições. Não iremos comer junto à família Uchiha, apenas alguns minutos depois deles, o que acho bom. Quanto mais eu evitar vê-los, melhor. Além de que terei apenas o olhar de julgamento das meninas enquanto como igual uma máquina mortal.
Não como demais por ser gulosa. Como demais porque nunca tive a oportunidade de ter tantas opções numa mesa, ou de comer mais de duas vezes ao dia. E isso me transporta para a minha aldeia, para a minha mãe e Naruto, juntamente a sua família e outros conhecidos que deixei naquela terra miserável. Não parecia justo eu estar me empanturrando enquanto eles passavam fome, mas apesar de tudo, eu ainda confio em Jiraiya, e acredito que ele esteja os ajudando.
E antes de dormir, a culpa piora mais um pouco. É quando sinto falta do calor da minha mãe quando dividíamos a mesma cama, ou das conversas divertidas noite adentro que eu tinha com Naruto. E agora eles estão sem mim, e não gosto de pensar em como devem estar seguindo suas vidas como se eu não fizesse falta, mas também não gostaria que eles estivessem sofrendo por mim. É um dilema que me sufoca na maioria das vezes, mas não tanto quanto a vergonha que sentirei quando vê-los novamente. Isto é, se eu vê-los. E quando isso acontecer, espero estarmos todos bem resolvidos.
Me sinto até insensível por não chorar, não espernear por essa saudade que me aperta. Mas não parece o momento certo. Sinto que estou no começo de uma viagem, e que o destino incerto me deixa abraçada em sensações frescas que me remetem a curiosidade. Estou mais atenta em tudo a minha volta, justamente para me manter viva e dentro do jogo. Quero saber quem são os Uchihas. Quero saber, principalmente, o que eles planejam fazer com a gente.
E quando estou de frente para o espelho, observando pela décima vez a minha roupa para a primeira fase do Ritu, não consigo compreender aonde isso irá nos levar. Mas, surpreendentemente, estou vestindo calça preta, botas pretas e camisa preta de mangas compridas. Se visto um colete com a insígnia da realeza e me dão uma arma, estarei parecendo um dos membros da guarda real. Mas ainda pareço uma das pretendentes, e Kiara trança meu cabelo para que minha feminidade ainda esteja presente.
— O que isso significa? — pergunto a elas.
E pela expressão de frustração, elas não parecem as melhores pessoas para responder isso. Mas Lara não me deixa no escuro.
— Muitas coisas nos foram ditas, e muitas outras, não. Mas com certeza, a razão dessas roupas não nos foram ditas.
— Deve ter alguma coisa a ver com a simulação. — especulo mais a mim mesma.
Não tive estudos de primeira, mas sei o que significa uma simulação. Mas poderia ser uma simulação de muitas coisas, como coisas de princesas ou rainhas. No entanto, ao ver por aquelas vestes e sua cor, não será uma simples simulação, muito menos algo amistoso, e começo a me preocupar quando sou escoltada por dois guardas até a parte externa do castelo.
É a primeira vez que saio desde que cheguei aqui. O dia está bonito, mas o inverno está cada vez mais próximo e logo os dias ensolarados serão escassos durante dois meses e meio. Até lá, fico curiosa para saber como é a neve, já que a Aldeia do Sol é uma das terras sazonais, como a Aldeia de Estilha e de Gelo.
Sou guiada pelos caminhos que serpenteiam a jardinagem perfeita do castelo, e embora estejamos ainda na metade do caminho, percebo que estou sendo levada para as instalações que tem logo no início da ilha, circundando em meia lua todo o terreno. E dali de perto, vejo melhor que seu contraste com o castelo é grande, a começar por todas as estruturas de aço e vidro, azul e cinza, transpirando algo completamente inovador.
Quando entro, por um motivo óbvio aquilo me remete a Aldeia do Ar. Nunca estive lá, mas imagino que tenha toda uma estrutura como esta, de última ponta. Sou guiada cada vez mais para dentro daquele lugar, e então descemos uma escada e aquela parte inferior parece mais assustadora, além de fria, com seus corredores longos e numerosos, dando uma sensação de labirinto. Mas os guardas parecem saber onde me levar.
Há salas com parede de vidro e noto ser alguns laboratórios, com pessoas de jalecos brancos muito concentradas no que fazem. Sou levada a uma dessas salas, e uma mulher me recebe. Ela me pede educadamente para eu sentar em uma cadeira que há no canto, e a obedeço, mas sei que estou apreensiva por ver tantos computadores, béqueres e uma cabine cilíndrica, iluminada e conectada aos servidores.
— Saky Senju. — diz a mulher ao ler o meu prontuário em uma das telas sobre a mesa. — Dezenove anos, Aldeia do Sol.
Ela se aproxima com uma seringa em mãos e olho assustada para ela, e tento imaginar um sorriso reconfortante por debaixo de sua máscara branca, mas não sei se confio em seus olhos frios e impassível. Deve estar exausta de repetir aquilo sempre que possível.
— Precisarei coletar um pouco do seu sangue, só para saber se a sua saúde está em ordem.
Vinda da Aldeia de Ferro, eu duvido muito que minha saúde esteja ótima. Mas não tenho escolhas, como também dificilmente eu seria compreendia por demonstrar aversão a agulhas. Então apenas concordo.
Logo depois que encontra a minha veia, a agulha perfura a minha pele em uma dor pungente mas que logo torna-se suportável, consigo sentir o sangue sendo extraído e depois um fio escarlate descer pelo parte interna do meu braço até ser colocado sobre o furo um algodão para estancá-lo.
A última vez que me furaram com uma agulha eu tinha dez anos, e foi para me prevenir de uma gripe que todos temiam em tornar-se epidêmica, mas por sorte fora contida.
— Por favor, tire os sapatos e as suas roupas. Fique apenas com as roupas íntimas. — ela pediu enquanto deslizava e deslizava seu dedo pela tela do monitor.
— Pra quê? — pergunto desconfiada.
— Iremos fazer uma análise de você. É bom que se acostume, pois será algo recorrente durante as simulações.
— O que são as simulações? — pergunto pela primeira vez, vendo que para tal evento, as exigências começam a me assustar.
A mulher dá de ombros, não me dando muita atenção.
— Esse é o primeiro Ritu que todos que estão aqui participam. Então apenas Kabuto tem conhecimento do que se trata a simulação, ele está à frente de tudo.
— Mas você trabalha com ele, não deveria saber? — minha insistência parece irritá-la, percebo porquê ela me olha impaciente.
— Sou apenas a enfermeira. Então me ajude a fazer o meu trabalho. Por favor, tire a roupa.
Desta vez, sinto que se eu não obedecê-la, ela irá arrancar por si mesma. Mas quando estou levantando a barra da blusa, paro, e olho para os guardas que estão no corredor. Olho para a enfermeira e ela parece entender minha hesitação; com o indicador, ela aperta um botão próximo à porta, e então a parede de vidro tornou-se esfumada, como se nuvens cinzas estivessem bloqueando a vista, como mágica.
Quando estou só com as roupas debaixo, a enfermeira me pede para entrar na cabine e tentar permanecer o mais imóvel possível, e o faço com um certo receio. Não sei o que acontecerá ali, nunca estive tão perto de tanta tecnologia, e a novidade chega a ser fascinante e assustadora; mas estou quase nua e quando a porta da cabine se fecha quando já estou lá dentro, a sensação claustrofóbica de prisão começa a formigar pelo meu corpo.
— Isso vai demorar? — pergunto olhando ao redor, sentindo-me enlatada.
— Será uma triagem bem rápida. Começando… agora!
Assim que desliza dois dedos para cima na tela do monitor, dois raios de luz vermelha circundam pelo tubo indo e vindo. Há um zunido de sua atividade, o que soa incômodo, mas tento não me mover, como a enfermeira ordenou.
Olho de soslaio para o monitor onde ela tanto se baseia e vejo a silhueta de um corpo feminino – o meu corpo. Ele está quase todo preenchido por um tom avermelhado, e imagino que a outra parte vazia, seja a que resta.
Falta pouco, penso.
A porta é aberta, Kabuto passa por ela mexendo na armação dos óculos e sorrir ao me ver. Tento me esconder atrás dos meus braços magrelos, não quero que ele me veja assim. Embora, eu ache que ele está sorrindo por ver que mais um experimento seu está em andamento, e não porque estou só de calcinha e sutiã.
Experimento. Não sei de onde eu tirei isso, mas era como me sentia.
— Como está a varredura? — ele a pergunta.
— Quase completa. — A enfermeira o responde.
— Ótimo. Estou ansioso para saber mais sobre você, srta. Senju. — agora ele se dirige a mim.
— O meu poder, você quis dizer? — pergunto ignorando a minha situação atual.
— Sim, isso mesmo. — ele não esconde seu real interesse.
— Varredura concluída. — diz a moça.
Finalmente as luzes vermelhas param e a porta da cabine se abre, e antes que eu esteja colocando um pé para fora, Kabuto está me passando um jaleco igual a da enfermeira. Aceito e me cubro rapidamente. Não tenho vergonha do meu corpo, mas eu me sentia mais à vontade quando estava na Aldeia onde todos os outros compartilhavam do mesmo físico desnutrido como o meu.
Sento-me e ele se encosta na beira da mesa.
— Vamos ver como anda você, srta. Senju. — diz Kabuto apanhando da mesa um aparelho onde seu dedo começa a deslizar. — Os resultados de seu sangue mostra que você está com anemia em um estado razoável. E ao ver pelo seu estado físico, eu diria que isso poderia explicar a magreza.
— Foram dias difíceis desde a morte da minha mãe. — falar aquilo pesa em minha consciência, minha mãe não está morta, mas a de Saky está; preciso usá-la como motivo para qualquer fraqueza que eu demonstre.
— Eu imagino. Mas iremos tratar disso com algumas vitaminas, certo? — concordo e ele volta a olhar para a tela. — Não há nenhuma outra anomalia em seu sangue além da anemia. Então agora, vamos para a parte mais legal. O seu corpo.
Ele sorrir mas não o correspondo. É estranho saber que mesmo sendo meu corpo, eu mal o conheço agora depois da bênção, mas graças a Kabuto isso deixará de ser um mistério. Tenho medo que isso seja usado contra mim, já que o meu poder é o que eles exatamente procuram.
— Aisha explicou para quê serve esta cabine? — ele me pergunta e olho para a mulher que me atendeu; Aisha é o seu nome.
— Não. — respondo monossilabicamente.
— Essa cabine está aqui desde o primeiro Ritu. A princípio a sua função era fazer apenas uma triagem rápida de qualquer um que entrasse nela, mas seu uso requer muita carga de energia e então tivemos de limitar o seu manuseio.
Kabuto alisa a cabine com cuidado, enquanto olha maravilhado para aquele item de estudo.
— Hoje em dia a cabine apenas analisa pessoas já abençoadas, o que torna seu uso agora muito raro, o que é irônico. — ele solta uma risada envergonhada mas logo se volta para mim. — Mas este é um ano de sorte para a cabine, e para mim. E esta, é você por dentro, srta. Senju.
Ao virar a tela em minha direção, vejo a minha silhueta pulsar pelas extremidades em uma tonalidade verde. Aquele verde que surgira inesperadamente em minhas mãos. Pego de Kabuto o objeto que se posiciona levemente sobre meus dedos; faço isso para sentir que isso me pertence, que isto é eu. Brilhando e pulsando, verde como uma aurora noturna, fria e tomada por estrelas.
— O seu poder é físico. A cabine detectou em você uma força superior emanando de seus órgãos vitais, fibra, nervo… o seu chakra indicou a cor verde. A cor da cura.
Pisco para a tela, e pisco para ele. Isso não é uma novidade. Não comecei a me curar sozinha há alguns dias, isso vem desde minha infância, sempre esteve comigo, então não me surpreende. Mas porque eu sempre fui assim? Devo contá-lo? Ou apenas talvez a minha capacidade de cicatrizar tão rápido e nunca adoecer só cooperou para que a minha bênção intensificasse este dom.
Fico em silêncio enquanto analiso a situação, mas isso não é muito revelador. Pela cara de felicidade de Kabuto, ele deve imaginar que estou surpresa demais para dizer algo. Mas ele continua assim que pega de volta o aparelho da minha mãos.
— Fora isso, seu batimento cardíaco está normal, e os seus órgãos estão bem, embora o pulmão pareça um pouco afetado. Inclusive, você fuma?
— Não. — digo baixinho, lembrando da poluição em minha aldeia, das pessoas que morrem cedo demais por não aguentar toda a sujeira.
Kabuto me encara por alguns segundos debaixo daquelas lentes. Deve achar que estou mentindo, afinal, o sistema mostra que meu pulmão não é dos melhores. Mas não acho que as chances de eu ter fumado alguma vez, seja relevante para si, pois apenas uma coisa o interessa.
— Muito bem, agora só nos resta ir para a simulação. — ele une as palmas em um único estalo e se põe em posição. — Vista sua roupa e os guardas a guiarão até a outra sala, me espere lá. Terei de ver a varredura da srta. Hyuuga. Vejo-a em breve, srta. Senju.
Ele se despede, mas antes que saia, o detenho.
— Sr. Yakushi?
— Sim? — O mesmo se vira, com as sobrancelhas arqueadas enquanto espera eu dizer algo.
Quero perguntá-lo mais sobre a simulação. Se eu era obrigada a fazê-lo, ou se doeria. Mas isso soaria medroso demais, e a última coisa que eu quero é ser fraca. A fraqueza me diminuiria diante deles, me deixaria para escanteio, e em outras circunstâncias na minha aldeia, eu seria dada como inútil. Não posso ser uma inútil.
Penso rapidamente em outra coisa que não seja qualquer sinal de fraqueza. Então uma dúvida real me surge:
— Se estou anêmica, e posso me curar, porque ainda não estou boa disso?
Ele parece pensar por um segundo, até que franze o cenho.
— É uma boa pergunta, srta. Senju. Irei estudar isso melhor para você.
Concordo e então ele sai. Não foi a melhor coisa a se dizer, no final. A última coisa que eu queria era virar um objeto de estudo científico, mas a última coisa que eu gostaria também, era não saber como meu poder funcionava.
É bom saber se há algum limite. Não quero correr o risco de subestimar a mim mesma, mesmo já fazendo isso com frequência.
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A sala da simulação fica numa ala isolada e protegida pela guarda real. Meus batimentos cardíacos tomam compassos da qual eu não consigo controlar, estou nervosa, não gosto do rumo que isso está tomando. Mas me corrijo, em nenhum momento fantasiei que a simulação fosse algo agradável, mas também não cheguei a imaginar que ela pudesse me deixar apavorada.
Calma, é só uma simulação, não pode me ferir. Digo a mim mesma, repito e repito até Aisha usar um cartão na porta para fazê-la abrir logo em seguida. Eu não esperava que ela viesse junto, mas também não acreditei muito quando disse não saber sobre o que se trata a simulação, e quando ela me guia para dentro, tenho mais certeza ainda de que sabe e só esteve me poupando da verdade.
Mas não demora muito, e eu começo a conhecê-la.
A primeira coisa que noto, é o ambiente oval com suas paredes de aço e o típico azulado e cinza clareando o ambiente, tornando-o suportável. Há duas pessoas sentadas em frente a um painel que brilha com informações em letras e números, onde deslizam seus dedos afoitos mas assim que percebem a minha presença, olha-me com curiosidade. Sou a primeira abençoada que eles veem na vida, sou uma das poucas que pôs o pé aqui.
É inevitável o sentimento de significância que me surge de forma arrogante e inesperada; nunca me senti assim, mas isso não toma conta de mim por muito tempo porque só depois que estou mais perto o suficiente, noto uma câmara. Lá dentro, há uma cadeira reclinável, onde possivelmente ficarei deitada.
Kabuto surge logo depois, bastante animado.
— Venha comigo. — ele pede e eu o sigo, hesitante, e com perguntas.
— O que vocês vão fazer comigo?
— Iremos conectá-la ao sistema, mas não se preocupe, não irá doer.
Quero acreditar nele, e talvez eu até consiga quando não vejo nenhum tipo de objeto pontiagudo que poderia me ferir.
Assim que Kabuto adentra primeiro à câmara, as luzes brancas se ascendem iluminando tudo, e vejo melhor alguns fios que pendem pelas laterais da cadeira que está conectado há um tubo de ligação visível que corre pelo chão em direção ao painel do outro lado onde outras pessoas o operam.
— Sente-se. — ele me indica a cadeira, mas não aceito o seu comando de imediato.
— O que vai fazer comigo? — pergunto mais uma vez, sob o mesmo pavor, esfregando meus dedos uns nos outros, tão suados e trêmulos. Pare, pare, pare.
Kabuto ajusta a armação de seu óculos.
— Irei conectar esses eletrodos em você para checar seus batimentos cardíacos durante a simulação. Posso? — ele segura um dos fios e me indica a cadeira.
Isso não parece ruim. Então me aproximo e deito na cadeira reclinável que é confortável e fria, fazendo minha tez arquear com o toque inesperado.
Kabuto pede licença quando começa a conectar os eletrodos por debaixo da minha blusa. Em alguns segundos eles estão conectados ao meu coração e às minhas têmporas também; ele explica que estes irão indicar as minhas atividades cerebrais.
Quando termina, ele dá a volta até estar à minha esquerda, e ao mexer na parte inferior da cadeira a procura de algo, Kabuto levanta a mão que agora segura uma seringa. Olho com surpresa para o instrumento, e então, confusa para ele que logo explica.
— Isto aqui irá conectá-la a simulação e também ao nosso computador.
— Outra agulha. — digo encarando aquele haste fina e longa. — Pra quê isso?
— Você é tão curiosa. — comentou sorrindo ambíguo, mas não me intimido pela sua acusação.
— Não gosto de pessoas me furando. Então devo ao menos saber o porquê disso. — falo rispidamente, um pouco trêmula talvez, mas soou como quem eu realmente sou. Talvez Jiraiya e Shizune me brigassem por isso.
— Tem razão. — Kabuto solta um suspiro após não conseguir sustentar por muito tempo aquele seu sorriso lunático. — A simulação consiste em um soro muito avançado para a nossa tecnologia atual. Nele, há um transmissor bem pequeno que irá parear com o nosso sistema. Quanto mais livre de fios você estiver, melhor.
Ele indica o bisel da agulha em direção ao meu pescoço, esperanço a minha permissão. Isso tudo é muito louco e assustador. Sei que o efeito do furo não irá causar muitos danos, e o incômodo logo irá passar, mas o problema está no que ele estará injetando em mim. E não importa se é a última tecnologia, não consigo confiar, não consigo fazer meu coração parar de bater mais forte porque uma parte de mim tem pensando em sair correndo.
— Saky? — ele chama a minha atenção e o olho atentamente. — Terei de dar prosseguimento à simulação. E é necessário fazê-lo se quiser continuar no Ritu.
Eu não tenho escolha. Se desistir, serei a fraca, a covarde, serei a garota da Aldeia de Ferro morta porque não posso ser uma abençoada comum lá fora. Tenho de ser quem eles querem que eu seja.
Umedeço meus lábios secos. Minha garganta também está seca, mas não acho que atrasariam mais uns segundos para me dar um copo de água. Kabuto parece estar mais ansioso que eu.
— Tudo bem. — concordo, já meneando a cabeça para que ele tenha uma visão melhor do meu pescoço quando está passando o antisséptico.
Acho bom não estar olhando para a agulha, mas ela logo encontra a parte macia do meu pescoço e faço uma careta quando aquele beliscão torna-se agudo e sinto o líquido adentrando pesado. Quando Kabuto termina, parece que tudo em mim torna-se amargo e sólido.
— O efeito será em poucos segundos, então relaxe. — ele diz assim que descarta o material e se afasta relativamente de mim. — Só mais uma coisa. O soro estimulará suas amídalas, parte de seu cérebro responsável pelas emoções negativas, induzindo você então a uma alucinação.
Emoções negativas. Não gosto disso, e parece ser bem visível quando Kabuto sorrir. Mas não sei se é de orgulho, ou por eu estar tão assustada.
É uma boa hora para tentar escapar, mesmo eu sendo obrigada a estar aqui. No entanto, não consigo me mexer, não consigo nem sequer respirar direito. Minha pulsação aumenta, minhas mãos estão suadas; bem como minhas pálpebras começam a pesar e meus pensamentos se misturam, juntamente a visão turva.
— Esta é a sua simulação, Saky.
E de repente tudo fica escuro. A minha respiração é a única coisa que sinto, a única coisa que tento manter no controle, mas quando abro meus olhos, outra vez sinto-me perdida e confusa. Estou dentro de um carro que percorre uma estrada reta flanqueada por árvores, e ao meu lado, minha mãe dirige. Não a mãe da Saky – nunca nem sequer tive um rosto como referência, por mais que seja inventada –, mas a minha mãe; a mãe que ficou na Aldeia de Ferro, esquálida e trabalhadora. Ela sorrir ao me ver, e sinto meu peito afundando em alívio.
Meu corpo todo parece tomar uma dose de calmante quando vejo o brilho em seus olhos, e o seu sorriso puro. Queria dizê-la que estou morrendo de saudades, mas me seguro, tenho ficado parada demais admirando cada detalhe seu que me faz falta enquanto estou tão longe.
Ela solta a mão direita do volante e segura o meu rosto, acariciando e mantendo o olhar na estrada. Desde quando ela sabe dirigir? De quem é este carro? Ainda assim, prefiro admirá-la. Toco a sua mão e a sinto fria, mas não deixa de me remeter a minha casa.
— Estou com saudades. — digo sentindo meus olhos se encherem e os lábios tremerem.
— Logo iremos nos encontrar. — ela diz, com os olhos vítreos em minha direção.
Belos olhos amendoados ela tem, tão curiosos… mas não tive essa sorte. Os meus são pequenos e um pouco repuxados e levemente preguiçosos. O motor do carro grunhe quando ganhar mais velocidade. Olho para a frente, há uma curva há poucos metros.
— Mãe? — chamo sua atenção, mas ela continua olhando para mim.
— Em breve, querida… só nós duas.
— Mãe! — grito, tirando todo o ar dos meus pulmões enquanto o chamado se mistura ao meu grito agoniante.
O que acontece depois é rápido demais. Ultrapassamos a curva, e caímos. Um ar gelado percorre meu interior, na mesma medida em que sinto que vou me sufocar enquanto o ar me esmaga ali dentro. O carro dá cambalhotas, fazendo o mundo girar mais rápido e se retorcer, e então um zunido que parece fazer morada quando tudo finalmente para.
Estou de cabeça para baixo, com os braços no ar, sentindo meu corpo dormente. Há sangue escorrendo por debaixo da minha blusa, pincelando meus dedos e gotejando. Sinto que minha cabeça vai explodir, mas não que eu fosse morrer. E quando consigo olhar para o lado, vejo a minha mãe, e a posição estranhamente retorcida em que ela está me causa náuseas, bem como todo sangue e seu olhar vazio.
— Mamãe? — chamo-a, com medo de tocá-la e fazê-la sentir dor, e quando não tenho resposta, grito. — Mãe!
Não consigo mais conter as lágrimas em frente ao desespero. Quero chorar e gritar até tirar aquele peso de dentro de mim, mas por ora, tenho de fazê-la acordar. Tenho que agir rapidamente.
— Por favor… se mexa… acorde. Acorde!
Instintivamente, esqueço o receio em tocá-la e ergo minha mão em sua direção. Sua pele está fria, mas seguro seu antebraço que sangra com força e fecho os olhos implorando por algo. Por alguém. Só Kaguya pode me ajudar, só ela saberá o que devo fazer. E é no momento em que estou clamando baixinho, que sinto uma onda percorrer meu corpo, se concentrando em meus dedos e então se esvaindo como ar quente.
Abro os olhos imediatamente e minha mão brilha. Verde é cura. A cura irá ajudar a minha mãe. Então eu pressiono mais ainda, como se isso fosse ajudar no processo. Tento e espero, mas também começo a me desesperar ao perceber em alguns segundos que isso não será o suficiente. Que a cura, não serve como fonte de renascimento, porque minha mãe está morta.
Mamãe está morta, e eu não sou o suficiente para trazê-la de volta.
Acordo em um sobressalto, horrorizada e traumatizada. Sinto-me mal por dentro, e tenho tempo e raciocínio apenas de virar-me para o lado e vomitar o meu café da manhã, até que eu não consiga manter meu próprio corpo na cadeira e caía no chão frio, por cima do meu próprio vômito.
Vejo uma movimentação adentrando o lugar, mas me esquivo delas. Tenho força e agilidade para levantar-me e mantê-las distantes; as mesmas também não parecem prontas para me conter, então vejo como uma ótima oportunidade – mesmo que tarde demais – para escapar.
Saio correndo da sala de simulação, passando pelos guardas e serpenteando os corredores que logo me deixam tonta. Em determinado momento, percebo que ninguém está me seguindo, mas que também estou perdida. Só que não importa. Eu vi a minha mãe morrer, algo da qual nem em meus piores sonhos cheguei a sonhar. Foi tudo tão real, a voz dela, o seu toque, o medo, o vazio que senti ao perceber que ela havia me deixado… a realidade disso me assusta, e o tremor no meu corpo só mostra que não estou pronta para quando esse dia chegar.
Não sei o que eu quero. Se fugir, ou apenas me recuperar deste pesadelo que agora irá me acompanhar por ser tão tangível. De qualquer forma, preciso parar para deixar meu corpo se recuperar, e se eu não quiser vomitar as tripas também. Apoio os braços na parede de aço e abaixo a cabeça, inspirando e expirando, buscando meu próprio equilíbrio, tirando de mim aquela sensação pesada. Isso pode ser efeito do soro, ou então, da alucinação da perda.
Mas é isto, estou ficando alucinada. Nada daquilo foi real, mas eles se empenharam para que parecesse. E isso me assusta porque é cruel e uma tortura. Devo então, ao menos, fugir dali.
Me aprumo, pronta para voltar a minha busca pela saída. Sei que estou no subsolo, mas também sei que estou perdida porque não lembro destes corredores. Entretanto, no canto da minha visão, uma luz ofuscante atravessa a fresta de uma porta que deixaram semi-aberta. É logo no fim, e embora não seja uma ideia boa, não tenho muitas opções.
Corro para o que parece a minha única saída. Quando alcanço a porta e a empurro brutalmente, sou agraciada pelo som das águas que quebram inquietamente lá embaixo, e então, a maresia salgada que sopra meu cabelo trançado, varrendo para longe qualquer resquício da simulação.
Não sei que área é aquela, mas parece ser boa demais para fugir dos problemas. É uma espécie de sacada, feita justamente para apreciar aquela gruta, onde lá embaixo as ondas incessantes quebram em rochas pontiagudas e a luz do dia entra timidamente.
Me aproximo da balaustrada e toco o ferro frio e enferrujado. O cheiro me faz lembrar de casa… da minha mãe. Ela está viva, sei que está. Fecho os olhos e sinto o ar salgado, ouço o som do mar; se for para lembrar de algo bom, quero lembrar disso. Do ar imaculado e da sensação de liberdade.
Um pigarreio me faz piscar. Acho ter ouvido coisas, até uma voz rudemente grosa e inexpressiva soar atrás de mim.
— Encontre outro lugar, este está ocupado.
Tenho um leve susto ao notar que não estou sozinha, e principalmente, que o homem escorado à parede de pedras é uma cópia perfeita de Itachi, só que com traços mais marcantes. Um rosto para ser lembrado antes de dormir, tão lindo que me tornava tão envoltos em sua beleza quanto às espumas do mar.
Não quero parecer uma fanática pela realeza, mas imagino quem ele seja. É Sasuke Uchiha, o segundo sucessor ao trono.
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