P R E S A G E
Mais de quarenta horas de caminhada. Considerando que precisaríamos fazer algumas pausas, ainda mais com o empecilho que era a neve e a baixa temperatura, eu diria que essa caça demoraria uns cinco dias.
Porém, enquanto caminhava até Taehyung e via Yoongi ao longe conversar com Seokjin um tanto quanto acanhado, eu tinha a impressão que isso demoraria muito mais que cinco dias. Talvez fosse um presságio, um sentimento estranho parecido com a intuição humana — mas, quando se é um ser licantropo, intuição não existe e o que se sobressai é um sentimento instintivo e primitivo. Era como lidar com algo que não era inteiramente seu mas, ainda assim, fazia parte de ti. Não tinha muito como controlar.
Tudo o que eu podia fazer era tentar agir como o bom e aventureiro Park Jimin que sempre fui.
Não era uma aventura, não era uma caça a um tesouro bonitinho que tínhamos cem por cento de certeza que ainda estava ali. Havia muita incerteza; tinha até um pouco de medo — está aí uma palavra que eu não usava com frequência alguma antes de viajar em busca de algo desconhecido. Sempre vinha aquele sentimento animado e até mesmo otimista quando eu estava com Tae nessas missões, já passamos por situações muito complicadas. Dessa forma, eu tentei ser otimista novamente, embora uma onda de realismo tivesse praticamente me acertado quando caminhei até a borda da alcateia e vi todos ali esperando a nossa partida.
Não estava todo mundo, óbvio, mas tinha as pessoas mais importantes para mim antes de ir rumo ao desconhecido. Seokjin ainda conversava com Yoongi de longe, ainda captei Namjoon ao lado de Aksana. Não tinha visto Jeongguk mas, considerando que Taehyung também estava em algum lugar me esperando — apenas para não ter que lidar com as pessoas que não iam muito com a cara dele, duh —, supus que eles estivessem juntos. Porém, eu me enganei ao pegar meus equipamentos e mochila, já que Jeongguk passou como um furacão por mim e sumiu por entre as cabanas. Não era como se ele estivesse com pressa de alguma coisa; eu diria que ele parecia fugir de algo.
Aparentemente eu ficaria sem a despedida do meu curandeiro favorito, aish. Mas tudo bem, eu odiava despedidas.
Por isso eu estava odiando muito todo aquele cenário. Nunca precisei realmente me despedir de alguém antes de alguma viagem ou coisa do tipo. Ter todos aguardando minha partida me deixava com um sentimento muito estranho, era algo que eu definitivamente não estava acostumado. Sem falar que olhar para Yoongi depois da noite que tivemos e pensar que, talvez, nossa próxima noite poderia demorar dias para se repetir, quase me fazia querer não arcar com uma missão desse tipo.
Por outro lado, também me dava determinação. Eu estava tentando focar nessa parte: quanto mais rápido terminasse, mais rápido eu estaria com ele. Simples. Só precisava fazer isso da forma mais planejada e perfeita o possível.
Respirei fundo antes de me aproximar deles. Era a hora.
De perto, Seokjin tinha o rosto mais inexpressivo do que uma parede em branco. Ele tinha umas olheiras escuras abaixo dos olhos também; ao que tudo indicava, o alfa líder também estava tendo momentos difíceis com toda aquela situação. Não era nem um pouco fácil ter a liderança nesses momentos. Namjoon tinha um olhar um pouco mais duro e estava de braços cruzados, mas ele os desfez assim que me aproximei. Ele foi o primeiro a me dar um abraço forte, fui imediatamente perfumado com o cheiro dele e não consegui evitar um sorriso. Eu definitivamente amava Namjoon como um grande amigo que precisei desde o início; me lembraria de dizer isso a ele quando voltasse.
— Por mais que eu ache você um “fodão” — Ele disse a expressão que o ensinei, rindo logo em seguida. — É pra você tomar cuidado, ouviu? Volte inteiro.
— Como eu não poderia, tendo Kim Namjoon como meu modelo alfa a seguir? — brinquei de volta e ele me deu um leve soco no braço, sorrindo e mostrando os dois pontos pequenos e fundos — as covinhas — nas bochechas. — Eu vou voltar inteiro, não se preocupe.
Logo veio Aksana. Diferente do que eu achava que aconteceria, a anciã não disse nada muito longo e elaborado. Ela apenas pegou meu rosto com as duas mãos, abaixou-me para ficar menor que sua altura e deu um selar extremamente maternal na minha testa. Senti meu coração ficar tão aquecido com o ato, mal pude reformular algo concreto para dizer a ela.
— Moy prints — Ela murmurou algo inentedível para mim. Era russo e eu não quis saber o significado logo de cara. Pelo menos, não ainda.
Mas foi o suficiente para meu coração se aquecer e aquela chama de otimismo crescer em meu interior. Tudo iria dar certo e eu me esforçaria o máximo o possível para dar certo.
Seokjin mudou seu rosto inexpressivo para um olhar preocupado; ele pôs a mão no meu ombro e sorriu levemente, o suficiente para parecer um “boa sorte”, mas não muito focado. Logo, o alfa estava olhando aos arredores e eu sabia muito bem que ele estava procurando por Jeongguk. Eu também não sabia onde o ômega tinha se metido, mas eu entenderia se ele não quisesse ver nossa partida. Era compreensível naquele ponto de vista pois, tirando a mim e Taehyung, Jeongguk era um dos mais empenhados na busca do tesouro que mais ajudou a gente. Não sabia o que estava passando por ele, mas eu sabia que ele ficaria bem. Jeongguk era um ômega forte. Ele e Yoongi eram os mais fortes que eu conhecia.
Por falar em Yoongi… Bem, eu não queria fazer uma cena na frente de todo mundo — mas no fundo eu queria mesmo era pegá-lo nos meus braços e beijá-lo até perder o fôlego. Era como se nossa noite não tivesse sido o suficiente; nunca parecia o suficiente e a necessidade de tê-lo perto de mim era um tanto quanto assustadora. Não por causa do próprio sentimento, mas sim por minha falta de costume. Ao que tudo indicava, eu jamais conseguiria sentir isso novamente com uma outra pessoa. Era Yoongi e só Yoongi.
O cheiro dele estava nas minhas vestes; usava a pele que ele me presenteou. Nenhuma baixa temperatura iria me abalar enquanto eu a usasse, além do conforto que o casaco me passava apenas por conter o aroma do meu ômega, ele era quente e pesado. Havia Yoongi por toda a minha parte e, olhando para ele naquele ponto de partida, era bom saber que eu também estava por todo seu corpo.
Em vez de fazer exatamente o que eu queria, apenas puxei-o para um abraço. Dessa vez o corpo do ômega não parecia tão pequeno quanto me lembrava, ele praticamente me embalou em seus braços. Inspirei com força seu cheiro; me lembraria dele durante todos os dias que passaria longe. Eu também sentia a junção dos nossos cheiros, nunca tinha reparado em como eles ficavam tão bons juntos — ou talvez nunca tivesse ficado intenso antes ao ponto de conseguir sentir. Dessa vez estava.
Eu me certificaria de mantê-lo quando voltasse.
— Lembre-se do que eu disse — Yoongi murmurou no meu pescoço. A voz rouca dele reverberava por todo meu corpo, o tipo de sensação que eu ficaria dias retransmitindo para mim mesmo.
— Que você me quer de volta inteiro e que vai caçar qualquer coisa que me machucar nesse meio tempo? — perguntei, sentindo seu sorriso leve enquanto ainda estávamos abraçados.
— Isso também, mas… — Ele inspirou. Os braços dele estavam ao redor de minha cintura, subiu até minhas costas para apertar mais o abraço. — Lembre-se de que eu te amo.
Nunca me esqueceria. Havia uma pessoa que eu amava e que me amava de maneira recíproca para eu voltar depois de tudo. Esse sim era o combustível incomparável que eu tinha para seguir em frente. Yoongi parecia saber muito bem o significado dessas palavras; ele deve ter sentido como eu o abracei mais forte e sussurrei de volta um “eu te amo” silencioso, que nem os licantropos ao nosso redor puderiam escutar. E se escutaram, bem, eles sabiam o que eu sentia.
Fiquei tão imerso ali, por um momento eu pude me desligar — o que durou, no máximo, uns dois minutos que me pareceram lentos e ligeiros ao mesmo tempo. Ao me afastar do meu ômega, segurei aquele rosto tão bonito com minhas duas mãos e encarei diretamente seus olhos. Gravei os detalhes pela milésima vez e, tentando não me importar tanto com as presenças não muito longe de nós, selei rápido aquela boca que, deuses, eu sentiria muita falta.
Um dia ou dez dias; não importava porque eu sentiria falta de qualquer jeito.
Só soube que realmente já estava enrolando muito e que eu precisava ir logo por causa de Taehyung. Eu não precisava vê-lo para saber que ele não estava muito longe dali, na entrada da floresta, me esperando. Era muito estranho ele não estar comigo, ou as pessoas que eu me importava tanto não estarem ali para se despedir dele também. Ainda tinha esperanças de que um dia isso iria mudar. Infelizmente não dependia apenas de mim.
Dessa forma, eu precisava ir logo com Taehyung. Respirando fundo e me afastando de Yoongi, só foi nesse momento que notei que Jeongguk tinha chego. Diferente do que eu imaginava, o ômega estava com o olhar distante e fixo em algum ponto na neve. Ele não levantou o olhar em momento algum, nem mesmo quando Seokjin trouxe seu corpo para perto como se fosse abraçá-lo. Pensei em me aproximar e falar com ele; quando dei um passo em frente, Jeongguk levantou o olhar e apenas me deu um sorriso fechado e leve.
Só assim eu senti que podia ir.
— Okay, isso tá mais dramático do que deveria — precisei dizer para dissipar aquele clima. Funcionou, pelo menos Aksana, Namjoon e Yoongi sorriram. — Vou voltar aqui inteiro com o tesouro em mãos antes que vocês possam dizer "lobo".
— Tome cuidado — Yoongi murmurou, os braços dele estavam em volta do próprio corpo como se abraçasse. — Nós vamos esperar. Vai dar tudo certo.
"Vai dar tudo certo".
Não pude evitar sorrir. Foi o que eu fiz, antes de acenar um "até logo" para eles e me virar em direção à floresta.
[...]
Taehyung estava estranho.
Tudo bem que absolutamente tudo naquelas últimas semanas foi tudo muito estranho para nós, isso influenciava bastante em como agiríamos diante tudo. Não me surpreendia Taehyung tentar a todo custo fingir que estava bem, quando literalmente foi exilado e tinha um acordo não totalmente consentido que envolvia arriscar sua vida. Era, no mínimo, previsível que ele começasse a agir de maneira negligente — Tae fazia muito isso; não gostava de parecer dramático e sempre tomava as dores escondido.
Mas… Desde aquela manhã, ele estava diferente.
Nós fizemos como sempre fazíamos nas missões antigamente: pegamos o mapeamento, verificamos nossos equipamentos escassos e fizemos rotas de fuga para quando algo saísse do planejado. Taehyung tinha se certificado mais uma vez de contatar à Schlorine aonde nós estávamos nos metendo várias vezes no teleférico; a equipe era nosso ponto de segurança, mesmo nenhum dos rebeldes terem atacado ainda, eles não podiam fazer muita coisa antes disso. Então era só nós dois.
Diferente do que era previsto, eu estava focado. Minha mente não podia se distrair com coisas externas, me conhecia muito bem para saber o que acontecia quando passava por isso. Distrações naquele momento era como pedir para se atrasar. Entretanto, Taehyung não estava do mesmo jeito que eu. Vez ou outra eu o via distraído; ele apenas me seguia enquanto eu andava pela rota certa — ou seja, se eu me perdesse, ele também se perderia. Não era como quando eu me perdia e ele podia me repreender, reencontrando o próprio caminho.
Esse era o lado positivo em ter um parceiro, mas Taehyung parecia estar sozinho.
— Certo… — cortei o silêncio. Tínhamos andado umas boas duas horas, já estávamos longe da alcateia mas não o suficiente. Logo, paramos por uma clareira prevista no mapeamento para termos uma marcação. Aproveitei o momento para entender o que estava acontecendo com Tae. — O que rolou?
— Hm? — ele arregalou os olhos, mostrando aquela feição que ele normalmente fazia quando realmente tava confuso. Quase ri, mas tive que me manter sério. — O quê?
— Alguma coisa aconteceu porque eu nunca te vi tão distraído assim — respondi. Ele pareceu mais confuso ainda. — Eu te conheço, Tae. Alguma coisa tá te incomodando e me surpreende você não falar comigo sobre.
Dessa vez eu senti que acertei no uso das palavras, porque ele logo se prontificou para contrariar. — Você tem razão, aconteceu uma coisa. Eu só não te contei ainda porque eu não faço ideia de como fazer isso.
— Como assim? É algo muito ruim?
Ele me encarou e desviou o olhar várias vezes. — É bem ruim, mas eu acho que você vai me matar…
— Kim Taehyung… — usei meu tom de aviso, repreendendo-o por qualquer coisa que ele tenha feito. Porque era isso que parecia: que ele tinha feito algo bem ruim. — O que você fez?
— Por que eu quem fiz algo? Não tem possibilidades de alguém ter feito algo contra mim? — Ele disse fingindo estar ofendido. Revirei os olhos e ri descrente, era engraçado como podíamos nos conhecer tão bem.
— Tem, mas se você diz que eu vou te matar, é porque você fez algo — Me afastei da árvore que ia fazer a marcação para me aproximar dele, sentando em cima da mochila ao seu lado. — E pela sua cara não foi nada bom. Desembucha.
— Dessa vez você tá errado, eu realmente não fiz nada — defendeu-se. Naquele momento ele parecia uma criança, mas eu soube que o assunto era sério quando seu olhar desviou de mim novamente e fixou-se em qualquer ponto que não fosse meu rosto. — Quer dizer…
— Taehyung — chamei-o novamente com tom de aviso. — Se você não me contar logo, nós nunca vamos seguir em frente e vamos congelar aqui pra sempre.
Nós não tínhamos todo o tempo do mundo, mas eu quis me dar esse luxo de conversar com meu melhor amigo enquanto fizemos uma pequena pausa. Não era como se não conseguíssemos seguir em frente por causa de uma conversa, até porque teríamos tempo depois para resolver coisas pendentes. Porém, conversar antes e deixar o que quer que estivesse incomodando-o para trás era muito melhor.
Além de que, apesar de tudo, eu sentia que Tae queria conversar sobre. Ele só tinha eu naquele momento.
— A gente podia deixar essa conversa pra depois-
— Não.
— Argh! Tá bom, eu conto! — Tae se levantou, andando pela neve enquanto falava sem parar, sem me olhar um segundo sequer. — Mas eu quero que saiba que eu realmente não fiz nada! Quer dizer… Eu não faria, se ele não tivesse feito primeiro… Ou não. Eu não sei! Só sei que não é culpa minha, ok? Tudo bem que não vai adiantar nada eu falar que não foi minha culpa, mas eu tô tentando pensar em formas de livrar minha bunda e nenhuma parece eficiente, só que tudo o que eu menos preciso agora é de julgamentos e, Jimin! Você não pode me julgar, na verdade se você tiver uma solução pra isso eu vou ficar muito agradec-
— Taehyung! — Fiz ele parar de andar de um lado para o outro, segurando-o pelos ombros. Quando Tae ficava assim só podia significar uma coisa: ele estava em desespero interno. — Respira e me diz o que aconteceu de verdade.
Ele respirou fundo e fechou os olhos, soltando tudo de uma vez:
— Jeongguk me beijou.
Considerando que minha audição era ótima, a única coisa que me passou pela cabeça foi que meu melhor amigo não estava nem um pouco bem. Simplesmente porque não fazia o mínimo de sentido ele me dizer aquilo. Então, olhando fixamente para ele, eu sabia que ele esperava essa minha reação. Me encarava com os olhos fixos e expectantes, esperando eu dizer alguma coisa.
O que eu poderia dizer? Eu sequer conseguia processar isso!
— Você… tem certeza?
— Óbvio que eu tenho certeza! Ele não tropeçou, caiu em cima de mim e esbarrou a boca na minha, Jimin! — ele disse indignado, foi aí que eu pensei “fodeu”. Taehyung realmente estava falando sério.
— É só que… puta merda — Eu tentava pensar coisas que fizessem sentido com aquela informação. Nunca passou pela minha cabeça que algo do tipo aconteceria pelo simples fato de fucking Jeongguk ser casado. Casado! — Como isso aconteceu?
Tae respirou fundo, voltando a se sentar em cima da mochila. Ele pôs o rosto entre as mãos; parecia que falar aquilo em voz alta trouxe um baque de realidade para ele.Nunca tinha o visto agir assim por causa de um beijo.
Mas, bem… Era compreensível. Aparentemente, não foi qualquer beijo.
— Aconteceu um pouco antes de partirmos, ele veio bem cedo para se certificar de que estava tudo certo para a missão, eu mal tinha acordado — murmurou entre as mãos. — A gente ficou conversando como sempre, mas eu sentia que tinha algo diferente nessa última conversa… Ele parecia, sei lá, distraído…
Tentava processar cada informação, imaginando-a. Mas era difícil, então incentivei ele a continuar falando. — E…?
— E simplesmente aconteceu! — O Kim praticamente gritou, saindo de sua posição para encarar o céu. — Eu só percebi que estávamos perto um do outro quando senti um esbarrão na minha mão. Eu não me afastei… Acho que ele levou isso como um incentivo e, quando eu vi, a gente já estava se beijando. — Ele suspirou, apertando as mãos uma nas outras. Sinal de que estava nervoso. — Primeiro foi só um selinho, sabe? Mas…
— Mas…?
— Mas eu não sei o que deu em mim e fiz virar um beijo de verdade — ele voltou a cobrir o rosto com as duas mãos, grunhindo frustrado. Isso poderia se comparar com uma conversa de dois adolescentes hormonais, eu até zoaria meu melhor amigo por causa de um beijo. Mas, como eu disse antes, não parecia um simples beijo. Havia muita coisa envolvida. — Essa sensação que tô sentindo agora é horrível, Jimin. Horrível! Porque eu gostei… A gente passou uns dez minutos se beijando, parecia que não era errado, parecia que estava tudo certo e era tão bom... Mas só quando a gente parou que a realidade bateu na minha cara como um tapa. Sério, eu me senti a pior pessoa do mundo. Em um minuto eu estava amando aquilo, no seguinte eu estava… odiando.
— Então foi por isso que ele pareceu tão arrasado quando apareceu para se despedir de mim… — murmurei, me lembrando da cena. Nunca iria imaginar que algo do tipo tivesse acontecido com ele.
Gukie estava péssimo e foi pior ainda ver Seokjin tentando consolá-lo.
Porra.
— Eu não sei como isso aconteceu, e-eu nunca fui cúmplice de traição, Jimin — E mais uma vez, parecia que a realidade estava batendo mais uma vez. Tae tinha os olhos grandes novamente. — Meu deus! Traição…
— Tae…
— Sempre que eu me interessei por alguém, eu perdia o interesse quando via que essa pessoa era comprometida — Ele continuou falando mais para si mesmo do que para mim. Ao mesmo tempo, parecia que estava se justificando. — E, ok, eu achei Jeongguk lindo desde a primeira vez que vi ele. Isso é normal, certo? Ele é lindo — A forma como ele falou me fez pensar que, deuses, isso é pior do que eu imaginava! — M-Mas eu sabia que ele era casado desde o começo! E a aproximação dele foi natural, eu achava que ele era o único que seria meu amigo e tudo bem, nada demais-
— Tae — interrompi, porque parecia que ele iria dar voltas e mais voltas quanto mais falasse. — Você gosta do Jeongguk?
Uma pausa. Aquele assunto era mais delicado do que eu pensava e conseguia dialogar, dialogar com Tae sobre poderia tanto ajudar quanto piorar ainda mais seus pensamentos. Não conseguia ver uma coisa positiva no final disso tudo, mas precisava entender onde estava se metendo. Fácil com certeza não era, então precisava achar alternativas.
O jeito que Tae reagiu a minha pergunta me disse mais do que palavras diriam, isso eu tinha certeza. Durante todo o tempo em que nossa amizade se perdurava, eu só vi Taehyung ter um namorado e nem mesmo o jeito que ele falava de Jeongguk parecia próximo ao do antigo companheiro.
Muito pior do que eu pensava.
— Eu achei que estava gostando por causa da minha carência, você sabe — respondeu, desviando o olhar. Ah, ele sempre culpava a carência. — Desde que a gente ficou dias e mais dias conversando, eu achei que era isso. Não tinha muito o que fazer, né. Ele já está com Seokjin — Vi ele engolir em seco, o pomo de adão balançando lentamente ao pronunciar o nome do alfa. — M-Mas ele me beijou. Só a ideia de ele corresponder esse mesmo sentimento me fez… sei lá. Argh, é horrível, Jimin!
Respirei fundo. Eu sequer conseguia imaginar a sensação, não conseguia nem opinar ou fazer algo de útil pelo meu melhor amigo.
— Tae, você tá muito fodido.
— Eu sei!
— Não, você não sabe — respirei fundo mais uma vez, aproximando-me dele e tocando seu ombro pronto para lhe dar um abraço. — Na verdade nem eu sei como funciona os adultérios na licantropia, mas se Seokjin descobrir…
Tae arregalou os olhos, genuinamente assustado. — Nem fodendo…
— Nós precisamos terminar isso o mais rápido o possível — foi o que eu conclui. Não podia arriscar deixar Taehyung naquele lugar por mais tempo. Eu não sabia como os licantropos reagiriam a uma traição, mesmo acontecendo um pequeno deslize como foi com Jeongguk. Meu pressentimento dizia que não era nada bom.
— Sim — ele murmurou, abaixando os olhos. De repente ele me pareceu tão triste. — Quanto mais rápido, mais rápido eu também fico longe de Jeongguk e pronto. Ninguém nunca vai descobrir.
De repente até eu fiquei triste. Realmente triste. Por que a ideia de Jeongguk separado de Taehyung me parecia tão ruim?
Quero dizer, isso era óbvio que aconteceria. Tae era exilado e ele não poderia voltar à alcateia — o que não era muita perda sentimental, já que para mim, absolutamente ninguém dali confiava no humano. Porém, eu havia me esquecido completamente de Jeongguk e como eles tinham criado um vínculo naquele curto período de tempo entre enfermidade e repouso. Mesmo antes, quando minha visão deles era apenas uma amizade, parecia triste.
Agora parecia pior. Se os dois realmente se gostavam…
Era horrível.
— Tae…
— Vamos continuar, okay? — Tae praticamente balançou a cabeça, livrando-se de qualquer pensamento que estivesse rondando sua mente. Ele respirou fundo mais uma vez, pegou a mochila e se pôs determinado. — É melhor assim. Vamos.
Não pude dizer algo, porque não sabia o que dizer. Só me sentia triste e inevitavelmente pensei em Yoongi. Ele provavelmente saberia o que dizer, já tinha visto ele dar vários conselhos e ensinamentos para Jeongguk — o que me fazia pensar se Gukie havia contado do beijo para Yoongi. Se sim, eu esperava que meu ômega pudesse confortá-lo naquela situação tão péssima.
Com Taehyung, tudo o que eu pude fazer foi puxá-lo para um abraço e dizer o que queria ter dito há mais tempo. — Só quero que saiba que eu tô com você e pode me contar o que quiser, tá bom?
Felizmente, Tae sorriu, embora fosse um sorriso curto e mínimo. Foi o suficiente para seguirmos em frente com a cabeça cheia de pensamentos, mas determinados a acabar com aquilo logo.
Era apenas o começo.
[...]
Nós tivemos que pegar uma outra rota mais tarde, porque não prevíamos que um dos caminhos consistia num lago congelado. Não seria bom arriscar andar sobre aquele gelo nem um pouco resistente, então fomos para a segunda rota.
Essa segunda rota era mais complicada por ser entre as árvores mais densas, no meio da floresta com mais pinheiros do que tudo. Ouvi várias vezes sons de alguns animais estranhos naquele lugar; Tae não era de se assustar facilmente com animais, mas ele quase gritou quando uma coruja passou voando bem em cima da sua cabeça. Foi um bom momento cômico, ao menos arrancou uma risada nossa depois de tudo.
Era difícil adivinhar a hora por conta do equinócio; poderia ser dez da noite e não saberíamos pelo céu claro como se fosse cinco da tarde. Mas havia a lua minguante e, graças a ela, era mais fácil saber as horas — estava extremamente alta ao oeste, significava que poderia ser madrugada.
Nós só paramos quando chegamos a um lugar que indicava que estávamos no caminho certo da segunda rota; foi como dar uma volta gigantesca apenas para não arriscarmos o lago congelado. Naquele momento, tivemos certeza que estávamos no lugar certo e isso me animou mais. Porém, tive que conter a animação porque eu não estava sozinho e Taehyung merecia descansar. Por isso, paramos em uma clareira. Fiz fogo o mais rápido que consegui porque não aguentava mais saber que meu amigo estava morrendo de frio, conseguia ouvir seus dentes batendo perfeitamente.
Com fogo e camas improvisadas, aquele era o momento de descanso — embora eu não me sentisse cansado. Só foi quando me deitei que percebi que, de certa forma, estava sentindo coisas estranhas.
Não sabia nomear muito bem, só era estranho. Não sentia frio, mas minha cabeça doía levemente, como uma enxaqueca. Eu diria que era por causa dos meus pensamentos há mil por hora desde que deixamos aquela conversa de lado mais cedo, mas parecia mais “físico”. Minha mandíbula estava cerrada por todo o percurso, talvez tenha sido isso.
Eu também não sentia fome, o que era estranho, considerando que Taehyung comia algo enlatado que estava cheirando muito bem. Yoongi havia me dito que eu sentiria mais fome quando permanecesse mais no frio — não sentia frio, sequer fome. Dessa forma, eu pensei que isso poderia mudar no dia seguinte depois de repôr o sono. Esperava acordar diferente.
Fechar os olhos não foi o suficiente, também não estava com sono. Me forçar a dormir não adiantaria muita coisa, disso eu tinha certeza. Era, no mínimo, frustrante.
Só queria voltar logo para casa e para Yoongi. Deveria ser considerado castigo ter que dormir sozinho depois de ter dormido com ele; era completamente diferente e temia não conseguir mais dormir longe do meu ômega.
Me agarrei mais ao meu casaco de pele, mesmo não sentindo frio. Ao menos, ainda sentia o cheiro dele.
— Você tá com frio? — resolvi perguntar para Tae, já que ele estava bem próximo a fogueira. E ainda acordado. Parecia pensativo.
— Não, tô bem quentinho, não se preocupe — Ele respondeu de um jeito fofo, arrancando um sorriso meu. Tae parecia bem fofo quando estava todo “empacotado” e com o nariz levemente vermelho. — Não consegue dormir?
— Não — respondi, virando-me para ele. — E você?
— Também não — respondeu em um suspiro. Pelo menos eu não era o único naquele mar de pensamentos.
Isso me fazia lembrar das primeiras vezes que acampei e viajei com meu melhor amigo. Nosso sono parecia sempre estar em sintonia, então eram nesses momentos que conversávamos até ouvirmos o ronco de um.
— Quer me falar mais sobre Jeongguk? — perguntei, curioso. Eu queria saber como ele via aquele ômega que estava inserido tão complicadamente.
Ouviu Tae suspirar e encarar o céu claro sobre nossas cabeças. Por um momento eu pensei que ele iria querer falar sobre outro assunto, mas logo virou-se para mim e sorriu minimamente.
— Quero.
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