Ainda era cedo quando as duas mulheres acordaram. A luz vinha direto da claraboia no teto para a cama, então já era hora de levantar. O quarto era repleto de prateleiras contendo pequenos vasos com plantas, mudas para a horta, algumas samambaias e mais um pouco de tudo, mal passava luz pela janela do quarto e as trepadeiras do lado de fora haviam tomado conta não só dela como de parte da janela do quarto ao lado.
Um par de tranças verdes tão grandes que caíam do colchão contrastavam com cabelos castanhos curtos espalhados nos travesseiros, pares de olhos se encaravam e estavam considerando se deveriam levantar mesmo ou se poderiam continuar deitadas até mais tarde. A janela do quarto, tomada pelas trepadeiras, deixava o som do pequeno riacho artificial que circundava parte da casa entrar. Era um dia tranquilo e continuaria sendo se o outro integrante da família se mantivesse dormindo, estavam tranquilas e semidespertas quando começaram a ouvir o som característico de garrinhas batendo na porta. Thorin estava acordado.
Com o vira-lata da família acordado, não demoraria até que Ryūsei levantasse também, então era hora de levantar definitivamente. Saindo da cama, as duas mulheres a arrumaram e passaram direto pela escrivaninha com um espelho para conferir seus rostos inchados do sono. Asui foi a primeira a ir em direção ao armário e pegar uma roupa confortável e um par de botas de trabalho. Enquanto a esposa se arrumava, Ochako abria a porta para deixar Thorin entrar antes que ele começasse a chorar, lamuriar e a fazer barulho, garantindo que não acordaria a criança dormindo no quarto ao lado.
— Vamos, entre. E fique quieto.
Abanando feliz a cauda, o animal se esgueirou para debaixo da cama assim que teve a liberdade de entrar, a mulher então se virou para o armário e tirou de dentro um par de shorts velhos de tecido grosso, uma camisa leve e um par de botas muito semelhante ao que Asui usava.
Depois de soltar as tranças e prender novamente o cabelo, Asui se levantou, ajeitou o vestido que usava e colocou o avental de trabalho, rumando direto para o quarto ao lado. Cada canto do corredorzinho onde passava estava repleto de plantas e prateleiras cheias de potes de temperos, não muito diferente do quarto onde o filho dormia. A janela ainda não tinha sido consumida pelas trepadeiras do lado de fora, não completamente.
— Ryūsei, é hora de acordar, vamos — a voz era suave e maternal, como sempre era falando com o filho, mesmo ainda tendo o tom rouco e quebradiço de sempre.
Enquanto esperava a criança tomar consciência de si mesma foi arrumando os vasos, potinhos, cristais e ramalhetes presos à parede. Alguns feitiços de saúde engarrafados a lembravam de quando ele nasceu.
— Mamãe, que horas são? — o pequeno se fez presente sem realmente entender o que se passava, mas sabendo que estava acordado.
— Eu também não sei, quer olhar no relógio da sala para descobrir?
— Relógio cuco, ele canta. Eu tenho que tirar o pijama, mamãe? — Com um aceno negativo da mais velha ele levantou com tudo e foi direto para a sala.
A cozinha já começava a cheirar a gordura quente quando todos chegaram à sala, a manteiga chiava na frigideira enquanto um par de fatias de pão esquentava. Asui foi direto abrir as janelas e cortinas que bloqueavam a luz de entrar nos cômodos, o coaxar dos sapinhos que moravam na sombra da janela sempre presente, assim como o barulho do riacho e das aves. Com a luz natural entrando na sala, vários cristais começaram a refletir e os desenhos de sapos, insetos e plantas presos ao lado da escrivaninha podiam ser finalmente vistos.
O relógio cuco tocou, marcando sete da manhã. Horário excelente para começar o dia.
— Cuco! O passarinho do relógio acordou mamãe, má! — O menino apontava na direção do relógio com entusiasmo enquanto as mulheres riam.
*****
Apesar de não ser o comum para suas manhãs de sábado, as mulheres estavam sentadas à beira do rio que dividia seu terreno com o do vizinho, o pequeno barquinho que usavam poucas vezes como se fosse uma gôndola estava parado bem onde a curva para o lago se formava. Podiam ver todos os patos e gansos brincarem na água felizes, e na direção do terreno vizinho podiam ver dois corpos se aproximando.
— Os rapazes vieram fazer um piquenique na beira do rio como suas belas vizinhas? — Uraraka gritou em direção aos amigos que se aproximavam.
— As senhoras vieram cedo num sábado? Achei que só as veria depois do almoço!
Baam gritou de volta com entusiasmo, viu a castanha subir no barco e usar o remo para chegar à outra margem. Não pulariam dois metros e meio com a cesta cheia de comida em mãos. Entraram na pequena embarcação e voltaram com ela à sua margem original, todos com o equilíbrio de quem faz muito o trajeto. Desceram do barco e Khun teve suas pernas agarradas por um curioso Ryūsei, que queria saber o que traziam na cesta. Agnes então começou a listar:
— Nós temos suco de pêssego, alguns pães frescos, um pouco de presunto curado e morangos e amoras direto de Mistwood Acres, os melhores morangos de todos, com certeza.
— Os Tomioka tem uma reputação e tanto com as frutas — Concordou Asui.
— E os caprinos! — Completou Baam.
— Cabras do tio Giyuu! — Com essa frase feliz, Ryūsei gritou imitando uma cabra, deu uma estrelinha e voltou a correr em círculos com Thorin em seu encalço.
Enquanto observavam o pequeno tornado em forma de criança descarregar suas energias e voltar ocasionalmente para mostrar uma flor, sapo ou pedir por comida, os quatro adultos se divertiam conversando e comendo, ouvindo o barulho do rio e dos animais ao fundo e aproveitando para colocar duas semanas ou mais de fofocas em dia.
Falaram sobre o último aniversário de Baam e de uma festa que aconteceria em uma empresa colaboradora da família de Khun e de como fugiriam da festa. Assim como as mulheres admitiram que estavam evitando suas famílias desde o último aniversário de Ryūsei, que foram obrigadas a fazer em sua cidade natal. Falaram também sobre animais de fazenda e as últimas safras, o que incluía as uvas em Poison Ivy Vineyard. Quando as safras eram boas, os Momotas, felizes, dividiam vinho com os vizinhos, um vinho muito bom da vinícola deles.
Quando a comida estava começando a acabar, os quatro resolveram sentar-se à beira do lago, assim poderiam guardas as cestas e copos na casa e não se preocupariam tanto. Passaram por algumas dezenas de patos, o casal de cisnes que elas possuíam ficava sempre no que parecia uma mini-ilha no meio do lago, olhando e fazendo ameaças aos vizinhos. As donas não tinham medo e o menino não se importava, mas os vizinhos ainda achavam prudente conferir suas costas de vez em quando.
Estavam todos sentados próximos ao pequeno píer do lago, ele era tão velho quanto o terreno e ninguém sabia realmente o quão velho isso era, o menino e seu cão estavam sentados no píer, Asui estava junto, com os pés dentro da água gelada do lago.
— Vocês ainda confiam nesse negócio depois de ele ter caído sozinho? — Agnes estava indignado com a confiança cega em um monte de madeira podre.
— Bem, é o único píer que temos, e ele só serve para pular em uma parte mais funda do lago — Asui deu de ombros e chutou um pouco de água para a borda.
Continuaram nesse clima ameno e divertido até que o pequeno píer começou a balançar com o movimento constante da criança nas tábuas de madeira já velha, Ochako sabia exatamente o que o olhar de desespero da esposa significava, eles iriam cair no lago. A castanha correu para pegar o filho da água, sabia que não teria como evitar que a coisa caísse dessa vez. E ele caiu.
— É. Talvez a gente precise de um novo.
Ochako estava com água dentro de suas botas, e meias, e ela preferia que a água não estivesse na altura de sua cintura agora. Os vizinhos riam delas enquanto os gansos grasnavam ao longe, quase como se rissem de seu desespero.
*****
Quando viu a esposa voltar com o carro e um enorme pote de mel, Ochako soube que a tarde seria desesperadora e interminável. Terminou de comer seu almoço e colocou um prato para Asui, Ryūsei parecia mais interessado em construir uma montanha com o purê de batatas do que o comer.
— Eu não acredito que você chamou ele pra consertar o píer — o “ele” saiu com uma desaprovação gigantesca na voz da morena — De todos os vizinhos gentis e prestativos que nós temos, o Katsuki? Jura?
— Fique quieta e aceite a ajuda deles, o que de pior pode acontecer?
Asui e Denki achavam a briga infantil e sem fundamento, e ela era de fato, principalmente pela diferença de idade entre os participantes, mas era impossível contornar isso, eles eram como cão e gato. Ignorando todas as reclamações da esposa, a mulher de cabelos compridos se sentou para comer e assistiu o sofrimento dela ao passar pela porta para alimentar novamente os animais.
Ryūsei ainda levou mais 10 minutos até finalmente decidir terminar o que tinha no prato e não tentar convencer os patos a comerem por ele, estava tudo tranquilo e já podia ouvir a caminhonete de resgate dos Bakugou se aproximando. Colocando a louça na pia, correu para seu quarto e pegou um colar de ônix, esperava que elas limpassem a energia negativa entre aqueles dois. Correu então para achar as visitas, chegou bem a tempo de ouvir:
— Parece que alguém aqui conseguiu deixar o píer cair, ou será que foi você que caiu nele? — Katsuki não perderia uma oportunidade.
— Claro Kats, claro. Mas parece que você foi quem veio arrumar — e aquilo não teria fim.
Eles desceram todos para o píer, cada um carregando dois troncos redondos tirados da caminhonete. Chegando ao lugar, Katsuki ficou para tirar as sobras do velho píer e os outros três voltaram para buscar as novas tábuas, e foi quando Katsuki resolveu pôr seu plano de ataque em ação. Eles não estavam trabalhando totalmente de graça, mas ele tinha um pagamento pessoal que poderia fazer sem colocarem a culpa nele, não totalmente, Ryūsei ficou na beira do lago para assistir o tio trabalhar.
O homem assobiou baixo na direção dos cisnes e eles mais do que prontamente vieram, aves enormes e negras pararam à sua frente como cãezinhos, ele fez o mesmo para os gansos, chamou e eles vieram. Ryūsei estava esperto e decidiu que o lugar mais seguro seria a casa na árvore a poucos metros dali, ele não ficaria para ser mordido por um ganso. O menino viu enquanto o tio tirava pedaços de madeira de dentro do lago com raiva e os patos evitavam a madeira podre flutuando, Katsuki tinha braços enormes e fortes, e por algum motivo animais ariscos o respeitavam, Ryūsei sabia que era melhor se esconder quando ele chamava os gansos, já tinha visto o que ia acontecer antes.
Denki apareceu primeiro, desconfiou da presença dos animais, mas não falou nada, em seguida, Asui deixou suas tábuas de madeira junto da pilha. E foi então que aconteceu. Uraraka apareceu no campo de visão de Katsuki, e dos cisnes, e todas as aves se levantaram em um rompante para sair do lago e correr atrás da própria dona como se não fosse ela que os alimentava todos os dias. A mulher largou todas as tábuas com velocidade e correu como se não houvesse amanhã.
— Eu vou te matar Katsuki!
Foi a última coisa que ouviram dela durante o tempo em que os Bakugou ficaram em Swan Lake Gardens. Ela amaldiçoava silenciosamente o maldito homem e sua habilidade de domar qualquer coisa potencialmente perigosa.
Para a felicidade de Ryūsei e Thorin, o píer foi consertado em menos de duas horas por um Katsuki molhado dos pés a cabeça de tanto mergulhar para acertar os troncos e a sustentação do novo píer. Ele estava encharcado, precisando de um banho e impossibilitado de dirigir a caminhonete, não entraria no carro para molhar todo o estofado.
Finalmente podendo sair de dentro da casa, Uraraka apareceu novamente para se despedir de Denki, e apenas dele, lembrando de jogar alguns dentes de alho em Katsuki enquanto ele entrava na caçamba da caminhonete. Ainda tinha muito sol pela tarde à frente quando eles se despediram.
****
Quando o sol começou a cair, perto das sete horas, o telefone preso à parede começou a tocar como se demandasse que fosse atendido, as duas mulheres e o menino sentados na sala congelaram ao toque do aparelho. Poderia não ser nada, ou poderiam ser os pais de Asui novamente.
Elas rezavam pela primeira opção, enquanto o toque ainda era furioso, Ochako acendeu um incenso no mesmo instante que atendeu o telefone.
— Alô? — A voz da morena era branda, mas foi recebida com grosserias.
— Ah, é você — O desprezo era evidente e estampado — Eu quero falar com a minha filha. Passe para a Asui, agora.
O ódio era evidente no rosto de Ochako, ousavam ligar na casa dela e a tratar assim? Sendo que nunca tinha feito nada para merecer isso? Não passaria o telefone para a esposa, não seria nem louca de o fazer.
— Qualquer coisa que tiverem para tratar com ela, podem tratar comigo. Ela não quer falar com vocês.
Pelo tom ríspido com que falava, Asui concluiu que era seu pai do outro lado da linha, não queria falar com nenhum deles depois do escândalo no aniversário do filho. De repente, a conversa no telefone pareceu escalar para proporções piores, ouviu a esposa gritando profanidades e desligando o telefone com tanta força que achou que talvez ele tivesse quebrado, mas o novo toque assim que ele foi recolocado propriamente no gancho dizia que ele estava bem.
— Eu juro por todos os planetas que se for ele de novo, eu troco o número dessa porcaria! — com muita raiva, Ochako atendeu o telefone, mas tentou controlar sua voz — Alô?
— Ochako? Sou eu, Maki — A morena relaxou de imediato, não tinha como ser uma notícia ruim.
— Que bom! Eu precisava de boas notícias!
As duas mulheres conversaram por pouco menos de 5 minutos sobre a pequena festa que os Momota fariam no próximo fim de semana na vinícola, Maki perguntava se elas não teriam patos gordos para levarem para assar e comer com o vinho, e patos gordos são o que não faltam em Swan Lake Gardens.
Passado o desespero devido ao telefone, o pequeno Ryūsei já estava mais do que pronto para dormir, segurando seu copinho com tampa cheio até a metade com chá de camomila para se acalmar depois do susto. Asui tinha uma caneca cheia em cada mão, entregando uma para a esposa, elas precisavam se acalmar, mas não era fácil ignorar quando jogavam um vaso na sua direção no aniversário do seu filho e te culpavam pelo afastamento da filha mais velha.
Elas passaram uma parte considerável da noite acordadas pensando em como fariam para se manter seguras em sua pequena fazenda longe das grandes cidades. Thorin dormindo ao lado do sofá e o filho deitado na poltrona reclinável, tranquilo e sem entender quase nada. Assistiram a lua aparecer por detrás das nuvens e os sapinhos começarem a coaxar mais alto pelo horário, o vento uivando ao longe e os problemas parecendo mais próximos do que estavam. Foram dormir depois de colocar o filho na cama, não voltariam para a cidade para arriscar a saúde dele, independente de que isso significasse eternamente uma briga com um dos lados dessa família.
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