Katsuki fechou a porta de casa com um estrondo ainda maior do que quando a abriu, causando um segundo sobressalto na sala de estar.
De início, os familiares ficarem surpresos com a brutidão maior que o normal vindo dele. Depois de se lembrarem que era só o adolescente problemático que gosta de chamar a atenção a fingir-se de inocente, voltaram às suas conversas normalmente, como se nada tivesse acontecido. De qualquer das maneiras, não importava. Honestamente, queria que todos fossem arder para a puta que pariu.
Ele só tinha uma pessoa como objetivo, naquele momento.
E essa devia arder mais tarde. Mas não na puta que pariu.
No inferno mesmo.
Num momento de fúria, atirou com as chaves de casa com imensa força contra a mesinha ao lado da porta, causando uma falha na madeira. Pouco se importou, até porque uma das suas tias começou a reclamar com ele sem parar, lá do sofá da sala, fazendo-o somente pesar mais o olhar e comprimi-lo.
Estava cansado.
E Bakugou ia dar um ponto final naquela palhaçada toda.
De vez.
Apertou com força o jornal que tinha na mão direita e sem pensar duas vezes, andou rapidamente e com passos barulhentos até ao corredor, com objetivo para a primeira porta à direita, conhecida como a cozinha, a porta mais próxima ao seu quarto, paralelamente. Sabia que tinha prometido ao Shinsou não o fazer de cabeça quente, mas agora era tarde demais para voltar atrás e teria de se desculpar mais tarde. Havia limites e com certeza, foram todos quebrados naquele preciso momento, quando passou pela banca de jornais ao final do dia, a voltar da escola para o café e leu uma notícia em grande, na capa.
Contraiu o maxilar e até jurou tentar acalmar o seu coração que estava tão rápido de adrenalina e mal conseguia prever a próxima ação. Sabia que era inútil, contudo, não se sentiria tão mal a desculpar-se ao Hitoshi se o fizesse. Ia gritar tanto se não se acalmasse e não sabia se seria pior falar normalmente ou espetar com aquelas folhas nas trombas do próximo.
Provavelmente as duas eram más, mas a segunda era mais promissora.
Mas Mitsuki não era parva nenhuma. Podia saber que o filho não estava no seu estado normal a quilómetros de distância. Conhecia perfeitamente aqueles olhos rancorosos, aquela culpa nos ombros todos contraídos e na não barra nada delicadeza no andar, que todos naquele andar deviam pressentir que alguma coisa estava prestes a acontecer.
Para tal, bebericou com toda a calma do mundo mais uma vez o chá que tinha na mão direita, pousou-o na mesa quadrada do centro da sala e levantou-se, pedindo licença já quase fora da vista das familiares que dialogavam com ela. Claro está que os murmurares constantes de falsidade perante a progenitora do rapaz problemático começaram. A mulher sabia perfeitamente que também não era o ser mais desejado daquela casa, até porque insistia em proteger - supostamente - alguém que mentiu.
Honestamente?
A senhora Bakugou mandou-as todas à merda, várias vezes, sempre que diziam mal do seu filho. Inclusive, no outro dia, espetou um soco na tia mais nova e até hoje não se falam.
Admito, admito. Ela orgulhou-se desse feito.
Os seus filhos eram a sua maior prioridade naquele mundo. Não podia continuar naquela confusão de ser boa e má mãe, ao mesmo tempo. Então, fechou os olhos.
Katsuki parou os passos bruscamente, olhando para a frente e apertando mais a vista. Sabia que não seria capaz de fazer nada de mal ao que estava à sua frente, então, para descontar a raiva, afundou as unhas no jornal, quando se apercebeu que seria difícil avançar a partir dali.
" - Sai. Da minha. Frente".
Sussurrou para a mãe, que agora ficava entre ele e o corredor, mais como um ultimato avisado. A mulher nada disse. Limitou-se a ficar uns segundos a observar-lhe o rosto, assim que demonstrou os seus olhos vermelhos, a expressão corporal e a maneira com que falava. Queria compreender as suas intenções e sabia que, se ele passasse da porta que desejava, as coisas acabariam muito mal naquela noite. Sabia o que o filho iria fazer e não era preciso trocarem uma única palavra, olhar ou até mesmo ver aquele jornal para saber o que ele iria resolver.
No entanto, e em contrapartida, o adolescente precisava de acabar com aquilo de uma vez por todas, para ter paz finalmente. Precisava de deixar aquele assunto para trás, limpo e sem quaisquer ressentimentos ou coisas por apagar. Precisava de terminar todas as feridas e incluindo, aquela nas suas mãos. Katsuki estava à beira final, estava a colapsar, tudo na sua vida parecia piorar a cada dia e não iria aguentar muito mais; a sua mãe sabia tão bem disso. Nunca, em toda a sua vida, teria coragem para acabar com o progresso absurdo que o seu filho andava a ter, nos últimos tempos. Uma evolução incrível que a senhora tivera o prazer de acompanhar na primeira fila.
Com certeza, Mitsuki poderia arrepender-se depois.
" - Certo".
Mas desviou-se, séria.
O rapaz quase ficou surpreso com a maneira fácil com que a mesma aceitou para onde se dirigia. Deslizou a vista avermelhada e cruzou-se com a da senhora, que limitou-se a libertar um mísero sorriso de confiança.
Então, disse.
" - Lembra-te que não estás sozinho nesta. Está bem?".
Não lhe respondeu. Limitou-se a olhar para a frente a assentir. Depois, retomou os passos e finalmente, avançou para o corredor.
Não era preciso mais nenhuma palavra para se entenderem e os dois sorrirem, agora confiantes. Uma confiança mútua e um ligeiro alívio brotou no seu estômago, dando-lhe mais determinação.
Ao fundo do corredor, assim que entrou no mesmo através da sala, conseguia ver a última porta à frente abrir-se lentamente e viu a cabeça da irmã mais velha espreitar, de curiosidade. Piscou os seus olhos cor de âmbar várias vezes até abrir a boca.
" - Uhm... Kat? O que se passa?".
Foi completamente ignorada, já que ele virou-se para a cozinha e entrou. Por míseros momentos, Toga conseguiu compreender que aquele olhar não estava nada pacífico e isso, honestamente, fê-la tremer.
Sem hesitar, saiu do quarto a correr para virar aquela entrada e impedir o irmão de fazer qualquer loucura que fosse. Não queria que mais ninguém sofresse e muito menos aquele adolescente que já teve azares que chegasse para cinco vidas e meia. Em desespero, alcançou a cozinha, ou tentou, até sentir o seu pulso ser segurado de maneira firme, mas calma.
" - M-Mãe!". - Sussurrou a tentar repreendê-la, assustada. - "O Katsuki vai...!".
" - Deixa". - Murmurou de volta, enquanto Himiko arregalava os olhos. - "Chega. As pessoas têm de parar de interferir na sua vida. Têm de parar de dizer o que é certo e errado e está na hora de ele começar a agir por conta própria e descobrir o caminho certo sozinho".
A mais velha subiu a vista, apercebendo-se de que, apesar da expressão dura e autoritária, as costas do filho pareciam tremer ligeiramente. Mitsuki sorriu um pouco e puxou a filha para sair do campo de visão total da porta, passando a espreitar lá para dentro.
" - As pessoas têm de começar a confiar no seu senso de justiça".
A conversa alta e gargalhadas da cozinha era a coisa mais elevada daquela casa. Por ser a noite do Póker amigável da família, estavam presentes todos os primos, um tio e uma tia e o seu objetivo.
Kanji deixava-o tão receoso e era ridículo. Já o enfrentara tantas vezes e, quanto mais o fazia, mais nervoso ficava ao ponto de tremer e querer chorar. Sentia-se ridículo. Não sabia porque tinha tanto medo de alguém que sabia que não era preciso ter medo. Não entendia. Sabia que o avô não valia nada como pessoa e sabia perfeitamente que tinha pessoas mais poderosas e fortes ao seu lado.
Então, porquê?
Porque raios aqueles olhos castanhos o faziam hesitar e com vontade de fugir para longe de todos, isolar-se só com quem gostava e viver no meio do nada, fora da sociedade?
Isolar-se parecia tão promissor...
Mas não podia.
Nem iria.
Porque isso, significava derrota.
E uma coisa que Bakugou Katsuki não é, é perdedor.
As vozes terminaram quando se aperceberam que o rapaz loiro se aproximava da mesa e com uma cara de muitos poucos amigos, vale ressaltar. Tanto que a primeira tia se encolheu toda com o estrondo das peças de xadres a caírem no chão ou da força com que o jornal foi atirado contra a mesa, caindo perfeitamente de frente para o homem mais velho presente.
" - Explica-me imediatamente isto". - Exigiu, com toda a frieza na voz possível e ressaltando a palavra temporal. Apertou mais a vista e contraiu o maxilar, cerrando os punhos com força. Estava tão irritado, tão frustrado e aquela confusão iria acabar ali e agora.
Farto de aturar coisas que não tinha culpa nenhuma.
Estava na hora de parar de fugir dos problemas porque, agora, ele iria enfrentá-los a todos, um por um. Fosse doloroso, fosse ansioso, fosse o que fosse; iria dar um fim aquela confusão e viver como sempre quis.
" - Explicar o quê?". - Perguntou com um ligeiro cinismo presente na fala, mas lá desceu os olhos para os papéis dobrados. Abriu-os com calma nas mãos e leu rapidamente a notícia - mais uma reportagem - a que o neto se referia. Enquanto lia, mexia ligeiramente os lábios e consequentemente o bigode, concentrado, sem hesitar uma única vez, como se já soubesse aquilo de cor. Obviamente que saberia.
Então, subiu as sobrancelhas e a vista, confuso.
" - Eu não compreendi o que há para explicar".
" - Merda!". - Gritou-lhe com força, batendo com o punho na mesa. Todos os seus primos pareceram amedroados com a ação, assim que Katsuki se inclinou para a frente, cada vez mais próximo do familiar em questão. - "Para de ser assim! Qual é o teu problema?!".
" - O meu problema, Katsuki?". - Semicerrou os olhos, com uma voz bem mais calma que a do loiro. - "Isso pergunto-te eu. O que te deu para--".
" - Eu não inventei nada!". - Berrou mais alto, sentindo um formigueiro no nariz. A vontade de desabar ali mesmo era forte, mas não o faria. Não daria a honra e a satisfação a Kanji por chorar, graças a ele. Iria engolir tudo, nem que tivesse de morrer ali mesmo para se defender. - "Caralho! É muito complicado compreender que eu nunca menti?! Eu só quero ter a porra de uma relação saudável, básica com toda a gente! Mas quando eu tento, eu faço merda e vocês também não ajudam. Porque ou eu digo demais sobre mim, ou vocês pisam em cima de mim para parecerem os bons da história! Ou eu exagero e vocês continuam os bonzinhos, porra!".
" - Mas nós somos os bons da história, Katsuki". - E sorriu ligeiramente, como se fosse o ser mais inocente do mundo. Se não conhecesse o avô, diria que era um daqueles velhinhos queridos que se ajuda a atravessar a rua.
" - Afinal...".
E o sorriso de Kanji rasgou-se a roçar ironia e escar
" - Como é que um ateu, sequer, poderia ser boa pessoa?".
...Sabem uma coisa?
Bakugou lembrou-se de quando era mais novo. Sentia-se com catorze anos novamente e por breves milésimas de segundo, reviu-se no seu corpo de criança, nervoso e a transpirar, a dizer ao novo amigo Midoriya que era ateu, no seu quarto. Lembrou-se de gritar, de o mandar para certos sítios, porque não passava de um rapaz mimado, com medo de se magoar.
Medo.
Nunca, em toda a sua vida, achou que fosse tão fácil de admitir que estava apavorado.
De facto, se pudesse voltar atrás no tempo, teria ido ter com o rapaz de sete anos e evitado que o que lhe aconteceu, acontecesse ou até mesmo salvar Izuku; se não pudesse impedir em algo tão grande, com certeza, a segunda alternativa seria imediatamente segurá-lo pelos ombros, descer ao seu nível, olhá-lo nos olhos e dizer.
"Hey. Não estás sozinho. Não trates o Deku mal. Ele é incrível".
Okay, talvez essa fosse a terceira, porque um certo padre poderia ter morrido acidentalmente, não?
Num impulso rápido, Katsuki agarrou com força na gola da camisa do avô e arrastou o seu rosto para perto, fazendo o homem arregalar os olhos.
" - Chega!". - Gritou-lhe já com a voz rouca e cansada de berrar, arreganhando os dentes. O seu maxilar estava todo comprimido e sentia o seu corpo ficar com o sangue diluído em adrenalina. Era uma sensação ótima, contudo, voltaria com o triplo do peso mais tarde.
Mais tarde. Agora, é hora de pensar no presente.
Chega de pensar no futuro.
" - Qual é o problema de entenderem que a personalidade não é definida por algo que acreditamos?!". - Começou, afundando as unhas no tecido da roupa do avô. - "Eu tento ser alguém! Eu tento ser uma boa pessoa e eu sei que falho redondamente na grande maioria das vezes, mas eu prometo e juro que eu tento! É doloroso saber que, de facto, não chega, mas não me podes rotular mais assim!! Estou cansado, tu deves estar cansado e estamos todos! Temos de acabar com esta palhaçada, Kanji! Eu quero dar-me bem com toda a gente, eu sei que não sou fácil, mas vocês também não são! E se conseguirmos ser sinceros uns com os outros e aceitar defeitos e qualidades, podemos todos aprender e viver numa família unida!! Seria pedir muito?!".
Silêncio.
Himiko estava de olhos arregalados, à porta da cozinha, sem ser capaz de dizer rigorosamente nada.
" - Eu só estava farto de mentir enquanto ouvia palhaçadas e tinha de as engolir sem contestar. Eu não quero ser hipócrita, não quero ser alguém negativo e olha para mim, tornei-me exatamente aquilo que eu tanto condeno e desacreditei. Então, eu até te peço! Podemos recomeçar esta merda, ser uma família consideravelmente normal, podemos refazer estas merdas se os dois tanto quisermos e aceitarmos as condições! Vai haver momentos que eu possivelmente terei de te aturar e o contrário também; mas eu não suporto este caralho de mau ambiente por muito mais tempo!".
Lentamente, os seus dedos perderam a força e suspirou, retirando a última camada de peso do seu peito.
" - ...E tu possivelmente também não".
Olhou-o nos olhos, dando um sorriso entristecido para amenizar o ambiente e então, tentou pisar sobre todas as negações dentro de si, para sussurrar a frase que nunca pensou, em toda a sua vida, dizer.
" - Podemos recomeçar?".
Os tios todos, entretanto em silêncio, deslizavam os olhares comprometedores uns para os outros. De facto, uma coisa que tínhamos de admitir sobre aquele adolescente problemático, é que ele tinha coragem.
No entanto, Kanji encontrava-se em silêncio, sério, a analisar as expressões faciais do neto. Desde quando aquele pirralho tinha crescido tanto, mesmo sem se aperceber? Parecia uma criança num corpo grande. Ridículo.
Então, baixinho, começou a rir-se. Katsuki perdeu imediatamente a postura séria, admirando-se mais do que pretndia demonstrar. Para quem já leu isto tudo até aqui - a menos que tenham aberto esta história numa página aleatória e lido este parágrafo, neste caso, bem vindos - sabem como o mais novo da família Bakugou odeia mostrar o que sente.
Pelos vistos, demonstrou mais do que pretendia.
" - Agora que vês no que te meteste é que pedes para remediar?". - Disse-lhe num tom indiferente e a roçar a humilhação, vendo os seus olhos vermelhos a serem arregalados. - "Percebeste o buraco que te enfiaste e não queres cair sozinho, é isso?! Cresce, Katsuki! Se te afundaste nisto, acarta com as consequências; porque nem eu, nem ninguém desta família vai mexer uma palha para te ajudar e eu mesmo garanto que isso aconteça!".
Ah...?
Mas não era só... Pedir desculpas?
Não era só tentar remediar? Pisar o orgulho que ficaria tudo bem?
Então, porque...?
" - ...Porque é que não chamas aquele filho dos Midoriya? Aquela criança que andas sempre, com sérios problemas de puberdade. Ouvi do Hisoshi que ele também é uma desilusão. Estão bem um para o outro e assim ninguém chateia ninguém! Que tal?!".
Mas...
Não, para.
" - Ah, espera... Também é uma questão de tempo até o deixares".
Chega.
" - Afinal, nem mesmo ele te ama, certo?".
Podia ter sido confusões da mente de um adolescente com sentimentos à flor da pele a estourar ou até mesmo real; de facto, saber se aquela frase realmente foi dita daquela maneira será uma incógnia até hoje.
Mas o punho certeiro que acertou o rosto do seu avô não.
" - Katsuki!".
A voz cansada e rouca de desespero de Mitsuki gritou, correndo imediatamente para o filho. Toga, de início, não moveu um músculo, devido ao choque.
As suas pernas ficaram bambas. O que tinha dado ao seu irmão? Nunca achou que ele pudesse reverter as situações passadas de agressão, onde quem começava e atuava era só Kanji.
No que Katsuki se tinha tornado?
A mãe meteu-se imediatamente no meio, empurrando o filho para não levar possivelmente o maior soco da sua vida. Os seus olhos vermelhos, dignos de uma mãe que era capaz de tudo só para proteger aquele adolescente, aqueles olhos que vestiam o sangue da sua raiva, que era canalizada toda na direção de uma só pessoa. Não podia censurar o filho de não ser uma pessoa, quando ele só estava rodeado de más.
E porque, também, não era uma.
" - Katsuki...". - Murmurou. De costas para o rapaz extremamente alto, não o encarou, ficando naquele silêncio mortal com o sogro. - "Para o teu quarto".
" - M... Mãe, eu--".
" - Eu disse... Para o teu quarto!". - Num tom autoritário da típica mãe que ninguém se atreve a contrariar por medo das suas próximas ações, o jovem Bakugou engoliu em seco.
Nesse momento, ele soube que tinha rompido com todo o progresso para se tornar alguém, desde o início da sua longa batalha, lado a lado com Shinsou.
(...)
Atirou-se para cima da cama, com as costas contra os lençóis. Nem se deu ao trabalho de ligar a luz. Não queria. Preferia observar as estrelas, acalmavam-no. Também não merecia ficar na luz e no conforto. De facto, se uma das estrelas caden
Desviou a vista para o telescópio, engolindo lentamente em seco. Izuku adorava brincar com ele, sempre que vinham lá a casa.
" - Deku...".
Ficou perdido em pensamentos, sentindo os ombros pesados. Que raio de ideia fora aquela de declaração? Na casa de banho da sua casa, depois de descobrir que era agredido pelo pai, logo após discutirem, beijo-o do nada e BAAAM, olha lá, eu gosto de ti.
" - Não é assim que funciona, caralho!". - Gritou consigo mesmo, fechando os olhos com força e desarrumando os seus cabelos. Sentia-se tão inútil, ainda para mais ao perceber que fora impulsivo. Ele andou semanas, semanas a aturar aquele grupo de amigos irritantes para planear uma declaração incrível e olha só mais uma vez, vamos cagar tudo de uma vez enquanto eu me declaro no pior sítio, no pior momento e sem nada planeado ao meu melhor amigo!
Sou genial, hãn?
Estava feito e agora não havia porque chorar sobre leite derramado. Suspirou pesadamente sem fechar os olhos, perdido em pensamentos. As estrelas iluminavam o quarto naquela escuridão da noite.
Silêncio.
Não conseguiu conter o sorriso quando se lembrou que, logo depois de dizer que o amava, Izuku apresentou a melhor reação do mundo.
O rosto todo vermelho a aquecer lentamente, enquanto procedia as palavras. Depois, arregalou a vista e começou a murmurar coisas sem sentido para, no fim, terminar aos berros e a esbracejar, dando imensos passos para trás, como se isso o fosse proteger.
Iludido.
" - E-Espera, o... O quê?! Tu e eu... Wow, espera, c-como assim?! Tipo, amas-me como amigo o-ou...?!".
Katsuki não conseguiu conter uma gargalhada. Foi um riso tão espontâneo e saboroso, alegre e aberto, exposto, que Midoriya ficou uns segundos a deliciar-se, encarando-o todo vermelho.
" - Deku, seu burro". - Tão carinhoso. O mais velho colocou as mãos na cintura, orgulhoso de si mesmo. Estufou o peito e em alto e bom som, declarou entre risadas aliviantes. - "É claro que é amar de tipo, namorar. Porra, 'tava difícil isso sair!!".
Não conseguia parar de sorrir como um idiota. Céus, sabia tão bem desabafar aquilo de uma vez! Sentia-se outro, muito mais livre, finalmente fora sincero. Orgulho era o pequenino resumo que Bakugou conseguia sentir. Estava livre! Agora era simplesmente aceitar e finalmente esquecê-lo, seguindo em frente.
Entretanto, plantado, o de sardas não se mexia, em choque.
E o seu melhor amigo teve a melhor reação do mundo. Vestiu de um momento para o outro o seu rosto mais sério, olhando-o nos olhos e dizendo a coisa mais acertada para se proferir, após uma declaração de amor que durou dezasseis capítulos.
" - Despe-te".
" - P-Perdão?!". - Guinchou muito alto. Era possível ficar-se mais vermelho ainda?!
" - Verbo transitivo direto. Significado de despir, tirar todas as vestimentas do corpo".
" - Eu sei o que significa!!". - Gritou em choque, todo vermelho e a cobrir o corpo, tentando inutilmente se esconder.
" - Então, despe-te!".
" - Espera lá, tu decoraste isso?!".
" - Eu precisava de saber o que dizer quando fosse pegar alguém!!".
" - Como assim?!".
" - Eu tinha catorze anos e achei bom saber, okay?!".
" - E-Espera lá, tu vais-me pegar?!".
" - Nada disso, porra!".
" - Ufa...". - E suspirou de alívio.
" - Vou só dar-te banho".
" - Mas estás louco?!".
" - Tenho de te desinfetar as costas e estás todo fudido!".
" - N-N-Não, Ka-Kacchan!! Saí! Eu não vou--".
" - Cala a boca e obedece, caralho!". - Ordenou, agarrando-lhe nos ombros e começando-me a arrastá-lo para a banheira.
Izuku começou a gaguejar, gritar e esbracejar, completamente vermelho.
" - Ka-Kacchan!! Nós não p-podemos, isso são coisas que amantes faz--".
Com um rosto indiferente, baixou-se de joelhos e desceu os calções de Midoriya, fazendo-o soltar um gritinho altíssimo.
" - Não, não, não, não, não!!". - Pediu, a fechar os olhos com força e agarrando na última peça de roupa com força. No seu estado, era possível ver o cérebro fritar e sair fumo pelas orelhas.
Bakugou limitou-se a revirar os olhos e levantar-se novamente. Então tapou os olhos com a mão, meio irritado.
" - Eu não quero ver nada, porra. Não sou estúpido. Entra no banho e esconde-te. Eu não vou olhar".
Silêncio. Os olhos verdes acalmaram-se, surpresos, pousando-se no melhor amigo.
" - Só quero... Ajudar".
Midoriya, instintivamente, soltou um sorriso ternurento. Então, virou-se de costas e retirou a última peça de roupa, bem como todos os curativos, abrindo a água da torneira. Deixou encher um pouco e abusou no gel de duche para colocar espuma o suficiente, afim de lhe cobrir a cintura e pernas todas dos olhos vermelhos alheios.
Com as bochechas ainda a queimar, o corpo a tremer de ansiedade e uma ligeira expetativa, Izuku murmurou algo sem sentido, parecido com um "tudo bem". Bakugou permitiu-se espreitar primeiro por entre os dedos, jurando que o rubor do seu rosto seria do quente da água.
Baixou-se até Midoriya e revirou os olhos, a provocar.
" - Custou muito?".
" - Calado". - Murmurou. O mais velho riu anasaladamente, pegando rapidamente no shampoo na borda da banheira, abrindo a tampa, enquanto recebia um olhar ligeiramente confuso por parte do de sardas.
" - Já que te vou desinfetar, isso inclui lavar-te o cabelo".
E colocou mãos à obra. A torneira era a única coisa que ecoava na casa de banho e apesar do silêncio extenso, tornava-se de certa maneira confortável. Um acabara de se declarar e o outro tinha a cabeça a mil, nu. Seria uma situação horrível, se ambos não tivessem vivido praticamente tudo juntos.
Por incrível que pareça, esta situação era considerada normal.
" - ...Eu tenho ansiedade". - Começou. Katsuki, por mais admirado que estivesse com a maneira com que Izuku admitira facilmente depois de uns dois minutos de duche, continuou a lavar-lhe os cabelos sem proferir uma única palavra ou expressão facial, se não seriedade. Num suspiro, o de sardas continuou. - "Isto deve ter começado lá para os meus oito anos, nove".
" - Algum motivo?".
" - O meu pai batia-me".
Oh.
Apesar do espanto e desconfiança, Bakugou achou por bem manter o seu rosto sereno e concentrado. Demorou tanto para Midoriya se abrir e mostrar qualquer sentimento facial ou verbal só estragaria a conversa.
" - As coisas melhoraram quando nos mudámos para cá. A nossa vida ficou muito melhor e pelos vistos, andava mais satisfeito. Até parei de tomar os remédios, então estava tudo bem entre nós".
Permitiu-se sussurrar uma frase, depois da longa pausa do amigo. Percebeu algo entalado na garganta e não era preciso ser-se um génio para juntar as peças e perceber que Izuku queria que ele completasse.
" - ...Então se começaste com os desmaios outra vez...".
" - Já chegaste lá".
Silêncio.
Katsuki suspirou e sentiu os ombros novamente pesados. Aquele rapaz de sardas, aparentemente inocente e feliz, atravessava por muito mais do que aparentava.
" - Porque é que ele...?".
" - Não sei".
Cortou-o imediatamente. O mais velho arqueou uma sobrancelha, passando agora maciador nos seus cabelos com uma massagem relaxante.
" - Não sabes ou não queres dizer?".
" - Não quero dizer".
" - Mas vais. Estou cansado que me escondas coisas e tenha de te ver a sofrer pelos cantos, Deku".
Izuku abriu a boca para negar e possivelmente discutir o que fosse necessário só para manter a postura do famoso "eu estou bem". Sabia que seria só mais uma batalha inútil contra Bakugou, já que eram igualmente irritantes, mas este em especial tinha uma teimosia irritante e vantajosa, garantindo-lhe sempre vitórias em discussões de grau sério.
" - ...O meu pai ia bater na minha mãe e eu meti-me no meio". - Admitiu bem mais facilmente do que achava que seria aquele inferno, reviver todas as imagens na sua cabeça. Em vez de enrolar, o de olhos verdes achou por bem depsejar a informação. Diria tudo o mais pratico e resumido possivel, para evitar mais tocar no assunto. - "E-Eu... Eu juro que achava que ia morrer, Kacchan".
" - Então, as coisas voltaram à estaca zero. A minha mãe protege-me ao máximo e ando muito melhor por isso; mas depois é ela que sofre e eu--".
" - Hey". - Pausou as palavras calmas, passando o polegar pelas bochecha esquerda. - "Está tudo bem. Não te vai acontecer nada agora. Só temos de arranjar uma solução para isso e--".
" - ...Porque é que estás a ser atencioso comigo...?!".
" - E porque não seria? Deku, eu--".
" - Eu não gosto de ti dessa maneira, Kacchan". - E virou a cara, comprimindo os lábios. - "Não é por seres querido comigo que me fará amar-te. Se estás a tentar por isso, então--".
" - Mas tu és parvo!?". - Reclamou em alto e bom som, irritado. - "Eu quero ajudar-te não só porque te amo, mas porque és o meu melhor amigo! Achas que estou a fazer isto para te conquistar, é?!".
" - Mas eu não mereço essa tua atenção cuidada! Há pessoas que possivelmente te poderiam retribuir melhor que eu! Eu sou só a porcaria de alguém que tem de ser perfeito e não é! Eu nem posso te reteibuir como quero, Kacchan! De certeza que outras pessoas--".
" - Mas eu não quero outras pessoas, Deku".
" - Eu quero-te a ti".
Izuku limitou-se a assentir e não disse mais nada. Estava tudo uma confusão na sua mente. Como assim Bakugou amava-o? De tantas pessoas no mundo, de tantos amigos, tinha de ser o inútil por quem ele se apaixonaria? Pelo rapaz fraco que nem sorrir porque quer na presença do pai pode, por não ter coragem?
Midoriya era a porra de um medroso.
Honestamente e mais uma vez, sentia-se ligeiramente apavorado. E agora, o que ia acontecer? Podia perder a amizade com o melhor amigo? Acabariam por se desentender?
Os dois estavam tão confusos que nem mesmo as suas ações já eram justificadas. Katsuki sabia muito bem disso. Se Midoriya já estava péssimo com o mundo a destruir-se à sua volta enquanto se autodestruia lentamente pelo bem dos outros, enquanto asisstia ao desmoronamento do melhor amigo calmo e eficaz, então as coisas só tendiam a piorar dali para a frente. De facto, a sua última intenção era colocar mais peso nas suas costas, mas agora estava feito. Desde que o de sardas fosse feliz, estava tudo bem.
É...
Feliz.
...
Mas então e eu?
Os olhos vermelhos não se desprendiam do teto. O braço sobre a sua testa e matava a cabeça, martelando sempre no mesmo assunto. Tudo lhe parecia tão distante e ao mesmo tempo, assustador. Sabia, bem lá no fundo, que não tinha quaisquer hipóteses contra Todoroki, contudo, desistir não constava no seu vocabulário. Só até ouvir da boca do melhor amigo que estava a namorar é que teria de ceder. Até agora, só se tinham beijado... Isso não significava nada, pelo menos ainda, e era essa a única vantagem que fazia com que ele ainda conseguisse ter esperança. Ambos tinham prometido que aquilo não contava; que não significava.
Não é à toa que ambos são excelentes mentirosos.
Nunca pensou muito bem no que queria, em relação a Deku. Queria namorar com ele? Tipo, nunca sentira aquele amor antes, podia até estar a confudir as coisas... Ou talvez não, porque o seu coração ficava tão rápido quando ele se aproximava e a vontade de o agarrar pela cintura só para o beijar desesperadamente era tão grande que nem mesmo Katsuki sabia de onde arrancava força de vontade para permanecer firme. Será que queria namorar com o Midoriya?
Apertou ligeiramente os olhos, enquanto o cérebro não parava de funcionar.
Querer não é poder.
Shoto faria-o mil vezes mais feliz, era muito mais normal e estável; não era um mal criado de primeira e de facto, mantinha no mínimo noventa por cento dos requisitos da lista de "possiveis namorados futuros do Deku! Parte 1 e 2".
Pelo que tinha verificado, ele só se enquadrava em sete por cento deles.
O amor era assim tão complicado?! Por favor, podemos voltar para trás onde criticar e gritar com todos era, tipo, fácil?
Katsuki ficou a pensar. As coisas, sim, tinham ficado mais simples. Já esperava entrar na famosa "zona da amizade".
Mesmo assim... Ouvir isos da boca do avô era a pior coisa que lhe podiam oferecer.
" - Katsuki?".
A voz da sua mãe e duas batidas calmas na porta - incrivelmente delicadas para o torpedo que era a sua progenitora - fizeram-se presentes. Imediatamente sentou-se com os braços apoiados para trás. Não esperava uma visita de Mitsuki tão cedo.
Ela abriu a porta e não se atreveu a abrir a boca. Ia levar a derrocada verbal da sua vida possivelmente - nada que não merecesse - mas mesmo assim, não estava com pachorra ou estabilidade para escutar nada sobre raspanetes ou em como não se deve bater nas pessoas, principalmente se for o nosso avô que financia os tratamentos e a vida do vosso pai.
Revirou os olhos. A vontade de gritar tudo para fora era estupidamente grande, chegava a ser absurda; contudo, nem ousou mexer um dedo. A mulher de cabelos rebeldes e loiros fechou a porta delicadamente atrás de si e só quando ouviu o trinco da porta, é que o coração começou a bater de nervos. O estômago ficou ligeiramente enrolado e fechou a cara, virando-a lentamente para a parede.
Não tinha coragem para encarar a vista da progenitora, possivelmente mais uma vez desiludida. Não tinha, sequer, essa capacidade ou poder. Preferia ignorar tudo e ir buscar os seus fones, a adormecer com aquele peso na consciência. Fez o certo? Ele foi impulsivo mais uma vez. E agora? Shinsou iria também ficar desiludido? Deveria contar a Deku ou a alguém?
Quando sentiu o corpo da mãe pesar ao seu lado, sinal de que se sentara no colchão, é que engoliu em seco. Então, esperou pela desilusão, ou discussão, ou palavras calmas a dizer o que se deve e não deve fazer.
E esperou.
E esperou.
Até finalmente vir algo que, de longe, ele não esperava.
" - Desculpa".
Dois segundos foram o suficiente para arregalar os olhos e se sentar imediatamente, afim de perceber o que raios se estava a passar. A sua mãe pediu-lhe desculpas porque ele, o filho, bateu no seu sogro? Desculpem-me lá o termo, mas que merda é esta?
" - O que raios--".
" - Desculpa". - Voltou a dizer, fechando os olhos. Virou o rosto na sua direção e então o choque das duas vistas vermelhas aconteceu, em breves momentos de silêncio.
Katsuki percebeu que não era o momento para perguntar.
" - Eu estou a acabar com as vossas vidas. A sujeitar-vos a isto. Vocês não merecem uma família descompensada. Nem tu, nem a Toga; e tu mereces muito mais apoio e ajuda. Então, por favor, deixa-me concertar o meu erro".
" - Mãe...". - Murmurou, ajeitando a postura. Não era do tipo sentimental, mas sabia que aqueles olhos marejados não podiam ser ignorados. Pousou a mão sobre a da mulher, engolindo em seco. - "Em nenhum momento, a culpa foi tua. Eu é que abusei e acabei por me deixar levar demasiado pelas palavras dele".
Apertou os dedos à volta dos de Mitsuki, sério e com toda a convicção possível.
" - Em momento algum, repito, foi culpa tua. Tu não fizeste nad--".
" - Nós vamos sair daqui".
A frase deixou Bakugou parado, sem conseguir digerir a informação completamente. Não... Não podiam fazer isto. A escolha de ficarem não foi somente por parte dela! Tanto a sua irmã como ele próprio sabiam das consequências e aceitaram, pela saúde e bem estar do pai. Ir embora daquele apartamento demoníaco que outrora fora deles para receberem o avô e lentamente, toda a família de quando em vez - ou seja, quase todos os dias - foi o acordo principal. Desistência de um lado significaria do outro.
E Kanji era homem mais do que suficiente para deixar o filho morrer no hospital sem cuidados suficientes, somente para apagar o seu nome da fama do neto ateu ou da nora repugnante que tinha.
Mitsuki sussurrou, virando a cara e comprimindo os lábios, semicerrando a vista.
" - Ou pelo menos, temos".
O desespero atingiu-o do nada, como um camião.
" - Mãe, nós não podemos--".
" - Prioridades, Katsuki!". - Disse-lhe mais alto, sentindo o corpo tremer. Não hesitou em voltar a fitá-lo, desta vez com as lágimas nos cantos dos olhos. - "Tu e a Toga são a nossa prioridade. A vossa educação, bem estar e estabilidade estão sobre mim e do Masaru. A vossa vida também. E não posso comprometer-vos muito mais a isto".
" - Mas--".
" - Mas nada. Estou à procura de uma casa para recomeçarmos a nossa vida a três".
" - ...Estás a presumir que o pai não vai sobreviver?!". - Elevou a voz, em choque, para não ouvir a verdade. Não precisava e escutar aquelas coisas que sabia tão bem e foi avisado ao longo da vida.
" - Estou a dizer-te a verdade como ela é, Katsuki! Achas que eu queria isto?! Eu não queria ter de abandonar o meu marido nos últimos dias, mas se for para cumprir uma vez na vida o meu papel de mãe, é preciso!".
Fechando todos os sentimentos dentro de si, Mitsuki manteve a sua postura e ignorou as lágrimas que queriam descer. Obviamente que aquela decisão não se tomaria do dia para a noite, contudo, tinha consciência da
" - Prioridades?! Mãe, somos uma família! Estás doida?! Tu abandonarias-me a mim ou à Toga num hospital pelos outros?!".
" - Para de meter palavras na minha boca!! Sabes tão bem quanto eu que eu não disse isso!".
As vozes estavam cada vez mais elevadas. Cada uma tinha o que defender e atacar, dependendo dos pontos de vista.
" - Mas parece! E parece-me mesmo que é isso que vais fazer".
" - O Masaru teria de fazer a mesma coisa se fosse eu! Nós somos pais, vocês são os filhos, as pessoas que devemos proteger de todos os males e nós acabamos de vos expor por anos e anos consecutivos a todos eles, nesta casa. Para mim, chega. E se não arranjar uma casa, eu mesma faço questão de desaparecer com toda a gente daqui".
Bakugou semicerrou os olhos, sussurrando.
" - Eu não te vou deixar abandonar o pai".
" - Mas tu não tens de deixar nada, Katsuki! A decisão não cabe a ti e sim a mim e ao teu pai, que concorda exatamente com o que eu acabei de sugerir. Pensámos nisto durante meses e por uns tempos, as coisas acalmaram e quase desistimos do plano. Mas eu não posso deixar que as coisas se repitam".
" - A Toga e eu não temos voto na matéria?".
" - Obviamente que não. Esta decisão cabe aos adultos decidirem".
Arreganhando os dentes, Katsuki proferiu sem pensar.
" - Adultos são uma merda! Foda-se se o meu discurso é infantil. Vocês só sabem ser egoístas, pensar em vocês próprios, se satisfazerem, mesmo que isso acabe com vidas que nem pediram para nascerem! Achas que algum de nós exigiu ser filho de alguém?!".
Mitsuki, então, sorriu. Fechou os olhos e sussurrou as palavras da maneira mais sincera e direta possível.
" - Mesmo que me odeies... Eu serei a tua mãe até ao fim. Nunca te esqueças disso".
Silêncio. O mais novo então suspirou pesadamente, passou a mão pelos cabelos e engoliu em seco.
" - Eu... Eu não quis...".
" - Eu sei que não".
Deitou-se sem olhar para a mulher, encarando mais uma vez o teto. Se bem que ser direto não era o seu forte, embora o tenha acabado de fazer... Ser-se mais um pouco já não ia matar ninguém.
" - Anda tudo a explodir à minha volta e isso está a matar-me. Eu só queria ser a porra de um filho normal, algo que te orgulhasses para não haver estas merdas. Mas não; tive de nascer completamente errado!".
" - Katsuki... Quem te disse uma coisa dessas? Querido, tu não és errado". - E acariciou ligeiramente a perna do rapaz. - "Tu tens uma personalidade forte e às vezes intragável, admito, mas... Mas tu és tu. E eu prefiro-te mil vezes a ti que ao teu primo George, por exemplo".
" - Urgh, nem me fales do banana de onze anos religioso".
" - Pelo menos, nisso concordamos".
" - Mas percebes? Eu só faço estas coisas. Eu só queria ser normal! Se eu seguisse ordens, não fizesse merda a cada passo que dou, que nada destas coisas tivessem acontecido!! E depois, eu estraguei tudo mais uma vez quando achava que estava a fazer bem e é tão frustrante, tu não fazes ideia do quão irritante se torna. Tudo à minha volta parece que a culpa é minha e olha que eu odeio egocentrismos!".
" - ...Isso está relacionado a algo que o teu avô mencionou?".
Antes de Bakugou abrir a boca, ele parou rapidamente. O que ela queria dizer com isso? Significava alguma coisa? Pensou muito bem antes de responder. Ela era inteligente. Bruxa maldita. Então, entrou na defensiva.
" - O que queres dizer?".
Mitsuki sorriu pelo canto dos lábios.
" - Se um certo rapaz de sardas com olhos e cabelos verdes está metido nisso".
Sem pensar, disse rapidamente e com uma voz desafinada, arregalando os olhos.
" - N-Não".
A mais velha riu baixinho, entretida.
" - Katsuki. Tu sabes que me podes contar tudo, certo? Tudo mesmo. Qualquer coisa. Podes confiar em mim que a minha boca é um túmulo. Deixa-me ser uma boa mãe, ou pelo menos tentar, se quiseres".
Intimidado, Katsuki não queria falar sobre isso. Então limitou-se a virar o rosto, entrando no modo de defesa habitual.
" - Eu não quero que fiques ainda mais desiludida".
Se havia uma boa hora para ser-se mãe, então era aquela.
Mitsuki vestiu um rosto sério, segurando de maneira firme a mão do filho. Estava na hora daquele rapaz entender que não era nem diferente, nem esquisito.
" - Amor... Eu nunca, em toda a minha vida, fiquei desiludida contigo. Nem uma vez. E cá entre nós, aquele soco foi bem merecido. Tenho de admitir que vai ser uma história para contar aos meus netos antes de dormir".
" - Queres que eles fiquem agressivos como eu?".
" - Mini-Katsukis a andar pela casa pode ser perigoso".
" - Licença, perigo é o meu último nome".
Os dois deram risadas aconchegantes, descontraindo o clima.
" - Então, vive no perigo, se te deixar feliz. Eu quero que sejas feliz. E que sejas, principalmente, feliz contigo mesmo. Não tens de me justificar nada".
Torcendo os lábios e espreitando de maneira curiosa como uma criança, sussurrou.
" - ...Nada?".
A mãe confirmou, com um sorriso.
" - Nadinha".
Demorando uns segundos até se atrever a falar novamente.
" - E se eu quiser?".
" - Então, estarei sempre aqui ao teu lado".
Bakugou engoliu em seco e deslizou os olhos penosos lentamente.
" - Se eu por acaso... Fosse um pouco diferente...".
E mexeu no braço, cada vez mais desconfortável.
" - E não fosse o tipo de filho que estarias à espera...".
" - Continua".
Colocou a vista para o lado oposto.
" - E por acaso, também não teria se calhar o melhor relacionamento amoroso do mundo...".
Mordeu o lábio inferior.
" - S-Se por acaso eu... Não gostasse dessa maneira normalmente?".
" - Não sentes atração por ninguém. É isso?".
Mitsuki sabia muito bem que não era isso. Mas precisava de o ajudar.
" - Não é bem isso. Eu sinto, mas...".
" - Eu sou gay". - Katsuki arregalou os olhos e sentiu o rosto ficar branco ao perceber que as palavras que saíram da sua boca eram iguais aos da mãe, que sorria como se estivesse imensamente orgulhosa. Ela acabara de adivinhar o seu tom de voz sério, a sua determinação e frase seguinte.
" - Como é que tu...".
" - Acredita. Uma mãe sabe sempre tudo e por vezes, antes do próprio filho".
Porra, que constrangedor!
" - Eu... Bem, então não estás..?".
" - O quê? Achas que eu ficaria chateada?!". - Mitsuki gargalhou com gosto. - "Querido, eu fico é chateada de te reprimires assim. Tu nasceste assim e qual é o problema! O Izuku é bonito, de qualquer das maneiras, não me admira teres escolhido muito bem. Afinal, és meu filho e ele lembra-me de certa forma o Masaru".
" - C-Como é que tu--".
" - Vou repetir. Uma mãe sabe sempre tudo e às vezes, antes do filho. Além disso, céus, estava na cara. Agora, conta-me lá!! Quero fofocas!".
Assim que a progenitora se aproximou de maneira comprometedora do filho, este limitou-se a rir, enquanto a empurrava pelo rosto
" - Saí daqui, velha".
" - Velha é a mulher da esquina. Vá lá, eu quero saber como anda entre vocês! Ele também sente atração por homens, certo? Então, metade do caminho está feito. Se bem que ele não se manteria hetero por muito mais tempo ao lado de um filho incrível como t--".
" - Mãe". - Avisou Katsuki, meio sério, enquanto revirava os olhos.
" - Okay, okay... Mas eu fico tão, mas tão orgulhosa de me teres dito isso. Katsuki, estou tão feliz!... E com medo também de seres algum ser estranho e de dizeres que afinal tinhas dois pénis ou assim".
" - Mãe!!".
" - Desculpa lá, mas é verdade. E fora que nunca agiste dessa maneira com meninas como ages com o Midoriya. Então... É compreensível".
Já fora de si, o mais novo disse num tom mais elevado, para acabar com aquela palhaçada.
" - Eu e o Midoriya não vamos ficar juntos. Entendido?!".
Mitsuki, de início, até se assustou. Tinha dito alguma coisa? Fizera algo?
" - Calma, Katsuki". - Tentou dizer baixo, como se isso o fosse tranquilizar, enquanto sorria. - "Não é como... Se ele não sentisse... Isso". - O rosto da mulher lentamente arregalava os olhos, como se terminasse de juntar as peças. - "Por ti".
Ah, não me digam que...
" - Pois. Chegaste lá".
Os dois eram assim tão bons mentirosos? A senhora ia jurar que estavam juntos, quer dizer, está mais que na cara!
O silêncio entre eles foi o suficiente para que ela refletisse. Isso significava que não tinham nada barra Midoriya não queria qualquer envolvimento desse tipo com Katsuki; o que para começo de conversa, já era estranho. Ou ele tinha alguém, ou ele fingia ter alguém.
Medo? Medo de perder o amigo ou...?
" - ...Wow. Eu ia jurar que vocês...".
Bem. Dizer mais coisas não vai mudar nada, de qualquer das formas.
" - Tipo, a gente já se beijou, mas não é por isso q--".
" - Vocês o quê?!". - Gritou, interrompendo o filho, em choque.
" - Puta merda, mãe! Não contes nada à Inko ou eu estou frito, ouviste?! Bem, também já sabes de tudo, não é como se isto fosse mais segredo. De qualquer das maneiras, ele queria aprender a beijar e eu ensinei. Só isso. Mais nada. A sério. Eu juro. Acabou ali, fim!". - Terminou, cruzando os braços de maneira defensiva. Porra, a sua mãe tinha de ser assim tão estranha?
Silêncio.
" - ...Essa foi a pior desculpa que eu já ouvi!!".
Mitsuki desmanchou-se a rir, com lágrimas nos olhos. Não sabia que Katsuki podia ser assim tão trouxa. Ter alguém que o fizesse assim era incrível; ainda para mais, se for o melhor amigo.
" - Deixa-me iludir, okay?! Obrigado!".
Os olhos vermelhos da senhora abriram-se, transbordados de curiosidade.
" - Posso saber quando?".
O adolescente virou a cara, enquanto murmurava, meio constrangido.
" - ...No meu aniversário".
" - Acampamento?". - Arqueou uma sobrancelha. Essa era novidade.
" - Yap".
Silêncio.
Por segundos, Katsuki pode jurar que corações eram expelidos pelos poros da pele da mãe.
" - Que romântico...!".
" - Mãe!!".
" - Eu e o Masaru demos o primeiro beijo num concerto, quando éramos amigos. E depois fomos ver as estrelas no carro dele, quando ele acabou de tirar a carta. Foi tão lindo!".
" - Sim, eu sei". - E revirou os olhos. - "E depois ele teve um acidente e esperou o carro todo na parede da tua casa".
" - Pois... Talvez seja por isso que os meus pais odiavam que eu fosse no carro dele".
" - De qualquer das maneiras, o assunto do Deku morreu. Ele prefere o pau no cu a mim. Fim de história!". - Terminou, cruzando os braços e querendo terminar a conversa de uma vez. Estava farto de repensar na sua friendzone.
" - O Todoroki?!".
" - Yap. Quem diria, não é?". - Sempre recheado de ironia.
Mitsuki abriu a boca para lhe explicar imediatamente que as coisas não eram tão assim. No entanto, fechou-a.
" - É. Quem diria".
E sorriu-lhe. O filho exibiu um rosto confuso, encarando-a, como se não soubesse o que aquilo significava.
" - Mas tem calma. Que nem tudo é o que parece".
[...]
Katsuki mordeu o lábio inferior e cerrou o punho com força.
Se lhe dissessem há uns dias atrás que iria ficar apavorado ao encarar a porta da sua sala, teria negado com todas as forças. Se lhe transmitissem a sensação de medo que sentia no estômago, a ansiedade absurda no peito e o coração rápido, a transpirar das mãos, diria que era mentira até ao fim dos seus dias.
E lá estava ele.
Com medo.
Nunca foi bom em admitir coisas para si próprio - gostar do Deku que o diga - e sempre soube que fugia dos problemas ao invés de encará-los. O que isso lhe garantiu? Ser excluído da sociedade, geralmente falando. Claro, tinha os seus amigos e membros familiares agradáveis e Shinsou, que estava entre as duas classes, mas nada mais.
Fugia da igreja como o diabo da cruz.
Ótima comparação, não acham?!
Bakugou, para além de ser muito orgulhoso, era também igualmente teimoso. No entanto, debaixo daquela casca indestrutível de rapaz delinquente com fama de stressado, existia um coração medroso, com muito receio de mostrar parte fraca e de se magoar novamente.
Ele não queria isso.
Num momento de fúria interna, ganhou coragem para abrir bruscamente a porta. Foda-se se o Deku o vai olhar de lado, se não vai falar mais com ele.
Na verdade, não era assim tanto foda-se.
Mas era tudo o que podia pensar no momento.
No entanto, admirou-se ao ver que ele ainda não tinha chegado.
" - Kacchan!!".
Piscou os olhos várias vezes e até se beliscou discretamente para ver se ja tinha mesmo saído da cama ou se Izuku a correr para si era um sonho por realizar.
Bruscamente e tomando-lhr os pulsos de maneira rápida, os seusolhos verdes observaram-no em desespero.
" - Por favor, faz o trabalho de Português comigo!!".
Demorou quatro segundos para digerir a informação.
" - ...Espera". - Sussurrou, quase em choque. - "T-Tu queres que nós, tipo, façamos o mesmo trabalho? Tipo tu e eu?".
" - Sim!". - E abraçou-se ao melhor amigo, num choro mais que exagerado. - "Toda a gente me abandonou e eu quero fazer contigo, por favor!!".
" - ...Espera la, tipo, nós os dois? Só? De certeza? Tipo... Absoluta? Depois de...".
Izuku arqueou uma sobrancelha, enquanto a voz do melhor amigo tinha morrido e engolia em seco. Aqueles olhos deixavam-no tão intimidado.
" - Se me vais abandonar, eu vou vingar-ne na tua escova de dentes lá de casa".
Bakugou abriu a boca para depois fechá-la. Ia gritar-lhe na cara que não devia ser seu amigo, não depois do que lhe causara. Tinha acabado de se declarar, então, porque...?!
Esticou os labios num sorriso bem discreto, revirando os olhos e afundando as mãos nos bolsos, momentos depois de lhe empurrar pelos ombros, afim de se afastar do espaço pessoal.
" - Trabalhamos enquanto comemos doces que tu vais trazer e temos negócio".
Gritos de um Deku revoltado por ter de ir às suas poupanças soaram durante a manhã inteira; ou soariam, não fosse Aizawa entrar e Bakugou ser obrigado a sentar-se na sua secretária. Fechou os olhos.
Estúpido.
Como se Midoriya Izuku o fosse deixar por isso.
[...]
Bakugou revirou os olhos mais uma vez, assim que virou costas. Esfregava o quadro de giz com muito mais força do que deveria; mas que podia ele fazer para descontar a raiva em panos molhados ou pó, se não podia agredir de livre e espontânea vontade os dois atrás de si?
Izuku deu uma risada baixa - daquelas mesmo chatas de filmes de romance, sabem? - e imediatamente, sentiu-se a mais quando Todoroki fez o mesmo como resposta, cochichando coisas como idiotas apaixonados.
Ele podia ser um, se Midoriya colaborasse.
De olhos avermelhados e mais pequeninos que o normal, rangeu os dentes. Porra, era frustrante.
O que Shoto tinha que ele não tinha?
De facto, tudo. Não havia dúvidas do porquê do seu melhor amigo estar tão embasbacado pelo otário de merda.
Então, vamos repetir a pergunta.
Porque é que Shoto tinha de ter tudo que ele não tinha?
Seria egoísta dizer que, de facto, queria o de sardas consigo; não podia dizer uma coisa dessas! Midoriya era feliz com quem amava e pronto. Katsuki teria de baixar a cabeça e aceitar isso.
No entanto, estamos a falar, mais uma vez, de Katsuki.
A pessoa mais defeituosa da cidade, talvez.
É claro que ele seria egoísta.
" - Menos clichês, mais arrumação". - Com uma voz dura, depositou parte das suas frustrações no ar, interrompendo imediatamente os sussurros atrás de si. - "Vá lá, tenho que me despachar! E não tenho o dia todo para vos aturar, pombinhos de merda".
Nunca ficou tão feliz por um castigo estar a terminar. Mais uns dias e nunca mais tinha de aturar aquele romance azedo.
" - Que chato, Kacchan!". - O melhor amigo resmungou num certo tom de voz infantil, coisa que o fez instintivamente sorrir discretamente. Izuku cruzou os braços e encheu ligeiramente as bochechas de ar, enquanto o terceiro rapaz presente gargalhava baixinho, abraçando-o pelos ombros com o braço direito. - "Deixa-me namoriscar um bocado!".
E ires à merda, Deku?
" - O caralho".
Girou o corpo rapidamente e arrependeu-se de imediato, ao ver o quão perto eles estavam um do outro. Sentiu um calor inexplicável pelo peito acima e mordeu o interior da bochecha ligeiramente para ver se controlava aquela vontade enorme de gritar setecentos mil palavrões e bater naqueles dois e esfregar a cara no asfalto de cada um. Odiava vê-los assim juntos e lá tinha ele que controlar a raiva selvagem que brotava no seu estômago. Sentimentos não eram de todo com ele, mas até fazia um esforço consideravelmente grande ultimamente.
Mesmo assim, sentia-se louco ao ponto de socar a primeira coisa que lhe aparecia à frente quando via aqueles dois tão juntos, a sorrir, o rosto vermelho de Midoriya tão perto do de Shoto, a sussurrar-lhe coisas comprometedoras ou segredar-lhe assuntos só entre eles, com piadas internas.
Katsuki queria fazer parte daquilo.
Katsuki não queria ser deixado de lado.
" - Eu tenho compromissos e não sei se te lembras, nerd de merda, mas tu também vens comigo!".
A frase saiu-lhe dos lábios sem pensar, contraindo todos os músculos do seu corpo, com um olhar certamente ameaçador na direção do de cabelos com duas cores. Não que odiasse Todoroki em específico, era seu amigo, mas passava a querer matá-lo no sentido literal, sem dó e piedade, quando estava tão colado ao seu melhor amigo e paixão ligeira.
Ou seja, noventa e sete por cento do tempo que o via.
Shoto imediatamente sentiu-se a mais e engoliu em seco. Compreendeu que Bakugou deveria estar possesso de raiva mais ciúmes - e com razão, no seu caso faria o mesmo e não o censurava - e limitou-se a comprimir os lábios. Era culpado, sabia perfeitamente disso e mesmo assim, naquela mentira perfeita, manteve-se firme. Precisava de alguém, mesmo que o alguém que precisasse tivesse de ser substituído por Izuku.
Para espanto do loiro, esperando que o seu arqui-inimigo naquela guerra amorosa lhe fosse esfregar alguma coisa na cara, como um 'ele é meu, fode-te' ou 'o Midoriya faz o que ele bem entender', limitou-se muito simplesmente a tirar o braço do ombro do mais novo, quase como se admitisse derrota. Por milésimas de segundos, os olhos vermelhos e heterocromáticos chocaram e Bakugou podia jurar com todos os dedos de que Todoroki parecia culpado.
" - Izuku, é melhor acelerarmos isto. Qualquer coisa saímos depois de estares com ele. Tudo bem?".
De tom incrivelmente sério a encarar Bakugou, o de cabelos verdes não entendeu, estranhando ligeiramente. No entanto, ao abrir a boca possivelmente para questionar a mudança de humor repentino, só assentiu. Andou calmamente até uma das secretárias da fila da frente, retirando a esfregona lá apoiada, dirigindo-se para o fundo da sala.
Katsuki não entendeu nada do que acabara de acontecer. Do dia para a noite, Shoto pareceu imediatamente outra pessoa, que antes sorria ao lado do quase namorado e agora estava sério, sinónimo da frieza nos olhos. Andava assim há dias. E quando não andava, parecia extremamente forçado e lá está, filmes de romance clichês. Imediatamente, arqueou muito devagar a sobrancelha direita, encarando-o com um ponto de interrogação escrito na sua face.
Mas que caralhos acabou de acontecer?
Todoroki suspirou sem som nem sem mover um único músculo desnecessário para a ação. Largou o pano do pó em cima da mesa, enfiou as mãos nos bolsos do uniforme da escola e andou a passos calmos até ao quadro, parando à frente do loiro.
Olhou-o nos olhos. Ligeiramente confuso, os seus olhos moviam-se milimetricamente pela sua cara, tentando lê-lo. Impossível. Shoto era indecifrável e ameaçou mentalmente o nerd de bosta por se apaixonar logo pelo rapaz mais complicado daquela turma.
Voltou a andar e até mesmo Katsuki se surpreendeu, dando um passo para trás. Os olhos heterocromáticos do rapaz ficavam agora o quadro sem parar, passando ao lado esquerdo do amigo sem parar.
No entanto, sussurrou-lhe uma frase.
" - Segunda, depois das aulas, atrás da escola".
Arregalou os olhos e fitou rapidamente o amigo, que seguiu rumo a qualquer tarefa que encontrasse, sério.
Mas o que raios Todoroki quereria dizer com aquilo...?
Trapped in a love I know I can't escape.
(Preso num amor que sei que não consigo escapar).
[...]
" - O quê?". - A voz de ironia do de sardas ficou baixa, enquanto ele fazia uma careta provocadora. Esticou os braços para a frente para depois os apoiar na nuca, fitando o céu claro e com poucas nuvens, num andar relaxado. - "Vais dizer que és melhor que eu em Splatoon?".
" - Digo e com gosto". - Rebateu o melhor amigo com as mãos nos bolsos e mochila no ombro direito, olhando-o pelo canto dos olhos. Katsuki simplesmente sorriu um pouco, revirando os olhos. - "Por amor de Deus. Queres lembrar-te das tuas últimas três derrotas consecutivas?".
Rapidamente, o de cabelos verdes cruzou os braços e virou a cara, constrangido e tentando parecer irritado.
" - Para minha defesa, o meu pai interrompeu-me a meio do jogo e eu perdi o último porque desconectei". - Murmurou, recebendo uma risada anasalada de volta.
Instintivamente, Bakugou passou a mão pelos ombros do mais baixo, que rapidamente o encarou, ligeiramente surpreso.
" - Admite". - Rasgou os seus lábios para um dos cantos, tentando de certa maneira intimidá-lo. No entanto, Izuku só lhe respondeu com um revirar de olhos e empurrando-lhe a cara.
" - Sai daqui, gay". - Brincou com uma voz baixa, causando um ataque de risos no de cabelos loiros.
" - Olha que moral que tens para falar, Deku". - Desta vez, foi a sua vez de revirar os olhos, finalmente virando na rua que pretendia ao mesmo tempo que o amigo, por já saberem o rumo de cor e salteado para o café onde o mais alto trabalhava.
" - Pelo menos eu admito com gosto que sou homossexual, meu amor". - E piscou-lhe o olho, tendo imediatamente um dedo do meio cravado contra o seu nariz abatatado, começando a rir-se descontroladamente.
" - E ires à merda, caralho!?". - Reclamou um pouco mais alto, a apertar os olhos, irritado. Maldita hora que se declarou, puta que pariu.
" - Aaah, Kacchan, não sejas mal educado!". - Fingindo-se de ofendido, Midoriya colocou uma mão no peito, com um rosto surpreso. - "Que raio de educação é essa, com o teu melhor amigo?".
" - Apresento-te a educação". - E ergueu o seu punho ameaçadoramente, enquanto o de cabelos verdes se voltava a rir, levantando as mãos no ar e com as palmas das mesmas viradas para Katsuki, com um sorriso divertido.
" - Okay, okay, já percebi. Perdi desta vez".
" - Acho muito bem que percebas". - Rosnou-lhe, virando para a porta do pessoal, na rua estreita atrás do café, onde literalmente ninguém passava, por só ter acesso a alguns prédios desabitados e para as três lojas existentes naquele lugar da rotunda da igreja.
" - Se não o quê?". - Cantarolou lentamente e com um olhar a provocar-lhe, contente de perceber que o estava a atingir de certa maneira. Izuku gostava de o deixar vulnerável a si, por mais que esses momentos fossem raros e só uma brincadeira entre os dois.
Novamente bufou alto, ignorando-o e começando a sibilar-lhe palavrões. Bakugou levou a mão ao bolso, retirando as chaves onde tinha as suas de casa e do café. Destrancou a porta e mandou-lhe outro dedo do meio, recebendo um também. Automaticamente, começaram a rir com gosto.
Por mais que Midoriya fosse somente um amigo de Katsuki e nem trabalhasse no local, era como se já fizesse parte dali. Mesmo querendo ajudar, Sir Nighteye afirmou que seria melhor não, afinal, não é empregado e nem tem muita experiência; no entanto, a sua companhia aumenta a moral de toda a gente, não fosse o ser mais otimista e contagiador de felicidade que existia. E fora que, claro, o mais insuportável vinha logo com outro humor e só faltava vê-lo com corações à volta a voar.
Mirio achava incrivelmente hilária a transformação do amigo de um momento para o outro. Assim que o de sardas ia à casa de banho, por exemplo, ficava intragável e extremamente stressado. Quando aparecia, sorria, parecia outra pessoa. Inexplicável.
O amor era inexplicável.
Togata era uma pessoa tão simpática e secretamente, o de cabelos verdes queria tal e qual ser como ele. Alto, forte, bonito e inteligente, era uns aninhos mais velho que ele, claro, ainda podia crescer e a puberdade finalmente chegar para lhe fazer algum milagre, mas não, tinha de suportar o melhor amigo a trabalhar com um homem de sonho que honestamente, apaixonaria-se se já não tivesse.
Bufou baixinho e cruzou os braços discretamente, começando a murmurar as coisas habituais. Katsuki, de costas e a vestir agora o seu avental de trabalho, limitou-se a sorrir de canto. Achava adorável aquela maneira de expressar-se.
" - Posso saber no que estás a pensar para murmurar assim, Deku?".
Izuku tremeu completamente ao ouvi-lo falar, recuando imediatamente, vermelho. Sorte que o mais alto estava de costas.
" - A-Ah...". - Riu-se um pouco constrangido, enquanto coçava a nuca com a palma da mão. - "Estava a pensar sobre...".
A voz do de sardas morreu, quando subiu o rosto e se deu conta que o melhor amigo caminhava de maneira pesada e rápida até ele. Arregalou um pouco os olhos, confuso e instintivamente encolheu-se a engolir em seco, arrepiando cada pedaço de pele ao sentir aqueles olhos vermelhos pregados sobre si, o rosto sério e implorou aos sétimos céus para lhe segurar ali e agora e voltar a beijá-lo.
No entanto, sentiu a mão esquerda de Bakugou sobre a sua boca, cobrindo-a toda. Sem compreender nada e antes mesmo de se tentar afastar, a direita segurara de maneira firme o final das suas costas, sentindo o rosto queimar quando compreendeu que o melhor amigo acabara de colar os dois corpos. Izuku estava ligeiramente inclinado para trás, já que o mais alto precisava de ficar mais para a frente, afim de chegar perto dele.
" - Shh". - Sussurrou-lhe, encarando seriamente a porta que dividia o café do pessoal autorizado. - "Cala-te".
De início, não compreendeu. Midoriya apertou ligeiramente os olhos e ficou a admirar cada expressão da face do outro. Os maxilares definidos e apertados, os olhos concentrados e parados, a boca ligeiramente comprimida e de certa foram, parecia desconfiado.
Sem perceber, o seu coração parecia estar a mil.
Mas mesmo antes de se focar no facto de ele estar a agir de maneira estranha e que pudesse ser somente alguma desculpa provocatória, o de sardas escutou berros abafados não da sala dos clientes, mas sim vindos do gabinete do Sir Nigheye, virando rapidamente o rosto para a parede atrás de si, por ser a que dividia as duas salas.
" - ...Mas tu não entendes?!". - Fora somente isso que apanhara vindo do chefe do seu melhor amigo.
" - É claro que entendo!!...". - Ambos até se arrepiaram ao reconhecer a voz de Togata. Nunca pensariam, sequer, em ser possível ouvir-se um Togata tão alto. O que raios se passava ali?. - "Mas eu não sou o único a entender isso!".
Admirou-se e olhou rapidamente nos olhos de Katsuki, que o encarou da mesma maneira confusa. Nunca, em toda a sua vida, tinha presenciado algo assim. Aliás, Mirio, sequer, conseguia ficar irritado?!
Algumas palavras eram abafadas e somente a respiração de Izuku contra a mão do melhor amigo era escutada, por estar ligeiramente stressado. A de Bakugou era silenciosa e para ter a certeza que o seu amigo não ficava a sentir-se mal com os nervos, apertou-o rapidamente contra o seu corpo, talvez para lhe passar segurança, talvez para se sentir seguro.
" - Eu também me sinto frustradíssimo como tu, Togata!". - Berrou a voz de Nighteye, mais elevada que antes. O loiro mordeu o lábio inferior. Com certeza, aquilo não parecia bom. Nada bom. De que raios falavam? Frustrados porquê? De quê?
" - Então, faz alguma coisa! Ajuda-me, como tu tanto queres!! Mas ninguém consegue, ninguém consegue melhorar esta situação! E se não conseguem, então, deixem-na de lado e sigam em frente, como toda a gente fez! Como a Nejire fez, como o Overhaul fez!!".
" - Se eu não a deixei de lado é porque a pretendo resolver ao teu lado, não achas, Mirio?!". - Pausa. - "Só... Só não sei como o fazer, merda!".
Sir Nighteye, sequer, sabia o que eram palavrões?!
" - Então, fala comigo! Diz-me o que tu sabes e eu digo-te o que sei! Eu estou cansado de segredos e foi isso mesmo que acabou com a nossa vida!".
" - Eu sei que vocês os dois devem estar completamente desesperados e em pânico, mas--".
" - Eu estraguei a vida do Tamaki!".
E, assim que a frase foi dita num berro elevado, os dois calaram-se.
Midoriya estava em pânico e nenhum dos amigos se ousou mexer. Perceberam que murmuravam qualquer coisa um com o outro, mas não abriram a boca.
Bastava dois olhares para se entenderem e aperceberem-se de que aquele não era um bom dia para ir trabalhar.
[...]
Katsuki pousou o segundo pé no relvado da escola. Estava meio seco por conta da falta de chuva dos últimos dias, vá-se lá saber porquê. Onde viviam era praticamente chuva o ano inteiro, e os poucos dias de bom tempo com sol e calor eram aproveitados na praia.
" - E aí". - Murmurou.
Shoto estava de costas para si e nem deu sinal de resposta, mesmo que tivesse a certeza do rapaz ter escutado. Bakugou trincou o maxilar e estalou a língua no céu da boca, largando o dado de vinte lados para o fundo do seu bolso, permanecendo com as mãos nos mesmos, na posição mais descontraída que podia.
" - Para me chamares com antecedência para um sítio de merda isolado como este numa segunda feira, ou é para te declarares como uma miúda apaixonada ou foi porque deu merda. E ambos sabemos que não é o primeiro".
Por uns momentos, nenhum dos dois falou. Apesar de meio nublado - e finalmente a dar sinal de chuva com certeza para durante a noite toda - o vento passou por eles, arrastando algumas folhas com ele. Os olhos vermelhos ficaram fixos no amigo à frente e nem se atreveu a queixar-se pela demora. Conhecia-o o suficiente para saber que seria uma perca de tempo.
Lentamente, Katsuki semicerrou os olhos, sentindo os músculos todos do seu corpo ficarem tensos, compreendendo finalmente o possível rumo daquela conversa.
" - ...É o Deku, não é?".
Antes, uma atitude descontraída e cómica, fora transformada na seriedade em pessoa. Bakugou sabia que um sítio isolado e a ausência de respostas indicavam tudo para um mau caminho. O que Todoroki queria mais? Era óbvio que Izuku estava na sua mão e normalmente ele não era uma pessoa que esfregasse na cara dos demais que tinha quase vencido uma guerra. Por isso, descartara imediatamente a hipótese de ameças de guerra diretas ou a dizer-lhe para desistir.
Ambos sabiam, mais uma vez, que ele não ia desistir tão facilmente de Midoriya.
" - Só te quero pedir um favor".
Segurou-se ao máximo para não gritar, resultando num tom de voz mais grave e baixo do que pretendia. Paciência. Agarrou no dado de vinte lados e começou a girá-lo por entre os dedos, enquanto arreganhava os dentes. Não era preciso ser-se um génio para saber que aquele silêncio de culpa e as inteções de Todoroki, juntamente com os seus sentimentos.
" - O que quer que faças, não o magoes. Porque vais ter de te haver comigo".
Não era preciso nem mais uma palavra naquele diálogo ou de olhar para os olhos de duas cores do rapaz. Shoto pediu para conversar com ele e nem ia proferir mais nada, sem se dignar a abrir a boca para se justificar. Tinha errado e não podia fazer nada se não lidar com as consequências.
Katsuki girou o corpo e começou a caminhar para a entrada da escola. Não havia mais o que conversar.
No entanto, parou a uns três passos depois, encarando o portão aberto e as cores do por do sol que pincelavam o céu.
" - Não faças merda. Pensa bem antes de fazeres isso".
E saiu, sem dizer mais nada.
[...]
Katsuki suspirou pesadamente, encarando mais uma vez a pesada lista de compras por entre os seus dedos, de uma página de um bloco de notas de bolso mal arrancada.
Odiava compras.
Talvez seja por isso que todas as suas roupas são oferecidas no Natal por familiares que não querem saber dos seus gostos - já que qualquer coisa serve - e maioria das que compra, um evento raro que só acontece uma vez por ano, são de eventos de jogos ou séries, ou em concertos de rock que adoraria ir, mas como vive no meio do nada tem de encomendar da internet.
Bem. O dinheiro é melhor gasto em coisas que ele vá realmente usar.
Tipo jogos ou figuras de ação.
" - Estúpida". - Sibilou, a criticar a progenitora. Afundou as mãos nos bolsos, virando a rua que faltava e entrando na primeira porta automática que encontrou, com uma péssima iluminação e metade das lâmpadas fundidas. Um estabelecimento velho e com certeza não deveria estar dentro das normas de saúde, mas para coisas embaladas e vindas de fábrica, estava ótimo.
Era só ver a data de validade primeiro.
Limpando a garganta, pôs mãos à obra para acabar com aquele inferno rapidamente. Quanto mais depressa voltasse para casa para treinar alguns acordes da música que estava a aprender.
Água, refrigerantes, qualquer coisa para jantares já que vamos comer fora em trabalho, iogurtes, leite e ovos.
Fácil.
Mas como Katsuki é a pessoa mais interessada do mundo - destaca-se a ironia - é claro que ele fez questão de escolher os ovos com pior aspeto, já que sabia perfeitamente que nem a irmã, nem a mãe, comeriam nada escolhido por ele, com medo de morrerem.
Uhm.
Talvez seja desta que o velho morra de salmonelas. Dançaria sobre o caixão se isso acontecesse.
Suspirou pesadamente pela garganta com tudo nos braços. Qual cesto de compras qual o quê; a vontade para ir embora falava mais alto, tanto que escolheu acidentalmente noodles de legumes do que de vaca. Paciência, gostava de tudo na mesma.
Avançou para a caixa vazia e com algo entornado sobre o balcão que possivelmente estava estragado, pelo cheiro. Por percaução, fez questão de deixar discretamente o leite de lado, por desconfiar que estaria podre, vá-se lá saber como.
Pousou os produtos na caixa e esperou que o adolescente com sérios problemas de acne passasse tudo, enquanto mascava uma típica pastilha elástica de morango com um desinteresse que seria digno do adolescente mais chato desta obra, se o protagonista não fosse Katsuki.
Decidiu ver rapidamente as notificações do telemóvel, ou pelo menos encarar a tela de desbloqueio, só para descarto de consciência. Viu as horas, suspendeu e voltou a abrir, sentindo um ligeiro sono por se ter deitado tardíssimo a falar com Izuku na noite anterior. E hoje, como fora jantar fora com o Todoroki, possivelmente não iriam conversar até às altas horas habituais. Em parte, poderia por o sono em dia, então já se tornava vantajoso.
Bakugou enfiou o telemóvel no bolso traseiro das calças quando o rapaz lhe ditou a conta. Tirou a carteira e com a nota que a mãe lhe ofereceu para pagar - quero o troco, Katsuki, e nem me venhas convencer!, as palavras ecoaram na sua mente e até revirou os olhos, ao sentir o dinheiro deslizar-lhe pelos dedos fora -. Depois do tilintar das moedas e de outra nota sair do tabuleiro do dinheiro, lá o recebeu, guardou e colocou as coisas no saco de qualquer maneira. Mas claro, em especial atenção aos ovos. O avô não poderia - talvez - morrer se fossem partidos para casa.
Agarrando com a mão esquerda o saco de plástico azul e com a direita voltando ao telemóvel, desbloqueou-o enquanto andava para fora da loja. Aproveitou para colocar os phones durante o caminho, deixando metal pesado berrar nas suas orelhas, permitindo-se viajar até longe nos pensamentos.
Sem se aperceber o quanto já tinha andado ao som de While She Sleeps, parou bruscamente quando os sues olhos bateram e demoraram a focar-se no par à sua frente, igualmente surpresos.
" - ...Momo?". - Sussurrou, admirando-se. Primeiro levantou as sobrancelhas e tirou um phone, para depois as contrair para baixo. Conhecendo Yaoyoruzu, ela mal podia sair de casa, quem diz estar às onze da noite no meio de uma rua deserta e casas que não eram, de todo, do seu estatuto social.
Momo era nada mais nada menos que só uma das famílias mais ricas da cidade; se não a mais. Por mais que a menina odeie brandar isso aos sete céus, torna-se inevitável os amigos não descobrirem. De qualquer das maneiras, o que faria uma Yaoyoruzu no meio da rua, aquelas horas, naquele sítio e com uma saia que possivelmente é mais cara que todo o seguro de saúde de Katsuki, em conjunto com um colar que lhe devia dar para pagar as contas da casa até ao próximo século?
Ela demorou uns segundos a recompor-se e sorrir ligeiramente.
" - Ka-Katsuki!". - Desviou os olhos, visivelmente nervosa. Numa risada estranha, ajeitou uma madeixa de cabelo atrás da orelha direita. - "Não esperava... Encontrar-te aqui".
" - Isso digo eu". - E assobiou de espanto. - "Tu vives, literalmente, a uma meia hora daqui. E estás sozinha... Está tudo bem?".
" - Ah, claro, claro!". - Voltou a dar aquele típico sorriso de menina rica atenciosa que qualquer pessoa adoraria casar, assenando positivamente com a cabeça. - "Eu só me perdi um pouco".
" - E...". - Prolongou uns três segundos a vogal, girando os olhos, meio constrangido. O que deveria fazer? Oferecer algo? - "Queres ajuda para voltar a casa?".
Momo deu uma risada forçada, coçando a bochecha esquerda com as suas unhas sempre impecáveis.
" - Se não for incómodo...".
(...)
O caminho foi em total silêncio. Katsuki não mostrava grande interesse em saber como raios a miúda mais rica da cidade fora, literalmente, evocada do chão para se situar à sua frente, por mais que tivesse uma ligeira curiosidade. Por outro lado, Momo encontrava-se inquieta, encarando tudo constantemente à volta.
" - Se quiseres... Eu posso continuar sozinha. Já faltam só quinze minutos de cami--".
" - E deixar a filha do casal basicamente dono desta cidade andar por aí quase à meia noite desprotegida?". - O mais alto riu anasaladamente, virando a cara. - "Querias. Levo-te a casa e vais com sorte de eu não te perguntar nada".
Yaoyoruzu só assentiu, baixando a cabeça.
No entanto, os olhares perspicazes de Katsuki podiam ser muita coisa, mas não burros. Era só juntar as peças. Conseguia entender o seu nervosismo, incómodo e confusão.
Claro está que não demorou muito.
" - O que raios fazias ali?".
O seu corpo arrepiou com a pergunta e imediatamente, os seus olhos molharam-se. Momo não se mexeu, talvez com medo do que fosse responder. A sua boca tentava mexer-se mas só ficou ligeiramente aberta, encravada.
Bakugou ficou calado. Não iria perguntar novamente e ela só contaria o que quisesse.
" - ...O-O Neito trouxe-me aqui...".
" - Neito?". - E arqueou uma sobrancelha, tentando olhá-la inutilmente, já que tinha o rosto virado.
" - O meu namorado".
Aquela informação foi como uma bomba. Porra. Ele tinha plena noção de como Kyoka tinha sentimentos pela Yao-Momo. Demorou uns segundos - uns bons segundos, por sinal - a perceber o que aquilo significava. E era um péssimo significado.
" - Não sabia que... Namoravas".
Katsuki voltou a olhar para a frente, tentando acalmar a sua confusão e choque. Precisava de contar à Jirou, só não sabia bem como. Intimidades e conversas amorosas não faziam o seu tipo, mas era sua amiga, ajudou-o e era a única coisa que poderia fazer para retribuir. Possivelmente, pederia ajuda a Izuku para tal tarefa; ou seja, teria de esperar até ao dia seguinte, ou quem sabe só depois de amanhã podia tirar aquela obrigação da cabeça. Conhecendo-a como sabia, mentir ou omitir estas informações quebrariam a menina ao meio. Mais valia ser sincero e dizer "olha, o teu contactozinho que tanto te apaixonaste é hetero e namora".
" - Pois...".
A conversa morreu ali. Não valia a pena expremer mais nada; também não iria obter mais informações.
Mais cinco minutos de puro silêncio se seguiram. Bakugou sentiu-se na obrigação de desligar a música e continuar o seu caminho sem emitir mais nada. Se Momo quisesse falar, ele sabia que ela o faria.
Bruscamente, a mais baixa cessou os passos. Ligeiramente confuso, ele encarou a dona dos olhos escuros, que engoliu em seco.
" - Eu vou ficar aqui".
Os seus olhos desceram para os sapatos velhos e bem gastos, com atacadores alface de Katsuki.
" - Mas tu não moras aqui".
" - Esta... É a casa do Neito".
Deslizou a vista para encarar a potente vivenda de classe média-alta. Arqueou as sobrancelhas e mentalmente, perguntou-se como nunca tinha visto aquele bairro de casas tão luxuosas, em tantos anos que vivia naquela pasmaceira.
" - ...Tu vais ficar a dormir na casa dele?".
" - Os meus pais insistiram".
Não soube explicar o conforto e tensão daquele silêncio. Por um lado, não queriam ir embora e bastava a presença um do outro para que a ansiedade dos dois fosse embora; por outro, sabiam que quanto mais ficassem ali, as coisas poderiam demorar e não teriam coragem para ir embora.
" - ...Eles insistiram para que tu dormisses na casa do teu namorado, ou eu entendi mal?".
Pela primeira vez, Yaoyoruzu permitiu-se rir baixinho, fechando os olhos.
" - Sim. Eles gostam muito do Neito. E eu também".
Não soube explicar se a última frase era uma desculpa silênciosa ou mais algo para ficar bem na fotografia, mas deixou passar. Por mais que os seus olhos brilhantes, o seu sorriso sempre milimetricamente calculado, aquela pele perfeitamente cuidada e os seus cabelos perfeitamente lisos presos num rabo de cavalo delicado, pareciam sufocados, de alguma maneira. Parecia asfixiada e por dentro, talvez rezasse mentalmente e tentasse mandar indiretas, com pedidos de socorro silenciosos e sufocados, a afogar-se cada vez mais dentro de si.
" - ...Certo. Ficas bem sozinha aqui?".
Como resposta, Momo só retirou uma chave da sua mala orgulhosa e com um sorriso convencido, a fechar os olhos.
" - Eu não vinha para a rua sem algum plano antes".
" - Uma mulher previnida vale por duas, não é?".
Levantou os olhos para encarar o rosto meio snobe de Katsuki. De facto, aquele rapaz tinha algo de especial.
" - Obrigada por me acompanhares até aqui. Fizeste um desvio enorme".
Ele encolheu os ombros, indiferente.
" - Custaste-me só uma hora de dormir e o meu resto de sossego para treinar na guitarra. Nada mais. Espero que te sintas culpada".
" - Vou ficar imensamente chateada comigo própria. Nem vou dormir à noite, garanto-te, Katsuki".
" - Acho bem".
Encararam-se um ao outro para sorrirem mais uma vez. Bakugou girou o corpo para ficar de costas para ela, começando a andar para fora.
" - Cuidado com as meninas de saia que dizem que estão perdidas durante a noite!". - Gritou, juntando as mãos perto da boca, num ato de rebeldia perante as famílias rígidas com horários para dormir às nove da noite.
Bakugou deu uma risada muda, parando os passos e analisando-lhe as expressões da cara sorridentes, ao virar a cara.
" - E cuidado com os rapazes com sacos de plástico azuis que te acompanham até casa".
" - Não aceites pedidos de ajuda de estranhos".
" - Digo o mesmo".
E virou-se, caminhando até casa, desta vez só ao som da solidão da rua e os seus pensamentos a martelar sobre como dirai a Kyoka o sucedido.
[...]
" - Hey, uhm, Toga?". - A voz do seu irmão ecoo pelo corredor, abrindo a porta do quarto. Nem se dignou a encarar a irmã concentrado em rever as notificações do seu telemóvel, entrando na aplicação de mensagens para falar com os amigos. Apoiou a mão esquerda na porta enquanto a direta agarrava no aparelho, ditando somente. - "A mãe perguntou o que preferes para o jantar".
A de cabelos loiros lisos suspirou. Era incrível como nunca tinham um nó e andavam impecáveis, cortados a direito e bem tratados.
Da sua secretária, ela suspendeu o computador. Inclinou-se para trás pendurando ligeiramente a cadeira e encarou o irmão. Apesar do sorriso habitual e amigável que lhe dirigia, as olheiras debaixo dos seus olhos denunciavam um certo cansaço.
" - Diz-lhe que, para mim, qualquer coisa está boa".
Pela primeira vez, Katsuki suspendeu o telemóvel e encarou a mais velha um tanto desinteressado.
" - De certeza? Ela ainda te espeta com peixe pela garganta abaixo".
Himiko soltou a primeira gargalhada confortável que dera no dia. Colocou o banco novamente direito para o girar em direção ao irmão, apoiando as mãos por entre as suas pernas e inclinando-se para a frente.
" - Okay. Diz-lhe que tudo menos peixe".
Odiava peixe. Mas também, quem não odeia?
" - Certo. Eu deixo-lhe o recado". - O rapaz virou-se calmamente para ir ter com a progenitora até à cozinha.
Toga abriu a boca até refletir. Seria bom chamá-lo e dizer-lhe algumas coisas que precisava de ouvir?
Não sabia se era certo mencionar esses assuntos logo naquele momento em específico. Conhecendo o irmão, podia acabar por espancar alguma coisa com as palavras erradas.
Mas era sua irmã. Então, precisava de tentar.
" - Hey, Kat". - Sussurrou.
Mesmo quase a fechar a porta, Katsuki espreitou, surpreendendo-se com a seriedade do rosto da irmã. Olhou-a naqueles olhos cor de âmbar semelhantes aos do pai até a menina sorrir-lhe, levantando-se num impulso.
" - Não importa o que aconteça ou as tuas escolhas. Sabes que eu vou sempre gostar de ti, certo?".
O rapaz sentiu-se estranho à primeira. Teria Shinsou lhe dito algo? Falado com ela? Não; ele não faria isso. Conhecia-o o suficiente para saber que os seus segredos estavam seguros. Seria a mãe? Com certeza não.
Nunca foram de mostrar muitos sentimentos um ao outro. A relação da infância dos dois não era das melhores e desde que Shinsou apareceu é que se tornara meramente estável. De facto, não tinham nada a reclamar, só... Só eram pessoas completamente diferentes que não sabiam lidar uma com a outra. Estranho e confuso, talvez e se era, mas acreditem quando vos digo que a coisa que eles menos têm um pelo outro é ódio.
Só restava uma opção - de facto, Toga era incrível.
Sorriu-lhe ligeiramente.
" - Eu também, sua louca".
Não era preciso trocarem mais do que aquelas palavras. Tudo o resto seria vazio e sem tanta importância.
Bastava aquilo. Se bastava; para se entenderem, meia dúzia de letras chegavam. Podia parecer frio para os de fora, mas para Katsuki, foi das coisas mais calorosas que já poderia ter escutado da irmã.
[...]
"Kacchaaaaan!".
"Oh não"
"Cinco a no meu nome".
"Só alguém seria responsável para tal".
"E esse alguém começa com P e acaba em au no cu".
"O Todoroki-kun falou comigo!! Ajuda-me!!".
"Uhm... Tá".
"Isto é a sério!!".
"Preciso de ajuda, I'm gonna die!! Eu não sei o que lhe responder, estou a gritar, ajuda!".
"Okay, merda. O que ele disse?".
" 'Olá, Midoriya' ".
"...".
"Então, Deku".
"Seguinte".
"Quando alguém te diz olá, é só dizeres VAI TE FUDER".
"DFSGHJAKL".
"AJUDA-ME!".
"O que eu digo?!".
"Uhm... Porque não, sei lá... OLÁ?".
"Okay!".
"Já está, agora é só esperar o Todoroki-ku-- FGHSJKAL".
"Puta merda, porque eu me dou contigo?".
"Jesus amado, Kacchan!!".
"Não sou católico, caralho".
"Diz".
" 'Estás livre sábado?' ".
"AAAAAAAAAAAA".
"Então, estás livre sábado?".
"Oh, Kacchan...".
"Eu já vou sair com o Todoroki-Kun...".
"VAI À MERDA".
"O que foi?".
"Vou respirar fundo que fico vivo e bem".
"E tu, o que vais fazer Sábado?".
"Provavelmente ao ensaio de casamento da minha irmã e do Shinsou, algo assim".
"Ou seja".
"A T U R A R".
"A".
"PUTA".
"DO".
"MEU".
"AVÔ".
"E vais ficar bem?".
"A vossa última discussão foi... Tensa".
"Eu sobrevivo, relaxa".
"A minha mãe, a Toga e o Shinsou estão lá. Fico bem".
"Mesmo assim, eu não fico descansado em ires para lá sozinho".
"Vai te fuder".
"Eu fico bem".
"Vem me*".
"Vai sair com o pau no cu, seria egoísmo eu impedir-te".
"Vem meter".
"Não desistes, não é?".
"De ti, nunca".
"Caralho".
"Se não fosses o Deku, eu diria que estavas a flertar comigo".
"Talvez até esteja".
"...".
"bOM DIA?".
"AHAHHA!".
"Se não fosses o Kacchan, eu diria que estavas a ser mais lerdo que o normal".
"Talvez esteja a ser só mais leve porque és tu".
"Estás a dizer que não aguento?".
"Não tenho culpa se sou demasiada areia para o teu camião".
"Isso é um desafio?".
"E se for?".
"Eu gosto de coisas difíceis".
"Uhm, bem, quem brinca com o fogo queima-se".
"Deku, estou-te a avisar".
"É melhor parares".
"Talvez esteja mortinho para me queimar".
"Já desmarquei com o Todoroki-kun".
"Vamos sábado, sim?".
"O caralho, vai sair com pau no cu".
"Kacchan".
"Existem muitas oportunidades para beijar a boca do Shoto".
"Mas poucas para te ajudar".
"...Como queiras".
[...]
O rapaz de olhos vermelhos deslizou-os cheio de receio, a transpirar e branco.
" - M... Mãe, tens a certeza?".
O facto de estar todo nervoso e até hesitar pareceu irrelevante, finalmente. Depois de admitir que gostava do melhor amigo à senhora e também, de bónus, ela saber de tudo desde o início, compreendeu que não valia de muito esconder mais o que sentia.
Mães sabem sempre tudo. E isso é assustador.
Engoliu em seco e coçou a nuca com a mão esquerda, já que a direita estava ocupada.
" - E-Eu não sei se é uma boa ideia, quer dizer... Da última vez--".
" - Da última vez, Katsuki, eu não estava no meio dos planos, por isso é que não resultou em sucesso garantido". - Encheu o peito de ar e apontou para si mesma, como se fosse a maior, enquanto o filho revirava a vista. Teve de ir buscar a parte convencida a algum lado, não é?
" - Mãe, isto é uma estupidez". - Concluiu.
A mais velha só encolheu os ombros, enquanto ajeitava o vestido no peito fardo, já que estava a ficar desconfortável, depois de andar um bom bocado com os saltos.
" - Toda a situação é. Então, mais estupidez, menos estupidez, não te deixará menos estúpido ainda".
De facto, o adolescente encolheu os ombros. Ela não estava de todo errada.
" - Então, uhm... É só fazer isto?". - Bakugou podia admitir que estava tudo menos à vontade com aquela situação e muito menos onde estava e com o buquê absurdamente lindo e arranjado para a ocasião, na mão direita.
A sua mãe limitou-se a dar risos baixos e pressionar delicadamente o botão branco da campainha da casa do seu melhor amigo, coisa que gelou completamente qualquer transpiração sua.
" - M-Mãe, sua demónia!!". - Berrou, até ver a outra acenar lentamente e a andar na direção onde veio, possivelmente para ir mais à frente e não atrapalhar.
" - Lembra-te que isto é para o teu bem, Katsuki!".
" - Diz isso quando eu te enforcar durante a noi--".
" - Katsuki?".
Ah, merda.
" - D-Deku!!". - Para de forçar a risada, pareces um otário. - "Eu, bem, vim-te buscar para--".
Só que depois é que ele compreendeu que o nome que escutara em sua direção, não era o tão familiar Kacchan.
" - Senhora Mid... Inko?". - Admirou-se ainda mais o rapaz loiro, ao compreender a sua cara mais pálida que o normal. Alguma coisa não estava bem. Izuku atendia sempre a porta. Engoliu em seco e ordenou que a adrenalina se acalmasse, para ter a certeza de que nada tinha acontecido.
Assim esperava.
" - Está tudo bem?".
A mulher de cabelos longos e verdes deslizou lentamente os olhos do mesmo tom - mais escuros que o do filho - para as flores que Katsuki levava consigo, fazendo-o sentir as bochechas se queimarem um pouco e escondê-las imediatamente atrás das costas.
" - P... Pois, e-eu posso explic--".
" - Katsuki". - Cortou imediatamente a mulher, ignorando completamente as desculpas alheias. Desespero era tudo o que se enrolava nos seus olhos e se bem a conhecia, ela estava prestes a chorar ali e agora.
O seu corpo ficou tenso e confuso, ao mesmo tempo. Alguma coisa tem de ter acontecido para aquela mulher, tão forte perante o que aguenta todos os dias, estar ali, a mostrar a sua parte infeliz, ainda para mais perante o melhor amigo do filho.
Uma frase.
Somente uma frase fez com que todo o peso que outrora Bakugou já sentiu, retornasse aos seus ombros. Todo aquele esforço para crescer, seguir em frente, continuar feliz, tentar ser alguém, fora apagado com apenas um dizer. Imediatamente, sentiu o peito desabrochar numa chama de fúria tão grande, tão severa e novamente, repito, monstruosa que se pudesse, teria destruído tudo à sua volta e um certo edifício que abominava, há tanto tempo.
Aquela frase.
Algo que o fez ter tanto nojo que vomitaria, se não desatasse a correr na direção que tinha vindo, sendo imediatamente seguido pela senhora que correu até ao carro, ouvindo os seus gritos de longe em direção ao marido.
" - O-O Izuku... Foi para a igreja sozinho".
Nunca na sua vida, Bakugou correra tanto. Conseguia já ouvir o mundo ao longe, mesmo que não conseguisse escutar mais nada. Não precisava de ouvir dois carros a passarem na rua que acabara de fugir, as flores a serem lentamente destruídas com o roçar violento ao vento, com os gritos da vizinhança ou da sua mãe a chamá-lo, sem compreender nada. Os seus ouvidos estavam debaixo de água e sentia o corpo a afogar-se, com a consciência a querer ir embora. Queria correr, então ele correria. Queria fugir, então ele fugiria. Queria salvar Midoriya, então ele salvaria. Queria dormir.
Então, ele dormiria depois.
"A culpa é toda tua!! Tu obrigaste o nosso filho a ir sozinho para aquele lugar sem a minha consciência?!".
"Eu não preciso de te perguntar nada".
"Hisoshi, chega!".
Deku era a sua prioridade, hoje e sempre.
Ignorou a vontade colossal de falar com aquele homem que tanto abominava e chegava a um nível maior que o do avô. Tinha a ousadia de manchar a pessoa mais pura deste mundo. Como ele ousava. Ignorou a agonia que tinha dentro do seu estômago. Queria ignorar tudo.
Então, ele ignorou.
Tapou os ouvidos e continuou a correr, a correr sem parar; mesmo que cansado, só correu. Nunca se perdoaria por parar agora. Todo o se ser tremia e por algum motivo, Shinsou veio-lhe à cabeça. O que diria agora? Teria sido aquela evolução toda em vão? Será que nada nem ninguém conseguiriam que Katsuki se tornasse uma pessoa boa?!
Ele não conseguiu impedir a primeira vez e única.
Por favor, não...
Não.
Que ele não tenha mentido sobre a origem daqueles ferimentos. Porque, honestamente, preferia que fosse o pai só a agredi-lo fisicamente ou não também um outro alguém de outra maneira.
Nunca, em toda a sua vida, ficou tão aliviado ao observar a capela ao longe, cerrando os punhos com força.
Por favor.
Por favor.
Que não seja tarde.
Por favor.
Sentia o estômago embrulhado e os olhos marejados. Não conseguia acreditar. Tudo nele fervia e a adrenalina só fazia com que o cansaço não fosse relevante, mesmo que os seus pulmões ardessem a pedir descanso. Não descansaria, não pararia até ver Izuku a sorrir, à sua frente, intacto, bem, feliz.
Como raios ele fora tão estúpido?! Os dois, neste caso! O que raios lhe deu para ir sozinho para aquele sítio? E o que raios deu a Katsuki para não compreender que podia haver muito mais para além do que ele contou.
Pavor. Medo.
Que raios de medos eram aqueles de não ser correspondido ou deixado de lado, perto deste?
Falhar de novo. O problema não era falhar de novo, ele já falhou tantas que mais uma não faria sentido preocupar-se por tão pouco.
O problema seria falhar com o Midoriya de novo e naquela situação.
Não.
Gritou do fundo dos seus pulmões até a garganta ficar arranhada. Abriu a boca, fechou os olhos com força e permitiu-se deitar lágrimas de desespero, assim que via as portas da igreja. Todo o seu coração batia rapidamente, todo ele tremia de arrependimentos e ódio ao mesmo tempo e um misto tão difícil de compreender que chorava cada vez mais.
Katsuki estava à beira do seu colapso.
Sem parar para descansar, agarrou com força na maçaneta da porta e compreendeu que ela estava fechada com algo a forçar a porta por detrás. Não se importou, porque nada que dois chutes a sério não derrubassem a cadeira que estava atrás.
O estrondo ecoou pelo salão todo oco e de paredes geladas, surgindo imediatamente a figura de Bakugou. Outrora todo arranjado, com a gravata perfeita para o casamento para agora se encontrar transpirado, com os cabelos ainda mais rebeldes que o normal, a roupa torta e o que estava ao pescoço era somente uma fita torta.
Os olhos vermelhos e molhados foram automaticamente pregados no rapaz de cabelos verdes ali, de pé, que virou rapidamente o rosto na sua direção, tanto de choque como de confusão. O que estaria a fazer ali o seu melhor amigo, do nada?!
Quase ficou aliviado.
Quase.
Não fosse um outro homem que nunca vira na vida estar a agarrar no seu pulso e Izuku chorar compulsivamente.
Enchendo o peito de ar e sentiu um calor que nunca sentira antes. Não conseguia falar nenhuma frase coordenadamente e certamente viria cheia de erros de gramática, porque metade do seu cérebro parara de funcionar. Do nada, sentiu como se tivesse novamente catorze anos e o medo horroroso que sentiu naquela data tão marcante, o seu corpo pequeno e involuntário, convencido e iludido a achar-se que por ser o mais rebelde do recreio podia fazer tudo o que bem entendia, parecia voltar tudo à tona. Sentiu-se pequeno, vulnerável, sozinho, com medo, apavorado, todo o seu corpo tremia e a coragem toda de proteger Midoriya fora embora. Queria fugir. Queria ir embora. Queria isolar-se para sempre.
Ele achava que já estava bem. Que já tinha esquecido aquela merda de trauma e tinha ficado tudo para trás das costas.
E agora, a prova viva de que estava errado estava ali, frente aos seus olhos, fazendo-o tremer tanto que não tardaria a correr sem pensar duas vezes para fugir. Arrependeria-se depois. Tinha medo. De facto, Bakugou Katsuki podia ser um cobarde, mas era um cobarde que finalmente se assumira perante si próprio.
Eu não sou nada.
Eu não sou uma boa pessoa.
Como é que eu o posso ser, sendo que estou preparado para fugir e deixar o meu melhor amigo barra a pessoa que amo presenciar o inferno na terra?
Deu um passo para trás e o silêncio tornou-se sepulcral. Nenhum dos três presentes ousou mexer-se.
A transpiração gelada queria inundá-lo e jurou ouvir sussurros mentais reais a mandá-lo embora dali. Para correr e fingir que não tinha visto nada, como da última vez. Assim, ele não sofreria.
Cerrou o punho.
Não.
Só por cima do cadáver de Katsuki, é que tocariam novamente no Midoriya, com um dedo que fosse.
" - Deku!".
Rangeu os dentes e sem pensar duas vezes, correu aquele corredor central coberto com um tapete vermelho como se a sua vida dependesse disso - o que de facto, dependia. Não parou. Não hesitou. Se hesitasse, poderia mudar de ideias e não queria mudar; precisava de passar por aquele medo não só por si e para conseguir ultrapassar aquele traumático momento de uma vez contra si e contra Izuku, mas também para o ajudar.
Tudo aconteceu muito rápido. Ao chegar muito rapidamente perto dos outros dois, o de cabelos verdes só teve tempo de recuar um passo e arregalar os olhos, ao ver um murro certeiro e que parecia calculado assentar na perfeição no rosto do outro homem, coisa que o fez abrir a boca de horror. Isto era muita informação para absorver em poucos segundos.
O homem, um pouco atordoado, tratou de largar imediatamente o pulso do rapaz mais baixo, que cobriu imediatamente a boca e as lágrimas só aumentaram, assim como as de Katsuki.
Estava cego. Estava louco de raiva. Não, não era um daqueles sentimentos de ciúmes idiotas que tinha quando Todoroki se aproximava de Midoriya; imaginem isso num grau absurdo, ao ponto de ficar tão irritado que toda a sua cara se contorcia e se colocava sobre o homem deitado no chão a socar, a esmurrar sem parar, sem hesitar, com a adrenalina a percorrer cada vez mais por todo o corpo, sem sentir as mãos feridas, sem conseguir sequer pensar na dor que os dedos tinham e imploravam para ele parar.
O de sardas gritou rapidamente e correu para agarrar nos pulsos do melhor amigo. Em desespero e num momento rápido, berrou.
" - Para, Kacchan, para!! N... Não, não, isto é errado, i-isto está errado! Está tudo mal!".
Katsuki sentiu o corpo petrificar e finalmente parou de ficar surdo. Toda a água onde os seus ouvidos se encontravam, surdos, parecia se esvaziar com o primeiro grito que o melhor amigo deu. Imediatamente, o peso dos seus ombros voltou em triplo. O que raios ele tinha acabado de fazer?
Deslizou os olhos pequeninos e molhados lentamente na direção de Izuku, que nem parou um segundos para encarar o loiro, debruçando-se imediatamente sobre o homem, com o rosto inchado e nariz em sangue, com um dos olhos já a ficar negro. Murmurava desculpas, murmurava coisas que Bakugou não compreendia e muito lentamente, as orbes dos seus olhos vermelhos tremeram. Deslizou lentamente as mesmas para o rosto do senhor e, por fim, para as suas mãos, igualmente inchadas, vermelhas, negras e com sangue.
Ele...
O que ele...?
Não...
Não, não, não, não, não.
Todo o trabalho que ele teve para se tornar uma boa pessoa, as consultas com o Shinsou, as conversas com a mãe, a honestidade perante Deku...
Toda aquela evolução e construção incrível de personalidade foram destruídas, depois de fazer o que acabara de fazer.
" - Mas o que é que te deu?!".
Gritou-lhe com força o de sardas, em pânico e sem acreditar. O mais alto não teve coragem de o olhar. Ficou a vista desfocada, a pensar, perdido, sem compreender. Tinha acabado de o salvar! Para quê aquela reação?! Deveria ficar-lhe grato! Deveria...
" - Céus! Iida-kun, está bem o senhor?!".
Olhando na direção do padre para o ajudar a levantar-se, vendo o seu rosto banhado com alguns hematomas, um lábio inchado e um nariz ensaguentado, e ignorando completamente a existência de Bakugou, ele parou.
Não entendia. Quando não impedia, era o culpado. Quando impedia, também.
Quando é que ele se sentiria bem-sucedido? Não sabia o que fazer! Ele estava perdido, sabia disso, mas como é que...
O homem de cabelos azuis arranjados impecavelmente e cortados milimetricamente como um verdadeiro calculista, o que parecia chamar-se Iida levantou-se rapidamente, agarrando bruscamente na gola da camisa do rapaz problemático.
Arrastou-o até à parede perto do altar, ao lado direito da capela e prendeu-o com força, exibindo olhares de fúria. Quem era aquele adolescente que entrava aqui, julgando-se o dono do mundo?
" - Vocês os dois, chega!!". - Berrou a voz desesperada de Midoriya, tentando empurrar o mais velho para longe. - "Parem!!".
" - Porquê?!". - Gritou o mais velho direcionado para o que nunca havia visto, com os óculos tortos sobre a cana do nariz. Katsuki prendeu o maxilar e limpou a garganta, momentos antes de sussurrar com voz rouca de tanto gritar e correr, cansado.
Arrastou a mão direita na direção do pulso de Iida, que o agarrava na camisa perfeitamente arranjada para o que fora outrora um casamento e agora era só desespero trajado. Olhou-o nos olhos escuros, que se surpreenderam ao ver os vermelhos marejados de água.
Então, ele disse a frase que ninguém esperava ouvir.
" - Eu só queria... Estar certo uma vez na vida".
Izuku parou.
E então, ele ligou as peças.
Sem esperar nem mais um momento para que o padre conseguisse compreender o que aquilo significava, empurrou-o para o lado com força e agarrou no pescoço do melhor amigo, abraçando-o como nunca tinha prensado alguém contra si, em desespero. Sentiu o seu corpo trémulo, as suas inseguranças que evaporavam lentamente e que soluçava baixinho, no ombro do de sardas.
" - Kacchan... E-Eu--".
" - Cala-te". - Midoriya abanou lentamente a cabeça contra o peito do melhor amigo, afundando os seus dedos no fato das costas. - "Está... Calado. Por uma vez, cala-te. Eu só quero consolo. Por favor".
Nenhum som foi escutado e Iida percebeu perfeitamente que aquele não era o momento dado a explicações ou apresentações. Pelo menos, não agora.
(...)
" - Então... Deixa vez se eu-- Ouch!".
" - Está mas é quieto". - Reprimiu Izuku, meio sério e concentrado, a desinfetar o lábio rebentado de Katsuki. Tenya, já com os curativos no rosto e ainda visivelmente irritado com Katsuki, olhava para os dois sem nenhuma expressão, de braços cruzados. - "Ninguém te mandou se impulsivo".
" - Não quero raspanetes agora, mãe".
O de sardas sorriu, modelando-as todas ao longo do rosto.
" - Certo. Também já estou no fim. Estavas a dizer?". - E passou a desinfetar o hematoma na sobrancelha.
" - Estava a ver se tinha entendido bem. Tu vens aqui sozinho porquê?!".
" - Pela milésima vez, Kacchan, eu venho aqui há uns três meses, todos os sábados de manhã. Eu fui mandado pelo meu pai porque ele acha que eu 'estou a sair da linha'".
" - E... Porque raios ir à igreja te manteria na linha?".
" - Pergunta a pessoal sem vida que só vive para a religião".
" - Ahem". - Iida forçou a tosse, visivelmente ofendido. Izuku limitou-se a sorrir de maneira amarela, magoando acidentalmente o melhor amigo.
" - Cuidado com isso, caralho!".
" - Sem palavras sujas!". - Repreendeu o padre, com movimentos mais robóticos que o normal, gesticulando os braços de maneira um pouco duvidosa. De facto, tudo para Katsuki era duvidoso, naquele lugar.
" - Eu falo como eu quero, capiche?".
" - Vocês os dois, chega!". - Midoriya fechou os olhos cansado, e suspirou. Aproveitou para cruzar os braços e murmurar coisas, enquanto pensava em voz baixa. No entanto, não deixou de comentar. - "Parecem duas crianças a discutir".
" - E discuto mesmo. Nem fodendo que te deixo mais alguma vez sozinho aqui".
" - E porque raios ele precisaria da tua proteção, numa igreja?!".
Silêncio. Os olhos verdes tornaram-se imediatamente pesados e toda aquela alegria que hemanava de Izuku simplesmente desapareceu, deixando que o seu rosto se baixasse concentrar-se agora nas mãos feridas do amigo.
Katsuki mordeu o lábio inferior. Não sabia até onde podia abrir a boca, então ficou calado. Não iria, nunca, expor mais do que o necessário do de sardas, mesmo que a sua vida dependesse disso. Iria protegê-lo ao máximo, por mais que falhasse a cada dois segundos.
Lentamente o rosto irritado de Iida desfez-se lentamente, começando a juntar as informações e peças que tinha recebido nos últimos tempos.
" - E... Espera. Midoriya-kun, isso significa que...".
" - É ele". - Sussurrou, virando a cara ao máximo para se esconder. Bakugou não entendeu, tentando analisar cada gesto do que estava a acontecer. Era ele o quê? O que raios eram aqueles códi
No entanto, mais nenhum falou.
O padre suspirou e cruzou os braços. Tinha de resolver aquele conflito de uma vez, se o seu objetivo era ajudar alguém. Então, um pouco contra o seu orgulho, andou quatro passos até ficar perto dos rapazes, que se vidraram nele, curiosos.
" - Vamos recomeçar. De facto, não correu nada bem". - Comentou, erguendo a sua mão estendida perfeitamente. - "Iida Tenya. Sou novo na cidade e fazem mais ou menos uns quatro meses que estou aqui. Prazer".
Bakugou torceu o nariz e preparava-se para o mandar à merda, até sentir os olhos verdes queimarem na sua pele em ameaça. E uma coisa que ele aprendeu na vida, é ter medo dos melhores amigos e os seus ultimatos.
" - ...'Tá. Whatever. Bakugou Katsuki". - Lá apertou a mão, a revirar os olhos. Tudo para não ser morto durante a noite.
" - Ótimo. Ainda bem que conseguimos refazer".
" - Ainda não confio em ti". - Semicerrou os olhos, recebendo um estalo no ombro do amigo. - "Ouch! Já te disse que essa merda está a doer!".
" - Boa educação uma vez na vida, Kacchan". - Repreendeu-lhe o amigo, empinando o nariz.
" - É compreensível, calma...". - Tenya tentou acalmá-los, dando um sorriso amarelo. - "Vamos lá. Por mais que não queiras confiar em mim, está no teu direito... Tenta dar-me uma chance. Por favor".
" - Uma chance...?". - Contraído o maxilar, levantou-se a ignorar a dor e a água oxigenada a cair no chão, enquanto Midoriya arregalava os olhos. - "Da última vez que eu confiei num de vocês, tanto eu como ele--".
" - Katsuki!".
A voz alta e irritada de Izuku soou, fazendo-o acordar para a vida. Então perdeu imediatamente a raiva e suspirou, girando o corpo na direção do amigo.
" - O que foi agora?! Caralho, Deku, tu confias em toda a gente! Não percebes?! Queres que as coisas se repitam para não aprenderes?".
" - Eu quero que as coisas se refaçam. E não podes generalizar. Se existir uma má pessoa, não significa que todas o sejam. O Iida-kun é um bom amigo e tens de perceber que, não importa o que faças, eu não vou parar de o ver".
Bakugou queria gritar. A vontade de atirar os dois para o asfalto - e depois mimar o Midoriya - era absurda. Um era só burro na sua perpetiva e o outro uma ameaça. Partir o nariz de alguém nunca foi tão promissor. No entanto, só suspirou e colocou as mãos na cintura, tentando acalmar-se mentalmente. Fechou os olhos e começou a morder o interior da bochecha, derrotado.
" - Okay. Obviamente, não te vou impedir".
O de olhos verdes sorriu-lhe com carinho. Era bom saber que o seu melhor amigo o respeitava.
No entanto, nenhum esperava a frase seguinte.
" - E por isso mesmo, para te proteger, eu venho contigo todos os sábados de manhã, a partir de agora".
(...)
" - Tu tens a certeza?".
" - Está tudo sob controlo, Deku... Relaxa. É só entrar discretamente, ninguém nos vai ver".
Midoriya tentou aguentar o riso, inchando as bochechas de ar e ficando vermelho.
" - Tu és louco". - Deixou escapar.
" - Por ti e por estas merdas, eu sei. Agora cala a merda da boca que ainda somos apanhados".
Assim que Toga e Shinsou deram as mãos no altar e o ensaio iniciou outro canto durante o casamento no jardim da igreja - Himiko prometeu a si mesma que nunca casaria no local de sofrimento do irmão -, os dois amigos andaram agaixados e discretamente até aos seus lugares designados, lado a lado, enquanto Katsuki ficava entre ele e a mãe.
Rezou em latim para que o avô não o visse e, de facto, assim que se sentaram, correu tudo às mil maravilhas.
Sorriram de canto um para o outro e deram um mais cinco, até Bakugou descer a vista discretamente.... E notar que Midoriya ficava sexy de fato. Sim, terno era uma perdição da sua vida e teve de engolir em seco para não lhe puxar a gravata mal-feita vermelha daquela camisa branca e atacá-lo com todas as forças.
Anotou mentalmente que ia inventar uma desculpa para o ver assim de novo. Inclusive, iria às compras - coisa que odiava - e o arrastaria só para o ver vestir e despir coisas desse tipo.
Uma excelente ideia.
E super hétero.
No entanto, quando Katsuki olhou para a direita só para ver a mãe, ficou branco, ao perceber que aquela não era a sua mãe.
" - ...Caralho, Deku!". - Sussurrou, pálido.
" - O que foi?".
" - Estamos no casamento errado!!". - Exclamou, como se tentasse gritar, mas ainda assim murmurava somente.
" - O quê?! Mas aquela não é a tua irmã?!".
" - Não! É uma random miúda loira! O Shinsou não tem cabelo castanho!!".
" - Eu não acredito que confundiste a tua irmã!".
" - Foda-se, o casamento é lá fora, no jardim da igreja. Temos de sair sem ser vistos!!".
" - Entrar já foi um sofrimento, ainda queres sair?!".
" - ...Bem visto". - Ponderou. - "Por um lado, não está cá o meu avô nem--".
" - Kacchan!". - Repreendeu o mais novo, em choque. - "Agora!".
" - 'Tá, 'tá. Segue-me". - Depois de revirar os olhos, analisou tudo à sua volta. Era só levantar, caminhar pelo corredor da esquerda e sair para fora pela entrada principal; depois, iriam para o jardim pelas traseiras e tudo iria correr bem.
Reveu o plano mentalmente várias vezes, enquanto caminhavam em puro silêncio até ao fim daquela tapeçaria vermelha. Sorriu. De facto, não tinha como falhar.
" - Se formos apanhados, a culpa é tua!". - Assombrou-lhe Midoriya, semicerrando a vista. - "O teu avô vai odiar-me ainda mais!".
" - Tu é que me distraíste com essa camisa branca". - Admitiu a coisa mais normal do mundo, finalmente saíndo do casamento errado. Assim que colocaram os pés na rua e de Izuku demorar séculos a proceder a frase, sem compreender a informação à primeira, exclamou em alto e bom som, de boca aberta e de rosto ligeiramente vermelho.
" - Tu estavas a olhar para mim?!".
" - Qual é a parte do 'sou gay por ti' que ainda não compreendeste?". - Ironizou com os seus famosos sorrisos de canto, afundando as mãos nos bolsos. Sentia-se mil vezes confiante com Izuku e chegava a ser ridículo, porque nunca usava o dado de vinte lados alaranjado com ele.
" - Qual é a parte do 'por favor, não me olhes com duplo sentido' que não entendes?". - Cruzando os braços e fazendo um bico com os lábios como uma criança, Midoriya amuou e virou a cara, enquanto murmurava coisas como "estúpido Kacchan".
" - Tu nunca disseste isso!". - Defendeu-se.
" - Mas deixei claro!!".
" - Shh". - Izuku puxou Katsuki pelo ombro esquerdo, voltando para trás da parede onde inicialmente estavam. Conversar sobre aquele assunto enquanto infiltravam o segundo casamento do dia não era bom. - "Quase nos viram".
" - 'Tá, eu vou seguir-te. Por favor, não estragues tudo, senhor desajeitado". - Provocou, demonstrando os dentes direitos e acabados de ser escovados, com hálito a menta.
Como resposta, Izuku ergueu o dedo do meio, a sorrir de canto.
" - Não me provoques".
" - Se não o quê?".
Katsuki amava provocar o perigo.
E se havia alguém que se queria queimar, eram eles os dois.
Primeiro, as sobrancelhas de Midoriya ergueram-se, perante tamanha ousadia. Depois, ficou dois segundos sério; por dentro, a ponderar seriamente as próximas ações. Rapidamente, os olhos verdes viraram-se para os dois lados ao perceberem que estavam sozinhos para então, bruscamente, agarrar no pulso de Katsuki e puxar.
Assim, Izuku quebrou a distância entre eles e pressionou os lábios um no outro.
Os olhos vermelhos arregalaram-se, sem acreditar. Sentiu o pulso que o amigo segurava ficar dormente e todo ele transformou-se em gelatina, os seus órgãos perderam as devidas funções por segundos e o cérebro parou de funcionar. Nunca, em toda a sua vida, esperaria que justamente Midoriya Izuku o beijasse; e senhoras e senhores, para a nossa grande surpresa, era ele que guiava o beijo.
Era uma sensação estranha ser ele o surpreendido barra controlado. E para o de sardas, a vontade de gritar e correr, por mais que fosse grande, era menor à de unir as duas línguas no que viera a ser um dos melhores beijos da vida deles.
Como se não bastasse a tortura contra a pobre força de vontade de se afastar de Bakugou, Izuku criou distância num ápice entre eles, estalando as suas bocas. As respirações estavam rápidas e com a cereja no topo do bolo, o mais baixo riu-se anasaladamente; mas uma daquelas risadas especialmente inocentes que escondem uma camada de duplos sentidos por debaixo, numa provocação sedutora e lenta.
Agarrando com toda a calma do mundo na gola da camisa branca de mal apertada de Katsuki, aproximou-os mais uma vez, somente para morder o seu lábio inferior. Afastou-se bem devagar, tomando coragem para o olhar nos olhos e rir mais uma vez.
" - Se não, coisas podem acontecer".
E terminou com um sorriso mais do que malicioso, afastando-se como se nada tivesse acontecido e passando por ele, começando a andar.
Depois do choque primário, Bakugou não fazia a mínima ideia de como aquilo aconteceu. De um momento para o outro, ficara... Submisso? Podia dizer isso? Izuku inventou a atitude do cu agora, é isso? Nunca imaginou que na relação fosse revezar os papéis uma única vez, mas agora que para para pensar nisso, é necessário. Por mais que, obviamente, o ativo fosse Katsuki...
Rasgou os lábios para o lado e cruzou os braços, apoiando-se na parede da igreja.
" - Prevertido". - Sussurrou, arqueando uma sobrancelha. - "Gosto disso".
Seguiu-o, sem abrir mais a boca.
Mas como a vida não é um mar de rosas e Izuku foi à frente para manter aquela postura de 'homão da porra ou não tanto assim perto de Bakugou Katsuki', escorregou na relva molhada e fez o maior estrondo da sua vida, sobre a mesa de copos - vá lá que eram de plástico -, ao lado esquerdo do casamento e encostada à parede.
Por sua vez, o melhor amigo tentou agarrá-lo mas de nada lhe serviu, já que mesmo sem terem caído ao chão por muito pouco, ficaram de mãos dadas com os corpos colados e Midoriya meio caído, chamando a atenção de todos os pares de olhos.
" - Katsuki?". - Sussurou Toga e a mãe, ou pelo menos pareceu, já que foi apagado pelo grito que o avô deu.
" - Mas o que vem a ser isto?!".
Hitoshi não sabia se havia de rir ou dar o maior facepalm da história.
" - Tu só tinhas um trabalho, Katsuki...". - Sussurrou o de cabelos roxos, enquanto Himiko se esforçava ao máximo para não gritar uma gargalhada ali no meio da cerimónia de casamento.
" - E-Eu.. Uhm, bem--".
" - ...E o que raios ele faz aqui?".
Dirigiu-se claramente a Izuku, que ficou vermelho imediatamente, pelas maçãs do rosto todas. No entanto, antes de algum dos adolescentes abrir a boca para se defender, Mitsuki levantou-se.
Depois, deu o sorriso mais angelical da história.
" - Querido! Estás aqui!". - E abriu os braços, fazendo um sinal discreto para eles arranjarem uma desculpa. - "Que saudades que a tia tinha tuas".
" - Tu sabias disto!?".
" - Uhm... É claro que sabia. Não pediste para ele trazer alguém?". - Defendeu o filho, com uma camada de desprezo sobre a voz.
" - Eu pedi um par para ele dançar! Não um amigo!".
Katsuki sentiu vontade de se encolher de medo e vergonha. Por sua vez, Midoriya deslizou os olhos claros na sua direção, tentando compreender. Era para ele ter convidado uma menina? E em vez disso, ele tinha aceitado o amigo. Ou seja, resumidamente, ele ao tentar ajudar, piorara as coisas.
Ou então não.
Estava cansado de se submeter aos mandamentos do avô, às palavras das tias ou escárnios dos primos. Tinha de se impor. E se não queriam fazer as pazes, então era guerra que teriam.
Com um sorriso vitorioso e ligeiramente inoportuno, o adolescente passou lentamente o braço à volta do pescoço do pobre Izuku, que arregalou os olhos sem acreditar.
" - Então". - Disse. - "Apresento-te o meu par para esta dança. O Deku".
(...)
Depois de um avô que precisou de tomar três acalmantes e de se retirar da festa, um Izuku a gritar de nervos e vergonha todo corado, mais uma Mitsuki e Toga orgulhosas o almoço de ensaio chegou.
A família era enorme e havia pessoas que o adolescente dos olhos vermelhos nem conhecia. Quem caralhos era a tia Sammantha? Ele tinha uma tia Samantha, sequer?
A lista de convidados fora totalmente manipulada por Kanji e isso era óbvio. Só não via quem não queria.
Himiko teve de resistir até ao último segundo para manter o irmão na mesa principal, perto dela. Toda a família foi contra, mas Toga manteve a sua palavra até ao fim, afirmando ser o seu casamento e ela decidia as coisas; ponto final. A muito contra gosto da família Bakugou, Kanji ficou na segunda mesa familiar, enquanto a primeira continha Mitsuki, um lugar vazio futuramente para Masaru, quando melhorasse, Shinsou, Toga, Katsuki e Izuku. Para além destes, quatro lugares vazios para os padrinhos ainda não decididos, bem como um em homenagem ao pai de Hitoshi, que fez questão de o representar dessa maneira.
Segundo as horas, faltava quinze minutos para se sentarem e irem para os seus lugares. Os dois adolescentes decidiram ir aprovando toda amesa de aperitivos, dando notas absurdas de zero a cinco, criando uma lista mental do que roubar no casamento.
Passos atrás deles foram escutados e tremeram, só de pensarem em ser apanhados com todos os mini folhados de salsichas na boca. Virando-se lentamente, encararam Shinsou com um sorriso amigável e um copo de vinho na mão direita, enquanto a esquerda se afundava no terno roxo escuro.
" - Então, este é que é o famoso Deku. Midoriya, certo?". - Perguntou, apontado com o polegar do copo para o rapaz de cabelos verdes. Engolindo tudo com dificuldades, sentiu-se ligeiramente embaraçado. Famoso? Ele? Katsuki falava de si?
" - Ahah... Certo. Espero não lhe ter dado muitas dores de cabeça". - Cumprimentou, erguendo a mão direita para então a esquerda de Hitoshi se encontrar com a sua num aperto de mão e depois ir para os seus cabelos, esfregando-os para trás, afim de ajeitar o gel e o seu ligeiro desconforto. Shinsou revirou os olhos amigavelmente.
" - É que nem imaginas quanto".
" - Se estás aqui para seres a minha mãe e andares a fofocar com o meu amigo, xô". - Despachou imediatamente o loiro, afundando a mão nas batatas fritas e comendo com raiva. - "O que se diz nas consultas, fica nas consutas".
O de olheiras só se riu.
" - Na verdade, eu ia dizer-te que a Toga cuspiu nas batatas".
Desesperadamente, Katsuki atirou tudo da boca para fora contra o relvado ao lado dos seus pés, enquanto Midoriya gargalhava abraçado à barriga.
" - Casamentos são uma maçada". - Murmurou o mais velho, revirando os olhos. - "E uma fantochada. Mas se não podemos ficar juntos legalmente de outra maneira... Temos de o fazer. Paciência".
" - Há casamento civil". - Comentou Bakugou, tomando a precaução de se afastar das batatas permanentemente, focando-se agora nas empadas de frango.
" - E reconhecidos pelo teu avô. Ele morria se a Himiko casasse de outra maneira".
" - Ponto para ti". - Encolheu os ombros, provando a primeira.
" - Têm até uma fonte de água". - Sussurrou Izuku, surpreso ao observar o pequeno monumento de pedra no meio do jardim. - "Vão usar no casamento?".
" - Sim". - Shinsou ditou, orgulhoso. - "Mas por hora, está em manutenção. Acho que está a respingar água para todo o lado".
Silêncio. Bakugou parou imediatamente a sua empada a meio e Izuku de se mexer.
Não era preciso ser-se um génio para saber como as suas mentes funcionavam.
" - ...Tipo, para todo o lado mesmo?". - Fingiu-se Izuku de admirado. - "Deve ter sido um grande dano!". - E tapou a boca aberta com as mãos, enquanto o outro tentava não se rir da péssima encenação.
" - Foi sim. Acho que uma criança entrou na fonte e chutou sem querer o motor. Tomara que esteja pronto até ao casamento, nesta cidade as coisas são tão lentas...".
" - Oh, mas elas estão prestes a ficar agitadas". - Sussurrou Katsuki, com um ligeiro tom de ironia.
Os olhos vermelhos e verdes chocaram-se, satisfeitos. Está na hora de um pouco de diversão.
(...)
Então, lembram-se da diversão?
Ela não correu lá muito, uhm...
Bem.
" - A culpa foi do Shinsou!". - Gargalhou quase sufocado o loiro, tentando não se engasgar com as pipocas salgadas. - "Ele disse que só estava um pouco danificada!".
" - Culpa minha?!". - Exclamou o psicólogo, tentando não morrer dali abaixo. - "A Toga é que me disse isso!".
" - Ai agora a culpa é minha?! Não fui eu que a liguei!". - Defendeu-se, enquanto a mãe ria com vontade e agarrava os ombros da filha, para não cair do telhado abaixo.
Izuku grunhiu a meio da gargalhada, tirando pipocas do amigo.
" - De quem foi a ideia genial de ver o casamento pegar fogo do telhado da vossa casa?". - E mastigou. A mais velha sorriu de canto e apontou para si, orgulhosa.
" - Muito mais divertido que aquela coisa que o Kanji organizou".
Izuku e Katsuki juntaram as mentes nerds para ligar a máquina, mesmo sem a chave de manutenção. Demorou uns bons minutos e custou-lhes as calças dos ternos novinhos em folha. E valeu muito a pena.
Quando Hitoshi dizia que salpicava um pouco a água, ele deveria ter mencionado que era um jato descontrolado para tudo o que era lado.
As cadeiras encontravam-se encharcadas, o jardim era uma poça de lama atualmente. As mesas ficaram um caos e ainda bem que a comida foi salva pelos estômagos dos dois rapazes, se não seria um desperdício. Quando a confusão iniciou e gritos se fizeram a correrem para todos os lados, um dos grelhadores mais afastados da festa que fazia a carne criou um curto circuito com a água, e era uma vez o leitão do casamento.
Então agora tínhamos uma chuva descontrolada e um incêndio menor que custou todos os grelhadores e duas das mesas de almoço, cabelos penteados das tias e dois vestidos caros, supostamente.
E no meio daquele caos enorme, os dois entreolharam-se. Engoliram em seco ao compreender o exagero que tinham criado.
" - Merda... E-Eu acho melhor, uhm...". - Izuku entrou em pânico. O pai ia matá-lo e ia ser a sova da sua vida porque literalmente, estava morto.
No entanto, Katsuki sorriu. E sorriu da maneira mais descontraída possível.
Depois, ergueu-lhe a mão.
" - Concedes-me a honra desta dança à luz de um incêncio e à chuva de uma fonte estragada, Deku?".
O de sardas não conseguia acreditar. Estava tudo a fugir, eles iam ficar encharcados e os bombeiros seriam chamados não tarda!! E Bakugou queria... Dançar?!
No entanto, riu-se. Riu um pouco baixo, olhou-o timidamente e agarrou na sua mão.
" - Com muito prazer".
[...]
" - Puta que me pariu!". - Berrou Bakugou, chutando uma caixa de cartão empoeirada de uma ponta à outra do consultório. O psicólogo só seguia os vestígios de raiva com os olhos, demasiado chocado para dizer alguma coisa ou mexer a caneta pendurada na mão levantada. - "Caralho, eu caguei tudo!! Porra, Shinsou, eu 'tô fudido!!".
" - ...Senhor amado, Katsuki, senta-te por amor de Deus. Eu vou ficar sem escritório por este andar!". - Engoliu em seco e percebeu que aquele momento o seu consultório precisava mesmo de uma remodelação. Desde quando arranjara tanta tralha para o paciente andar por aí a chutar as coisas?
Antes do rapaz se virar para ele com as sobrancelhas fletidas para baixo e gritar aos sete céus todos os seus problemas, o homem cortou-o.
" - Acalma-te. Explica-me concretamente o que aconteceu". - Sério, Hitoshi levantou-se para lhe agarrar nos ombros.
" - Então...". - E respirou fundo até despejar toda a informação, sem respirar. - "Declarei-me ao Deku, eu levei a famosa e lendária friendzone pelo pau no cu vulgo meio a meio que tu conheces, soquei a cara do meu avô por mais uma entrevista que ele deu, admiti à minha mãe que sou gay, descobri que o Deku vai à igreja sozinho depois de tudo, quase matei um padre à pancada porque lhe tocou no pulso, o ensaio de casamento foi um desastre porque o incendiamos barra destruímos e nós beijámos".
Shinsou piscou os olhos duas vezes.
" - Espera, lá, o quê?!". - Exclamou, em choque. - "Isso tudo em uma semana?!".
" - Eu disse que os meus dias eram corridos".
Cansado, andou dois passos para trás até cair na sua famosa poltrona de psicólogo, tentando manter uma postura séria.
" - Uma coisa de cada vez. Mas primeiro, explica-me porque raios tu deste um murro ao teu avô".
" - Simples. Porque ele é um extremista machista e eu estou cansado de ser ridicularizado. Eu tentei manter uma relação saudável com ele, pedi-lhe desculpas para recomeçarmos e levei o maior não na cara. Então, o teu conselho não funcionou, Shinsou. Tive de ir aos meus".
O de olheiras respirou fundo e abriu a boca para falar. No entanto, passou a mão direita pelos cabelos e suspirou, fechando os olhos roxos.
" - Então... Acho que não há muito a fazer quanto a ele".
" - Como assim?".
" - Eu não gosto de aconselhar. Sabes disso. No entanto, não posso deixar escapar que ele é um dos grandes influenciadores para o teu psicológico estar assim".
" - Então... O que sugeres?".
" - A partir de agora, tenta ignorar a sua existência. Isso vai fazê-lo perceber que para ti, acabou. Agressões para esse tipo de pessoas não dão em nada, acredita. Só vai gerar mais ódio; e com amor, pelos vistos, com ele não dá para combater. Então, vamos jogar a nossa chave mais poderosa - o silêncio".
" - Tipo, ignorá-lo em casa? Não lhe dirigir palavra?".
" - Sim. Tenta manter isso e talvez ele te deixe em paz. Vives a tua vida, no teu canto e não o perturbas; assim refazes as coisas e ele também não te chateia".
" - Okay... Mas o que eu devo fazer sem ele, então?".
" - Sê livre e feliz. Como nunca foste".
[...]
" - Katsuki".
O seu nome foi dito de uma maneira com que só Momo falava. Sorriu-lhe com afeto daquela amizade que ultimamente andava a aproximar-se, dirigindo-se para perto da secretária, onde o mencionado conversava com Izuku e Kaminari.
Os três viraram-se para a menina, meio surpresos.
" - Ah, olá, Momo". - Denki acenou, enquanto lhe sorria. Por ser o intervalo pequeno da troca de aulas entre o Aizawa e o professor de matemática, os alunos conversavam sempre entre grupos. Izuku rasgou os lábios e somente acenou, sendo os dois retribuídos pelo gesto de cortesia.
Yaoyoruzu encarou os olhos vermelhos de Bakugou, meio rabujento por ter sido interrompido durante a sua conversa a comparar larvas e borboletas e em como as duas eram assustadoras - diferentemente de Midoriya, que adorava todos os animais.
" - Katsuki-kun, eu precisava de conversa contigo. Um pouco urgente".
Vendo a morena ligieramente incomodada a passar o peso de um pé para outro, os três imediatamente calaram-se. Sempre com a postura série e digna de uma educação cara até aos dias de hoje, Momo não cederia tão cedo até obter o que desejava.
O rapaz loiro inclinou a cabeça para trás e suspirou, relaxando a postura mais do que desajeitada na cadeira.
" - Conta, loja de conveniência".
Agora a piada tinha um duplo sentido. Yao-Momo sorriu-lhe a mostrar todos os seus dentes cuidados milimetricamente de um branco irreal. Honestamente, toda a menina parecia uma ilusão perfeita da mulher de sonhos. Um corpo equilibrado, nada exagerado, os seus cabelos lisos e cuidados, hidratados na medida do possível, uma maquilhagem leve, com uma voz e personalidade impecáveis.
Uma pena que nenhum dos três presentes curte dessa fruta. Seria um ótimo partido para presentiar os pais de Kaminari com uma senhora tão bonita.
Culpado, Denki desviou os olhos com o pensamento, sentindo a vista cansada. Não queria pensar na palavra 'casa', nem agora, nem nunca.
Foco.
" - Precisava de falar contigo". - Interrompeu-se bruscamente a si própria, corando um pouco, sentindo-se culpada em excluir Midoriya e Denki da conversa. Engoliu em seco, desviando os olhos escuros e pensando numa saída rápida e digna, para não parecer tão rude ter de dispensar toda a gente, menos Bakugou. De facto, ele era o único a quem podia contar aquilo.
Arqueou novamente uma sobrancelha. Excluindo o facto - mais do que raro - de Momo pedir ajuda, ela pediu ajuda a Katsuki. Não fazia qualquer sentido e ali havia alguma coisa de estranha. Para ela pedir algo assim diretamente e sem esperar nem mais um segundo, calculou que fosse uma atitude impulsiva, do momento.
Izuku subiu muito ligeiramente as sobrancelha e torceu os lábios. Não estava a gostar nada daquele rumo; e pior se sentiu quando percebeu que não estaria presente na tal conversa.
O seu peito borbulhou ligeiramente e respirou fundo alto para chamar a atenção, sem sucesso. Kaminari olhou ora para os dois que trocavam olhares, ora para Midoriya que perfurava com o olhar.
Preocupado por fora e tentando acalmar o de sardas com alguns gestos, por dentro sorria como um sádico.
Kyoka tinha razão. Ver tudo de camarote valia muito a pena, só por um Izuku a arder em ciúmes.
" - 'Tá". - Cortou imediatamente aqueles pequeninos momentos de silêncio, estalando a língua no céu da boca e virando a cara, ao enfiar as mãos nos bolsos. - "Depois das aulas, vem ter comigo".
Yao-Momo entendeu o recado e sorriu de orelha a orelha. Sabia que contar com Katsuki fora uma boa ideia; ele entendeu perfeitamente o seu desconforto e por mais que as suas palavras e postura fossem rudes, os seus olhos vermelhos estavam inundados em preocupação.
Uma pergunta silenciosa.
'Está tudo bem?'.
Momo guardou aquele momento para si, agradecendo e saíndo em silêncio.
" - ...Então". - Kaminari sorriu maliciosamente para o lado direito, inclinando-se para perto de Izuku, embora se dirigisse a Bakugou. - "Não sabia que tu e a gatinha do grupo tinham alg--".
Rapidamente, foi calado com um estalo com força na nuca, fruto de toda a raiva que já deixava Midoriya corado. Levantando-se com força, Izuku fitou de lado Denki.
" - Nem. Uma. Palavra".
E virou costas, deixando um Katsuki ligeiramente confuso para trás, tendo de se ir acalmar à casa de banho e com muitos acalmantes que trazia na mochila.
[...]
Como prometido, Yaoyoruzu encontrava-se à entrada da escola, distraída a olhar para o páteo e as flores a murchar. Era outono, mais do que compreensível as folhas caírem e a natureza morrer por duas épocas do ano.
Lado a lado com Midoriya - que se estava a tornar asfixiante porque ele não abria a boca uma única vez, um feito raro -, implorou para ir embora o mais rápido possível mentalmente. Bakugou não sabia meter assunto! Aquela era a tarefa do Deku e não o contrário, com ele só a responder-lhe sigelos "uhm" ou "okay". E outra; o primeiro não suportava aquelas conversas fiadas e rápidas que ninguém quer saber. Então, entre a espada e a parede, o caminho na sua maioria foi silencioso, com duas ou três tentativas por parte do mais velho.
Assim que encarou a silhueta de costas de Momo - infelizmente e completamente sem intenção - correu na sua direção, deixando o melhor amigo para trás, que parou de andar. Viu que Katsuki lhe tocou no ombro e ela sorriu imediatamente, trocando palavras rápidas e conversas animadas.
Semicerrou os olhos e espetou todas as unhas nas alças da mochila dele, tentando acalmar o coração que não parava de bater e os nervos se enrolarem no estômago. Aquilo eram sintomas de ansiedade, mas um pouco diferentes. Não sabia identificar o que era aquilo, no entanto, o seu corpo gritava para ir embora o mais rapidamente possível.
E foi o que fez. Virou costas e saiu pela porta secundária, do outro lado do corredor. Antes de dobrar a esquina, fez questão de espreitar para ver a reação do melhor amigo, ao perceber que tinha ido embora sem ele.
No entanto, compreendeu que foi uma perda de tempo, já que ele estava a ir embora com Yao-Momo, sem olhar para trás.
(...)
Esperaram nos bancos de madeira da escola que maior parte dos alunos se retirasse do recinto. Odiavam lugares cheios de pessoas e esse era um ponto que os dois tinham que concordar. Já com o por do sol ao longe e cores quentes a pincelar o céu, o rapaz molhou os lábios e pensou em como iniciar a conversa. Por mais que Momo parecesse aliviada com a conversa e feliz, alguma coisa não estava bem e os seus olhos que os digam; olhava à volta como se estivesse a ser observada e uma certa postura de culpa a invadia.
Tentou ligar os pontos. A única coisa que ela mencionara nos últimos tempos era o namorado revolucionário, Neito. Teria algo relacionado com tal?
Vamos descobrir.
" - Então...". - Katsuki abriu a boca finalmente, enquanto olhava à volta. - "Vou ser direto. É sobre a baixinha, não é?".
Tinha de conter o nome da Kyoka aí no meio. Já não era mentira nenhuma que ela estava perdidamente apaixonada por Yaoyoruzu e com certeza só o maior lerdo da história não compreenderia as piadas de duplo sentido ou as indiretas.
Ou seja, o Deku.
" - H-Hm?". - Momo surpreendeu-se mais do que pretendia com aquela frase, sentindo as bochechas ficarem quentes. De todas as abordagens, seria a última que esperava. Então... Bakugou sabia de algo?
" - Eu sei, é óbvio". - Brincou, deslizando as mãos atrás da nuca. Com um sorriso vitorioso no rosto, fechou os olhos. Jirou precisava de um empurrãozinho e, se alguém daqui pudesse ser feliz, então ele tentaria ao máximo reconstruir as coisas mais uma vez. - "Olha, eu sou péssimo com sentimentos e relações amorosas, mas a minorca já me ajudou umas quantas vezes e está na hora de eu retribuir o favor... Ou tentar. Por isso, desembucha".
" - Bakugou, o-o que--".
" - Queres que eu fale com ela, é isso?". - Deu uma gargalhada, encolhendo os ombros, a apontar para si com o polegar. As miúdas eram tão palermas e envergonhadas. - "Eu posso tentar fazer algo, mas acho melhor que te declares pessoal--".
" - Do que raio tu estás a falar?".
Silêncio. Por momentos, Bakugou sentiu-se estúpido.
" - Uhm... Tu não vieste aqui para falar sobre relações amorosas?".
" - Sim, quer dizer, mais ou men-- De quem raios estavas a falar?!".
" - ....O melhor é ser eu a perguntar-te isso para não abrir a boca demais". - Agora mais sério, o rapaz loiro mudou o peso de um pé para o outro.
" - Katsuki, e-eu... Eu preciso de te admitir uma coisa".
Nenhum dos dois falou. A brisa fresca de uma quase chuva passou por eles e com o som das folhas, Bakugou sentiu o chão desfazer-se abaixo dos seus pés lentamente.
" - Eu amo-te é a ti. Não à Jirou".
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