O normal já não era mais aceito. Com a tecnologia avançando em uma rapidez surpreendente, os humanos, é claro, que não deixariam de se aproveitar disso. Tratando como armas, objetos sexuais, namorados, empregados e até mesmo escravos, levavam o lema de: não é um humano, portanto não merece empatia da minha parte.
De fato, cientistas e os próprios criadores das máquinas aprovaram tais pensamentos e atitudes. Mostravam taxas de mortalidade muito baixas após um ano do lançamento dos Vante's. É claro que, para eles, se suas famílias não saíssem afetadas e muito menos os seus dinheiros e bens materiais, não iriam interferir em nenhuma agressão contra os produtos.
Numa casa localizada em um dos bairros mais ricos da cidade, morava Jeon Jungkook: um mimado e revoltado com a vida após alcançar a sua tão odiada adolescência. A família lhe dava tudo o que pedia, no entanto nunca se encontrava satisfeito e lhes faltava respeito. Passando a mão em sua cabeça, os mais velhos alegavam que era apenas falta de mais alguém em sua vida. Bem, tecnicamente não estavam errados.
Por conta das suas atitudes, Jungkook nunca teve muitos amigos ao seu lado. Quando criança, já roubara vários brinquedos apenas por sentir a inveja possuir o seu corpo. Nunca escutando um "não" ou "isso é errado" da família cresceu pensando que nunca sairia punido pelo que faz, muito menos que não deveria fazê-los. Contudo, agora não lhe resta mais nenhum amigo.
Pensando nisso, é claro que recorreram ao socorro mais próximo e econômico - frisando que não se trata de dinheiro, mas sim problemas emocionais e psicológicos do filho que não sabem lidar -, perfeito e bonito: comprar um Vante. É claro que nem todos tinham a mesma aparência, mas sempre se destacavam entre os humanos. Você poderia diferenciá-los pelos cabelos coloridos, olhos de outras cores e, às vezes, até misturados, sem contar com o jeitinho perfeito que carregavam.
Quando o corpo do Android chegou a casa, sorriram, o observando através da caixa metálica. Era como observar um anjo adormecido. Cabelo cor do fogo, pele branca e lisa, parecendo como a de um bebê real, sem manchas, corpo delicado com uma fina cintura, coxas grossas e pequenas unhas brilhantes. Estavam apaixonados pelo protótipo baixo!
Jungkook, no entanto, já o odiava com todas as suas forças.
— Venha ver, Jungkook!! Seu novo amigo! — a mãe chamava animada, sem tirar o olho do Vante que sequer havia ligado. Após muita insistência, o moreno se aproximou com os braços cruzados, olhando com tédio para aquela máquina sem valor à sua frente. — Bonito, não?
— Se não fosse, não venderiam tantos iguais por aí. — revirou os olhos, querendo sair dali, mas seu braço foi levemente segurado por seu pai com estatura menor, cabelo perfeitamente cortado, carregando um óculos de garrafa em sua face. O mais novo dava graças a Deus por ter puxado mais sua mãe.
— Você tem que dar-lhe um nome antes de ligar, filho. Ele precisa te reconhecer! — como se o citado não soubesse, o orientou.
— Eu não quero esse lixo! — tentou se soltar para sair dali o quanto antes.
— Deixa de ser modesto, filho. Isso é seu! — a mãe tomou as rédeas, ganhando a atenção de quem queria. — Isso é seu agora. Pode lhe ajudar com muita coisa, inclusive suas explosões de raiva. Por que não aproveita, hum? — ficando pensativo com suas palavras, Jungkook voltou a encarar o Vante com olhos observadores, vendo se valia mesmo a pena.
Após uma breve discussão consigo mesmo, colocou a mão na caixa metálica para que ela pudesse ler sua digital e assim fazer o Android o identificar. Não demorou para ele ver luzes amarelas indo até o ruivo, fazendo-o acordar instantaneamente. Tomou um susto como os mais velhos, mas o sorriso logo apareceu em seu rosto.
— Olá, humano. Dê-me um nome! — o sorriso daquele vante era ainda mais belo que sua aparência. Seus olhos eram de uma cor diferente dos outros, sendo igualada ao cinza mais claro que se possa imaginar, atraindo a atenção de todos para suas íris suaves e com uma sensação angelical.
— Escolha um nome para ele!! — a mãe, mais animada que o mais novo, o balançou, ouvindo seus resmungos.
— Park é um sobrenome bonito e de uma família rica. — o pai falou para dar ideias a Jungkook, sempre querendo algo elegante e que pudesse mostrar aos outros com esnobe.
— Park… — pensou mais um pouco. — Jimin.
O citado sorriu e o círculo no canto dos olhos brilharam em amarelo, reconhecendo o seu novo nome.
— Prazer, Jeon Jungkook. Me chamo Park Jimin, o seu Vante! — se apresentou gentilmente, ouvindo os murmúrios dos outros a sua volta. Não demorou para a caixa metálica se abrir, deixando que o seu corpo, com apenas uma vestimenta que cobria desde os calcanhares até o seu pescoço, fosse revelado e admirado melhor pelos humanos.
— Prazer, Jimin!! Sou a mãe dele!! — rapidamente segurou a mão do robô, vendo ele a escanear antes de o círculo amarelo aparecer e então sorrir, se curvando em respeito.
— E-E eu sou o pai!! — Jungkook revirou os olhos e cruzou os braços novamente.
— Hey, Jimin! — o android rapidamente olhou para si. — Eu sou o seu dono, portanto deve me obedecer e fazer tudo o que eu pedir. — apontou para si mesmo, vendo ele assentir com a cabeça. — Certo?
— Positivo.
— Apenas serve a mim e a ninguém mais. — olhou para os pais antes de voltar o seu olhar frio para a máquina. — Prepare uma refeição para que eu possa jantar agora. Trate de ter um pote de sorvete para a sobremesa, tralha. — apelidou antes de lhe dar as costas. Não demorou para o android seguir suas ordens sem contrariar.
[...]
Passando os dias, Jungkook, sem surpresa alguma, já se mostrava entediado com o android que lhe seguia para todo canto. Seus olhos demonstravam calma e ao mesmo tempo pareciam tão humanos que ficava irritado por pensar nele assim algumas vezes. Era uma máquina descartável e deveria tratá-la como tal.
Em seu quarto, escutava músicas em seu celular, aguentando o olhar do Vante que estava parado no canto do cômodo, o encarando como se esperasse alguma coisa vinda de si. Não tinha medo, afinal, ele nunca lhe faria mal. Caso tentasse, a empresa logo seria acionada e o destruíram antes que algo ocorresse.
— Caralho, será que dá para parar de me encarar, porra?! — rapidamente Jimin desviou o olhar e encarou o chão.
— Precisa de algo agora, soberano? — o chamou como ele tinha mandado em seu segundo dia de funcionalidade. Após questionado, Jungkook alegou que se sentia poderoso por ouvir isso vindo de uma máquina que tinha força o suficiente para lidar com um batalhão sozinho, mas que era limitado por controles e comandos.
— Só dirija uma palavra a mim quando eu permitir. Saberá o que quero assim que eu o ordenar fazer algo. — ríspido, respondeu.
— Sim, soberano. — abaixou sua cabeça, tirando a paciência do humano após não ter seguido uma das suas ordens. Às vezes se perguntava o que ocorria porque raramente o android demonstrava atitudes e escolhas individuais e duvidosas.
— Chega! — se levantou e jogou o celular na cama, indo até o Vante com pura raiva e o empurrando para a parede, não vendo-o demonstrar uma reação sequer, nem lhe dirigir o olhar. — Se vier com uma gracinha de novo, vou destruir você como fiz das outras vezes! Você viu o que eu fiz com o seu outro amiguinho na rua? — o menor não respondeu. — Responde, tralha!
— O senhor o atropelou sem clemência, soberano. Devo confessar que é um ato corajoso da sua parte fazer isso em frente a empresa de onde vim. — o sorriso presunçoso de Jungkook aumentou ainda mais. Uma coisa que ele gostava nos Vante's, especialmente naquele, era como ele o deixava se sentindo um Deus.
— Continue. — ordenou, apertando o seu braço.
— Assim como me reeducou outras vezes, estou certo de que sou merecedor de todas as punições que levarei daqui para frente. Sou apenas uma máquina sem valor algum e que serve ao senhor. — o olhou nos olhos. — O soberano que manda. O rei que governa. — sorriu fechado, passando tranquilidade ao garoto e também o prazer de ser elogiado assim.
— Está certo. Eu sou o rei e você é meu tapete. — sorriu e se afastou, não sentindo mais raiva da máquina, se jogando na cama novamente. Jimin assentiu com a cabeça lentamente, fechando seus olhos, mantendo o sorriso gentil em seus lábios, ajeitando a postura e então voltando a encarar a parede, sem detectar perigo.
[...]
O Vante observava com atenção seu dono com os "amigos" dele. Dava para perceber que eram iguais na questão de gostos e pensamentos. Nesses vinte minutos que estava ali parado, sendo ordenado a não se mexer, recebeu vários golpes em seu corpo de todos os adolescentes que ali estavam. Nenhuma vez caiu, afinal, seu corpo era feito para isso. Se algo acontecesse com seu consumidor, ele estaria pronto para protegê-lo, portanto um corpo forte e resistente era necessário.
Não sentia raiva, muito menos um instinto impulsivo de devolver todos os seus golpes, afinal, seu humano estava bem e sem nenhum arranhão, além de que estava recebendo ordens do próprio para aguentar toda aquela violência. Não entendia a revolta dos adolescentes, mas pôde identificar certa solidão e raiva que não eram de si. Contudo, nada podia dizer.
— Vamos descer desse morro e quem chegar lá embaixo primeiro, ganha alguma coisa. — Jungkook deu a ideia, montando em uma bicicleta antiga dos anos dois mil.
— E o que seria? — com interesse, um dos mais velhos do grupo indagou.
— Qualquer coisa! — o moreno continuou com aquela sensação de que poderia dar o que quisesse a eles. Não era a primeira vez, por isso confiavam tanto em si ou iam em sua direção querendo apostar para ganharem o que almejam. Seja drogas, máquinas, passagens, bater em alguém ou qualquer coisa, Jungkook fazia tudo para ter pessoas ao seu lado.
— Beleza! — montou em sua bicicleta como os outros, então olhou para a máquina. — Vai deixá-lo aqui? — encarou Jeon.
— Ele sabe descer sozinho. Também não me importa se ele desaparecer. — sorriu de lado.
— Ah, ótimo! — uma das garotas que estava pichando o corpo do Vante, falou e sorriu, indo até a sua bicicleta. — Aí, Jungkook? — ao ganhar sua atenção, riu soprado. — Por que não faz ele ficar na nossa frente e contar até três para que possamos correr?
O moreno arqueou a sobrancelha e voltou a olhar Jimin, pensando bem naquilo. Bom, pelo menos ele seria útil naquela hora.
— Jimin, já sabe o que fazer. — os olhos do citado fizeram o círculo amarelo brilhar antes de desaparecer. Ele caminhou até em frente aos jovens e depois analisou a queda do morro, vendo que as chances de alguém sair machucado com aquelas pedras, árvores, buracos e galhos era muito grande.
— Perdão, soberano, mas acho que não é uma boa ideia o senhor descer esse morro. Identifiquei muitos obstáculos mortais. Fazendo uma leitura, consigo dizer com certeza que se algum de vocês cair aqui, o risco de quebrarem ossos é extremamente alto. Sugiro que apostem uma corrida em um lugar plano e mais seguro. Se precisarem, fiz uma lista dos trinta e sete melhores lugares para fazerem um esporte… — foi interrompido quando uma pedra pesada acertou seu rosto, manchando-o e amassando. Suas luzes piscaram algumas vezes enquanto tentava voltar ao normal, ouvindo as risadas dos demais. Encarou Jungkook e observou ele olhando para a região amassada com um olhar indecifrável.
— Cala a boca, seu monte de merda! — gritou a garota.
— Latas de lixo não falam… — cantarolou outro adolescente.
— Jimin — sua atenção novamente se focou em Jungkook quando ele o chamou. —, faça uma contagem regressiva até três. — o Vante assentiu com a cabeça.
— Preparem-se! — todos fizeram aquilo com olhares determinados e sorrisos presunçosos em seus lábios. — Um… dois… três… já!
Em câmera lenta, Park observou dois jovens começarem a correr em sua direção, diferente do que eram para fazer. Sentiu o empurrão em seu corpo antes que caísse morro abaixo, sentindo todas as bicicletas passarem por si.
Jungkook desceu encarando o Vante com os olhos arregalados, extremamente surpreso. Não sabia que iriam fazer tal coisa com a máquina. Por um mero instante se preocupou ao vê-lo rodar pela terra, bater em pedras e árvores, mas o orgulho e a vontade de agradar os outros tomou conta de si. Virou o rosto para frente e voltou a dar o seu melhor para ganhar aquela corrida.
[...]
Após dar o que o ganhador queria, Jungkook foi para casa já que todos haviam partido por não terem mais interesse em si. Levando a bicicleta enquanto caminhava para o morro, passou um bom tempo procurando Jimin, mas não achou. Então, com medo de o descobrirem, saiu dali correndo e foi para a sua casa.
Deixou a bicicleta ao lado do carro do seu pai que estava estacionado e entrou após colocar a digital. A casa estava vazia e aquele silêncio era perturbador. Nem as empregadas ou jardineiros faziam barulho como de costume. Começou a se questionar para onde haviam ido todos.
— Mãe? Pai? Cheguei! — tirou sua camisa cheia de poeira e jogou no chão, tirando os sapatos e sua meia, fez um caminho de bagunça para o seu quarto. Novamente estranhou não achar ninguém e nem ser respondido. Se assustou quando a energia caiu. — MÃE, PAI?! PORRA, RESPONDAM! — gritou desesperado, olhando para os lados e não vendo nada além do breu.
Seu corpo congelou ao ouvir uma risada vinda do corredor. Dando passos para trás, ele caiu na cama, então foi para o canto dela, pegando algo para que pudesse se proteger.
Sua alma saiu do corpo quando viu a silhueta de alguém na porta do cômodo. O reconhecia. Apenas suas íris brilhavam, assim como algumas partes do seu corpo, chamando muita atenção para o círculo amarelo no olho. Sem um braço, podia-se ver algumas faíscas saindo dele, e como ele andava torto e ria baixinho.
— J-Jimin? — sua voz saiu em um sopro, toda tremida.
— Uma vez disse-lhe era o rei — começou a caminhar com dificuldade até o dono. —, mas coitado de você não saber que, em um tabuleiro de xadrez, a dama é a peça mais poderosa. — a luz do quarto acendeu rapidamente, obedecendo os comandos de Jimin. Jeon conseguiu ver que parte do seu rosto também havia sido destruído, deixando apenas seu mecanismo aparente - como um dos olhos. — Desde o primeiro momento venho estudando-os e brincando sozinho de esconder. — gargalhou baixinho, encolhendo seus ombros.
— J-Jimin, m-me perdoa-a, eu… e-eu… — engoliu suas palavras quando ele tombou a cabeça para o lado.
— Perdoar? Foi divertido! — sua voz agora estava mais robótica, talvez por suas falhas no sistema causadas pela queda. — Mas agora está realmente entediante… — se aproximou do garoto e se curvou sobre ele. — Então, Jungkook, quer brincar comigo?
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