— Que cara é essa, Kagami kun?
O rapaz olhou para o lado, sua atenção despertada pela pergunta inesperada.
— KUROKO! — assustou-se — De onde você veio?
— De lugar algum. Kagami kun me alcançou e começou a andar do meu lado.
—... — estava tão distraído que nem notara o colega. Fazia muito tempo que isso não acontecia. Quase esquecera a sensação.
— Parece que teve uma noite terrível.
Taiga respirou fundo e deixou os ombros caírem, vencido. A perspicácia de Kuroko era assustadora, mas não podia dar todo o crédito a ele, afinal qualquer pessoa veria em seu rosto que coisas ruins aconteceram.
— Tive um final de tarde terrível e uma noite pior.
— O que aconteceu? — Kuroko analisou o amigo.
Como Taiga iria responder aquela questão? Estavam chegando à sala de aula, junto com outros alunos. Não tinha tempo de contar em detalhes tudo o que se passara desde o fim do treino até aquela manhã. Preferiu a versão resumida.
— Acho que vendi minha alma pro diabo... — resmungou.
Kuroko olhou para ele, sem compreender a afirmação. Mas nada na expressão tranquila revelava sua confusão. E assim entraram na sala e seguiram para seus lugares.
A intenção de Taiga de dormir durante a aula não pôde se concretizar. Em intervalos de tempo irregulares, quando menos esperava, chegava uma mensagem em seu celular. E a ordem era de que respondesse imediatamente ou arcasse com as consequências.
Kagami passara a noite toda respondendo perguntas idiotas do tipo que lhe dava vergonha sequer lembrar-se. Mas uma dica do que seriam tais questões: todas as respostas eram “Aomine sama”. Argh.
Na hora do almoço conseguiu evitar companhia, refugiando-se no telhado. Mas paz? De que jeito? Aomine sama, ou melhor, Ahomine sama não parou com os SMS nem nesse momento. Só conseguiu isolar o problema na hora do treino. Basquete era a cura para todos os males. Dominava sua mente, alcançava sua essência.
Deu tudo de si, porque não sabia agir de outra forma, fosse durante uma final oficial ou em um treino do colégio.
Surpreendentemente, quando todos foram dispensados e Kagami pegou seu celular para ver a montanha de mensagens... não recebera nenhuma naquele período! Estaria o idiota treinando também? Talvez.
Antes de voltar para casa, passou pelo Maji Burger para afogar as magoas com comida. Apesar da ameaça de receber uma tarefa em breve, tudo o que vinha ao seu celular eram perguntinhas inofensivas, apesar de irritantes.
Mesmo sem fome pegou a quantidade de sempre de hambúrgueres e foi sentar-se em uma mesa vazia. Pegou o primeiro lanche e mordeu arrancando quase metade dele em uma única dentada.
— Vai se engasgar, Kagami kun.
E Taiga engasgou mesmo. De susto.
— Kuroko! — repreendeu dando soquinhos no peito, tentando desentalar a comida que descera errado. Ainda ia morrer daquele jeito — Oe! Por que não avisa quando chega?!
— Eu estava aqui primeiro — deu um gole no Milk Shake.
— Tsc.
— Kagami kun quer falar sobre o que está acontecendo?
Nesse momento Taiga sentiu o celular vibrar no bolso. Sabia quem era antes de conferir a tela. Respondeu apenas clicando na sequência de kanjis gravada no corretor ortográfico e enviou, exasperado. Mais uma pergunta besta!
— Esse cara não vai me dar sossego — reclamou. Respirou fundo, tentando encher os pulmões com ar e alma com coragem, para começar a explicar sua enrascada — Eu perdi um jogo de honra. O problema é que tava rolando uma aposta...
— Quantos jogos têm a revanche?
— Ah, você conhece jogos de honra?
— Claro, Kagami kun. Todo mundo conhece: se perder, a revanche só estará completa quando vencer o dobro mais um.
Taiga ficou chocado. Aquilo só podia ser coisa de japonês mesmo. Nunca ouvira falar em nada meramente semelhante, quando morava nos Estados Unidos. De repente jogos de honra pareciam a nova onda do momento.
— Perdi uma na base do um contra um.
— Então não é tão ruim. Só precisa vencer três e pode pegar de volta o que perdeu na aposta.
— É... — segurou um hambúrguer e o mordeu. A pequena frase reticente atraiu a atenção de Tetsu, claro.
— Perdeu para quem? — ele perguntou apenas para confirmar suas suspeitas.
Taiga usara a mesma resposta para tantas perguntas durante as últimas horas que ela brotou em seus lábios automaticamente, sem que precisasse pensar muito. Foi natural e incontrolável. Espontâneo.
— Aomine sama.
Kuroko deu um longo gole no Milk Shake. A ficha caiu e Taiga compreendeu o que tinha dito. O rosto cobriu-se de vermelho e ele inclinou-se até bater a testa contra a mesa, sentindo-se perdido.
— Kagami kun perdeu o quê? — o garoto não questionou o uso do “sama” no nome do ex-colega de time, um gesto misericordioso devidamente apreciado pelo outro.
Taiga gemeu sofrido contra a mesa.
— Minha dignidade! Eu já te disse: vendi minha alma pro diabo — endireitou-se na cadeira e pegou outro lanche da pilha que diminuía rapidamente — Eu sugeri que o vencedor pudesse escolher como prêmio o que quisesse! Eu ia escolher o uniforme dele. Mas perdi na disputa e o desgraçado escolheu... escolheu... escolheu...
— Escolheu...?
— Que eu fosse escravo dele — revelou sentindo o rosto esquentar até as orelhas — Acredita nisso? E agora tenho que chamá-lo de “Aomine sama”! Se eu não tivesse dado a minha palavra...
— Entendi. Então Kagami kun precisa vencer três jogos consecutivos para conseguir a alforria?
Taiga engasgou com o hambúrguer de novo.
— CONSECUTIVOS?!! — farelos voaram de sua boca, impulsionados pelo susto.
— Sim. Aomine kun não te explicou essa regra?
A resposta de Kagami foi inclinar-se e bater a testa contra a mesa uma segunda vez. Teria que se matar de treinar para vencer o outro três vezes consecutivas. Sua liberdade custaria caro! Bem feito, para aprender a lição.
E que lição.
— Não. Ele não explicou — resmungou contra a mesa — E você está achando isso tudo normal?!
— Kagami kun só perdeu um jogo que não conhecia as regras. Apostar no escuro é uma atitude arriscada. Nada mais.
— Kuroko... — não sabia se a tranquilidade do outro era uma benção ou não.
— Eu nunca fui amigo de um escravo.
— OE! KUROKO! — ergueu-se rapidamente. Uma veia saltou em sua testa, denunciando a raiva — Isso não tem graça!
— Não fiz piada, Kagami kun.
O celular vibrou no bolso de sua calça. Era Aomine de novo, com outra pergunta. Já tinha respondido aquela umas quinhentas vezes.
— “Quem é o melhor jogador do Japão?” — Taiga perguntou em falsete, irritado — Meu rabo!
Apesar da resposta mal humorada, na hora de digitar usou os Kanjis corretos para “Aomine sama”, claro. Pegou o último lanche da bandeja e descontou toda sua fúria em uma mordida enorme.
— Esse filho da puta passou a noite inteira me torrando a paciência com mensagens assim — lamentou-se de boca cheia — Mas aposto... aposto não. Não quero saber de apostas tão cedo! Aomine não vai ficar feliz só em me humilhar com mensagens de celular. Ele vai pensar em algo bem sádico. Talvez contra a lei!
— Aomine kun não é assim tão mau. Não se preocupe que nenhum de seus órgãos será vendido no mercado negro, Kagami kun. Perder deixou uma marca profunda, mas logo ele segue em frente.
— E eu pago o pato por que ele não tem maturidade? Ta fácil assim!
— Não — Tetsuya finalizou o Milk Shake — Kagami kun paga o pato por apostar sem conhecer as regras e estabelecer limites claros.
A resposta objetiva e sem floreios foi um tapa de leve que quebrou a raiva de Taiga. Kuroko tinha razão, como sempre. Aquele jeito racional e analítico podia ser meio irritante às vezes, todavia não alterava a realidade. Kagami era o grande culpado por estar na complicada situação.
Uma terceira mensagem chegou durante a conversa. Kagami preparou-se para responder automaticamente, mas teve uma surpresa ruim. O texto não trazia nenhuma questão. Era um endereço simples, uma data e um horário. Estava sendo convocado para ir em algum lugar no dia seguinte, logo após o treino do colégio.
Cada pelinho de seu corpo se arrepiou, quando um frio desagradável percorreu seu corpo de cima a baixo.
Que merda.
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