Enquanto Roderich e Gilbert estavam conversando no canto da festa, e Elizaveta, Antonio e Lovino também conversavam, Ivan se senta ao lado de Yao, o encarando com seu sorriso inocente no rosto. Já havia um tempo em que estava de olho no chinês, e quando Ivan quer algo, não perde tempo e parte para cima.
-Olá, Yao - ele diz, sorrindo - o que está achando da festa?
-Eu diria que bem fofa. Fazia tempo em que não vinha a uma festa de aniversário. Senti saudades-aru.
-É, isso me faz esquecer da guerra...
Yao encara Ivan, tentando decifrar o que se passa na mente do rapaz, que sorri inocentemente para ele. Os olhos violeta encaram o chinês intensamente, como se soubesse exatamente o que Yao estava pensando no momento.
-O que aconteceu com a sua família-aru? - Yao pergunta, sem tirar os olhos do soviético.
-Minha mãe morreu no bombardeiro em que conheci Alfred e os outros, e meu pai e minhas irmãs estão na URSS.
-Você tem irmãs?
-Sim. Uma mais velha, que se chama Irunya Chernenko, e uma mais nova, que se chama Natalya Arlofskaya. Irunya é um amor de pessoa, está sempre querendo me ajudar e me proteger. Já Natalya... ela é um pouco estranha. E você? Tem algum irmão ou irmã além de Kiku?
-Tenho, mas minha família é bem separada, já que meu pai se casou várias vezes. Digamos que toda a minha família vem de um lugar diferente da Ásia: Kiku é japonês, minha irmã Xiao Mei é do Twain, meu outro irmão, o Li Xiao Chun é de Hong Kong, meu primo Im Yong Soo é coreano... e eu sou chinês-aru!
-São nomes bem difíceis - Ivan fala, dando uma leve risada - acho que nem consigo pronunciar direito.
-Eu quem fale-aru! Mal sei falar seu sobrenome direito!
-Mas chinês é mais difícil que russo!
-Claro que não! Chinês é muito fácil!
-Não é!
Os dois começam a rir, ainda se olhando, e quando param, ficam alguns segundos se encarando sem falar nada, até Yao dizer:
-Mas... por quê suas irmãs não vieram para cá com você e sua mãe-aru?
-Ah, é meio complicado. Meu pai foi para a guerra, e Irunya é muito apegada a ele, e resolveu ficar. Natalya queria vir comigo e minha mãe, mas não tínhamos dinheiro o suficiente para levá-la conosco, então ela ficou lá.
-Mas não deve ser assim tão ruim na URSS-aru. Como era viver lá?
-Era... frio.
O olhar de Ivan se torna sério, como se lembrasse de algo que o dava repulsa. Os seus olhos pareciam mais frios do que a própria URSS, mais frios do que qualquer coisa. E Yao notou que aquele garoto não era o garoto inocente e feliz que sempre demonstrava ser; notou que em seu coração havia um imenso buraco, que talvez fosse impossível de se concertar. Ele só não sabia o porquê de tanto rancor.
-Ivan... - Yao chama o soviético, que olhava para o nada, parecendo estar distante - está tudo bem-aru?
-An? - o sorriso leve de Ivan volta ao seu rosto - sim, estou bem. Só me lembrando de algumas coisas.
-Que coisas?
-Nada demais - Ivan de levanta do sofá aonde estava e se vira para Yao, falando:
-Venha comigo. Vou te mostrar uma coisa.
Yao se levanta, e percebe o quão baixo era perto de Ivan, mesmo sendo mais velho. Apesar de ter 14 anos, Ivan media cerca de 1,80, enquanto Wang Yao media 1,69. Ivan era evidentemente o mais alto do lugar, até mesmo mais alto do que Francis e Arthur, que fora os pais de Roderich, eram os mais velhos dali.
Yao segue Ivan até chegar na casa deles, e continua o seguindo até Ivan abrir a porta do próprio quarto, procurando algo. Assim que o acha, entrega a Yao, que nota ser uma fotografia velha. Na foto, havia três pessoas: uma menina de cabelos curtos e busto muito grande sorrindo, um menino que Yao reconhecera ser Ivan, e uma menina com um olhar sério e um laço nos cabelos longos. O chinês não deixa de sorrir para a foto; Ivan parecia verdadeiramente feliz quando ela fora tirada (provavelmente fora antes da guerra).
-Essas são suas irmãs-aru?
-Sim. A de cabelos curtos é Irunya, e a de cabelos longos é Natalya. Eu tinha uns 8 anos quando a foto foi tirada. Me lembro daquele dia até hoje. Era um dia muito frio e eu estava congelando, quando Irunya tirou seu cachecol e me deu, sem se importar se ficaria com frio. Até hoje eu o uso - ele fala, pegando no cachecol em seu pescoço e o cheirando - eu me sinto bem com ele. Me ajuda a lembrar das minhas raízes.
-Por quê você está me mostrando isso-aru?
Ivan dá de ombros e se aproxima de Yao, falando ao mesmo tempo que o encara:
-Porque essa foto é importante, tão importante que só posso mostrá-la para quem é importante para mim também, assim como a foto.
Yao cora intensamente com as palavras do soviético, e desvia seu olhar do dele.
-É muito gentil de sua parte-aru.
Ivan ri levemente, e pergunta logo em seguida:
-Para quê tantos “aru” assim nas suas frases, Yao?
-É um vício de linguagem-aru. Eu tento parar mas é bem difícil. Falo assim desde sempre-aru.
-Então eu vou te ajudar a parar com esse vício, pode ser?
-Não precisa, Ivan. Sério.
-Você está tentando parar e não consegue, então irei te dar uma forcinha. Sempre que você falar “aru”, vai receber uma punição minha.
-P-punição?! - Yao arregala os olhos, mas Ivan não para nem um minuto de sorrir, chegando até mesmo a ser assustador.
-Sim!
-Que punição-aru?
-Sempre quando você falar “aru”, eu irei te beijar.
Yao pisca os olhos algumas vezes para digerir o que o soviético falara, e quando o faz, se afasta de Ivan, dizendo:
-O-o que você quer comigo-aru?
-Olha, já foi uma vez! Venha aqui!
Ivan abre os braços, se aproximando de Yao, que se esquiva dele e sai correndo do quarto, apressado.
-Merda, merda, merda, merda! - ele fala, enquanto corre até os fundos da casa - que merda foi essa?!
-Yao? - ele ouve Ivan o chamar atrás de si, e dá um pulo, assustado.
-F-fica longe de mim-aru!
-Calma, Yao! Eu... estou aqui para me desculpar, da? Eu não queria ter te assustado, eu só... eu...
Ivan suspira e se senta na grama a alguns metros de Yao, que o observa em pé.
-Eu só queria ter amigos, sabe? Eu sempre fui muito sozinho, em toda a minha vida. Até mesmo quando me mudei para a Inglaterra, fui muito sozinho. Agora eu conheço você, Alfred, Matthew, Kiku, Arthur, Francis... eu queria poder ser amigo de vocês!
-Eu tenho certeza de que amigos não se beijam-aru - Yao fala, arqueando as sobrancelhas.
-Mas é diferente com você! Não gosto de você dessa maneira, Yao! M-me desculpe por isso, não era a minha intenção apressar as coisas, ou te obrigar a fazer algo que não quer. Me perdoe!
Yao encara o menino que sempre está sorrindo, que agora parecia tão frágil, e suspira. O chinês estava com medo. Muito medo. Não de Ivan em si, mas dos próprios sentimentos. Nunca fora alguém amoroso, nunca se preocupou com isso, mas e agora? Agora parecia impossível não querer beijar o soviético em sua frente. E então ele lembra das palavras de Francis:
“Sei reconhecer quando o amor está nascendo”.
Talvez o francês estivesse certo. Talvez realmente estivesse nascendo um amor ali. Ou talvez fosse tudo algo de sua cabeça. Mas por quê não tentar? Acontece que Yao estava com medo do que poderia acontecer. E se não gostasse? E se arrependesse? Pior: e se alguém descobrisse?
Essas possibilidades passam pela cabeça do chinês, que fica parado no mesmo lugar, observando a tristeza de Ivan, que permanecia sentado na grama do campo.
-I-ivan... - Yao chama, meio aéreo - eu...
-Você...?
-Eu não sei se...
-Não sabe se...?
Yao engole em seco. Não acreditava no que iria fazer. Mas era preciso.
-Ivan, se levante-aru. Por favor.
Ivan faz o que Yao pediu e se levanta, e Yao continua:
-Se aproxime de mim - Ivan mais uma vez faz o que Yao pede - mais ainda. Ai está bom-aru. Ivan... an...
-O que?
-Gǒupì* - Yao fala, e puxa o cachecol de Ivan, o beijando.
O soviético fica sem reação com aquilo. Por quê Yao fugira dele e agora estava o beijando? Por quê?! E o pior é que o chinês parou o beijo empurrando Ivan, que o olha, confuso e meio triste.
-Por quê você...
-Isso não aconteceu, está bem?
-Mas...
-Eu disse que isso não aconteceu, está bem? - Yao coloca ênfase em “está bem”, mais como uma ordem do que como uma pergunta, fazendo Ivan arquear as sobrancelhas.
-Não gosto que mandem em mim. E não gosto que me magoem - ele fala, fechando a cara, fazendo Yao encolher de medo - eu pedi desculpas, e você mexeu comigo!
-E-eu só... você não entende!
-O que eu não entendo, Wang?! Porque eu entendo perfeitamente que você está brincando comigo! - Ivan levanta a voz, mas seu tom não era de raiva, e sim de decepção, fazendo Yao se sentir culpado.
-Eu não estou brincando com você, Ivan!
-Sério?! Porque você fugiu de mim quando tentei te beijar e agora me beija do nada!! Isso não é brincar com meus sentimentos?!
-Não! Olha, me desculpe por ter feito isso, mas...
-Não, Yao. Sem “mas”. Sim ou não, duas escolhas. Eu vou aceitar se você disser não, vou ficar feliz se disser sim. Não existe um “talvez”, não existe um “mas”. Entendeu?
-Você fala como se fosse simples-aru! Fala como se ninguém achasse errado, como se não fosse proibido-aru! - Yao grita, nervoso - pare de ser inocente, Ivan!
-Você tem ideia do que eu passei para chegar aqui, Yao? Tem ideia do que eu fiz? Eu já pequei o suficiente para uma vida inteira! Sinceramente, comparado ao que eu já fiz, amar alguém do mesmo sexo não é um pecado!
-Ah Ivan, o que de tão ruim você poderia ter feito-aru? - Yao pergunta, diminuindo o tom de voz.
Ivan suspira, e uma lágrima desce de seus olhos violeta, solitária.
-Eu irei de falar, mas por favor, não fale para ninguém, Wang. Eu te imploro.
-C-claro - Yao gagueja, surpreso com o quão indefeso Ivan parecia estar naquele momento.
-Olhe, havia uma pessoa aonde eu morava... ele trabalhava para a minha família...
“Era um garoto da Lituânia chamado Toris Laurinaitis. Ele era dono dos mais belos pares de olhos que já vira. Eram verdes, e brilhavam como duas esmeraldas. Me apaixonei na hora. Eu era novo, deveria ter uns 11, 12 anos. E Toris parecia gostar de mim também. E foi com ele que tive meu primeiro beijo. Foi um selinho, nada demais, mas Natalya viu, e entrou em desespero.
O que você precisa saber sobre Natalya é que... ela não é uma irmã comum, uma menina comum. Ela é manipuladora, e sempre me desejou mais do que como irmão. Quando ela viu aquilo, ameaçou contar ao meu pai, e era óbvio que eu não queria que aquilo acontecesse. Então implorei, mas ela continuou dizendo não. Eu perguntei se não tinha algo que poderia fazer para ela não contar, e foi ai que ela me lançou o sorriso mais maléfico e pervertido que já vi alguém dar. Tenho pesadelos até hoje.
Ela disse que tinha só um jeito de fazê-la não contar ao meu pai. E... o jeito era... era...”. Ivan parou para respirar, já desistindo de controlar suas lágrimas que resistiam a cair, e continua:
“O jeito era me deitar com ela. Eu estava tão desesperado, me sentindo tão culpado, que disse sim. Eu fiz sexo com ela quando ficamos a sós na casa. Ela me arranhou, me bateu, pediu para que eu a batesse mais e mais forte, e eu fiz aquilo, temendo que ela contasse. Mas ela contou. E ainda disse que eu a obriguei a dormir comigo. Tentei falar a verdade para meu pai, mas ele não me ouviu, só minha mãe e Irunya. Meu pai me expulsou de casa, e minha mãe resolveu vir comigo, para não me deixar sozinho. Por isso estou aqui, na Inglaterra. Eu dormi com minha própria irmã por causa de algo simples como um selinho.”
-Prometi a mim mesmo que não iria mais me esconder, que iria lutar pelos meus sentimentos, e era isso que estava tentando fazer agora, Yao. Não quero mais me esconder, não quero mais esconder o meu amor. Eu entendo se ficar com nojo de mim, entendo se não quiser mais falar comigo, eu realmente entendo. Eu sou sujo. Não porque beijei um homem, mas porque dormi com minha própria irmã. Eu... sinto muito.
Yao suspira, e coloca sua mão no ombro de Ivan, falando:
-Eu não vou te julgar por isso, Ivan. Eu entendo que você teve medo. Você foi só uma vítima da luxúria de sua irmã, não teve culpa de nada-aru.
-Mas... sabe... eu me sinto culpado.
-Eu sei que sim-aru! Mas sabe, não se preocupe com essa coisa de “pecar”. Eu nunca fui religioso mesmo-aru - Yao ri, tentando confortar o soviético, que abre um pequeno sorriso.
-Então você não tem nojo de mim?
-Eu não tenho nojo de você, Ivan. Tenho orgulho-aru. Orgulho por deixar de lado seu medo e lutar pelo que você quer. E você também deveria se orgulhar disso-aru.
-Me desculpe por ter feito as coisas rápido demais.
-E me desculpe por ter te confundido assim-aru.
-Então... amigos? - Ivan estende a mão para Yao, que a aperta, sorrindo.
-Amigos-aru.
-Você está falando mais “aru” do que antes! Isso deveria valer uns 1000 beijos!
-Nem comece-aru! Uma hora eu consigo parar de falar isso.
-Mas tenho que te repreender por isso! Um beijo para você!
-Esper...
Ivan dá um beijo na testa de Yao, que cora intensamente com o ato. Ivan volta com seu típico sorriso infantil, encarando o chinês com seus belos pares de olhos violetas.
-Ivan...
-Sim?
-Acho que precisa de outra forma de me repreender-aru. Isso vai acabar me estimulando - Yao fala sem encarar Ivan, com vergonha.
O sorriso do soviético aumenta, e ele começa a rir, dizendo:
-Claro.
Os dois se encaram por um tempo sem dizer nada, só sorrindo, até que Yao pigarreia e fala:
-Melhor voltarmos para a festa, não acha-aru?
-Ah, sim. É melhor mesmo.
Os dois se colocam a caminho da casa dos Edelstein, conversando sobre qualquer assunto aleatório que não fosse o que haviam acabado de falar. Yao se sentia bem com Ivan, e Ivan se sentia bem com Yao. Os dois eram amigos, mas... era o que Yao queria? Ele queria se limitar a ser um amigo para Ivan?
Esses pensamentos rondavam a mente confusa do chinês, que não deixa transparecer sua frustração. Ele beijara Ivan para tentar entender o que sentia, mas só serviu para confundi-lo ainda mais. Não entendia o que havia sentido com aquele ato. Fora como um misto de sentimentos: medo, ansiedade, satisfação, desejo, e... paixão. Fora uma sensação muito boa e muito ruim ao mesmo tempo. Do mesmo jeito que queria sorrir, queria gritar; ao mesmo tempo que queria continuar o beijando, queria se afastar; do mesmo jeito que o queria longe de si, queria chamá-lo de seu.
“Talvez eu devesse falar com Francis. Ele diz que é bom nesse quesito”, Yao pensa, ao voltar para a sua casa depois da festa acabar, “se é que ele também não está estressado por causa dessa confusão com Basch”. De uma coisa, Yao sabia: Ivan conseguira mexer com seus sentimentos de uma maneira que ninguém jamais conseguiu.
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