Em uma mania quase inconsciente seus dedos se remexiam estralando em inquietude e ansiedade na contrastante maciez plácida do colchão, se emaranhando nos espessos lençóis acima de si que lhe envolviam quase que amavelmente. Suas pernas trepidavam em incerteza e seu coração bombeava desnorteado, teimando em incentivar suas paranoias como um piromaníaco alimenta uma chama com gasolina. Pela milésima vez, Lawliet lia o texto em sua tela, observando o formato de cada letra, decorando a ordem e a composição das orações, sentindo o peito esquentar aprazivelmente. O conteúdo daquela mensagem era frio e impessoal, mostrava o desgosto com o qual fora escrito de forma evidente, e sequer fora redigido por alguém cujo nutrisse qualquer tipo de sentimento, entretanto, seus lábios teimavam em sorrir com a estranha sensação de felicidade que aquelas palavras lhe causavam. Em seu aplicativo de correio eletrônico, em um e-mail enviado para alguns professores e docentes onde ele e Yagami estavam em cópia, Mikami se desculpara porcamente, em dois míseros parágrafos de letras amargas e de nítida insatisfação, pela entrega do último trabalho em equipe onde ele simplesmente optara por não lhe incluir.
“Venho por meio deste informar que houve um equívoco na formatação deste trabalho e, infelizmente, acabei por enviar uma versão incorreta. Segue o arquivo do documento retificado.
Peço desculpas pelo inconveniente e assumo total responsabilidade pelo transtorno.
Atenciosamente, Teru Mikami”.
Obviamente, não estava contente pelo teor em si do documento, haja vista sua superficialidade, insensibilidade e, certamente, da honestidade que faltava naquelas palavras. O que lhe deixava eufórico e inquieto, portanto, com as pupilas naturalmente dilatadas presas naqueles versos tal qual uma mariposa hipnotizada por uma luz ofuscante era o que exatamente poderia ter suscitado seu envio. Partindo do pressuposto de que Light fizera questão em mostra-lo para si ao invés de levianamente esperar até que ele mesmo verificasse seus e-mails, ele provavelmente tivera algum tipo de responsabilidade por esta súbita redenção de Mikami. Porque por mais que aquele fatídico ocorrido já não lhe tivesse mais qualquer importância, isto não significava que Yagami pensava ao mesmo modo. Em algum lugar daquela cabeça deturpada e megalomaníaca, Lawliet ainda deveria estar bravo consigo por isto e, talvez, em sua perspectiva, acreditasse que, para seguirem em frente, tinha de andar algumas casas para trás e demonstrar sua parcela de responsabilidade. Possivelmente, era esta sua maneira de encerrar aquilo terminantemente. Ademais, a forma quase teatral em que lhe mostrara aquela mensagem, o prensando contra seu próprio armário, revelava a superioridade com que Light lhe tratava e, gostasse disso ou não, já não fazia mais questão de ocultar. Por mais paranoico que pudesse parecer, L acreditava que tal gesto, antes de demonstrar seu arrependimento ou anseio em esclarecer as obscuridades naquele episódio, eram uma forma de demonstrar, implicitamente, talvez, poder. Porque Light fizera Mikami recuar e o pressionara para que se desculpasse e assumisse total responsabilidade, porque era ele quem obtinha o controle, o poder de “ficar por cima”. De todo modo, exibição de domínio ou não, não podia ignorar a possibilidade de que, de alguma maneira, Light estivesse começando a compreender como suas atitudes lhe afetavam negativamente, ainda que um tanto vagamente, e estava, mesmo que em segundo plano, assumindo sua parcela de culpa. Conquanto relativamente insuficiente, seu pedido de desculpas lhe pareceu genuíno, assim como sua garantia de que tal equívoco não voltaria a acontecer e, ao contrário do que Yagami supôs, acreditou verdadeiramente em suas palavras. Porque, pela primeira vez desde que se conheceram, quando analisou seus orbes castanho-amendoados de gentileza inacreditavelmente casta, sem quaisquer resquícios de desdém ou soberba, tivera a impressão de que, de certa forma, ele estava o enxergando.
Muito mais entusiasmado do que o normal, Lawliet se levantou para calçar seus tênis que necessitavam urgentemente de uma lavagem, enfiando os cadarços pelas laterais do calçado antes de deixar seu quarto, não dando-se o trabalho de estender os lençóis acima da cama. Mihael e Mail pareciam permanecer brigados por algum motivo que sequer tinha ciência, concluiu ao observar Matt debruçado na mesa com seu pequeno videogame na cadeira mais afastada, enquanto o loiro se sentara propositalmente ao lado oposto do móvel, nitidamente impaciente e entediado com seu celular. Nate, por sua vez, lhe parecia muito mais silencioso e distante do que o habitual, remexendo seu cereal morbidamente, possivelmente perturbado com o mesmo tipo de questões que o ruivo, principalmente, estava tendo dificuldades de lidar; problemas comuns da adolescência a respeito de individualidade e papéis sociais, supôs, estes cujo Mello sempre soubera contornar com certa maestria. Beyond, em contrapartida, de maneira inacreditável, deve-se salientar, se mostrava de bom humor. Impressionado, L observou a mesa da cozinha farta e muito bem arrumada, com ovos mexidos, bacon fatiado, café, leite, mesmo o chocolate quente de Mihael que ele tanto detestava reproduzir, se fazia presente. Havia mesmo um bolo açucarado de massa branca, tão fofinho e apetitoso disposto propositalmente afrente da cadeira onde costumava se sentar. Antes que Lawliet pudesse se aproximar do doce e arrancar o maior pedaço possível sem que B lhe advertisse, Watari desceu as escadas atrás de si, cumprimentando-o amavelmente.
— Bom dia, L. – Disse o gentil senhor ao passar ao seu lado, tocando brevemente o topo de sua cabeça como quem afaga uma pequena criança, tomando o cuidado de não prolongar o toque não solicitado para não aborrece-lo.
— Bom dia. – Respondeu o menor mecanicamente em um esforço de ser educado, haja vista não costumasse a fazê-lo com outras pessoas. – O senhor não irá trabalhar hoje? – Indagou um tanto curioso, compreendendo porquê Beyond se empenhara para fazer um farto e diversificado desjejum. Como qualquer criança oriunda de um lar desestruturado e abusivo, seu irmão nunca recebera qualquer tipo de aceitação, aprovação ou uma mísera manifestação clara de afeto. Assim como todos, ainda que cada um a sua maneira, B almejava reconhecimento da única figura paternal que já tivera.
— Apenas entrarei um pouco mais tarde. Faz um tempo desde que comemos juntos. – Comentou, se sentando ao lado direito de Mail. Lawliet se limitou a assentir em silêncio, não considerando conveniente uma segunda pergunta acerca do porquê, se apressando em acompanhar o idoso e se servir de um grande pedaço de bolo antes que B aparecesse, certo de que Watari não o repreenderia.
— Watari, Watari, – Chamou Matt, muito mais animado do que outrora. De fato, a presença do idoso causava certa mudança de comportamento, principalmente nos mais novos, que buscavam a aprovação e o sentimento de pertencimento que normalmente se sente falta na adolescência. – o senhor conseguiu folga na sábado? Pro aniversário do L? – Acrescentou, se ajeitando na cadeira.
— Infelizmente não, meninos. – Respondeu em um triste suspiro, encarando seu vazio prato com nítido cansaço e melancolia. Watari não se servia e tampouco comia até que todos estivessem presentes e devidamente servidos. Ainda aguardaria Beyond descer.
— Isso não é justo! O que custa te liberar no Halloween!? – Esbravejou Mihael. Tal como Lawliet, considerava Watari demasiadamente condescendente. Ele fazia tudo o que o corno do chefe mandava sem jamais questionar ou se impor, por mais absurdo ou abusivo fosse seu pedido.
— Não é feriado. – Lembrou Nate, se irritando com a exagerada, ao menos em sua perspectiva, indignação. É o que se faz em qualquer trabalho, se faz o que tem de se fazer para colocar comida na mesa e preservar um teto sobre a cabeça.
— Não importa! Porra, a empresa não vai falir porque um velho tirou um dia d-
— Ei! – Repreendeu Beyond ao surgir magicamente por detrás do loiro, desferindo um fraco, ainda que um tanto bruto, tapa na parte posterior de sua cabeça, interrompendo-o com uma hipócrita reprovação. – Sem falar palavrão na mesa, porra. – Justificou a censura quase sarcasticamente com um longo e travesso sorriso estampado no rosto, se afastando ligeiramente antes que Mihael conseguisse compreender o que havia acontecido e revidar, se sentando ao lado esquerdo de Matt.
— Você acabou de falar! – Vociferou colérico, agarrando o garfo da mesa para ameaçá-lo implicitamente, temendo uma repreensão de Watari e, ao mesmo passo, aguardando por ela. Ultimamente, talvez por estar próximo a atingir a idade adulta e, consequentemente, demandar de respeito dos demais, Beyond estava tendo certa liberdade para fazer o que quisesse sem ser contrariado pelo idoso.
— Eu não tava na mesa. – Legitimou divertido, não dando muita importância para o aborrecimento que lhe causara, passando a se servir despreocupadamente.
— Crianças, por favor. – Pediu o idoso sempre gentil e cortês, conseguindo a atenção de todos tão facilmente como apenas ele poderia fazer. – Sejamos gratos ao que temos hoje. – Referiu-se ao inconformismo que sua folga negada causara, mais uma vez deixando que B “educasse” seus irmãos a sua maneira, sem repreende-lo pela brutalidade com que o fazia. Todos assentiram em silêncio, voltando-se para seus próprios pratos para que prosseguissem a refeição pacificamente, ao menos até Matt se desassossegar com a ausência de conversa e fazer algum tipo de piada idiota a qual Near responderia com algum comentário sarcástico. Mihael se incomodou com o tapa impune que levara, no entanto o perdoara quando Beyond abandonou seu assento para fazer o prato do idoso a sua frente como um bom filho faz ao seu pai. Lawliet, por sua vez, já em seu terceiro pedaço de bolo, se apressou em cortar o quarto antes que B desse a volta pela mesa, passando por Mail, para entregar o prato de Watari. Infelizmente, conquanto, também levara um tapa quando Beyond percebera que metade do bolo havia sumido.
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Acordara sete minutos antes do despertador tocar com uma disposição invejável, levantando-se rapidamente ao invés de aguardar o restante do tempo na cama, decidido a aproveita-los de melhor forma no chuveiro. Se despira calmamente, dobrando suas roupas sujas em uma mania quase inconsciente, colocando-as gentilmente acima do cesto designado para tal para que Isabel, a empregada encarregada da lavagem, pudesse recolher depois de ir para escola. Adentrou seu banheiro privado sem dar-se o trabalho de tranca-lo, afinal ninguém, nem mesmo Sayu, possuía permissão para entrar em seu quarto, ligando o chuveiro e deixando com que a água finalmente entrasse em contato com sua pele. A temperatura estava tão perfeita, a sensação quente e envolvente que sentia na nuca e nos ombros era tão aprazível que não resistiu a tentação de lavar seus cabelos pelo segundo dia seguido, deixando com que seus fios se encharcassem junto a raiz. Adorava tomar banho, principalmente quando lavava os cabelos, a sensação de estar limpo era viciante, como nascer novamente.
Depois de se secar brevemente e se vestir, Light escovou seus dentes e desceu para o primeiro andar de sua luxuosa residência, encontrando sua irmãzinha a caminho da sala onde geralmente faziam as refeições diárias. Seus pais ainda estavam em casa e Sayu parecia muito animada para tomar café junto a eles, haja vista a raridade com que o faziam. Sua mãe, especialmente, quase nunca estava em casa, enquanto seu pai sempre fora mais reservado e jamais possuíra qualquer tipo de relação próxima ou íntima com quem quer que fosse.
— Irmão! – Chamou a garotinha, correndo para alcançá-lo e lhe agarrar por trás, abraçando sua cintura carinhosamente. Yagami sorriu a cumprimentando, afagando seu cabelo recém arrumado, tomando o devido cuidado para não desmanchar suas maria-chiquinhas. Certamente a censuraria por correr e gritar em um horário como aquele, ainda mais pela inabitual presença de seu pai, contudo ela estava tão fofinha e arrumadinha que não obteve coragem para tal. – Vamos tomar café! Rosa fez Tamagoyaki! – Explicou contente, sabendo o quanto seu irmão apreciava as omeletes.
Em sua casa, ao menos entre os familiares, só se falava japonês; o inglês era terminantemente proibido e o espanhol só era permitido quando direcionado aos empregados. Todos os móveis e arquitetura da casa eram orientais, bem como seus costumes e rotina, conquanto ambos os irmãos estivessem muito mais adaptados a cultura ocidental. O Asagohan (café da manhã japonês) era um clássico exemplo. Embora para sua família esta fosse a refeição mais importante do dia, sendo apreciada na sala de jantar, preferencialmente em família, com alimentos típicos de sua cultura, como a Tamagoyaki, Yagami raramente a desfrutava. Seus cafés da manhã eram frutas de porte médio, geralmente maçãs, que comia no trajeto da escola, com Ryuk. Nesse sentido, também deve-se pontuar o porque, mesmo com sua alta qualidade de vida, jamais ter recebido um carro de presente de seus pais, como a maioria de seus colegas. O padrão ostensivo americano não se fazia presente em sua casa, em sua cultura, portanto, se realmente quisesse um veículo, ele mesmo teria de arrecadar dinheiro para conquista-lo.
— Pode ir. – Respondeu gentilmente, aos poucos se desvencilhando de seu abraço ao notar Akemi, a babá de Sayu, aguardando no começo do corredor. – Eu prefiro comer na escola, com Ryuk. – Justificou, tentando legitimar a quase mentira. De fato, gostava de tomar seu café com o grandalhão, no entanto, não acreditava verdadeiramente que o veria naquele dia e, tampouco, que comeriam juntos. Dentre todas as pessoas no mundo, sua irmãzinha era a única que lhe despertava genuína culpa ao mentir, fazendo-o evitar ao máximo tal prática.
— Vamos, Sayu. – Chamou Akemi carinhosamente, estendendo sua mão para que a menina a apanhasse e lhe acompanhasse até a sala onde seu pai já estava. – Seu irmão precisa ir ao colégio. – Lembrou educadamente em uma tentativa de ajudá-lo na difícil tarefa de distanciar Sayu de seu amado irmão mais velho, dirigindo sua atenção para Yagami para sorrir e cumprimentá-lo.
Akemi era a babá de sua irmã desde os 18 anos, tendo agora cerca de 22 ou 23; era uma jovem de cabelos demasiadamente escuros e lisos e de rosto simples, ainda que delicado e um tanto encantador. Light sempre se lembraria dela como uma de suas primeiras paixões não correspondidas. Conquanto não sentisse mais interesse romântico na mulher, ela ainda lhe era excessivamente atraente e, se um dia, ela se insinuasse sexualmente para ele, dificilmente resistiria.
Sua irmãzinha bufou frustrada, ainda que devidamente convencida, lhe dando um último abraço de despedida antes de seguir a moça encantadora, segurando sua mão para acompanha-la, iniciando uma longa e detalhada descrição do sonho que tivera aquela noite. Enquanto as observava adentrar o corredor principal, Yagami não pode evitar em decair sua atenção pelo corpo da jovem bem trajado no vestido branco de seu uniforme que destacava perfeitamente seu quadril levemente acentuado por sua cintura fina e suas roliças, ainda que não tão fartas, bandas. Realmente, ainda a desejava.
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Como esperado, Ryuk não lhe esperara em frente a sua casa, forçando o japonês a caminhar sozinho pelo bairro até a escola, onde, de igual maneira, também não o encontrara. Sua primeira aula era prática de química, portanto seria ministrada no laboratório, então, uma vez que não possuía o grandalhão para lhe enfadar e não tivera paciência ou disposição para ver Misa, chegara a sala relativamente cedo. Aliviando-se pela ausência de qualquer alma viva no recinto e, consequentemente, da desobrigação de interação social, Yagami se aproximou dos armários que acomodavam os jalecos, procurando uma peça adequada para seu tamanho. Enquanto ainda o abotoava e tratava de alinhar seus fios castanhos, mesmo que estes permanecessem intocados, pôde ouvir a porta ser aberta, indicando que mais alguém adentrava a sala. O laboratório possuía cumpridas mesas de quatro lugares cada, dispostas em três fileiras e colunas, totalizando 36 lugares. A frente da classe, havia uma lousa digital, uma grande tela que acompanhava o projetor acoplado ao teto, e em suas laterais grandes prateleiras de equipamentos. Aos fundos, era possível acessar a área, uma espécie de cabine, destinada a troca rápida de vestimentas onde até então Light se encontrava. Ao terminar de se arrumar, o japonês abriu silenciosamente o compartimento no intuito de disponibiliza-lo, dirigindo sua atenção a figura que caminhava para o fundo da sala, ao lado oposto de si, estrategicamente no ponto mais distante possível do recinto. O garoto facilmente reconhecível não se deu o trabalho de vestir o jaleco obrigatório, haja vista faltasse quase 20 minutos para o início da aula, somente se sentando desajeitadamente nos bancos um tanto altos que acompanhavam as mesas. De longe, ele parecia um pobre e despreocupado sapinho, tão indefeso que chegava a ser provocante, completamente alheio ao terrível e malvado gavião atrás de si que aguardava ansioso devora-lo brutalmente. Sorrindo perversamente com a nefasta ideia que lhe passara pela mente, Yagami retirou um jaleco do mesmo tamanho do que o seu do cabide, tomando o devido cuidado para se manter o mais silencioso possível, sequer fechando a porta da cabine com medo de ser percebido. Por mais que soubesse o quanto aquilo que estava prestes a fazer era horrível e excessivamente cruel, justificava a si mesmo, ainda que não acreditasse verdadeiramente nas próprias palavras, que não teria qualquer satisfação doentia ou libidinosa com sua consumação. Lawliet o evitava sempre que possível e mesmo quando era obrigado a atura-lo, quando tinham algum trabalho em grupo com Mikami, por exemplo, ele o ignorava totalmente. Quanto a suas respostas em relação a este descaso, tentara provoca-lo o suficiente para fazê-lo protestar contra si, e conquanto por vezes conseguisse, ele sempre se expressava pedindo a um terceiro para repassar sua mensagem. Ademais, tentar distrai-lo com barulhos altos e conversas paralelas não havia sido muito útil, haja vista só houvesse conseguido ainda mais silêncio. Embora pudesse ter previsto, quando muito acuado ou inquieto, distraído ou incomodado com um ambiente demasiadamente agitado, L tendia a abaixar seu rosto, ficar em silêncio e, quando muito desconfortável, tampava seus ouvidos. Além disso, no dia anterior, quando o assustara e o pressionara, invadindo seu espaço pessoal, ele se manteve impassível e, desta forma sua única opção era ser um pouco mais violento e incisivo se quisesse ganhar aquela aposta. Sim, estava completamente louco e tinha ciência do quão mal aquilo poderia acabar, todavia, o que mais poderia fazer? Já havia considerado tranca-lo em algum lugar e fazê-lo implorar pela liberdade, larga-lo no meio da cidade para obriga-lo a pedir ajuda para voltar para casa e também já cogitara violência física. Em comparação com as demais, aquela opção era quase inofensiva.
Tão habitualmente distraído e avoado, L se ajeitou a sua maneira na mesa, sem sequer notar sua presença, colocando sua bolsa em cima do móvel de aço e levando seu pé esquerdo para o estofado do banco, abraçando-o conforme se debruçava para escrever ou rabiscar em seu caderno. Deste ângulo, ele parecia tão adorável e dócil, com as costas expostas, como se aguardasse pacientemente sua investida. Enquanto caminhava em sua direção, esforçando-se para fazer o mínimo de barulho possível, suas mãos começaram a trepidar ansiosas, bem como seu coração que acelerara com a injeção de adrenalina que subitamente lhe fora aplicada nas veias. Estava tão incitado com a ideia de assusta-lo que por pouco não percebera o quanto seus cabelos haviam crescido desde a primeira vez em que o vira, faltando poucos milímetros para que seus fios negros encostassem suavemente em seus ombros. Com este pensamento, acrescido da lembrança das inúmeras vezes em que desejara esgana-lo, Yagami se aproximara do pobre sapo, envolvendo sua mão no jaleco azulado como pretexto para agarrar seu pescoço por trás de forma levemente agressiva, ainda que não muito bruta e violenta o suficiente para machuca-lo. Seus finos e compridos dedos circundaram sua nuca, mesmo que por cima do tecido, apertando-a com certa malícia conforme seu tronco se inclinara sobre ele, o bastante para que seus rostos ficassem a poucos centímetros de distância. Lawliet dera um delicioso e acanhado sobressalto que rapidamente enrijecera os músculos de seu pescoço e tronco, abaixando-se levemente em virtude do peso proposital que Light impusera sobre ele. Um pequeno e quase inaudível suspirar escapara por seus lábios, bem como um agudo e desonroso gemido que fora dolorosamente castigado por ele mesmo, mordendo seus lábios em constrangimento. Quase que inconscientemente, Yagami sorrira em resposta, tão satisfeito com sua reação que não se importara com o fato de não ter recebido uma reclamação ou protesto verbal. Aliás, nenhum tipo de oposição, deve-se salientar. Lawliet se limitara a segurar seu caderno e a caneta acima dele fortemente, marcando-o com suas unhas para descontar o constrangimento e o dessossego, aguardando condescendentemente que Light o libertasse como um bom e obediente sapinho.
— Lawliet, onde estava com a cabeça? – Sussurrou mordaz próximo a seu ouvido, sorrindo ardiloso. Antes de se afastar desgostosamente, não pode suprir o breve e incontrolável desejo de acariciar, muito rápida e superficialmente, seu pescoço com o polegar, somente para observa-lo se remexer em incômodo, soltando-o para que pudesse ajeitar a jaqueta em seu ombros, como se realmente se importasse com seu uso. – Você se esqueceu do jaleco. – Justificou quase sarcástico, finalmente lhe soltando para dar a volta na mesa e se sentar a sua frente. Conquanto não tivesse sido a reação que tanto ansiava, apenas o nada singelo rubor em suas bochechas e o trepidar vacilante de seu corpo foram o suficiente para que Light considerasse aquele dia como uma vitória. Sequer se lembrara da última vez que se sentira tão bem. Seu amago estava quente e seu baixo ventre dolorido.
Trazendo sua cadeira o mais rente possível da mesa, Yagami colocou sua mochila sobre ela, encarando o garoto do outro lado com extrema soberba, não se dando o trabalho de fingir que o sorriso estampado em seu rosto era amigável ou simpático. Desta vez, L não suportou ignora-lo, observando mesmo que com certo desconforto e constrangimento sua postura prepotente e seu semblante astucioso. O japonês estava muito mais bonito e arrogante do que o normal, pôde constatar consigo mesmo. Seu cabelo lhe parecia ainda mais sedoso e alinhado, bem como suas vestes nitidamente ostensivas e belas, ainda que por debaixo do jaleco de aparência hospitalar, que lhe caíam tão perfeitamente que pareciam ter sido moldadas e costuradas em seu corpo. Por alguns instantes, L se perdeu naqueles lábios terrivelmente rosados e curvos, nos dentes impecavelmente brancos e simétricos, lutando para se desvencilhar das orbes ferinas e desafiantes que lhe examinavam com tanta malícia e prepotência. “Chega”, pensou Birthday, proibindo-se de permanecer dando a ele o que tanto almejava, voltando a desconsidera-lo por completo. Lawliet vestiu apropriadamente o jaleco que lhe fora posto sobre os ombros, voltando a se inclinar sobre a mesa para prosseguir a importantíssima tarefa que fazia até ser interrompido pelo ser irritante a sua frente: rabiscar. No momento, estava fazendo um macaquinho apreciando um bom pedaço de bolo. Seu nome era Sebastian, e ele era um contador, por isto desenhara um óculos em seu rosto e algumas folhas de papel ao seu redor, para representar sua inteligência e assiduidade no trabalho.
— O que está fazendo? – Questionou o demônio a sua frente com sua tentadora e harmoniosa voz, conquanto bem soubesse que não o responderia por motivos óbvios. Por algum motivo que definitivamente não gostaria de entender, Light lhe parecia muito mais atraente nestes últimos dias se equiparado ao restante do tempo em que interagira com ele, desde o primeiro dia em que o vira. Talvez porque não podia replicar suas provocações que, consequentemente, se tornavam cada vez mais intensas. Sentia-se terrivelmente encurralado, como um hamster que se depara com paredes e mais paredes de um labirinto sem fim. E a pior parte não era a cobra que se rastejava pelos corredores deste embaraço de caminhos entrelaçados, cada vez mais próxima de si, buscando lhe devorar da forma mais dolorosa e agoniante possível. A pior parte era que não somente não se sentia incomodado com a apavorante situação em que se encontrava, como se deixava incitar com a ideia de que, a qualquer momento, levaria um bote. Parte de si, a parte insanamente curiosa e excêntrica, não podia deixar de pensar no que Light queria dizer quando planejava sujeita-lo a sua devassa e tentadora verdade. – Desenhando? – Supôs Yagami mais para si do que para ele, não sabendo L se ele tentava mascarar o incomodo da desconsideração que sabia que lhe causava toda vez ao ignora-lo com aquele ar de superioridade quase inabalável. – Sabe, eu sempre me perguntei por quê macacos, claro, partindo da suposição de que esses rabiscos realmente sejam isso. – Acrescentou quase divertido, ainda que o sentimento que certamente lhe predominasse no momento fosse uma descabida soberba, finalmente conquistando sua tão almejada atenção. Subitamente, Lawliet cessou o movimento de sua mão e levantou levemente a ponta de sua caneta para que esta se afastasse do papel para que pudesse raciocinar mais claramente, como se finalmente aquele japonês houvesse duto algo interessante. Em contrapartida, Light soltou um irritante e sarcástico riso anasalado, como se houvesse previsto sua reação, iniciando uma um tanto assustadoramente precisa suposição acerca de si. – Deixe-me adivinhar: como utilizei o advérbio “sempre” para enfatizar a continua frequência com que você rabisca macacos implica que eu já devo ter observado você fazendo o mesmo tipo de garrancho em outras circunstâncias e, agora, nessa sua cabecinha avoada, você repassa todas as situações em que eu estivesse presente quando você o fazia, por fim chegando a conclusão de que eu nunca vi, ou ao menos não deveria tê-lo visto. A partir disto, você começa a listar várias hipóteses de como eu poderia tê-lo feito sem que você soubesse. – Concluiu extremamente astucioso e prepotente, obrigando-o a encara-lo em pura curiosidade, quase incredulidade, acerca da veracidade e, essencialmente, da precisão com qual narrara sua linha de raciocínio. Não obstante, com um terrível e pretensioso sorriso, Light ainda o provocara, assumindo que seu silêncio corroborava com suas arguições. – Ora, ora... Alguém está ficando previsível...
Certo, estava começando a ficar preocupadamente confuso. Conquanto houvesse levado certo tempo, Yagami finalmente havia compreendido que nada adiantava tentar lhe aborrecer ou incomodar, pois não conseguiria faze-lo falar ou protestar contra si. Lawliet sofria abuso e maus tratos desde o nascimento, uma ou duas humilhações a mais não lhe fariam perder uma aposta, por mais ridícula que esta fosse. Ademais, era nítido, mesmo para a megalomania do japonês, que era muito mais estável emocionalmente falando do que ele, muito mais impassível e paciente e, assim sendo, dificilmente perderia a compostura, ao menos não tão facilmente quanto ele. Desta forma, era natural que, mesmo gradativamente, Light houvesse compreendido estas diferenças e, concomitantemente, desenvolvido outro tipo de estratégia, em uma linha completamente diferente, para que pudesse prosseguir. No entanto, observando seus passos até então, não estava conseguindo enxergar com clareza o que ele objetivava. Suas provocações eram irritantes, contudo não lhe pareciam cruéis como outrora e, na verdade, eram quase inofensivas. Também haviam gestos de gentileza esporádicos, com certo grau de afeição, todavia adjuntos de sarcasmo ácido e demonstrações prepotentes de controle e poder. Ademais, havia o terrível e hediondo fator, a pesada e densa áurea de... Sentia-se tão constrangido em pensar naquilo, todavia não era capaz de interpretar a natureza de muitas atitudes como... O jeito que ele sorria, talvez o olhar que ultimamente lhe direcionava, o timbre quase pecaminoso com qual se referia a si, os comentários maliciosos e cheios de dualidades tendenciosas... Tudo lhe levava a acreditar que Light estava inserindo naquela aposta idiota uma conotação sexual que não deveria e, entretanto, de um jeito ou de outro conseguia se fazer presente. Havia tentado desconsiderar ao máximo tudo aquilo, no entanto, não importava quanto esforço fizesse, admitisse ou não, Yagami estava no controle e, se ele queria que as coisas fossem daquela forma, assim seriam.
— Lawliet, alguém já lhe disse o quão adorável você fica quando confuso?
Seu corpo enrijeceu, seus músculos tencionaram, sua respiração cessou e seu cérebro proibiu terminantemente sua língua de deglutir saliva para não demonstrar o nervosismo que se apossara tão abruptamente de seu ser. Aquela era a segunda vez que ele lhe dizia algo assim, no entanto era a primeira em tivera o azar de estar lhe encarando no momento em que ele resolvera fazê-lo. E para seu completo dessossego, seu semblante era tão calmo e imperturbável quanto o possível. Sua cabeça estava despreocupadamente apoiada em seu braço, suas sobrancelhas estavam relaxadas e sua expressão calma, ainda que excessivamente prepotente, assim como seu sorriso inacreditavelmente lindo e relaxado que somente se alargara ainda mais maliciosamente quando seus olhos, dois orbes amendoados terrivelmente banhados em lascívia e perversidade, decaíram sem qualquer pudor para seus próprios lábios, fazendo-os trepidar covardemente tal como suas pernas. Um funesto arrepio se estendera de sua nuca até seus cóccix, esquentando seu baixo ventre e obrigando-o a mordiscar seu beiço inferior para impeli-lo a parar de tremer, nada podendo fazer a respeito do rubor que muito intensa e subitamente lhe manchara a alvura do rosto. Queria morrer, se esconder, fugir para um buraco escuro no qual jamais pudessem lhe encontrar, entretanto proibiu-se de desviar o olhar. Não lhe daria ainda maior sensação de vitória. Tudo o que pode fazer foi permanecer em silêncio, correspondendo a seu olhar quase predatório com uma inofensiva e condescendente súplica para que jamais voltasse a proferir atrocidade equivalente. E como previsto, como o filho da puta que era, Yagami sorriu ainda mais mordazmente, demonstrando sua consideração a seu mudo e tímido pedido.
— E fica ainda mais adorável envergonhado...
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— Escutem essa, otários! – Anunciou a pequena e insolente menina, sorrindo tão confiante e audaciosa que por pouco não lhe contagiara. – Meu irmão vai pra festa de sexta! – Explanou alegremente, não apenas como se não tivesse acabado de ofender aqueles que a ouviam, como aparentemente desconexa, largando seus livros e cadernos na mesa, de forma teatral.
Estavam na aula prática de Geologia, a última aula antes do intervalo, onde foram levados até o pátio para, teoricamente, estudarem Petrologia, a ciência que trata da origem, estrutura, ocorrência e da história das rochas. Carlinhos se sentara a sua frente, ao lado de Hélio, enquanto o lugar de Allana, perto de si, ficara vago até que a garota terminasse de (enrolar) pegar seus pertences para se juntar a eles, o que lhe incomodava levemente. Gostava de ter amigos, da companhia de cada um deles, embora seus comportamentos e ideologias muito se diferissem, no entanto, a “turma da Allana” como eram conhecidos entre seus demais colegas, era demasiadamente... Vagabunda? Não eram exatamente bagunceiros, desordeiros, suas condutas sequer se equiparavam aos hábitos arruaceiros de Mihael, por exemplo, e tampouco as práticas quase criminosas de Beyond, entretanto, não havia outra palavra para descrever o comportamento de seus amigos além da mais pura vadiagem. Eles não gostavam nem um pouco de estudar, não se esforçavam verdadeiramente nas lições e atividades escolares e, resumidamente, não faziam nada além do mínimo (quando se dispunham a fazê-lo). Tinha ciência de que era demasiadamente aplicado e tinha de aprender a relaxar esporadicamente, mesmo porque isto lhe servia como válvula de escape para os problemas familiares, para não dizer psicoemocionais, que andava desenvolvendo, todavia aquilo era demais, eles não tinham responsabilidade. Certo, admitia que aquela matéria em específico não era muito útil na vida fora do ambiente escolar, todavia, era uma de suas favoritas. Ademais, era a primeira vez que estudava em um colégio com recursos o suficiente para distribuir exemplos reais de pequenos fragmentos de rocha para cada grupo de estudantes.
— Finalmente! – Comemorou Hélio ao gesticular animadamente, demostrando que, provavelmente, aquela informação era incoerente somente para si.
— Porque isso é motivo de comemoração? – Conquanto estivesse ocupado demais em repartir sua atenção entre as questões explicitadas no livro de geografia e determinadas para aquela aula e a rocha sedimentar que encontrava-se em sua mão, reservou uma parcela de sua concentração para questionar sem muito interesse, não se dando o trabalho de retirar seus olhos do caderno.
— Porque a gente vai jogar no PS5 dele! – Explicou a garota como se isto fosse óbvio ao se aproximar para se sentar ao seu lado, tirando o pequeno fragmento da sua mão de forma petulante. Near gostava de passar os dedos pelo ameno relevo e textura resultantes da interposição de diferentes camadas de sedimentos e, Allana, por sua vez, gostava muito de irrita-lo. Proibindo-se de olha-la ou reclamar verbalmente, haja vista soubesse que este era seu intuito com tal provocação, o albino limitou-se a respirar pesadamente, suspirando aborrecido, ainda que não admitisse isto a si mesmo.
— Toda vez que o irmão da Allana sai, a gente vai pra casa dela. – Considerando o fato de que Nate era, de certa forma, “novo” em seu grupo, esclareceu Hélio de forma mais coerente. Dentre todos, ele provavelmente era o mais gentil e amigável.
— É que ele é chato pra caralho, por isso não vamos lá quando ele tá. – Complementou Carlinhos francamente, como se não estivesse insultando o irmão de Allana em sua frente, dando de ombros ao novamente acrescentar. – E também não temos um PS5.
Por mais pessoal e unilateral que sua percepção pudesse ser acerca daquilo, Nate se intrigou o suficiente para dirigir a atenção ao rosto bonito e delicado da garota ao seu lado que, na verdade, em nada condizia com sua personalidade rude e insolente. Seu semblante lhe parecia confuso com a súbita atenção que estava recebendo, porém não demonstrava nenhum tipo de raiva, desgosto ou incredulidade. Além disto, também não haviam mais band-aids em sua face, apenas alguns amenos e quase imperceptíveis arranhões em sua bochecha esquerda, provavelmente provenientes de uma queda de skate ou derivados. De todo modo, Allana não parecia se importar com a forma grosseira e ofensiva com a qual seus amigos tratavam seu irmão, e isto lhe era muito inquietante. Mello era o irmão que mais lhe enfadava e o único, deve-se salientar, que implicava em demasio consigo, contudo, Near jamais diria algo assim sobre ele ou compactuaria com alguém que o ofendesse daquela forma. Ademais, isto sugeria, no mínimo, que as alegações a respeito do caráter do irmão de Allana podiam ser verdadeiras, haja vista certamente possuíssem fatores críveis de embasamento.
— Já falei com a minha mãe, – Retomou a garota, ignorando o olhar que recaía sobre si para convidá-los mais educadamente. – ela liberou vocês dormirem lá.
— Levou sermão sobre ficar grávida aos catorze anos? – Brincou Carlos com o fato de que todos os três eram garotos e... Bom, Allana era a única garota. Ela não tinha amigas, somente eles.
— Até que não... – Negou indiferente, justificando a aprovação da mãe em relação a eles em uma costumeira, ainda que verdadeira. – Ela acha que o Hélio é gay.
— O que!? – Exasperou Hélio indignado. Só porque era gentil e minimamente higiênico significava que era homossexual!?
— E você é feio demais pra ficar comigo. – Acrescentou se referindo a Carlinhos que, de fato, ao menos em sua assexuada percepção, era desprovido de beleza.
— Vai se fuder... – Vociferou o garoto com rancor.
— E o Near!? Ele é feio ou é gay? – Questionou Hélio cruzando os braços no aguardo de uma resposta. Aquilo que era justo! Allana nunca fazia aquele tipo de brincadeira com River...
— Nenhum dos dois, minha mãe nem sabe da existência dele! – Desconversou ardilosa. – Mas obrigada por me lembrar disso, esse cara é tão quieto que eu até esqueço que ele tá aqui. – Allana era uma garota pequena, possuía um rosto tão delicado, uma voz tão feminina e bonita, características que contrastavam tão terrivelmente com sua personalidade que chegava a lhe deixar intrigado. Com um sorriso tão diabólico e maléfico que pode jurar enxergar crescerem dois pequenos e pontiagudos chifres no topo de sua cabeça, em meio a suas madeixas escuras e lisas, a garota colocou a mão em seu caderno com certa urgência, assuntando-o levemente com o contato inusitado e seu gestor decorrente, impedindo-o de prosseguir com sua escrita, forçando-o a finalmente lhe dar sua tão almejada atenção. – Você vai, não vai, Near? – Indagou quase retoricamente com um timbre muito mais meloso que o normal, como se pudesse lhe convencer de algo.
— Não. – Respondeu ríspido e impaciente, aguardando que ela retirasse a mão de seu caderno, muito embora soubesse da baixa probabilidade desta alternativa ocorrer de fato.
— O que!? Por que não!? – Esbravejou, liberando sua folha de papel para que pudesse gesticular e demonstrar sua indignação.
— Não tenho como ir. – Justificou um tanto indiferente, tentando terminar aquela questão. Havia perdido toda a linha de raciocínio.
— Meu motorista te leva. – Insistiu em uma tentativa de ser amigável, presumiu Bate, conquanto só houvesse lhe deixado com uma súbita sensação de pobreza e descontentamento com a desigualdade social daquele colégio. Como raios uma garota da sua idade tinha um motorista particular!?
— É aniversário do meu irmão no sábado. – Embora fosse um pretexto, de certa forma, não deixava de ser verídico. Lawliet faria dezoito naquele final de semana, não poderia dormir na casa de alguém e deixar de passar a data com ele. Certo, haviam acabado de acordar, naquela mesma manhã, que comemorariam no domingo, todavia Allana não precisava e, tampouco iria, saber disto.
— E daí!? Vai ser na sexta! E meu motorista te leva de volta pra comemorar o aniversário do seu irmão! – Contrapôs obstinada a fazê-lo aceitar. Definitivamente, ela lhe lembrava Mihael: implicante, insistente, persistente e extremamente difícil de lidar.
Superficialmente, estava mais que decidido. Não iria. Gostava de Allana, Carlinhos e Hélio, contudo jamais tivera amigos com quem passar o intervalo antes, quem dirá visitar ou mesmo dormir na casa de algum deles. Se sentia desconfortável somente em cogitar tal possibilidade. No entanto, por algum motivo, talvez pela mesma pressão social que forçara Matt a experimentar drogas, se sentia culpado por não querer ir. Sequer possuía coragem para encarar Allana, certo de que seu semblante entristecido e suplicante pudesse interferir em seu discernimento.
— Vamos jogar no PS5, tem que ser em dupla!
— Não gosto de videogame... – Murmurou em uma última tentativa de se opor ao pedido, cada segundo mais certo de que, de alguma forma ou de outra, cederia.
— Por favor, não vai ser legal sem você! O Hélio e o Carlinhos são chatos! – Perseverou a garota outra vez, incomodando-se com sua desconsideração visual.
— Por que ainda falamos com ela? – Indagou Hélio para Carlos ao seu lado simulando certa ofensa, embora já estivesse acostumado com a índole provocadora de Allana.
— Não vai ser o mesmo sem você... – Queixou-se pela última vez, com uma voz tão entristecida, em um murmúrio tão cabisbaixo e quase inaudível que fizera seu peito arder em culpa. Suspirando resignado, Nate dispôs seu lápis acima do caderno, torcendo seu tronco para olhar nos orbes melancólicos e suplicantes da garota ao seu lado, pronto para ceder a suas vontades como todo homem faz a uma mulher pelo menos um milhão de vezes na vida (ao menos era o que Beyond dizia).
— Eu... Vou tentar...
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