— Acorda, tio Magnus, hoje é domingo! Dia de assistir filme, nadar na piscina e comer besteira! — Rapha sussurra balançando os ombros do babá com leveza. Magnus desperta lentamente. A primeira coisa que vê em sua frente é Rapha sorrindo largamente com todas as suas janelinhas à mostra. O asiático também sorri automaticamente, sendo contagiado pela alegria do menino. O babá se espreguiça preguiçosamente e se senta na cama.
— Você sonhou com o bicho papão ontem, tio Magnus? — O menino pergunta, sentando-se no colo do babá. — Não precisa ter medo! Você sabe que ele não existe!
Magnus sorri com a inocência do menino. Se seu maior problema relacionado à noite anterior fosse ter sonhado com o bicho papão, tudo seria bem mais fácil. Na realidade, um dos seus maiores pesadelos era finalmente ter a oportunidade de beijar a pessoa que tanto amava e desejava e ser dolorosamente rejeitado logo depois. Tal pesadelo havia se tornado realidade na última noite.
— Ah, mas pra você é fácil falar! Você é o menino mais corajoso que eu conheço, não tem medo de nada! — O indonésio elogia, fazendo Rapha sentir orgulho de si mesmo. O menino se levanta e o puxa pelo braço, querendo que Magnus se levante também. O babá fecha os olhos e volta a se deitar, dificultando as coisas para o garoto, que precisa puxá-lo com ainda mais força.
— Vamos, tio Magnus! Para de ser preguiçoso! — Rapha diz, puxando seu braço com toda a força que pode. Magnus ri baixinho e continua com os olhos fechados. — Vamos logo, dorminhoco! Domingo é dia de se divertir!
Derrotado pela insistência do pequeno, o babá se levanta a contragosto. Ele realmente era bobo por aquelas crianças. Fazia de tudo para agradá-las. Coça os olhos e boceja diversas vezes. Costumava acordar muito animado e com vontade de fazer várias coisas, mas nesse dia em específico se sentia meio pra baixo. O que mais lhe preocupava era o fato de que não sabia como iria encarar Alec. Ficariam se evitando o dia todo, provavelmente. Ele temia qual seria a relação dos dois a partir do episódio catastrófico do beijo. Uma coisa era certa: Nunca mais seriam os mesmos.
— Escolhe uma roupa de piscina, tio Magnus! — O menino diz, puxando o babá para seu quarto e abrindo seu guarda-roupa.
— Mas eu não tenho nenhuma roupa assim, Rapha!
— Então a gente pode pedir uma emprestada pro papai... — O menino sugere, já se encaminhando para o quarto do pai, mas Magnus o puxa de volta com desespero.
—Não! Quer dizer... Acho que eu tenho algum short perdido por aqui... — O babá vasculha dentro do guarda-roupa e rapidamente encontra a peça que procurava, uma vez que não possuía uma grande quantia de roupas. Era um short preto com um tecido bem leve que Magnus já possuía há algum tempo e o usava apenas para dormir. Já imaginava que ele ficaria curto, mas quando o veste, suas expectativas são superadas. O short está a uns bons centímetros acima do joelho e levemente apertado, mas era a única opção de Magnus no momento. Sabia que as crianças não o deixariam em paz se ele não brincasse com elas na piscina, então o babá deixa o desânimo de lado, veste uma camiseta e desce as escadas ao lado de Rapha, apenas torcendo para que Alec não aparecesse em seu caminho.
A casa está completamente silenciosa e não há nem sinal de Alec. O babá fica mais aliviado com isso. Ele e Rapha tomam um café da manhã leve e logo vão para a área da piscina. Rapha sai em disparada, pronto para pular na água, mas Magnus corta seu barato e o puxa em um canto para passar protetor solar.
— Vai logo, tio Magnus!
— Calma, peixinho! — O babá pede enquanto tenta aplicar o produto na pele do menino, que não para de se mexer.
— Hm, esse negócio tem um cheirinho bom! — O garoto comenta, cheirando o protetor.
— Hm, tem mesmo! — O babá concorda, sorrindo. Assim que fica devidamente protegido contra os raios solares, Rapha pula na piscina. Magnus se senta em uma espreguiçadeira e começa a passar o protetor em sua própria pele. Assim que termina, se aproxima da piscina, mas antes que possa entrar, ouve risadinhas infantis vindas da cozinha. No próximo momento, Alec aparece no quintal, com Laura em seu colo e com os gêmeos ao seu lado.
Quando vê o advogado, Magnus fica paralisado. A reação de Alec é a mesma ao ver o babá. O moreno arregala os olhos ao avistar o short minúsculo que Magnus está usando. Será que ele não tinha um mais curto? Na realidade, a peça não era tão pequena assim, mas a mente exagerada de Alec levava tudo ao extremo. Os dois se olham com intensidade por mais alguns segundos, mas o contato visual logo é quebrado quando Magnus pula na piscina com um belo e elegante mergulho.
“Ele quer me matar”, o advogado pensa. Nunca havia visto Magnus mostrando tanta pele como estava vendo agora. Já havia imaginado sim, diversas vezes, por mais que se odiasse e se repreendesse por isso. Porém, por mais que imaginasse, a visão real superava todas as expectativas. Alec respira fundo e chacoalha a cabeça diversas vezes, como se isso fosse capaz de afastar a imagem do corpo de Magnus de sua cabeça, mesmo sabendo que isso não seria possível. Sabia que aquela imagem o assombraria todas as noites, impedindo-o de dormir e ressuscitando pensamentos e desejos esquecidos.
O moreno enche a piscininha de plástico de Laura com um pouco de água e fica brincando com ela, enrolando o máximo que podia para não entrar na piscina. Porém, conhecia os filhos muito bem e sabia que eles não demorariam para chamá-lo.
— Vem, papai! A gente vai jogar vôlei! — Rapha o chama, segurando a bola de vôlei na mão. Alec engole em seco e pula na piscina, mas permanece ao lado oposto ao que Magnus estava, tentando se manter o mais longe possível daquele corpinho com pouca roupa.
Eles se dividem em dois times: Alec joga com os gêmeos e Magnus fica com Rapha. O moreno percebe que o que era pra ser apenas uma atividade de lazer com as crianças acaba virando uma competição silenciosa entre os dois. Magnus estava com sangue nos olhos e joga com voracidade. Arremessa a bola em direção ao advogado com toda sua força, mas permanece atento para não acertar as crianças. Em um breve momento de distração, Alec sente algo colidir contra seu rosto, empurrando sua cabeça para trás. No momento seguinte, sente sua face arder pelo choque abrupto. Magnus havia acertado uma bolada em cheio em sua cara, sem dó nem piedade. O advogado se recupera do baque e olha para Magnus, que ri baixinho. Podia apostar que ele havia feito aquilo de propósito.
— O papai ainda tá dormindo! — Rapha comenta, rindo com o babá.
— Acorda, papai! — Anne complementa, rindo também. Alec mal pode acreditar que até mesmo seus próprios filhos haviam se virado contra ele. O advogado agarra a bola e a arremessa sobre a rede com força. Já estava se sentindo envergonhado, mas perde completamente o rebolado quando Magnus agarra a bola firmemente com as duas mãos.
— Uuuuuuhhhh! — As crianças gritam, comemorando com Magnus.
Os dois não haviam trocado nenhuma palavra, mas as jogadas bruscas no jogo de vôlei mostravam como eles estavam se sentindo.
Quando o pôr-do-sol se aproxima, as crianças começam a demonstrar seus primeiros sinais de cansaço. Magnus envolve os gêmeos ao redor de uma toalha e Alec faz o mesmo com Rapha. À essa altura do dia, Laura já dormia profundamente em seu bercinho.
Enquanto Alec guardava a rede e a bola de vôlei, Magnus se secava. O advogado apenas o observa, calado, tentando olhar para outro lugar, mas sem conseguir tirar os olhos do babá. O bronzeado natural de sua pele estava ainda mais acentuado devido ao longo período que passou exposto ao sol. Alec se perguntava se ele havia adquirido uma marquinha também. Imaginava como seria beijar aqueles lábios viciantes mais uma vez, bem ali, na beira da piscina, enquanto suas mãos alisavam sua pele dourada que brilhava ao receber os raios de sol. Se perguntava até quando aguentaria aquilo. Estava ficando cada vez mais difícil.
Magnus se senta em sua cama, com o notebook aberto em seu colo e vários livros ao seu redor. Já havia tomado banho e já estava de pijama, pronto para estudar ou pelo menos tentar. Quando abriu a plataforma on-line de estudos de sua faculdade quase deixou o notebook cair ao ver a enorme quantia de trabalhos a serem entregues, textos a serem lidos e aula a serem assistidas. Estava tudo acumulado. Ele culpava a si mesmo e a sua falta de organização, mas ia muito além disso.
Ao se mudar para a casa dos Lightwood, sua vida toda havia passado a girar em torno de Alec, das crianças e de tudo o que envolvia a família. Cuidava das refeições das crianças, ajudava Rapha com os estudos, trocava as fraldas de Laura e dava banho na mesma. Também varria o chão, tirava o pó dos móveis, cozinhava e lavava a louça. Além de brincar, conversar e dar todo o seu amor e carinhos às crianças. Bom, essa última parte não lhe causava nenhuma fadiga, mas ainda assim, fazia parte de sua rotina diária e “consumia” de seu tempo.
Alec também fazia todos os afazeres frequentemente, além de trabalhar fora. O babá percebia o quanto ele se esforçava e o quanto ficava cansado também. Não era fácil para ele.
Magnus reconhecia que já não era mais apenas o babá das crianças. Era bem mais do que isso. Aqueles pequenos eram a personificação de sua vida. Não apenas os “filhos de seu patrão” ou “as crianças as quais fora contratado para cuidar”. Sabia que havia feito o que não devia: Tinha se envolvido demais. Havia falhado miseravelmente em separar sua vida pessoal da sua vida profissional. Agora, essas duas partes de si estavam misturas e ele nem sequer era capaz de diferencia-las. Agora amava o que não era seu e queria o que não podia ter.
Ainda muito criança, havia aprendido o que era dor e sofrimento. Os primeiros anos de sua vida foram compostos por um pai violento em casa, e em seguida, a morte a de sua mãe como consequência disso. Além da dor da perda, Magnus também carregava a culpa que acreditava ser sua. Os últimos anos que viveu com seu pai também haviam sido péssimos: Magnus só conhecia dor, desprezo e palavras de ódio, sendo agredido e maltratado pelo pai constantemente.
Porém, quando juntou coragem o suficiente e decidiu começar uma vida nova em outro país, as coisas começaram a mudar. Quando conheceu aquelas crianças, finalmente aprendeu o que era o verdadeiro amor. Finalmente se sentiu feliz e amado, como nunca antes. Agora temia profundamente perder tudo aquilo. Tudo aquilo que nem mesmo era seu, como ele insistia em se lembrar.
Seu celular começa a tocar e a foto de Izzy brilha na tela. Ele atende rapidamente.
— Alô, bonitão?
— Alô, minha gatona? — Os dois riem com a forma tosca que se cumprimentavam. Izzy estava atolada de trabalho e só agora de noite havia encontrado um tempinho para colocar o papo em dia. Estava louca para contar o quanto Alec havia ficado enciumado na festa dos gêmeos. Não pouparia nenhum detalhe.
— Bom, eu não vou perder tempo. Preciso falar! O meu plano deu certo, Mags! O Alec ficou doidinho de ciúme por você ontem! Teve uma hora que eu até pensei que ele iria arrumar um barraco no meio da festa, sério!
Magnus apenas se cala, ao se lembrar da festa e do que havia se sucedido após ela. Alec realmente havia sentido ciúmes dele? Ele duvidava muito. Se tivesse, era porque realmente gostava dele e não teria o rejeitado logo após o beijo. O olhar de arrependimento no rosto de Alec estava claro em sua mente e ainda doía muito em seu peito. O peso da rejeição o esmagava. Magnus fica calado por longos segundos, deixando Izzy cada vez mais ansiosa e preocupada.
— Magnus?! A ligação caiu, ou...
— Ele me beijou! O seu irmão, ontem, me beijou... — Magnus dispara de uma só vez, como quem arranca um curativo.
Agora é a vez de Izzy de ficar calada. Ela quase derruba seu café e seu celular junto. Estava atônita. O seu plano havia se superado. Saiu melhor do que o esperado, pelo visto. Ela não esperava que seria assim tão fácil. Eles se beijaram. Antes que possa festejar, Magnus completa a frase com um “porém”. Sempre tinha um porém, não é?
— Ele me beijou e... Se arrependeu logo em seguida. — Agora sim, Izzy derruba seu café de vez e nem se importa com a sujeira que faz em sua roupa. Estava perplexa de mais para se preocupar com qualquer outra coisa.
— O quê?!
— Ele me beijou e fugiu. Disse que não deveria ter feito aquilo... Acho que eu beijei tão mal que acabei assustando ele... — Se Magnus ao menos soubesse que seu beijo havia tirado o sono de Alec... E não porque havia sido ruim, muito pelo contrário.
— Ou beijou tão bem que ele acabou ficando sem reação! — A morena afirma, negando-se a acreditar que o irmão havia tido a audácia de rejeitar Magnus. Não podia ser possível. Apenas um louco faria algo assim.
— Não, Izzy... Acho que não. Eu vi nos olhos dele... Ficou bem claro que ele se arrependeu...
— Não pode ser! Meu irmão enlouqueceu! Beijar você e depois te rejeitar? Ele precisa de ajuda especializada! — A morena só queria dar uns bons tapas em Alec para ver se ele acordava. Mas no fundo realmente se preocupava com a saúde mental do irmão. Ninguém fazia algo assim com suas faculdades mentais funcionando perfeitamente.
— Acho que ele só está confuso, Izzy. Com a morte recente do Will... nós podemos apenas imaginar pelo que ele está passando. Deve ser horrível! Ele precisa de um tempo para se reencontrar... — A morena fica embasbacada com a compostura de Magnus diante a situação. Se fosse ela em seu lugar, com sua personalidade explosiva, não teria deixado barato.
— Se reencontrar? Ele precisa de uma terapia, isso sim! — A morena garante e solta um longo suspiro em seguida. — Magnus... Nós apenas pensamos no Alec e em como ele deve estar se sentindo, mas nunca paramos pra pensar que você também tem sentimentos e sofre com isso... Não é justo com você, meu anjo...
Magnus morde seu lábio inferior, tentando não chorar mais uma vez. Era terrivelmente doloroso perceber que a pessoa a qual tanto amava e desejava não o correspondia da mesma forma. O asiático respira fundo, tentando se conformar com a situação. O quanto mais rápido ele caísse na real, melhor seria. Compreendia que havia sonhado um pouco alto demais. Além disso, Alec não tinha a obrigação de corresponder às suas expectativas. Mas ainda assim não deixava de ser doloroso.
— Ele não gosta de mim. Ponto final. É melhor eu me acostumar com isso. Eu preciso focar em mim, na minha vida. O mais importante: Preciso estudar, porque minhas notas estão péssimas...
— Ah, mas não pode ser! Você é muito inteligente, Magnus... Vai conseguir recuperá-las... — A morena garante, motivando-o. Era tudo o que podia fazer no momento.
— Mas é difícil, sabe? Porque toda vez que eu começo a ler um texto da faculdade, um certo moreno de olhos claros vem a minha mente... É foda! — Magnus diz com sinceridade. Izzy ri ao constatar que essa era a primeira vez que via Magnus falando um palavrão.
— Mas, enfim... Eu vou sobreviver. Só peço que não comente nada com o Alec, por favor... Não quero que ele pense que eu sou um bebê chorão que não sabe lidar com rejeições. — O indonésio pede a amiga. Izzy concorda com isso, mas sabia que uma hora ou outra o assunto viria à tona. O irmão não escaparia de uma boa bronca.
— Também peço mais uma coisa...
— Diga, meu amor! Faço tudo por você, Mags...
— Também não diga a ele que... aquele foi o meu primeiro beijo... — Magnus acrescenta. Se bem que, pela forma horrenda que o asiático imaginava ter o beijado, Alec já podia imaginar isso. Mas na realidade, o advogado não fazia nem ideia. O beijo havia fluído tão bem que ele nem desconfiou de nada. Izzy pira mais uma vez ao descobrir o fato. Sabia que o amigo não possuía um longo histórico de namoros, mas não havia pensado na possibilidade de ele nunca nem sequer ter beijado. E o fato de seu primeiro beijo ter sido com Alec proporcionava a ela um misto de emoções: Ela queria surtar de amor, mas também queria matar o irmão por ter estragado tudo. Era complicado.
— Mas agora eu preciso estudar, Izzy, de verdade... — O babá conta, se despedindo.
— E eu preciso tratar de uma unha inflamada que chegou aqui pra mim... Está cheia de pus. — A morena conta com naturalidade. Às vezes se esquecia de que nem todos estavam acostumados com aquilo.
— Ah, Izzy! Me poupe dos detalhes sórdidos! — O babá reclama, fazendo cara de nojo. A médica apenas ri. Os dois se despedem e Magnus encerra a ligação.
O asiático tenta voltar sua atenção aos textos, mas perde totalmente o foco quando escuta risadinhas e percebe que as crianças estão se aproximando. Já estão cheirosas e vestem seus pijamas, prontas para dormir. Elas entram no quarto do babá sem nem precisarem de convite, carregando seus ursinhos de pelúcia e subindo na cama. Pronto, era agora que Magnus não iria estudar mesmo. Aquelas carinhas de sono e levemente avermelhadas pelo sol eram irresistíveis.
— Tio Magnus, a gente pode dormir aqui com você? — Rapha pede, fazendo uma carinha de piedade. Como se Magnus pudesse negar aquele pedido. Estava jogado aos pés daquelas crianças e nem se importava com isso. Na verdade, até mesmo gostava. O irmão mais velho logo se aconchega ao lado de Magnus, deitando a cabeça sobre seu ombro. Max também é esperto e ocupa o outro ombro. Anne, que fica de fora, solta fogo pelas ventas.
— Ah, 'é' só vocês que fi-fi-ficam com o tio — Ela começa a dizer, mas o resto de sua frase fica impossível de ser entendido devido ao choro. Magnus se apressa e puxa a menina para perto de si, fazendo com que ela se deite em seu peito. Ela para de chorar imediatamente. Magnus tinha consciência de que estava mimando aquelas crianças, mas não podia evitar. Não suportava vê-las tristes ou chorando.
As crianças ficam se empurrando e se mexendo na cama, tentando encontrar uma posição confortável. A cama era grande, mas não o suficiente para deixá-los completamente confortáveis. Mas eles estavam dormindo agarradinhos com o querido tio Magnus e era só isso o que importava.
Em um determinado momento, um barulho estranho pode ser ouvido, seguido por um cheiro bem característico. Max abre a boca e fica paradinho por um tempo. Agora todos sabiam a quem pertencia aquele pum.
— Credo, Max! Tá pior que o cocô da Laurinha! — Anne comenta, rindo e cobrindo o nariz com a blusa do pijama. Magnus e Rapha riem baixinho, mas Max não aprecia a brincadeira.
— Não gostoooo! — Ele grita e dá um beliscão no braço de Anne.
— Ai, Max, doeu! — Ela rebate e faz menção de devolver o beliscão. Magnus se apressa para apartar a briga.
— Ei, vocês! Parou, hein?! — Ele diz, em um tom de voz que não costumava usar. Os gêmeos param na hora, mas continuam se olhando pelo canto dos olhos. — Agora, façam as pazes.
Os dois se abraçam e trocam um beijinho na bochecha, como sempre faziam para se desculpar. Quando a paz volta a reinar, Rapha corre para apagar a luz e se ajeita perto de Magnus novamente.
— Amanhã é um novo dia...
— Cheio de alegria! — Rapha e Anne completam a frase que sempre costumavam recitar antes de dormir. Era quase como um mantra para eles. Max também tenta completá-la, do seu jeitinho. Magnus fecha os olhos e, por um momento, o quarto fica silencioso. Mas então perceber que não.
— Boa noite, Anne. — O irmão deseja.
— Boa noite, Rapha. — Ela responde.
— Boa noite, Max.
— Boa noite, tio Magnus.
— Boa noite, Anne!
— Boa noite, Rapha!
— Boa noite, Ma...
— Cheee-ga! — Magnus conclui, sabendo que, quando começavam assim, não paravam mais. As crianças riem e conversam por mais um tempo, mas vão se calando os poucos. O quarto fica em silêncio. Só se pode ouvir os ronquinhos dos pequenos.
Antes de dormir, Magnus tenta imaginar como seria sua vida sem aquelas crianças. Chega à conclusão de que seria uma vida triste, vazia e sem cor.
Na manhã seguinte, Magnus acorda disposto a realizar todos os afazeres pendentes ou, pelo menos, tentar realizá-los. Passa praticamente a manhã toda cuidando das crianças e fazendo as tarefas domésticas mais essenciais. Quando Rapha chega da escola, Magnus o ajuda com os estudos, mesmo quando ele mesmo deveria estar estudando.
Magnus não sabia o porquê, mas nesse em dia em específico, as crianças pareciam estar mais travessas do que nunca. Ou era ele que estava propenso para se irritar com tudo naquele dia? Precisava se dividir em dar papinha pra Laura, escrever uma resenha sobre um texto da faculdade e apartar a briga de Rapha e Max, que disputavam o controle remoto. Ele tentava fazer tudo ao mesmo tempo, mas sentia que não estava obtendo êxito em nada.
— Come, bebê! Sim? — Magnus diz, colocando uma colher de papinha na boca de Laura, que está sentada em sua cadeirinha de alimentação. A bebê rejeita o alimento, e pra completar, esbarra a mão em seu pratinho, manchando os livros de Magnus com a papinha.
— Ai, não! Não, não, não! Que bagunça! — O babá lamenta, tentando limpar os livros como podia.
— A gente já assistiu esse desenho mil vezes, Max! — Rapha reclama, tomando o controle das mãos do irmão e mudando de canal.
— Rapha chato! — O outro reclama, tentando recuperar o aparelho.
— Rapha, deixa ele assistir um pouco! Meu Deus, vocês estão impossíveis hoje! — O babá se queixa, voltando sua atenção para o texto que tinha que escrever. Já havia começado e apagado várias vezes, sem saber como sintetizar o conteúdo que havia aprendido. Na realidade, não estava completamente certo de que havia aprendido mesmo.
Enquanto os garotos brigam na sala, Anne se diverte deslizando de meias pelo piso de madeira da casa. Magnus havia ensinado essa brincadeira para as crianças e agora se arrependia levemente por tê-lo feito, pois elas haviam gostado tanto que não queriam mais parar. A menina pega impulso em uma das paredes e desliza pelo assoalho até chegar ao lado do babá — que está sentado à mesa da sala de jantar — puxando a barra da camiseta do mesmo para conseguir sua atenção.
— Vem brincar comigo, tio Magnus! — O asiático suspira, perguntando a si mesmo se conseguiria finalizar aquele texto até o fim do dia. Talvez conseguisse concluí-lo até o fim da semana, se tivesse sorte.
— Agora não posso, meu amor! Coloque seus sapatos, por favor! Você pode cair e se machucar... — Magnus adverte de forma quase automática, sem nem olhar para a menina, e retorna sua atenção para a tela do computador. Anne fica um pouco aborrecida, mas dá de ombros.
A menina se cansa de brincar na sala de jantar e resolve subir para o andar de cima, onde sabia que o piso era ainda mais escorregadio. Nesse dia em específico, o assoalho estava ainda mais liso, uma vez que havia sido encerado recentemente. Anne se diverte deslizando pelo piso lisinho, imaginando que patinava no gelo, se inspirando em um filme da Barbie que havia assistido.
A menina pega impulso na parede e desliza pelo corredor, até parar em frente à parte superior da escada. Ela repete a brincadeira diversas vezes, indo cada vez mais rápido. Até que, em determinado momento, não consegue mais se segurar. O piso estava escorregadio demais.
Magnus dá um pulo da cadeira quando ouve barulho. Rapha e Max param de brigar na hora.
Anne rola pelos degraus da escada, com cada parte de seu corpo colidindo contra a madeira rígida. É uma queda brusca e repentina. Magnus só entende o que está acontecendo quando vê o corpinho da menina estirado no chão, na base da escada, em uma posição nada natural.
O asiático sente seu coração pulsar na garganta, com uma rapidez fora do normal. Ele se sente zonzo e enjoado, como se alguém tivesse o virado de cabeça pra baixo, de forma súbita e sem nenhum aviso prévio.
— O que aconteceu?! — Rapha pergunta, assustado, ao se deparar com a cena. Max está ao seu lado, tão assustado quanto o irmão.
— N-não toca nela! — O babá pede desesperadamente, enquanto tenta discar o número da emergência com suas mãos trêmulas. Nem se lembrava de como havia encontrado o telefone tão rápido. Mesmo quando recebe a confirmação de que uma ambulância estava a caminho, continua na linha para passar mais informações necessárias.
— Amor? Princesa? — À beira das lágrimas, Magnus implora por uma reação, acariciando o rostinho de Anne com a ponta dos dedos. Não obtêm resposta.
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