Point of View: Izzy
Idiota fui eu de pensar que não sobraria para mim. Quem não reconheceu a Melanie foi ele, quem foi estúpido com ela foi ele, mas obviamente o culpado por tudo, no final das contas, seria eu. Que ódio eu estava sentindo do ruivo. Aqueles olhos debochados dele pousaram sobre mim e ficaram me analisando com soberba e pretensão. Ele caminhava dentro do quarto girando aqueles dedos na altura dos ombros como se não se importasse com mais nada senão com sua visão sobre a situação. Não interessava se ele estava errado, cheio de razão ele apareceu vomitando palavras egoístas e eu tinha que ouvir.
Os olhos verdes que geralmente brilhavam e conquistavam as garotas com indícios de romantismo e carisma estavam foscos como se estivessem cobertos por uma nuvem de poeira, nuvem essa que parecia estar cobrindo também a sua cabeça, ocultando o altruísmo e a bondade, fazendo com que no momento Axl só conseguisse enxergar o ódio e as desventuras que o rodeavam. Eu não o culpei por isso. Tamanha era a falta de sorte do ruivo, se é que de falta de sorte podia chamar, que quando o desfecho da história se aproximasse era óbvio que ele se revoltaria, como o que ocorria no momento. Mais óbvio que isso só que Melanie, escondida das sombras do passado através de Mila, se revoltaria o dobro. Misturar a liberdade de um com a necessidade de controle de outro não daria certo, tampouco duas pessoas tão parecidas viveriam em harmonia, no caso dos dois inconsequentes era ainda pior, eu estava certo de que eles nem mesmo se suportariam.
Voltei minha atenção para a conversa. Eu estava tão mergulhado em meus pensamentos que só fui entender o que Axl resmungava depois de forçar um pouco para que as vozes internas se calassem dentro da minha cabeça.
—O que martela aqui dentro é a falta de inteligência, pra não dizer burrice, de vocês dois ao acharem que me enganariam por muito tempo. Francamente, olha nos meus olhos e diga com a sinceridade que você ainda tem, achou mesmo que o plano de vocês daria certo?
—E o que martela na minha é você realmente achar que isso foi um plano nosso. De verdade, Axl, não acha que o mundo não gira em torno de você? Por quais motivos nós dois, e eu nem vou falar o nome dela porque sei que seu sangue vai ferver, armariamos um plano pra te enganar?
Ele cerrou os olhos espremendo aqueles cílios laranjas com a pele embaixo do olho. A impressão de que seus olhos derramavam lava aumentava por causa dos pelos ruivos que envolviam-os. Ele parou a caminhada frenética para me olhar por alguns segundos mais nitidamente e em seguida voltou a andar como se seus pés não conseguissem ficar parados.
—Certo. — ele respondeu seco. —Então me explica o motivo por que vocês não me contaram.
—Eu queria que você ouvisse suas palavras na hora de colocá-las pra fora, com certeza você não precisaria nem mesmo me fazer essa pergunta. Por que não contamos pra você? Vejamos... Você não reconhece o amor da sua adolescência e ele, completamente triste por causa disso, tem a obrigação de te contar? Além disso, ainda sobra pro amigo que nada tem com essa história. Mas, Axl, se você tem a total convicção, continue com isso, quem sou eu pra te dizer o certo e o errado?
Ele parou de frente para mim a alguns metros e em passos largos caminhou em minha direção diminuindo essa distância. Quase colou seu nariz arrebitado na minha cara. Axl, tendo a altura um pouco menor que a minha não deixava de parecer intimidador. Ele forçava aqueles olhos penetrantes e amedrontava qualquer inimigo. Para ele, não importava o resultado final da disputa, se ele apanharia ou venceria. No ringue ele caía com qualquer um que ousasse passar em sua frente, sendo que algumas vezes bastava apenas que alguém o olhasse atravessado, e mesmo acabando com o olho roxo ele garantia também que o filho da puta, como ele gostava de chamar, sairia da mesma forma.
—Olha bem pra mim, Izzy. — ordenou Axl com um tom ameaçador. Ele me encarou como se perfurasse a minha alma e lesse todos os meus insanos pensamentos. Tudo bem, eu pensei, ele podia me provocar o quanto quisesse, eu não entraria em uma briga com ele. De repente ele sorriu, sarcástico, nojentamente debochado e mexeu a cabeça algumas vezes como uma cobrinha venenosa. —Você acha mesmo, Izzy, que eu não a reconheci?
Foi como um tombo. Que burrice a minha acreditar cegamente que o ruivo não iria reconhecer a menina por quem ele outrora sentiu tanto amor. Além do mais, era típico de Axl fingir uma coisa dessas para zombar de nós dois futuramente. No entanto, por via das dúvidas e por saber de seu incontestável dom nas artimanhas, preferi desconfiar.
—Você tá blefando. — disse, retribuindo o mesmo olhar audacioso que ele me lançava.
Um pequeno ruído que pareceu não ter chamado a atenção de Axl puxou meu olhar rapidamente para a porta que estava entreaberta. Por que o improvável sempre acontece conosco eu me perguntei nos segundos seguintes. Talvez nossa vida toda fosse feita de um grande improvável. Me permiti parar para pensar naquele pequeno instante antes da bomba estourar, o que eu sabia que aconteceria logo. Talvez ter encontrado uma gatinha no banheiro masculino da escola fumando um cigarro, gatinha essa que era conhecida por Mackenzie e que estava sentindo os efeitos da separação dos pais que acabara de acontecer tenha sido um grande acerto improvável. E talvez ainda, tempos depois ter adicionado um ruivo esquisito à nossa até então dupla, tenha feito da nossa vida um improvável completo. Mas o início do início eu mesmo evitava pensar, a situação em que eu e Mel nos encontramos depois de termos nos conhecido naquele banheiro era muito mais complexa, revelava fatos e gerava dúvidas.
Meu coração doeu ao ver Mila atrás da porta. Seus olhos estavam baixinhos e demonstravam uma fragilidade pouco vista no rosto daquela menina que sempre estava forte e cheia de autoconfiança. Ela me lançou um olhar constrangido e tímido, suas íris me passaram desolação a distância. Eu não me conformava quando via uma mulher sendo magoada, eu podia ser maneiro, maroto e até o que as pessoas chamavam de maluco, desde que me vi como gente, mas eu não fazia questão de esconder o amor e a compaixão que tinha dentro de mim para mim mesmo, como outros faziam apenas tentando se fortalecer.
—Eu reconheceria aquela maluca em qualquer lugar. — continuou ele com o seu olhar entranhando-se ao meu, de costas para a porta. Mila inflou o peito e sua boca acompanhou, abrindo sem travas. Eu podia sentir o choque dela, como se as ondas do som transmitissem as batidas do seu coração me trazendo todos os seus sentimentos. Eu quis interromper o ruivo, uma vontade de fazê-lo parar me encheu por inteiro, mas não deu tempo. —Aquela boca, aquela voz e o melhor... — ele sorriu sacana. —Aqueles olhos perdidinhos olhando para mim como quando transamos no chão daquela casa, é inesquecível.
O rosto de Mila avermelhou-se, mas não de timidez, seus olhos expressavam raiva. Me surpreendia a forma com que Axl falava dela.
Talvez por estar tão nervosa com a situação, Mila, em um gesto que possivelmente gerou arrependimento instantâneo, esbarrou na porta ao flexionar o corpo para frente, incrédula com as palavras do ruivo. Axl rapidamente virou-se para trás fazendo seus cabelos voarem, foi como se os raios dos olhos dele fossem disparados para o rosto dela. Mila o olhou com desdém e eu não tirei sua razão. Por um momento eu pensei que ela fosse fugir, tentar se esconder ou de alguma forma tentar evitar o inevitável que era ser percebida por ele, mas ela simplesmente parou e o olhou no fundo dos olhos, dividiu seu olhar comigo e eu senti a frieza, o olhar gélido. Eu não conseguia ver o olhar de Axl, mas eu podia imaginar...
—Ora ora.. Chegou quem estava faltando. — disse ele misturando uma risada a fala.
Mila apertou os punhos. Axl virou a cabeça para mim e sorriu com desprezo. Talvez em sua cabeça Mila iria apenas fugir e se conformar com sua rejeição, talvez por ter conhecido ela depois de sua revolta momentânea e por não ter visto a garota maldosa que ela podia ser. Talvez por só tê-la conhecido depois que seu coração já estava mais aquietado, apesar de ainda sofrer pelo abandono do pai, quando o ruivo a conheceu, Melanie já estava menos perversa. Parando para pensar, era difícil imaginar a garota que ensinava-nos a mentir, que nos induzia a fugir de casa, que passava noites e noites em casas de amigos, que com 15 anos era um mistério ser ainda mais perversa, mas sim, era possível e eu vi com meus próprios olhos quando a conheci.
Point of View: Axl
Eu não estava contando com a maluca atrás da porta. Eu não estava contando em vê-la. Eu ainda tentava buscar dentro da minha cabeça pervertida um motivo por ter demorado tanto a aceitar os fatos. Foi como se já estivesse óbvio na minha frente mas, por que admitir que a garota linda por quem eu estava interessado era na verdade a vadia que bagunçou a minha vida? Eu apenas queria fingir que não. Mas não dava mais. Ela me olhava furiosa com aquele biquinho morango na boca, olhando assim, pela primeira vez como a pessoa que ela realmente era, Mackenzie era apenas Mackenzie. Como há oito anos atrás. Sem travas e sem disfarces. Eu ainda queria entender a história do nome Mila, mas no momento meus olhos se prenderam a garotinha atrevida que Melanie era. Talvez Mila fosse simplesmente Melanie, sem separações e sem mudanças, talvez não houvesse razão para uma divisão, bem, isso eu ainda teria que assimilar.
A menina veneno se moveu na minha direção, com passos largos e adiantados, os cabelos escuros e rebeldes dela atravessaram seu rosto entrando em contato com seus lábios vermelhos e aparentemente molhados. Eu consegui ver os músculos sob seus olhos pressionando aqueles grandes e ambiciosos lumes que apesar de escuros irradiavam um clarão que me preenchia causando inquietação. O momento não era para admiração, de jeito nenhum, mas que podia fazer se oito anos depois aqueles dois pares de um mesmo universo ainda reviravam meus neurônios, bagunçando meus impulsos? Me calei. Paralisado como um bobo. Ela tocou meu abdômen com as mãos dobradas, senti um ou dois anéis me apertarem abaixo da costela e, nos segundos de bobeira e irracionalidade, me deixei levar por suas mãos fortes como eu nunca tinha visto. Parei apenas quando bati a traseira dos meus joelhos na madeira lateral da cama. Só assim entendi o que estava acontecendo. Ela me empurrou. Mais geniosa do que de primeiro. Isso me estressou. Ela olhou nos meus olhos naqueles instantes com robustez. Mesmo admitindo o fascínio do charme pelo qual ela era dona, eu não era capaz de aceitar tamanha audácia, não era questão de orgulho, talvez um pouco de honra, mas meus músculos e meus impulsos nervosos não podiam admitir aquilo. Levei minhas mãos em uma força menor que a que Mackenzie fez para afastá-la de perto de mim. Eu não queria machucá-la, seria antiético, se fosse para causar dor a ela, então que fosse na minha cama.
Izzy correu para segurá-la, ele prendeu Melanie entre os braços e garantiu que ela não partisse para cima de mim novamente. Ela se debateu contra o corpo dele tentando se soltar. Eu já devia imaginar que a garotinha conhecida por rebelde continuaria impetuosa, mas de fato, eu vinha tirando sua paciência há dias e agora o ápice. Missão comprida! A menina veneno perdeu o controle e eu não pretendia parar. Melanie tinha de sofrer tudo que eu sofri.
—Me solta agora, Izzy. — gritou ela batendo os braços contra ele, conseguindo assim a liberdade. —Eu só quero, Axl, que você vá pro inferno!
—Tudo bem. Vamos pular a parte dos xingamentos e das infantilidades. Sei que essa parte deve ser um tanto difícil pra você, Mackenzie, mas tenta pelo menos por uns minutinhos ser adulta, tá bem?
Ela negou com a cabeça me lançando um olhar cansado. Teria ela já desistido das nossas provocações? Sem graça, pensei. Seus olhos apesar de exaustos daquilo tudo estavam atentos como sempre. Suas pálpebras eram grandes e definidas, evidenciando o côncavo e deixando-os ainda mais bonitos.
—Por que você faz isso, Axl?
—Eu faço, Melanie? Vocês me enganaram!
—Você enganou a si mesmo. — ela disse com convicção e sua voz podia me convencer se eu não fosse tão orgulhoso. —Você olhou pra mim aquele dia na reunião, nos meus olhos. E na festa, bem, você sabe o que aconteceu e ainda assim, Axl, — O sotaque europeu que ela adquiriu fazia ela falar meu nome de uma forma diferente. —você não me reconheceu.
—A enxerida que estava ouvindo atrás da porta perdeu a parte da conversa em que eu disse que reconheci?
—Então por que não falou comigo?
O rostinho choroso fez meu coração arder. Quis tê-la em meus braços.
—Estava esperando por você.
Ela revirou os olhinhos buscando o teto do quarto e voltou o olhar para mim com ousadia, levemente enfurecida. Eu tentava tornar aquele momento menos frio, com o meu jeito sarcástico que eu sei que eles odiavam mas sabia que no fundo o mundo desmoronava sobre nossas cabeças e só Deus sabia o que podia acontecer nos momentos seguintes. Por bem, resolvi falar sério.
—Por que você quis voltar? Para me foder de novo?
—Você acha mesmo que eu voltei sabendo que Guns N' Roses se tratava de vocês? — ela perguntou enrugando a testa.
—Não foi?
—Se eu soubesse nunca teria aceitado o emprego!
Izzy lançou um olhar surpreso a ela, aborrecido.
—Vocês dois estão sendo ridículos. — disse ele entrando no meio de nós. —Parem com isso. Vocês sabem tudo que vivemos juntos. Vocês se amavam!
Ela levou os dedos abaixo dos olhos e aparentemente limpou lágrimas, lágrimas essas que eu não tinha percebido em seu rosto mas que pareceram ter escorrido de mim quando a vi secar. Doeu como se fosse em mim. Ela virou as costas e simplesmente saiu correndo, muito rápido e sem uma palavra.
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