Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.
(poema atribuído à Pablo Neruda)
A primeira coisa que Helô sentiu foi todo o ar sendo sugado para fora da sala, como se estivesse sendo sufocada. A frase a atingiu em cheio, desprevenida. Isso só poderia ser um grande mal-entendido.
A situação era toda irreal demais, complexa demais. Absurda demais.
- Como é que é? – foram as únicas palavras que saíram da boca de Heloísa.
Por mais que ela tentasse, as palavras não faziam sentido na cabeça dela.
Stenio.
Desaparecido.
Três dias.
Como delegada, estava acostumada a lidar com cenários de caos, pensar no melhor e se preparar para o pior. Era menos difícil – já que nunca era fácil- pensar friamente enquanto se estava distante, enquanto os casos não a envolviam diretamente. Agora, era tudo diferente.
Três dias. Como isso só chegava nela agora?
- Eu pensei que você sabia, me desculpe – Laís parecia sem jeito, sem saber como reagir.
Heloísa engoliu seco, se sentia zonza, não havia percebido que Yone estava ainda na sala até a policial lhe estender um copo de água. Ela deveria estar pálida, mas ela não queria água.
Ela queria explicações, notícias. Ela queria Stenio.
- Laís, me explica isso direito – ela olhou para Yone, confirmando se a policial estava pronta para tomar notas – me conta tudo. Do começo.
Laís olhou para as duas incertas do que fazer. Yone se sentou ao lado de Laís, incentivando a advogada a falar. A policial olhava para a chefe incerta do que fazer. Elas não eram amigas próximas, ela não fazia ideia da proximidade da delegada com o ex-marido. Mas a completa falta de reação de Helô e a ausência de cor em seu rosto, eram um indicativo de algo.
Ela nunca havia visto a delegada desse jeito.
- Um cliente nosso da Espanha estava com problemas – a advogada começou a explicar – a gente tentou resolver aqui, mas não conseguimos. Ele iria viajar pra lá.
- Ele sumiu na Espanha? - A delegada perguntou confusa, tentando ajustar sua linha de raciocínio.
- Ele não chegou a embarcar – a advogada explicou – a última vez que falamos ele estava a caminho do aeroporto. Achei que a ausência de resposta era questão de voo e adaptação na Espanha. Quando Júlia me pediu notícias estranhando o sumiço, entrei em contato com as filiais de lá. Ele nunca chegou.
- A polícia checou as câmeras do aeroporto? – Helô interrompeu, fazendo sinal para a Yone tomar nota das coisas.
- Sim, ele não chegou a aparecer – a advogada explicou – É como se ele tivesse evaporado.
A cabeça de Heloísa girava. As brigas por clientes indefensáveis de Stenio iam para muito além de briga por ética, embora essa parte sempre tivesse sido um favor. Era por questões como essa, com o que poderia acontecer se ele defendesse a pessoa errada, o cliente errado. Ela nunca havia cogitado um cenário tão trágico, mas agora seu coração parecia que iria saltar para fora do peito.
- Qual o nome do cliente? – ela perguntou depois de um tempo em silêncio.
- Confidencial – A advogada disse, soando quase envergonhada com tudo.
Ela engoliu seco com o olhar de ódio que a delegada lhe direcionou. Ela não conhecia Heloísa, mas neste momento ela estava aterrorizada.
- Você vem NA MINHA DELEGACIA e diz que o Stenio SUMIU – ela levantou o tom de voz, respirando fundo antes de seguir mais contida - Eu não ligo pra confidencial. Eu quero um nome.
Laís olhou para Yone incerta sobre o que fazer. A advogada se sentia no meio de um fogo cruzado, mas se as pessoas envolvidas nesta investigação ainda não haviam descoberto nada, ela precisava tentar com Helô.
- Hernandez – ela disse finalmente - Adolphino Hernandez Montez.
- Já começa a puxar a ficha dele pra mim – ela disse se direcionando à Yone, que levantou saindo da sala - Metido com o que? E não me venha com confidencial, eu sei bem os anjos que o Stenio defende.
- Lavagem de dinheiro – dessa vez a advogada foi direta, não adiantava tentar esconder as coisas agora.
Helô sabia que precisava perguntar, mas só de pensar nessa possibilidade ela sentia náuseas. Pela primeira vez na conversa, algo além do pânico, susto ou raiva, transpareceu no rosto da delegada. Era apenas o mais puro medo.
- Já checaram hospitais... pronto-socorro... – a voz dela era quase um sussurro, olhando para baixo, sem coragem de ouvir a resposta da advogada olhando nos olhos dela.
- Já fizemos isso – ela disse, observando as feições da delegada, tentando fazer uma leitura dela, sem muito sucesso – nada dele.
A delegada balançou a cabeça em silêncio pensando, tentando juntar as peças em algo que fizesse sentido. Mas ela não conseguia pensar em nada agora, era informação demais, o tempo curto demais. E nada parecia fazer sentido.
- Laís, eu vou precisar de tudo que você tiver de arquivos sobre o Hernandez – ela finalmente disse, olhando para a advogada – e quando eu digo tudo, é TUDO.
- Tá bem, eu vou juntar e eu trago pra você – ela disse, observando a colega da delegada voltando para a sala – muitas coisas a polícia já levou, mas temos cópias no escritório.
- Yone, descobre quem é o delegado que tá cuidando desse caso pra gente tentar descobrir informações – Helô disse para a policial, antes de se voltar para a advogada - Eu vou dar um jeito de pegar o notebook do Stenio, investigar dentro do escopo daqui – ela se levantou de súbito, precisava de ar – Licença, eu preciso fazer umas coisas.
Ela ignorou os olhares, ignorou as pessoas que lhe chamavam pelo corredor querendo alguma coisa da delegada. Ela marchou com o rosto fechado até o banheiro, entrou e trancou a porta atrás de si. Se encostou contra a porta e respirou fundo, sentindo o choro que queria vir.
Pensar em algo acontecendo com Stenio era inimaginável, o tipo de informação que não fazia sentido na cabeça dela. Ela sempre brincou que ele era incansável, como ela pode achar que esse sumiço dele era normal? Como ela pode achar que era qualquer coisa diferente do que algo mais sério?
Três dias.
Correndo até o vaso, ela segurou os cabelos em um coque e finalmente cedeu à vontade de vomitar que sentia desde que Laís havia soltado a bomba para ela. Quando ela se sentiu melhor, foi até a pia tentando se recuperar. Jogou água no rosto, secou as lágrimas e se encarou no reflexo do espelho, por um breve momento jurou que poderia vê-lo ao lado dela, como a poucos dias atrás.
Mas ele não estava ali.
Três dias.
Como Julia tinha tido coragem de esconder isso dela? O quanto isso poderia custar as duas agora? O desespero foi dando lugar à raiva. A esposa do ex-marido havia ido longe demais.
Assumindo novamente a postura de delegada, ela voltou para a sala dela, encontrando Yone sozinha, a advogada já havia ido embora.
- Segura as pontas aí e vai tentando conseguir o máximo de informações possível - ela disse para Yone enquanto pegava sua bolsa – eu preciso ver uma pessoa.
Não precisava de nenhuma investigação especial para saber quem era essa pessoa. E, pelo olhar da delegada, Yone não queria estar na pele de Júlia.
***
Assim que chegou em frente à porta ouviu a voz de Drika e a risada de criança dentro do apartamento. Essa não era nem de perto a situação ideal, mas isso também não podia esperar.
Bateu na porta, percebendo as risadas diminuindo curiosas pelas batidas. Demorou apenas alguns segundos até que Julia abrisse a porta com a surpresa e o medo estampados no rosto da loira. As duas se encararam, sem dizer uma única palavra. Helô queria voar no pescoço dela.
- VOVÓ!!!! – gritou Liz indo abraçar a avó, que logo se abaixou para receber o abraço.
- Oi, meu amor – ela abraçou forte a neta, com uma imensa vontade de chorar. O que aconteceria com Liz se algo acontecesse com o avô? – o que vocês estão fazendo aqui?
- Esqueci minha boneca e eu vim buscar – ela explicou apontando para a mãe que segurava a boneca - o vovô ainda não voltou...- ela disse triste, olhando para baixo.
Helô sentiu um nó na garganta, sem conseguir falar ou responder a neta. Apenas a puxou para junto de si, apertando-a contra seu peito. A presença de Helô na casa do pai já era estranha, e as reações dela com Liz agora, apenas acenderam um alerta vermelho na cabeça de Drika. Algo estava errado.
- A viagem dele é longa, meu bem – a delegada finalmente conseguiu dizer para a neta baixinho.
Se levantando do chão, Helô se recuperou do momento e olhando para a filha, que a observava de volta com um olhar confuso e preocupado, ela pediu.
- Drika, por que você não leva a Liz pra tomar um sorvete? – Se antes ela tinha alguma dúvida que algo estava errado, agora ela já não tinha mais.
- EBA! – a neta falou animada – você vem junto? – Liz perguntou animada.
- A vovó precisa conversar com a Tia Julia um pouco – ela explicou, sem olhar para a loira, que seguia em silêncio, sem se envolver em nenhuma interação que acontecia ali – da próxima vez eu vou, tá bom?
A delegada ficou observando a neta indo se despedir de Julia, mas Drika ainda permanecia parada no mesmo lugar. A relação dela com Helô havia melhorado e hoje ela conseguia observar detalhes que antes ela talvez não fosse capaz.
Como o olhar triste, a linguagem corporal inquieta, a maneira como ela parecia preocupada. Quando Helô se virou para encarar a filha, Drika sem pensar muito caminhou até a mãe, a envolvendo em um abraço.
Ela sabia que só podia ser algo com Stenio.
A mais nova só não estava preparada para o aperto firme da mãe, que afundou de leve a cabeça no ombro dela, buscando algum apoio, alguma força, qualquer coisa que a ajudasse a se manter em pé. Ela queria saber, mas tinha medo de perguntar.
- Vai ficar tudo bem – Helô disse sussurrando contra a filha, mas de alguma forma a frase não acalmou nenhuma delas. Quando se afastaram, ela segurou o rosto de Drika entre as mãos – depois eu te explico tudo, eu juro.
Ela apenas acenou um sim e foi até a filha, se despedindo também da madrasta, e fechando a porta atrás de si.
Julia permanecia em silêncio, parecia ter entrado em transe desde que Heloísa havia aparecido em sua porta. Não que ela não soubesse que eventualmente as coisas chegariam na delegada, mas a surpresa dela ir confrontá-la a pegou desprevenida.
- Heloí – ela tentou dizer, mas a delegada não deixou.
- Qual é o seu problema? – ela perguntou seca, encarando a loira quase com fúria no olhar.
- O meu problema? - a outra respondeu tentando se manter calma.
- Não to vendo mais ninguém por aqui – a delegada apontou ao redor, voltando sua atenção novamente para a mulher – Qual é o seu problema?
- Helô, me escut-
- Pra você é Heloísa – interrompeu a delegada novamente – você não tinha o direito de me esconder que o Stenio desapareceu.
- Eu denunciei na delegacia, exatamente o que deve ser feito. - Julia respondeu nervosa, tentando se defender – E direito? Direito eu tinha sim! O que você é dele, Heloísa?
- Ele é pai da minha filha, Julia. Ele é avô dos meus netos. Ele foi casado comigo duas vezes! – como ela ousava perguntar uma coisa dessas? – Delegacia? Eu sou literalmente DELEGADA.
- A melhor do mundo, né? – ela respondeu irônica.
- Stenio acha isso por um motivo – ela devolveu direta – três dias, Julia. Você tem noção do que eu poderia ter feito em três dias? - ela ficou em silêncio, antes de completar triste, pensativa - Você tem noção do que três dias podem ter custado, Julia?
A voz de Helô falhando no final da frase surpreendeu Julia.
- Você nem poderia investigar isso, helô...isa – ela completou depois de sentir o olhar da delegada- Não é da alçada da sua delegacia
- “Alçada da minha delegacia”? Essa é a justificativa que você vai me dar? – a delegada disse indignada. – E você acha que isso iria me impedir de fazer alguma coisa? Você acha que eu me importo com isso? – não era difícil perceber que havia algo a mais - Por que você não me procurou?
A loira não respondeu de imediato. Ela olhou para baixo, pensando no que dizer. Tudo parecia tão pequeno agora.
- O que vocês são, Heloísa? – disse ela por fim.
- O que? - só podia ser brincadeira essa pergunta numa hora dessas.
- Ele jura que não tem nada acontecendo, mas eu sinto que tem. – ela encarou a delegada buscando nela a resposta que o marido não havia sido capaz de dar - O que vocês são?
É claro que não levar essa informação até a delegada havia partido de um lugar de insegurança, dias antes de Stenio desaparecer ela soube que algo estava errado.
Poucos dias atrás eles haviam discutido feio, brigado como talvez nunca tivesse acontecido antes e o motivo havia sido o mesmo de tantas discussões menores: Heloísa. O advogado parecia afetado com alguma coisa em relação a ela, estava aéreo à dias.
Até que em uma fatídica noite ele disse o nome da delegada enquanto dormia.
Isso havia sido demais. Eles haviam brigado naquela noite. E na noite seguinte Stenio não apareceu em casa até quase o dia seguinte, sóbrio, mas ainda com cheiro de bebida exalando.
Ela queria voltar para Portugal. Voltar para uma vida onde Heloísa Sampaio não estivesse presente.
Mas agora, percebendo o desespero de Helô e pensando friamente em como ela poderia ter ajudado, ela se odiava por ter deixado o ciúme falar mais alto. Era tarde demais pra isso.
- Você tá me dizendo que não me contou nada por ciúme? - A expressão de Helô era de pura raiva - Você tem noção do tamanho do estrago que isso pode ter causado?
- Você acha que eu não tô desesperada? Que eu não tô pensando em tudo que pode ter acontecido? – Julia disse igualmente se exaltando, chegando mais perto da delegada - Vocês ficaram seis anos sem se ver! Você nunca se importou com ele nesse tempo! – era inconcebível para ela que Heloísa estivesse agindo dessa forma - Você não precisa ser a salvadora, Heloísa – Foi com raiva na voz que ela finalizou - não aja como se sua perda fosse maior que a minha.
Julia não teve tempo de pensar antes de sentir a mão de Heloísa atingindo seu rosto. Era a primeira vez que a sala mergulhava em um silêncio absoluto, Julia sentia o rosto ficando mais quente, sabendo que ainda ficaria ali uma marca. Quando ela colocou a mão onde, agora, doía, ela olhou novamente para a delegada.
A expressão de Helô ia para além da raiva, havia um quê de mágoa. Havia algo que ela não conseguia decifrar. Ela não teve coragem de esboçar nem uma palavra.
Teve medo de levar outro tapa.
- Não aja como se três ou quatro anos de história fossem maiores do que os vinte e tantos que a gente esteve na vida um do outro – disse Helô puramente com dor na sua voz, o nó na garganta voltando a incomodar - Eu me casei com ele duas vezes, escolhi ele pra ser pai da minha filha, e vi ele sendo pai. Desde o momento em que a gente se viu pela primeira vez, um esteve na vida do outro – ela segurou o choro, agora doía puxar as memórias de Stenio na mente - Durante esses seis anos eu me mantive afastada, mas sempre soube que ele estava bem. Para de agir como se você soubesse muito da nossa relação, você não sabe absolutamente nada.
- A história de vocês pode ter sido linda, mas não terminou assim.- Júlia tentou soar firme, mas sem ter certeza se havia sido bem-sucedida - Não é você que é casada com ele hoje, isso não é competição.
- Nisso você tem razão – disse Helô com um riso triste no rosto - eu não estou disputando o Stenio com você.
- O que você quer dizer com isso? – algo no tom da delegada havia acendido um alerta.
- Não haveria disputa – Helô esclareceu, olhando fundo dos olhos da empresária.
A loira deu um passo para trás, mas não teve coragem de responder. Não naquele momento.
Helô sentia que havia perdido o controle, o que não costumava acontecer muito. Mas havia algo em Julia que a tirava do eixo. Fechando o olho e respirando fundo, ela pediu com mais calma.
- Me dá o computador dele, Julia.
- Pra que? – ela perguntou, soando quase confusa - A polícia já olhou.
- Você tem problemas de compreensão básica? Quer que eu repita? – disse ela sem paciência - Os outros olharam, EU não olhei. Me dá o computador dele.
Foi na ausência de resposta que ela realmente parou para prestar atenção na empresária. Julia parecia confusa, perdida. Helô não podia julgá-la nessa parte, o marido dela estava desaparecido e, no fim, não importava o que a delegada achava ou não sobre ela. Julia parecia gostar de verdade de Stenio, ainda que tivesse metido os pés pelas mãos. A marca vermelha da mão da delegada ainda estava presente no rosto dela.
Não era assim que as coisas se resolveriam.
- Julia, a gente pode se odiar com calma depois, agora a gente precisa se aguentar. – ela disse, forçando um riso triste - Temos um objetivo em comum: trazer o Stenio de volta. Eu tô acenando a bandeira branca, por ele. Eu agradeceria muito se você fizesse o mesmo.
Julia olhou para Helô que parecia mais calma pela primeira vez desde que as duas haviam ficado sozinhas. Era difícil admitir, mas a delegada estava certa.
- Eu vou pegar o computador pra você. – Ela disse depois de um tempo, saindo da sala.
Helô se sentou no sofá aguardando-a voltar. Era tão estranho estar ali sem Stenio, olhar a sala onde a poucos dias eles haviam estado juntos. Era estranho pensar naquele jantar e tudo que havia acontecido depois dali.
Ter transado com Stenio naquela noite fez a vida dela virar de cabeça para baixo e, ironicamente, o coração voltar ao eixo. Era tão estranho pensar que algo tão errado parecesse tão certo.
Ele havia tentado dizer que a amava. Ela havia impedido.
Hoje ela se arrependia. Qual havia sido a última vez que eles haviam dito isso um para o outro? Ela teria a chance de ouvir isso de novo? De dizer isso de novo?
Ela ainda o amava?
Julia voltou para a sala com o computador na mão, assustando Helô que rapidamente se levantou e foi até ela.
- Eu não contei pra Drika e para as crianças – Julia começou a explicar – A polícia ainda não deu nenhuma notícia concreta e eu não quis levar preocupação.
- Eu conto pra Drika, ela é minha filha, merece ouvir de mim – por um lado ela realmente melhor a filha ouvir sobre tudo da boca dela - Ela decide sobre Lucas e Liz. Ninguém mais pode tomar essa decisão por ela.
Helô começou a caminhar até a porta quando ouviu Julia falando, quase com choro na voz.
- Você tem esperança?
Ela tinha? Parando para pensar agora, Helô mal teve tempo de processar todas as informações que havia recebido. As últimas horas pareciam completamente irreais. Mas algo dentro dela ainda acreditava. E a sua experiência policial, também dizia que sim.
-Tenho. – Ela disse firme, e viu a feição da empresária relaxando - Se for sobre algum cliente, eles vão querer algo em troca. Ao que eu saiba ninguém fez contato, certo?
- Não – respondeu Julia rapidamente.
- Eles vão fazer – e ela esperava ansiosamente por esse momento - E pra negociar qualquer coisa ele precisa estar bem – ela ergueu o notebook e sorriu de leve para Julia - Obrigada.
- Heloísa? - ela chamou novamente a delegada, antes que ela fechasse a porta - Traz ele pra casa – agora, Júlia não se incomodava mais em implorar. Ela concluiu com lágrimas no rosto - Traz ele de volta pra mim.
A frase machucou Heloísa de todas as formas possíveis. Trazer Stenio de volta significava isso, no fim do dia. Trazer ele de volta para Julia. Mas ela pouco se importava. Tudo que ela queria era a chance de vê-lo de novo, abraçá-lo de novo.
- Eu vou – ela encarou Julia firme nos olhos e prometeu: - Eu vou.
Quando ela fechou a porta, Julia se sentou no sofá e se permitiu desabar. Ainda que com medo, algo no tom de Heloísa deixava clara a mensagem.
Ela passaria por cima de qualquer coisa que estivesse no caminho para trazer Stenio de volta.
***
Helô sabia que precisava falar com Drika, mas queria ter algo mais concreto que pudesse levar para a filha, algo além do simples desaparecimento de Stenio. Com o computador do ex-marido em mãos, ela dirigiu rumo a delegacia onde, com sorte, Yone teria maiores informações sobre esse cliente de Stenio.
Ela sentia que precisava se sentar sozinha e respirar. Precisava tentar entender tudo que estava acontecendo, mas, ao mesmo tempo, sua corrida agora era contra o relógio. Estava dias atrasada, não podia se dar ao luxo de chorar ou desabar agora. Teria tempo para isso mais tarde.
Chegando na delegacia, ela foi direto para a sala dela.
- Oi, delegada - disse Yone assim que ela chegou.
- Fala, Yo – ela estendeu o notebook, mostrando que havia conseguido – Peguei o notebook do Stenio, leva pro Vinicius e manda ele fazer uma varredura completa em tudo. Nada pode passar despercebido.
Yone pegou o computador e passou para a policial ao seu lado que logo tratou de levar o objeto consigo para a análise.
- Yone, passa qualquer caso seu pra frente – ela começou a dizer se sentando em sua poltrona – eu quero você 100% focada nisso comigo, tá bem?
- Já fiz isso, delegada – ela esclareceu recebendo um sorriso da chefe.
- O que você conseguiu nesse meio tempo? – A delegada perguntou, vendo os papéis na mão da policial.
- Na mídia pouco se fala dele, é mais reservado – ela entregou os primeiros arquivos para a delegada que olhava tudo minuciosamente, colocando os seus óculos e focando toda a sua atenção.
- E na Polícia Federal? – Helô perguntou, olhando para a colega novamente.
- Aí a história muda de figura – Yone alertou a delegada, entregando a outra gama de papéis para ela.
Helô lia tudo com foco máximo, observando com medo todas as informações que aqueles arquivos continham. Dessa vez Stenio tinha passado do ponto.
Agora ela estava oficialmente apavorada.
- Esse cara é perigoso – ela disse mais para si mesma do que para a colega – e não é pouco perigoso não, é muito perigoso!
- Aparentemente quando a empresa aqui no Brasil, que esse Hernandez era sócio, entrou na mira da Polícia, ele se mudou para a Espanha e abriu outros negócios por lá – Yone disse, tentando ajudar a delegada a criar uma linha de raciocínio, como elas sempre faziam.
- Mas ainda assim, Laís disse que o processo era sobre lavagem de dinheiro – Helô largou os papéis e se encostou na cadeira – Stenio provavelmente não fazia ideia que pudesse ter uma ligação com a máfia espanhola.
- Será que não sabia? – questionou Yone, duvidando.
- Não, eu conheço Stenio – Helô disse firme – ele tem os limites dele também. Ele é criminalista, mas tem lá seu limite ético. – Repetindo convicta - Ele não sabia.
- Mas a pergunta é: por que o Stenio? – Disse Yone se sentando em frente à delegada.
- E isso não faz sentido, Yone – Helô disse, buscando outra linha de pensamento – Se fosse sobre o Hernandez, porque sequestrar o Stenio antes dele chegar na Espanha? Se estavam atrás de informação, seria na volta.
- Faz sentido, ele não pode dar informações que ele não tem ainda – Yone disse depois de um tempo, completando em seguida – ou talvez ele tivesse essas informações, vamos aguardar os dados do computador.
- Pode ser, pode ser – ela ficou em silêncio pensando um pouco – Stenio recentemente começou a advogar para o Moretti, ele não é lá das pessoas mais éticas. E se for algo em um caso dele?
- A gente pode puxar os dados desse Moretti se você quiser – disse Yone, já se levantando e indo para a própria mesa – podemos pedir pra Laís algo que ela possa nos fornecer sobre ele também.
- Faça isso, Yone e também...– Helô ia começar a falar quando uma policial entrou com um pacote nas mãos - o que é isso?
- Parece uma encomenda, está no nome da delegada – a policial entrou e colocou na mesa – estava na porta, a gente não sabe ao certo quem deixou.
Helô e Yone se olharam, estranhando toda a situação.
- Pode deixar aqui, obrigada – ela disse e observou a policial saindo.
Havia um misto de curiosidade e medo na delegada, enquanto ela examinava a caixa sobre a mesa. Olhando atentamente, algo no nome chamou a atenção de Helô, ela sentiu a pressão baixando. Algo estava errado.
- Yone – ela chamou a colega – me dá um par de luvas.
- O que? – perguntou a outra confusa.
- Um par de luvas! AGORA! – ela repetiu, vendo Yone se assustar com a urgência.
Ela voltou com as luvas na mão, indo até a delegada.
- O que foi? – ela perguntou de novo confusa.
Helô colocou as luvas na mão e inclinou a caixa para que Yone pudesse ler o nome.
Para: Doutora Delegada Heloísa Sampaio Alencar.
- Seu nome não tem Alencar – disse Yone confusa por um momento.
- Mas já teve um dia – ela olhou para a colega engolindo seco.
- Stenio Alencar - Yone finalmente disse, vendo a delegada acenar com a cabeça.
Retirando cuidadosamente o papel pardo, ela abriu o pacote e retirou uma caixa de dentro. Ao abrir se deparou com um gravador. Sem bilhetes, sem notas, sem nada. Apenas um gravador.
Helô o retirou da caixa e só então percebeu que havia uma caixa menor dentro daquela. Pegando-a nas mãos, ela abriu com cuidado. Assim que seus olhos repousaram sobre o conteúdo, ela percebeu o corpo desabando na cadeira, Yone ao seu lado segurava a delegada que, por pouco não havia caído.
Ela podia jurar que Yone falava com ela, mas Helô não escutava.
Isso não era possível. Tudo mudava de figura.
- Yone – ela disse ainda se sentindo tonta, a voz saindo mais baixa – entra em contato com a PF e pede para falar com o Ricardo. Tem que ser com ele.
- Delegada... – a policial tentou entender confusa.
- Yone, AGORA! – ela gritou – Eu quero Ricardo na linha AGORA.
Yone se retirou e Helô ficou sozinha na sala, na companhia apenas de um gravador e de uma caixa com uma única rosa vermelha dentro.
- É ela.
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