O SANGUE QUE DERRAMAMOS
971º ANO APÓS A QUEDA DO IMPÉRIO | 10.10.4017
No mesmo dia em que o fruto de um amor proibido veio ao mundo, a vida de trinta e duas pessoas foi posta em jogo por motivos que passavam longe de serem plausíveis.
Homens, mulheres, crianças, idosos… vidas inocentes que eram cruelmente ceifadas para aplacar os desejos de uma elite gananciosa.
Vidas inocentes usadas como simples peças de xadrez por aristocratas que receberam uma oportunidade e dela, tiraram proveito próprio.
— A criança — escolheu em voz baixa, e no segundo seguinte, o corpo de uma senhora de idade tombou no chão.
Taehyung, ali, era um homem devastado.
Um homem que via-se cercado pelos cadáveres de vinte e sete pessoas, que há alguns instantes moviam-se motivadas pelo desespero e, agora, não passavam de sacos de carne sem vida, deitados sobre enormes poças de sangue.
— Traga o próximo — pediu Camila, que pessoalmente executava os servos.
Restavam apenas cinco pessoas a serem sacrificadas, e uma delas era a criança que mantinha-se petrificada em frente a Taehyung, incapaz de mover o pescoço e encarar o cadáver de sua avó bem ao lado. Os olhos pequeninos e esbugalhados pelo terror de estar presente num cenário tão horrendo.
E naquele salão, um silêncio mórbido perpetuava a cena injusta e infernal.
Hajoon, em seu trono, roubava olhares às decisões de seu sobrinho de vez em quando, mas mantinha a sua atenção presa à janela do salão na maior parte do tempo.
Yolanda, que estava de costas desde o início, não ousava encarar aquela situação pois sabia que não tinha estômago para tanta matança.
E Sunmi, que ainda encontrava-se na mesma posição, chorava ao encarar o chão com afinco, pedindo perdão sempre que um corpo caía desfalecido sobre o mármore frio.
— Qual é o problema? — Camila inquiriu quando os soldados demoraram a trazer outro sacrifício — Traga logo!
Foi quando ao receber tamanho silêncio como resposta que Camila virou-se para olhar o que se passava, da mesma forma como Hajoon o fez.
Convenientemente sentados ao fundo do grupo, Yoongi e Jeongguk eram duas das quatro pessoas que até agora tinham sobrevivido.
Tremiam apavorados, Jeongguk escondido atrás de Yoongi que, agora, corajosamente colocava-se à frente dele, em pé e de braços abertos.
Uma visão que passava a imagem exata de uma mulher frágil tentando proteger o filho pela última vez, assim que viu as mãos de um guarda alcançaram o corpo deste.
E para isso, desarmada, ela empurrava, esperneava e lutava da forma como podia, os cabelos movendo-se velozes enquanto impedia que alguém se aproximasse da criança.
Porém, mesmo que aquilo não fosse algo inesperado, a cena não deixava de ter o seu quê de chocante.
Foi a primeira vez desde o início daquele massacre que alguém mostrou ter coragem de erguer-se e retaliar contra os guardas, mesmo que o resultado de tal coisa fosse mais do que conhecido.
Do outro lado do salão, Hajoon, com os olhos presos à cena, mostrou-se cada vez mais impaciente, parecia cansado de ainda estar ali, assistindo àquilo tudo.
— Despachem-se — A ordem veio baixa, mas clara.
Com isso, um dos homens avançou hostil em direção à mulher, rapidamente agarrou os cabelos compridos e puxou com força, atirando-a ao chão. A espada empunhada, pronta a golpear fatalmente Yoongi.
Vendo o que acontecia, Jeongguk reagiu rápido, mesmo com a vista nublada pelas lágrimas, ele gritou e avançou contra o guarda, empurrando-o da melhor forma que podia antes que qualquer atrocidade acontecesse.
Yoongi aproveitou para erguer-se mas antes que sequer pudesse fazê-lo, outro homem avançou e ele, que já estava no chão, foi facilmente imobilizado.
Uma espada perigosamente perto de perfurar o peito dele.
— Não! Não! Não! Por favor, não! — gritou Jeongguk, mas antes que pudesse fazer algo, uma adaga passou cortante por sua bochecha, num aviso claro de que não devia tentar nada.
Mesmo assim ele lutou, e no segundo seguinte, o tio de Yugyeom tratou de prendê-lo e arrastá-lo até ao Grão-duque de Santino. Totalmente focado em usar Jeongguk como sacrifício, porque ele sabia que contra aquela criança, Jeongguk definitivamente não seria escolhido por ser mais velho.
Entretanto, distraídos pelos gritos de súplica de Jeongguk, ninguém viu como ou de que forma Yoongi desprendeu-se mas, de repente, a serva que antes parecia estar prestes a ser morta, tinha levado ao chão o guarda que a prendia e agora corria em direção à sua criança novamente.
Quando Taehyung finalmente levantou a cabeça para ver o que acontecia, ele assistiu um ser de cabelos longos e saias quase rasgadas, acertar um soco bem no meio do rosto do vice-comandante, que pego de surpresa, mal conseguiu desviar e recuou alguns passos em choque.
Em contrapartida, o garoto que ele segurava, foi imediatamente solto e envolvido pelos braços da serva.
Taehyung mal entendeu o que acontecia, os olhos presos naquela cena fortemente maternal enquanto assistia, pela visão periférica, Camila empunhar a sua arma, e só com aquilo, ele soube que aquelas duas pessoas morreriam em breve.
Isso caso o rei não tivesse intervido ao levantar-se de seu trono, obrigando todos ali a ajoelharem-se rapidamente em respeito. E a passos calmos, quase que lentos, Hajoon traçou o caminho entre o trono até aos dois servos rebeldes.
Uma expressão neutra e um tom calmo quando perguntou: — Porque tanto alarde, plebeus? Desejam morrer?
Nem Yoongi e nem Jeongguk responderam, não podiam olhar para a sua majestade nos olhos, e Jeongguk não tinha a certeza se tinha recebido o direito de falar ou não.
— Responda, garoto — o conselho veio de trás, em tom baixo e rouco.
E com uma rápida vista de olhos, Jeongguk percebeu que o Grão-Duque de Santino falava consigo e tremeu, só não sabia se era de pavor ou de entusiasmo.
— Não, vossa majestade — respondeu Jeongguk por fim, a voz trémula.
— E tu, serva, desejas tanto assim morrer? — A pergunta foi, desta vez, direcionada a Yoongi assim que Hajoon notou que esta não o tinha respondido de primeira.
Mas o silêncio foi a única coisa que recebeu e, com isso, o rei aproximou-se ainda mais daquela pessoa que, tremendo, recuou descaradamente.
— O que foi? Tens medo? Porque não respondes a teu soberano? — Perguntava — Porque esta serva não responde a mim, o rei? Acha-se boa demais para isso?
— Vossa majestade — chamou o vice-comandante — Permita-me falar, senhor.
Com um aceno de mão, o rei concedeu o pedido.
— Esta serva é muda, vossa majestade, incapaz de falar.
— E como sabe disso, vice?
— Aquela criança 'mo disse anteriormente — apontou o tio de Yugyeom — A mãe dele contraiu uma doença há cinco anos atrás e desde então perdeu a capacidade de usar a garganta.
— O que ele diz é verdade, criança? — questionou o rei, dirigindo-se a Jeongguk, que unicamente acenou — E qual é o seu nome?
— Jeong- Jeongguk — gaguejou ao responder, tremendo mesmo que o tom do rei passasse uma sensação calmante e reconfortante, quase que inofensivo.
— E o de sua mãe?
Mas mesmo que aquele homem fosse reconfortante, aquela situação era tudo menos aquilo, pois o olhar daquele monarca o assustava.
Tão negro e tão taciturno... como se faltasse sentimentos naqueles olhos.
Como se faltasse alma àquela carcaça de aparência cansada.
— Hyunji, vossa majestade.
O foco de atenção rapidamente mudou e agora, quem tinha os olhos de Kim Hajoon presos em sua figura era Yoongi, que de cabeça baixa, recusava-se a erguer o rosto.
— Hyunji — chamou ele — Responda-me. Tu desejas morrer?
A resposta demorou mas veio em forma de um aceno negativo com a cabeça.
— Amas teu filho, serva?
De imediato, Yoongi abanou a cabeça afirmativamente.
— Teu filho tem pai? — A pergunta parecia íntima demais, e estranha de tal forma que todos os presentes estranharam a direção ao qual aquela conversa tomava.
“Não.”
— Criou-o sozinha?
Houve uma subtil hesitação antes de um outro aceno positivo.
— Não quer vê-lo morrer, pois não?
Escutando aquelas palavras, Yoongi abanou a cabeça várias vezes em negação. Uma aflição para demonstrar que aquilo era o que menos queria.
— Admiro-a, Hyunji — Os olhos de Hajoon brilhavam compadecidos enquanto falava — Vejo-a tremer de pavor agora e pergunto-me como conseguiu reunir coragem para se mover nesta situação sendo tão frágil e tão fraca. Sabias que podias morrer, ainda assim foste capaz de lutar pela vida teu filho. Admiro-a Hyunji, és uma boa mãe. Tão boa quanto minha mãe uma vez foi comigo.
Então, ele virou-se para Taehyung.
— É uma pena, meu sobrinho — Sua expressão parecia nostálgica, mas Taehyung não olhou para ele — Quando nasceste, meu sobrinho, tua avó já há muito não estava conosco. Mas tenho a certeza que teu pai, Hyungsik, muito falou do quão forte e maravilhosa nossa mãe foi. A vida no palácio nunca foi fácil…
Quase parecia ironia o modo como um rei, alguém que supostamente nunca tinha sentido dificuldade na vida, falava de não ter tido uma vida difícil.
E percebendo isso, Hajoon limpou a garganta, pronto para terminar o seu monólogo com uma singela pergunta dirigida a Yoongi.
— Hyunji, morrerias pelo o teu filho?
Jeongguk arregalou os olhos, gritando um sonoro não. Yoongi de prontidão respondeu que sim.
— Aqui e agora, sem pensar duas vezes, tomarias o lugar de teu filho e aceitarias enfrentar a sentença de meu sobrinho?
Qualquer um que olhasse daquela serva para a criança, que ainda aguardava estática em frente a Taehyung, perceberia o quão óbvia seria a escolha que o Grão-duque de Santino tomaria.
Mas, Yoongi sequer pensou duas vezes antes de afirmar que sim. Jeongguk, ao lado, gritava de forma miserável, clamando misericórdia. Não desejava a morte de Yoongi de uma forma tão intensa quando não desejava a sua própria.
Em sua mente, ele questionava o motivo pelo qual eles tinham de estar ali, naquela situação. Porque, caralhos, tinham de decidir quem morreria ou não? Porque haveria uma escolha tão injusta assim no mundo?
— Eu não deveria estar fazendo isso, mas pouparei teu filho, serva — sussurrou Hajoon, e por baixo daquela cortina de cabelo, Yoongi abriu um sorriso grande e aliviado, embora triste — Levem a criança para fora, e ela que espere do outro lado se assim desejar.
Jeongguk que gritava, e tentava correr em direção a Yoongi, tinha o rosto ainda infantil totalmente embebido em lágrimas. Ele esperneou e lutou como pode, mas de uma forma ou de outra, as duas portas brancas e pesadas foram fechadas na sua cara antes que ele sequer tivesse a chance de se despedir.
Em contrapartida, a última visão que Yoongi teve dele foi a de uma criança abandonada e desamparada.
Uma criança, que desesperada esticava o braço magro, e tentava inútilmente agarrar, por entre os dedos compridos, o frágil e quebradiço fio que era a vida.
Em silêncio, Yoongi pediu perdão a Jeongguk, embora quitasse a sua dívida de vida, ele quebrava a única das únicas promessas que ambos fizeram um ao outro.
Mas qual era a novidade? Yoongi nunca foi bom em manter promessas, de qualquer das formas.
Aquilo era uma das coisas que já vinha no sangue dele.
— Retorne esta criança aos restantes — ordenou uma vez mais, e Yoongi assistiu com dúvida, a criança em frente ao Grão-duque ser levada em direção aos outros sacrifícios. Agora, ali, o único que restava em frente àquele homem era ele, e isso significava que ele sequer passaria pela “escolha” antes de ser morto.
Ou isso Yoongi acreditava, quando, de repente, o rei tornou a ordenar: — Tragam-me uma espada. Quero que daqui saiam todos os guardas. Os comandantes e apenas aqueles necessários permanecerão no salão.
A saída foi feita de forma ordenada e veloz, com um gesto de Camila, apenas os seis melhores soldados permaneceram no recinto, e uma arma foi entregue nas mãos ligeiramente murchas do rei.
Tudo dava a entender que quem desempenharia pessoalmente o papel de executor ali seria o monarca de Kratos.
— O dia de hoje está a ser curiosamente longo demais, lento demais e sofrido demais — dizia Hajoon ao avaliar a arma que tinha em mãos — Embora esteja a ir contra a minha própria corte, arranjei uma solução posteriormente. O que importa agora é despachar as coisas, acredito que precisamos todos de retornar ao nosso local de conforto e esquecer que este dia alguma vez existiu… não acha, meu sobrinho?
Não houve resposta, e o Kim prosseguiu.
— O que me diz, Sunmi? Não estás cansada de tanta matança?
A consorte foi pega de surpresa, erguendo o rosto, ela sussurrou o nome do marido e afirmou com a cabeça várias vezes. Taehyung assistiu a cena com medo no coração.
— Não seja por isso — soava afável — Aproxime-se mais de mim, deixe-me ver o seu rosto.
O Grão-duque rapidamente negou com a cabeça em direção à mulher, mas Sunmi nada pôde fazer e com a ajuda dos guardas, ela postou-se ao lado daquela serva, em frente a Taehyung.
— Eras realmente bela, Sunmi. Admirar-te é como olhar para um velho retrato, o retrato de alguém que já partiu... Vejo definitivamente aquilo que tanto viste, meu sobrinho — observou — Como tu, eu também apreciei-a tanto, quando nos casamos, fiquei loucamente atraído por este charme tão singular. Sunmi seria capaz de ter qualquer homem caso bem quisesse, até mesmo tu, o homem mais disputado de Kratos, e até mesmo eu, o soberano deste reino. Seu único erro foi não ter tido consciência dos seus limites. O único erro de Sunmi foi ter escolhido abrir as pernas para o homem errado… entendes bem aquilo que eu te quero dizer, não entendes, Taehyung? Contudo, devo admitir que eu tenho uma parcela de culpa. Meu erro foi tê-la abandonado, tê-la negligenciado por anos sem conta ao ponto dela ter ido procurar por outro, se eu pudesse, teria me desculpado antes de tudo acontecer.
Sunmi, com o nariz vermelho, negou com afinco, sorrindo pequeno, pois não importava a forma como olhasse, tudo parecia indicar de que ela seria poupada.
Já Yoongi, encolhido a seu canto, não pode deixar de notar o modo como Kim Hajoon de Execratos falava de Lee Sunmi como se a mulher já estivesse morta, e não à sua frente.
— Taehyung, terminaremos logo com isto, então escolha, meu sobrinho — olhos nos olhos, tio e sobrinho encaravam-se — Escolha entre a vida de Sunmi e a vida de seu primogênito.
Naquele momento, o Grão-duque de Santino duvidou de sua capacidade auditiva por instantes, quase teve vontade de limpar os ouvidos e pedir que seu tio repetisse a frase.
Ele quase pensou ter escutado seu tio pedir que escolhesse entre o amor de sua vida e o seu próprio filho.
Ele quase…
Sem mais nem menos, Taehyung riu preenchido de uma descrença dolorosa.
Uma risada estranha e desconfortável que foi progredindo até tornar-se um gargalhada descontrolada… uma gargalhada que causava pena, mas o grande grão-duque da guerra não notou isso, e com os olhos ardendo, ele encarou o rosto de cada um ali presente, questionando-se o porquê de ninguém estar rindo daquela piada de mal gosto.
“Por que não riem?” ele se questionava, “É engraçado, não é?”
Então, por que caralhos ele estava sem ar, por que caralhos o seu rosto estava contorcido em dor, por que caralhos seus olhos ardiam, por que caralhos ele chorava como se, afinal de contas, tivesse escutado certo.
— Taehyung — repetiu Hajoon — Sunmi ou o seu bebê? Escolha logo!
Taehyung olhou para seu tio como se fosse uma criança, balançando a cabeça como se ainda não tivesse escutado direito. Parecia estar estupidamente desnorteado.
— Sunmi ou o seu bebê! Contarei até dez, decida quem vive pois, se não o fizer… — Não foi preciso terminar a sentença, e Yolanda rapidamente recuou alguns passos — Um…
Dois...
Por que caralhos, uma escolha como aquela existia?
Três… quatro...
— Taehyung! — Sunmi gritava em desalento. Uma vez mais, ela atirava a promessa feita anteriormente à cara de Taehyung — Nós ainda podemos ter muitos outros filhos, Taehyung, meu amor, não me deixe morrer!
Cinco… Seis…
Taehyung estava sem ar enquanto tentava desprender-se de suas amarras, ele grunhia e chorava miseravelmente mas de sua boca, nem uma única palavra saía.
Sete…
— Por favor! — berrou Taehyung — Eu lhe imploro, meu tio, não como um general de seu reino, não como grão-duque, mas como o seu sobrinho, filho de seu irmão… por favor!
Houve uma pausa, uma hesitação.
“Oito…” A contagem retornou.
— Eu lhe imploro, porra! — soluçava, a voz falhando — Por tudo o que é mais sagrado, por Gaia e por qualquer outro Deus! Não faça isso! Não me faça escolher! Por favor!
— Decida-se — Nove…
— Tio!
— Taehyung! Não me faça matar meu sobrinho-neto!
Dez.
Ouvindo o fim da contagem, Taehyung mordeu os lábios com força até que o sangue manchasse o seu paladar, o rosto molhado pelas lágrimas e sujo pelo corrimento nasal que fazia caminho por seu queixo, caindo a seguir sob o chão.
E dessa mesma forma, aproveitando o facto de que já não tinha lanças à sua frente, Taehyung ajoelhado, inclinou-se até que a testa batesse contra o chão, sentindo-se inerte… mudo e surdo.
O grito de Yolanda foi a única coisa que ele escutou e angustiado ele abriu a boca e gritou com dor:
— Meu filho, meu bebê!
Sunmi arregalou os olhos, e seu primeiro instinto foi tentar erguer-se e correr, contudo, Hajoon derrubou-a ao puxá-la pelas vestes.
Ela sabia, no fundo, que não seria escolhida.
Conhecia Taehyung bem demais para saber que nunca foi uma opção ali, por mais doloroso que fosse, Sunmi sabia desde o princípio... desde o primeiro momento em que Taehyung soltou a sua mão para rumar veloz em direção ao fruto do amor deles, que aquele homem dedicaria tudo de si para aquele neném, independe do sacrifício que tivesse de fazer.
Mas, por mais que soubesse disso, isso não significava que ela era capaz de abraçar a morte de braços abertos.
Ainda tinha tanto a conhecer, tanto a explorar, um mundo afora para ver. E ainda tinha o seu irmão, a quem sentia falta e há cinco anos não via. Não queria ser obrigada a partir sem poder despedir-se dele.
— Eu te odeio! — gritava ela à vida, às injustiças, ao rei… e talvez a Taehyung, enquanto era puxada pelos cabelos e virada de frente para o seu marido — Odeio! Odeio! Odeio! Eu quero que morra! Eu quero que…
Ela se debateu, gritando todo o ar que tinha nos pulmões quando a parte frontal de suas vestes foi rasgada e seu peito exposto para todos aqueles que quisessem ver, mas Sunmi não se importou em tentar cobrir os seios. Ali, tiravam-lhe a dignidade, e a diminuíam a uma mera adúltera, antes de tirarem-lhe a vida.
“Você me dará vida” lembrou amarga e quis rir. Céus, que grande piada.
Ao compasso que a voz em sua garganta sumia aos poucos, e a espada era erguida, Sunmi fechou os olhos com força, lágrimas ardendo-lhe os olhos quando preparou-se da melhor forma que podia para a morte.
Mas o golpe não veio e temerosa, ela abriu os olhos. A espada ainda estava ali, pronta a esfaqueá-la, mas o rei não olhava para ela, mas sim para Taehyung que soluçava de forma audível.
— Hyunji — chamou Hajoon, a voz baixa — Como uma mãe de tão boa índole, tu te sacrificarias no lugar desta mulher que há pouco foi mãe?
Yoongi não respondeu, manteve a cabeça baixa e quieta.
— Se te deixares morrer no lugar de Sunmi, deixarei que ela vá e deixe o palácio…
Ouvindo isso, Taehyung ergueu o rosto e encarou a serva, já Sunmi manteve-se em silêncio e esperou Hajoon terminar aquilo que diria.
— Mas, caso isso aconteça, serei obrigado a matar todos aqueles que faltam para completar a cota de trinta e dois — Sunmi fechou os olhos, cansada demais — Se escolheres viver, matarei Sunmi e tomarei estas vinte e sete pessoas como sacrifício suficiente. O que decides, Hyunji? Perecerás?
Sunmi não queria morrer, não agora, e não ali.
Mas, perante aquela situação, ela desistiu. Não havia mais nada a fazer, era uma decisão simples demais, fácil demais.
Yoongi, sob a cortina que eram os seus cabelos, encarou Sunmi que de olhos fechados já parecia ter se conformado, e deixou os olhos correrem para Taehyung posteriormente.
Ele estava lá, ao seu lado, olhando-o.
As vistas vermelhas e as lágrimas abundantes, um rosto que gritava dor e um olhar expressivo, um olhar que pedia piedade, que implorava por mais que soubesse ser um desejo egoísta… um olhar que parecia devorar Yoongi vivo.
Naquele momento de pânico, Yoongi quis chorar e pedir desculpas, mas ele ainda tinha Jeongguk, alguém ao qual ainda queria ver crescer e para isso, Yoongi precisava estar vivo.
Todos ali sabiam qual seria a resposta, até mesmo Taehyung que ainda mantinha o seu olhar firme.
Uma mãe não deixaria o seu filho ao desalento para salvar o de outra, e uma boa pessoa nunca escolheria matar quatro vidas inocentes por uma única.
Fechando os olhos, Hyunji, ou melhor, Yoongi, acenou com a cabeça. A resposta foi um “Não”.
E na fração de segundos que antecedeu a morte de Lee Sunmi, Taehyung levou os olhos ao rosto do motivo de sua felicidade nos últimos anos, ao seu amor que, parecendo sentir o olhar, abriu os seus para encontrar, uma última vez, as orbes lacrimejantes.
Ali, Taehyung tentou sussurrar um último “eu te amo” mas antes que pudesse começar, ou mesmo terminar, os olhos de Sunmi arregalaram-se quando a espada perfurou o seu peito e atravessou o seu corpo, sendo retirada instantes depois.
O corpo de Sunmi caiu como os outros vinte e sete cadáveres que decoravam aquele chão de mármore, ensanguentado e sem vida, o peito exposto e a ferida fatal da espada tão aberta quanto os olhos que ainda permaneciam arregalados, presos na figura de Taehyung, que assistiu a luz e o brilho da vida abandonarem devagar a mulher maravilhosa que Lee Sunmi foi um dia.
Taehyung já não tinha mais lágrimas para derramar, então ele externou sua dor gritando como um condenado.
Clamou o nome de Sunmi vezes sem conta, recusando-se a acreditar naquilo que os seus olhos mostravam-lhe. E quando, totalmente sem forças, ele terminou de berrar, não havia ninguém a quem culpar senão a si mesmo.
O seu filho, como se sentisse, iniciou um choro estridente e engasgado, Yolanda fez como pode para tentar acalmar a criança mas de nada adiantou.
Camila, sentindo que o castigo parecia ter terminado, encaminhou a mulher e o bebê para fora da sala do trono, retornando segundos depois enquanto seus homens retiravam dali o restante dos servos.
Parado ali, com uma espada ensanguentada em mãos, Kim Hajoon de Execratos, o soberano de Kratos, tio de Taehyung e marido de Sunmi, ao terminar com a vida desta, parecia sofrer de arrependimento quanto um gosto amargo tomou-lhe o paladar, numa mistura de pena, tristeza e incapacidade indescritível.
— Taehyung… eu lamento imenso — Tentou consolar — Saiba que eu compartilho de sua dor, meu sobrinho.
“Não, tu não entendes e sequer estás perto de entender” quis gritar ele, mas estava exausto demais para isso, então com os olhos desfocados, ele encarou o tio como se a morte de Sunmi tivesse causado a morte de uma parte de sua alma.
E parecendo não conseguir aguentar o estado de seu sobrinho, Hajoon olhou para Hyunji e puxou-a, mostrando-a a Taehyung.
— Case-se com ela — proclamou Hajoon, sorrindo alegre ao tentar passar essa sensação ao sobrinho. Parecia acreditar que substituir uma mulher por outra fosse curar as dores de Taehyung — Hyunji é um nome bonito e mesmo mal cuidada, claramente é uma boa mulher e uma boa pessoa. Não lhe parecesse um pouco com Sunmi? Embora seja uma mãe solteira, tem um filho e criou-o sozinho, trabalhando aqui no palácio. Isso não faz dela, uma propriedade do rei e uma mulher já usada? É idêntica à situação de Sunmi. Poderás meter-te entre as saias dela e não terás de te preocupar em ser punido. Hyunji será a tua mulher, está decidido. Terás a minha benção, e a corte não irá contra o teu casamento com uma plebéia, pois acharam adequado como punição pelo seu crime de assasinato em massa.
Descrença correu o rosto de todos enquanto Taehyung fechou os olhos por um breve instante, ignorando aquilo que ouvia, pois na verdade, estava tão fraco que sequer distinguia as baboseiras ditas por seu tio.
Hajoon, não satisfeito, atirou Yoongi ao chão e com as mãos, ele puxou o colarinho dos retalhos que a serva vestia, o tecido cedendo enquanto Hyunji debatia-se.
— A ideia não te agrada, meu sobrinho? Mesmo que não, verás que te fará bem. Sequer sentirás a falta de Sunmi, porque esta será a tua Sunmi de agora em diante. Uma Sunmi que não foi condenada à morte, uma que não foi morta em frente aos teus olhos, uma com quem viverás feliz porque esta Sunmi, foi capaz de salvar-se. Deixe-me ajudá-lo a ver aquilo que te digo.
Então, mesmo contra os protestos desesperados da serva, Hajoon forçou o tecido a rasgar-se de forma semelhante ao rasgo nas roupas do cadáver de Sunmi, e com choque, ele notou o peito limpo daquele ser.
Ali, não havia absolutamente nada e a dúvida surgiu na face de todos.
Hajoon foi rápido ao descer as mãos para as partes íntimas, apalpando e soltando logo em seguida. Yoongi tremeu de horror, temendo por sua vida assim que o seu disfarce foi revelado a todos os presentes.
Mas, contrariando aquilo que ele esperava, Hajoon riu, não, melhor, gargalhou do quão cômica a situação parecia ser apenas para ele.
— Isto não é melhor ainda? — perguntou a si mesmo, uma lâmpada parecia ter-se iluminado em sua cabeça quando prosseguiu com sarcasmo — Uma esposa tão exótica vai acalmar o público e a corte, isto é perfeito. Casar-te com um homem, fará com que toda descendência do grão-ducado de Santino seja comprometida, o que abre chance para que as riquezas dele caiam nas mãos da aristocracia assim que tu morreres, meu sobrinho. Aí, a sucessão do título de Grão-duque se tornará um problema.
Pontuou Hajoon, que agora em pé, caminhava de volta para o seu trono.
— Todos conhecem o seu caráter, meu sobrinho, odeias poligamia. Além de não seres capaz de te deitar com umA pessoa fora de seu casamento, tu nunca te deitarás com um homem, o que torna-se perfeito pois nunca mais repetirá o erro que te trouxe aqui, os prazeres da carne, Taehyung. Sobre a sucessão de seu título, teu primogênito será tomado como ilegítimo por ter uma mãe desconhecida e ser fora de seu casamento. Poderás adotar, mas o que um adotado faria em frente aos tribunais da elite? Nem mesmo um bastardo seu teria chance frente aos nobres, quem dirá um adotado, quando o resultado pode ser facilmente alterado em favor dos aristocratas.
Com uma pausa, prosseguiu o seu discurso.
— O povo se revoltará assim que se ouvir notícias de seu massacre injustificado, mas ao saberem que foi obrigado a se casar com um plebeu, ainda por cima, homem, comemoraram a sua desgraça e amaldiçoaram seu nome, mas nada te farão. Poderás viver tranquilo, pois seu casamento será aceito, mas não por ser justo, e sim por não passar de uma condenação que o levará, no fim, à desgraça caso não arranje forma de reverter esta situação. Com a aprovação da corte, com a minha bênção e a do templo, será impossível reverter a situação, então não tente matar seu noivo antes da cerimônia, pois a corte vai arranjar forma de puni-lo de uma forma pior que a de hoje. Mas eu acredito em ti, Taehyung, arranje uma forma de dar a volta à situação, como sempre faz. Sua fama é devido o quão inusitado consegue ser, não é? Grão-duque de Santino.
Enquanto dizia estas últimas frases, Hajoon sorria.
Ninguém podia ir contra as palavras ensandecidas que ele proferia.
— Surpreenda-me, meu sobrinho, e mostre-me que é superior à aristocracia — encorajou — Teu castigo termina aqui, mas certamente verás que o sangue que derramamos hoje, valerá a pena nos dias de amanhã.
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