Estava escuro ali embaixo. A água gelada parecia que transformava meu corpo em uma pedra de gelo pesada. A luz da lua sumia cada vez mais de minha visão dando espaço a escuridão que me puxava para o fundo do lago. Por instinto meu corpo pedia para que eu fosse para cima e conseguir mais ar, mas parte de mim queria ir para baixo.
Olhei de novo para a luz da lua, no fim comecei, ou menos tentei, nadar para a superfície. Parei quando notei uma luz vindo do fundo, ela se aproximava cada vez mais de mim. Ao chegar perto vi ser uma sereia, não sabia que haviam elas na Floresta das Fadas. Ou será que eu corri tanto que saí dela? Ela ficou me encarando enquanto partes de seu corpo brilhavam igual a coral. Eu estava fascinado, mas ao mesmo tempo sua aura era de assustar.
- Pequeno príncipe. – começou com uma voz suave, tão suave que parecia ser cantada levemente – Família morta, sozinho de sangue, junto de espírito, espírito quebrado, escuridão na alma. – ela apenas estava falando um monte de coisas, mas parecia realmente uma música de ninar. – Paixão doentia, morte ingênua. - não parava de olhar diretamente em meus olhos.
- Grande poder. – chegou outra brilhando atrás de mim. – Sentimento de raiva, alma quebrada. Vontade de morte.
- Uhuhuhu. Morrer, se livrar do sofrimento, de humilhação, de perda, de abandono.
- A água pode ajudar. – a segunda me abraçou para conseguir me segurar quando viu que meu ar estava quase acabando.
- Mas não o queremos aqui. – se aproximou de mim quando viu meu desespero e me deu um beijo. Normalmente um beijo de sereia consegue fazer com que você respire debaixo d’água, mas apenas quando elas querem. – Corrompido.
- Corrompido. – repetiu a outra.
- Corrompido, corrompido, corrompido. – ficaram girando a minha volta falando sempre a mesma coisa.
- Parem! - falei, afinal, agora eu conseguia respirar direito. – Eu não sou corrompido!
- As trevas te tomam. – pararam de girar a minha volta.
- Não há como escapar.
- Se entregue!
Elas começaram a cantar uma música suave, mas ela penetrava meus ouvidos como se fossem agulhas grandes perfurando meus tímpanos. Eu preciso sair desse lago, eu preciso sair daqui. Tentei nadar, mas meu corpo estava realmente frio, muito, muito frio mesmo. Piorou ainda mais quando vi elas nadarem a minha volta enquanto cantavam. Tentei tapar meus ouvidos, não adiantou.
- Chega! – falei. – Parem!
Não adiantava, a canção parecia cada vez mais alta. Uma raiva muito forte pareceu crescer dentro de mim até não conseguir segurá-la mais.
- Eu disse CHEGA! –gritei.
Nesse momento parecia que uma luz roxa saiu de meu corpo, ela era tão forte que as sereias acabaram sendo afetadas. Elas deixaram sua verdadeira aparência aparecer, de um monstro marinho com dentes afiados como tubarão e garras tão compridas quanto de tigres. Seu rosto parecia uma mistura de cobra e peixe, seus olhos ficaram completamente amarelos e seus brilhos pareciam de cores mais escuras.
- Isso! – disse uma. – Se liberte, entregue-se, se corrompa mais.
- Seu destino já está escrito, a destruição se aproxima.
- Eu irei mudar esse destino, nem que eu tenha que matar quem me impedir! – senti algo crescer dentro de mim e sair para fora, quando vi uma aura roxa rodava meu corpo até começar a atacar as sereias. Elas gritaram quando as atingiu e nadaram para o fundo do lago de novo.
Ao vê-las sair o sentimento de raiva acabou sumindo, meu corpo, que havia ficado quente, começava a sentir as pontadas frias da água de novo. Aproveitei que ainda tinha o feitiço e a força e nadei para a superfície. Ao chegar lá olhei para a lua, ela parecia estar com parte tapada, como um começo de eclipse. Nunca a vi fazer isso sem ser nos dias certos para algo assim acontecer.
- Fui eu que fiz isso?...
Ouvi rosnados vindo da floresta, mas nada aparecia. Não era baixo, mas não conseguia ver de onde vinham. Fiquei no lago ainda tentando achar os donos dos sons, mas eles acabaram sumindo logo, foi aí que escutei uma voz fraca que ia se aproximando cada vez mais.
- Cedric! – era Raven. – Finalmente o achei! O que pensa que está fazendo? Sumir assim do nada sendo que está fraco ainda! Venha, irá piorar ficando nessa água gelada!
-... – eu me sentia feliz por Raven ter mostrado que estava preocupado comigo, mas ao mesmo tempo não queria voltar para a aldeia. E se as fadas souberem do que aconteceu? O que elas iriam dizer? Algo cresceu dentro de mim, algo maligno e poderoso. Tenho certeza que serei condenado por causa disso. – Me desculpe... – falei baixinho e comecei a nadar para o outro lado do lago.
- O que está fazendo?! Cedric!
Eu não vou voltar, eu não posso voltar. Raven irá ficar decepcionado por ter me resgatado se souber que estou cada vez mais corrompido. Ele já deve estar decepcionado comigo. Eu quero ir para longe, quero fugir de tudo isso. Eu não quero mais ser representante da lua! Eu já sou indigno para isso!
- Cedric!
Olhei uma última vez para Raven quando sai do lago. Estava realmente frio, mas isso não iria me impedir. Comecei a me afastar e então saí correndo enquanto escutava-o me chamando. Corri o máximo que consegui aguentar, meu fôlego não estava sincronizado com a corrida, então não consegui aguentar tanto. Com a corrida e adrenalina consegui me aquecer, mas as roupas pareciam pesadas demais pelo frio e por estarem encharcadas. Tirei pelo menos a parte de cima, já ajudou bastante. Parei me encostando em uma árvore grande para descansar e tentar ver onde eu estava. Era escuro demais ainda e a lua era tapada pelas árvores, a luz não me atingia. Acabei deitando ali mesmo, estava cansado então me deixei levar.
--||--
“-Você que criou essa destruição!
Gritavam enquanto chamas dominavam o local.
- Deveria se sentir envergonhado!
- Como algo impuro assim conseguiu nascer sacerdote?!
- Morra, demônio da destruição!
Várias mãos vinham para cima de mim, mas foram impedidas pelo fogo que as pegou e começou a derreter suas peles. Era um fogo escuro, as florestas estavam destruídas, todos lugares se via apenas ruínas. Corpos jaziam mortos ao chão e eu estava sozinho no meio de tudo.
Eu que causei isso?...
- MORRA!”
--||--
Acordei em um susto. Fiquei ofegante relembrando onde eu estava. O ar frio cada vez mais me fazia tremer e congelar. A roupa que ainda sobrava em mim ainda estava encharcada e era gelada. O que eu estou fazendo aqui? Se eu morrer então uma guerra irá acontecer por minha culpa, se eu continuar vivo as chances de causar a destruição também são grandes. Esse peso sobre mim é muito forte. Cheguei a lembrar de quando estava comemorando meu aniversário, minha felicidade por ser o representante da lua era enorme, mas agora esse sentimento quase não existe mais. Só para piorar não haviam me contado de que eu seria quem geraria o filho. Mas que droga! E para piorar tudo ainda cheguei a amar alguém que me tratava como um brinquedo. Sem contar que fiquei grávido dele por causa disso! Aaargh! Quero apagar a minha mente! Quero esquecer de tudo que aconteceu! Sumam memórias! Sumam! Por favor!
Escutei de novo os rosnados se aproximarem de mim. Dessa vez consegui enxergar direito o que fazia eles. Eram lobos, mas não apenas os lobos. Eles estavam possuídos pelos Mors, assim a floresta não iria impedi-los de entrar. Essa não!
- Não se aproximem! – gritei e virei na direção oposta para fugir, mas notei estar cercado por eles. – Não!
Não tinha para onde escapar. Eu não devia ter fugido, por que sempre faço as escolhas mais idiotas? Família, me desculpe por não ser o representante que vocês queriam que eu fosse.
- Cedric!
- Raven?! – como ele me encontrou?! Não acredito, ele ficou o tempo inteiro me procurando?!
Vi que os Mors estavam dispostos a lutar contra ele, mas notei que ele pegou um pó mágico e assoprou-o em direção a eles depois de recitar um feitiço. Os lobos começaram a cair no chão e seus corpos paravam de exalar uma aura sombria, ele purificou-os pelo jeito. Com isso Raven se aproximou de mim para me abraçar.
- Eu te procurei em todos lugares! Por que correu de mim?!
- Raven... – eu não sabia o que dizer ao mesmo tempo que não sabia o que sentir. – Ra... vem... –comecei a chorar compulsivamente enquanto retribuía aquele abraço.
Ficamos ali por um bom tempo parados. Ele ficou ali me confortando o tempo inteiro sem parar até eu me acalmar.
- Você está gelado! Aqui, use. – colocou sua capa ao meu redor. – Seus pés estão machucados. – disse observando que havia um pouco de sangue embaixo deles. – Vou te levar de volta para cuidar disso. – e me pegou no colo.
- H-hey... – tentei protestar, mas ele me olhou com uma expressão decidida. – O-ok...
Raven caminhou por um bom tempo, não imaginei que havia corrido tanto. Fiquei quieto todo o tempo, na verdade estava quase pegando no sono de novo, afinal, os pesadelos sempre acabam me acordando então não durmo muito.
- Se quiser dormir, pode dormir. – disse ainda olhando por onde caminhava.
-... Como me encontrou?
- É que eu consegui sentir seu cheiro de longe. Você ta fedendo. – falou fazendo uma careta.
- O que?! – eu estava?! Tão forte assim?! Não, ele só pode ta tirando com a minha cara, descobri que sim quando ele começou a rir com a minha reação. – Babaca... – falei envergonhado desviando o olhar de seu sorriso, era a primeira vez que o via sorrir, de certa forma isso me deixou tranquilo. – Não se fala isso pro seu noivo.
-... – nessa hora ele parou de caminhar, seu olhar parecia vago.
- O que foi? – perguntei curioso.
- Sobre isso... Na verdade eu não sou quem você irá se casar para o ritual.
- M-mas! Você é o representante do sol!
- Sim, mas não fui escolhido para o ritual. Meu dever é te levar para seu verdadeiro noivo.
Fiquei em choque! Como assim não será com ele?! Verdadeiro noivo?! Minha mente ficou a mil em pensamentos. Por que não será ele? Então como em minha família existem outros que nasceram como sacerdotes do sol. De certa forma um medo começou a me tomar quando Raven disse que não irá se casar comigo. Então quem será a pessoa que estou destinado?
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