POV-Axl
— Vai me dizer o que está acontecendo? — perguntei enquanto Vicky trocava de roupa para dormirmos.
Ainda era cedo, pouco mais das dez, mas ela parecia cansada e dizia querer dormir. Eu estava tentando há horas descobrir o que estava a deixando tão ansiosa, mas ela simplesmente não me respondia.
— Eu já lhe disse. — ela respondeu. — São apenas preocupações normais. É só isso. Foi um dia cansativo, eu só preciso descansar.
— Você está estranha desde que voltou do hospital. — falei, bufando. — Izzy também não voltou ainda. Eu sinto que você está escondendo algo de mim.
— Não estou, eu juro que não estou. — disse ela, suspirando. — Eu só estou extremamente cansada.
Apesar de Vicky parecer extremamente cansada, aquilo ainda não tinha me convencido, porém, decidi relevar e esquecer isso por um momento. Eu poderia ameaçar Isbell para me contar depois.
— Bom, tudo bem. — falei, suspirando. — Vou tomar um banho. Tudo bem?
— Claro. — disse ela, sorrindo levemente.
Dei de ombros e fui para o banheiro. O banho foi um pouco demorado, tanto que quando voltei, Vicky já estava dormindo tranquilamente sobre minha cama, mesmo ainda sendo tão cedo.
POV-Izzy
Quando cheguei ao hospital, Kalina estava ainda sedada. Ela ainda estava com a mesma aparência fraca e pálida, porém, ainda estava viva e isso me causou um alívio imediato. Anne avisou que deixaria um policial de vigia na porta e que eu deveria ligar se precisasse de algo, eu apenas concordei e balancei a cabeça em despedida.
Durante as primeiras horas da noite, embora o cansaço estivesse presente, não permiti que meus olhos se fechassem. Eu nem sequer entendia o motivo de estar fazendo aquilo, mas eu sabia que precisava fazer. Aquela garota tinha sérios problemas e possivelmente não iria durar muito tempo se continuasse com aquele modo de vida.
Eram quase três horas da manhã quando os primeiros sinais de consciência começaram a surgir, o que fez com que eu chamasse uma enfermeira, que não demorou a aparecer.
— São apenas reflexos. — disse ela com um sorriso depois de examinar a garota. — Sinceramente, ela é uma garota muito corajosa e extremamente forte. Ela ficará bem.
— Você acha que ela terá sequelas? — questionei.
— Bem, o vício ainda existirá e ela possivelmente terá que passar por alguns tratamentos psicológicos. Vítimas de tráfico normalmente não conseguem sobreviver por tanto tempo nessa vida de “mula”, porém, como eu disse ela é bem forte.
Ela deu um último sorriso e disse que voltaria mais tarde, em seguida se retirou, deixando-me sozinho com Kalina novamente. Mais um tempo se passou e eu estava exausto, tentando não dormir, contudo, acabei vencido pelo cansaço e caí no sono enquanto me apoiava na cama.
****
Quando acordei foi com alguém passando as mãos pelo meu cabelo e cantando uma canção em uma língua que eu não conhecia. Abri os olhos lentamente, levantando e tentando me situar. A primeira coisa que vi foram os olhos de Kalina, a qual tinha um sorriso simpático no rosto.
— Bom dia! — disse ela com o sotaque de antes.
— Ah, bom dia. — respondi meio atordoado.
Ela ainda estava deitada e ainda parecia fraca, porém, seu sorriso se mantinha em seus lábios. Olhei no relógio e já eram quase sete horas da manhã.
— Faz tempo que está acordada? — questionou ela.
— Não. — disse ela. — Acordei agora pouco.
— Como se sente? — questionou com um pouco de preocupação.
— Exausta, eu diria. — respondeu. — Meu estômago dói de um modo absurdo e está um pouco difícil respirar, mas acredito que eu esteja bem.
— Entendo. — falei. — Vou chamar a enfermeira para te examinar, tudo bem?
Ela pareceu tensa por um momento e seu sorriso vacilou, porém, concordou com a cabeça. Chamei a enfermeira e depois de alguns minutos ela adentrou o quarto, acompanhada da mesma médica do dia anterior.
— Bom dia! — disse a médica, segurando uma prancheta. — Como se sente?
— Oh. Meu estômago dói e tenho um pouco de dificuldade para respirar, mas acredito que eu esteja bem. — respondeu Kalina.
— Bom, tivemos que fazer uma cirurgia de emergência. Dois pacotinhos de substâncias estouraram, mas por sorte os tiramos antes que causasse tanto estrago. Você teve duas paradas cardiorrespiratórias na cirurgia e um começo de overdose. Seu corpo estava bastante prejudicado, mas até o presente momento acredito que não haverá sequelas graves. — explicou a médica. — Seu estômago sobretudo está sensível e devido a pneumonia seus pulmões estão sob pressão, contudo, com alguns remédios você ficará boa logo.
— Entendo. — disse Kalina, parecendo apreensiva.
— Bom, eu sei que não é um bom momento para isso, mas, bem, tendo em vista sua situação, eu acredito que seria interessante você procurar um auxílio psicológico. — disse a médica com cautela. — Eu sei que você foi uma vítima de quem quer que tenha feito isso com você, mas infelizmente as drogas, mesmo que ingeridas involuntariamente, causam alguns vícios. Pode ser que você tenha crises de abstinência e que seu corpo sofra com isso.
— Eu compreendo. — disse Kalina, dessa vez parecendo triste. — Obrigada pelos seus serviços, doutora.
A doutora sorriu e se despediu, deixando com que a enfermeira medicasse Kalina. Quando voltamos a estar sós, Kalina pareceu apreensiva.
— Está tudo bem? — questionei.
— Bem, acho que sim. — disse ela com um olhar opaco. — Nunca imaginei que iria acabar assim.
— Uol, mas isso não acabou ainda. — falei, tentando animá-la. — Digo, sua vida não acabou ainda. Você tem uma nova chance.
Ela deu um pequeno sorriso.
— É um pouco mais complicado do que isso. — disse ela. — Mas obrigada pelas palavras.
Acabei não tendo o que responder.
POV-Anne
Era bem cedo quando cheguei ao bairro que Izzy tinha me informado em seu depoimento. Passei a noite toda fazendo anotações e mapas das informações que eu já tinha sobre o caso, que aparentemente poderia ser o maior da minha carreira. Acordei por volta das sete da manhã e me preparei para ir até o local onde Izzy disse ter visto a garota pela primeira vez.
O lugar não era distante e ficava na parte badalada da cidade, então havia muitos bares além daquele que Izzy comentou. Não demorou, porém, para que eu achasse o correto. O lugar estava fechado, mas uma pequena verificação fez com que eu descobrisse que havia uma entrada pelos fundos, a qual estava sem segurança e sem qualquer tranca.
Como um bar vazio, havia uma certa morbidade, estava escuro e o lugar parecia sem vida. A chuva batia contra o telhado, fazendo leves barulhos, enquanto eu caminhava para dentro. Passei pelo que parecia ser um camarim e ao lado havia uma cozinha, em seguida cheguei até o ambiente interno.
Havia um único homem lá, estava atrás do bar e limpava alguns copos enquanto assoviava uma música.
— Olá? — chamei.
O homem virou-se rapidamente, assustado.
— Que droga! — disse ele, colocando a mão no peito. — O que faz aqui?
Ele não parecia perigoso, bem ao contrário, parecia amigável. Tinha cabelos castanhos, usavas algumas pulseiras de couro e seus olhos tinham um tom de mel. Ele parecia jovem.
— Desculpe. Eu não quis assustar. — falei, tentando ser amigável. — Meu Nome é Anne, eu sou a responsável pelo Distrito Policial Central. Estou investigando um caso e gostaria de saber se você conhece uma garota chamada Kalina, ela é loira e tem um sotaque russo.
— Oh, tudo bem. — disse ele, respirando funcho. — Bem, diversas garotas passam por aqui durante a noite. Você vai ter que ser mais especifica, policial.
— Certo... — concordei, soltando um suspiro. — Ela esteve em uma confusão há algumas noites. Izzy Stradlin aparentemente a defendeu.
— Ah, Izzy? O guitarrista? — ele questionou, mudando completamente para um tom mais animado, em seguida pareceu pensativo. — Bom, deixa-me recordar... hum... oh, claro!
Ele deu um sorriso.
— Agora eu me lembro da confusão. A garota estava sendo forçado por um dos merdinhas que frequentam esse lugar, mas Izzy não gostou disso e foi pra cima do sujeito. Você sabe... Izzy é um cavalheiro, apesar de toda fama. Bem, sobre a garota, eu já a vi algumas vezes por aqui, com diversos caras de diferentes, porém, a maioria deles era russo, igual a ela.
— Sabe me dizer se ela mora por aqui? — questionei.
— Ah, bem, eu não posso garantir, mas possivelmente na View Street. — ele respondeu. — É onde os estrangeiros vivem normalmente. Você encontra chineses, russos, alemães, espanhóis. Possivelmente ela deve viver por lá.
— Bom, tudo bem. — concordei e peguei meu cartão, colocando sobre o balcão. — Se souber de algo, pode me ligar?
— Claro. Tenha um bom dia. — disse ele, animadamente.
Concordei com a cabeça, agradecendo, e saí dali em seguida. O caminho até a rua mencionada não foi longo, um pouco mais de dez minutos de carro. O lugar não era novo para mim, pois durante o dia recebíamos diversos casos daquela região, principalmente sobre homicídios e brigas de máfias rivais.
Los Angeles era um paraíso, com toda certeza, mas também havia sua parte infernal.
A região era perigosa e um pouco decadente, haviam prédios de diversos tamanhos e diversas decorações, desde aqueles com bandeiras chinesas até os com bandeiras alemães. Era uma mistura de diversidade que muitas das vezes não acabava bem.
Deixei o carro próximo a uma construção abandonada e não tive outra escolha a não ser ir perguntando para as pessoas se alguém conhecia Kalina. Depois de quase uma hora rodando e de alguns subornos — que infelizmente eu não tive escolha, finalmente cheguei a um prédio vermelho de pouco mais de seis andarem. O porteiro era russo, porém, foi gentil e falou na língua inglesa sem muita insistência. Ele me deu alguns dados e informou o apartamento em que aparentemente Kalina morava.
Subi as escadas lentamente, colocando a mão sobre meu coldre, e cheguei até o apartamento. Bati algumas vezes na porta e quando fui bater mais uma vez, ela foi aberta.
A figura que me recebeu não parecia amigável e, para piorar, parecia bêbada. Era um homem alto, corpulento com olhos escuros com olheiras e que cheirava á lixo. Ele tinha um sorriso perverso no rosto que subiu quando viu a arma e o distintivo preso a minha cintura.
Rapidamente, ele tentou fechar a porta, mas possivelmente a bebida estava afetando sua coordenação, deixando-o mais lento, e permitindo que eu empurrasse a porta com força o suficiente para derrubar o homem no chão e permitir que eu adentrasse o local. Ele gemeu de dor, possivelmente pela queda e pelo nariz que agora estava sangrando.
— твоя американская сука. Убирайся из моего дома. — disse ele em russo, colocando a mão sobre o rosto.
Possivelmente o confronto com a porta tinha quebrado seu nariz.
— Você vai ter que ser mais específico se quiser conversar comigo. — falei enquanto apontava segurava sua arma e olhava ao redor do apartamento, checando se havia mais alguém ali.
— Eu disse para você sair da minha casa, vadia americana. — ele disse com o mesmo sotaque que Kalina.
Acabei rindo.
— Acredite, já fui chamada de nomes piores. — falei e apontei a arma para ele. — De bruços, vamos, mãos na cabeça. Você vai ser levado em custódia.
Apesar de ter um sotaque forte, ele pareceu entender minha ordem, pois rapidamente virou de bruços e colocou as mãos na cabeça. Fui rápida em me aproximar e algemá-lo, apenas por precaução. Eu ainda não tinha nada concreto contra ele, exceto pela tentativa de fuga, então eu tinha que no mínimo achar algo que me permitisse interroga-lo.
O lugar era pequeno, tinha dois quartos, uma cozinha, um banheiro e uma sala, todos muito pequenos e sujos. Havia latas de comida, caixas de pizza e muitas garrafas de bebida espalhadas pelos cantos, além disso, a cozinha exalava um cheiro podre e havia insetos por todos os cantos. Era a decadência total.
O único lugar, porém, que era limpo e organizado, era um dos quartos. Aparentemente, era lá que Kalina vivia. As paredes tinham um tom azul pastel, o lugar estava incrivelmente limpo e era completamente diferente do restante da casa. Havia um abajur em forma de estrela e uma penteadeira cheia de ursinhos de pelúcia, além de uma calma feita e uma estante de livros com livros em diversas línguas.
Aquela era a prova de que a garota era apenas mais uma vitima de alguém muito nojento. Saí do quarto dela e fui para o outro, o qual o estado era mais deplorável que o restante do apartamento.
Olhei ao redor daquele cômodo que cheirava tão ruim quanto o homem deitado na cozinha. Havia um pequeno guarda-roupa, uma cama de casal e uma pequena escrivaninha com um banco. Caminhei em direção até essa última e me deparei com alguma saquinhos de pó azul, iguaizinhos ao que Kalina estava carregando no estômago.
Eu sabia que aqueles não eram os únicos, embora fossem o suficiente para servirem como provas, então decidi procurar mais. Olhei dentro do guarda-roupa e também atrás dele, mas não havia nada, então só me restava um dos lugares mais óbvios: abaixo da cama.
E então, foi que eu encontrei.
Embaixo da cama, diversos pacotes com a mesma substância em pó azul.
Voltei para a cama e olhei para o homem, que tinha um olhar de raiva contra mim.
— Você sabe, cara. Você está tão encrencado. — falei, sorrindo.
— Você não tem noção de com quem está lidando, cadela. — resmungou.
— Acredite... eu tenho sim. — revidei.
Eu tinha as provas que precisava para manter o filho da mãe em custódia.
Com o apartamento cheio de drogas, não demorou muito para eu pedir por reforços, os quais não demoraram a chegar juntamente com uma equipe de peritos. O apartamento estava isolado e o suspeito já estava a caminho da delegacia.
— Chefe, achamos mais pacotes no banheiro e sobre o assoalho da cozinha. — disse uma das peritas.
— Certo. — comentei. — Sabe me dizer se encontram algo no quarto da garota?
— Não, nada. O lugar é o único cômodo habitável da casa. — disse ela. — Mas, eu achei algo que você vai querer ver.
Acompanhei a perita até o quarto, assim que entramos, ela fechou a porta, mantendo somente nós duas ali dentro.
— Eu já colhi as digitais daqui, mas enquanto eu olhava a porta, achei isso. — disse ela, apontando para as diversas marcas na madeira de porta.
— O que são? — perguntei, embora tivesse um palpite.
— Trancas. — disse ela. — Trancas antigas. A mais recente, que é essa que está inteira, aparentemente está firme e forte, mas essas marcas são de trocas antigas que eu aposto que foram arrombadas.
— Ela estava tentando se proteger. — comentei, quase que como um sussurro.
— Sim, e não é só isso. — disse a perita. — Eu achei isso aqui.
Ela levantou o colchão de Kalina, havia uma pequena caixa de madeira. Quando aberta, a caixa continha uma arma, um pequeno maço de dinheiro preso por um elástico e também uma carta.
— Eu li o conteúdo da carta, e sinceramente, essa garota não era um deles, mas sim uma vítima.
— Certo. Eu quero que pegue todo DNA e toda evidência e leve para o laboratório. — falei, rapidamente. — Quero que procure por todo maldito banco de dados desse país.
Ela apenas concordou com a cabeça e, mesmo que contra o protocolo, eu não tive escolha a não ser pegar uma mochila e colocar algumas roupas para Kalina.
Aquela garota definitivamente estava no programa de proteção a testemunha.
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