- Não se mexa! – Soltou bruscamente, mas não intencional.
- O que pensa que está fazendo? – Soo Yun encarou o soro que o médico pendurava num suporte metálico. – Responda doutor, o que é isso?
- Vitaminas.
- Sério? – Perguntou irônica e Jin a encarou. – Por que está me dando vitaminas?
- Você precisa descansar Capitã, está anêmica.
- Impossível! – Sentou pronta para puxar a agulha do braço, mas antes que pudesse fazer qualquer movimento Jin segurou sua mão no meio do caminho.
- Não é impossível. Você está abaixo do peso e exerce atividades que requerem um pouco mais de atenção em relação á alimentação. É natural que isso ocorra, de qualquer forma é só tomar as vitaminas que irei lhe receitar.
Soo Yun encarou Jin nos olhos durante um tempo e se permitiu suspirar.
- E meu pai?
- Perdão? – O garoto por algum motivo sabia qual era preocupação dela.
- Meu pai me viu desmaiar? Sabe que estou com isso?
- Infelizmente sim, você caiu no meio do corredor seria até estranho se ele não visse. – Riu debochado. – Mas não, ele não sabe que está com anemia.
- Droga! – Disse para si mesma, mas não passou despercebido aos ouvidos atentos do jovem médico.
- Qual é o problema dele? – Encostou-se à maca ao lado e Soo Yun deixou o corpo cair sobre o travesseiro.
- Não quero falar sobre isso, se não se importa.
- Acho que padecemos do mesmo mal Capitã Lee. Exatamente do mesmo mal.
- Por quê? Seu pai é um tirano enviado do inferno pelo próprio Lúcifer?
Jin riu e um arrepio percorreu todo seu corpo. Como poderia sorrir naquele momento?
- Talvez ele tenha sido enviado junto com o seu, pelo que parece.
- Quanto tempo terei que ficar aqui? – Encarou o soro que pingava uma gota a cada dez minutos.
- O tempo que for necessário, descanse. Faz dias que está acordada percebo, se houver alguma novidade lhe informarei imediatamente.
- O Dr. Jung Hoseok... – Jin arqueou uma sobrancelha e a encarou esperando. – Posso falar com ele?
- Acredito que não, ele deve estar operando nesse momento. – Conferiu o relógio no pulso. – Mas avisarei que você está esperando.
Soo Yun fechou os olhos e respirou fundo. Sabia que de nada adiantaria contrariar, Yoongi estava na UTI completamente apagado e ela estava fraca e com tanto sono que tinha a impressão de que desmaiaria novamente. Resolveu dormir um pouco, talvez quando acordasse as coisas estivessem melhores.
Quando o torpor começou tomar conta de seu corpo trazendo consigo o sono, sentiu a ardência em uma das mãos. Abriu os olhos minimamente e viu o médico arrogante mexendo em alguma bandeja metálica. Segurava sua mão com cuidado, com tanta gentileza que quase se esquecia de quem se tratava.
Os olhos se encontraram por um breve instante.
- Acho que não está fraturada. – Fez o comentário mais para si do que para ela e viu o momento exato em que o calmante no soro começava a fazer efeito. A garota piscou algumas vezes lentamente e adormeceu.
Jin que continuava acordado seguiu limpando a mão machucada. A mão inteira da garota cabia praticamente em sua palma. Era pequena e visivelmente delicada, no entanto quando a segurou para limpar o sangue já seco sentiu a pele áspera. Os calos logo abaixo dos dedos. Ficou se perguntando a que tipo de treinamento tinha se submetido para chegar aquele ponto.
Pela forma como o pai a tratou, sabia que sua vida não tinha sido tão fácil assim. De certa forma uma questão martelava sua cabeça: por que tinha escolhido essa vida? A capitã era uma garota atraente, poderia ter sido o que quisesse: Advogada, modelo, atriz, administradora, contadora e até mesmo médica. Mas por que exercito? Por que se submeter a tudo isso?
Quanto mais ela teria que ver? Não por ser uma garota, afinal, não duvidava de sua força... Mas por poder escolher. Não parecia gostar do que fazia. Pelo contrário, parecia odiar. Ainda mais agora que seu trabalho poderia ter tirado o homem que amava.
Mas que grande merda.
O que seu trabalho tinha a ver com perder Sophie? Ele havia sido treinado por anos para poder salvar vidas e, no entanto, a única vida que realmente gostaria de manter a salvo...
A perdeu em sua mesa...
- Jin? – O amigo entrou chamando o mais velho.
- Hokeok... O que foi?
- Eu queria saber quem estará nos plantões dessa semana, perguntei para a recepcionista mas ela disse que você não tinha definido isso ainda.
- Tem razão! Preciso ver isso urgente. – Respirou fundo passando a mão pelo cabelo. Estava cansado de tudo! Da vida, daquele hospital. – Por que está perguntando, tem algum compromisso?
- Na verdade não, iria pedir para que eu ficasse com os plantões nas próximas semanas.
- Algum motivo em especial?
Perguntou mas quando viu os olhos do médico cravados na garota desacordada, soube imediatamente.
- Não! – Defendeu-se sorrindo envergonhado por ter sido pego no flagra. – Não é o que está pensando hyung, só quero acompanhar de perto o caso do tenente Yoongi. Eu quem fez a cirurgia, então quero estar por dentro sobre tudo.
- Hum... E como ele está?
- Pra ser sincero, não muito bem. Um ferimento á bala no lóbulo temporal, a bala se estilhaçou. Com a queda ele sofreu um traumatismo craniano. Honestamente não faço ideia de como isso aconteceu, ou como foi essa tal queda, mas foi feio.
- Coma?
- Na hora. Não induzimos, se quer saber. Não temos previsão sobre quando ou como vai acordar. De certo, sem memória nenhuma e alguns problemas cognitivos.
- Ela já sabe? – Jin perguntou encarando a capitã que parecia pequena sob a maca.
- Sabe! Eu contei a verdade á ela, e então ela começou a socar a parede. – Apontou para o ferimento que Jin tinha acabado de limpar. – Fiquei assustado.
- O que você acha? Sua opinião profissional, quais as chances do rapaz?
- Acredito que uns 35% e não é garantido. – Olhou para Soo Yun. – Tenho pena dela.
- Pena por que Hobie? Ela é forte, foi treinada para isso. É capitã do exército! Sabe em quanto tempo nós dois conseguiríamos chegar onde ela está?
- Treinada para isso... Um pouco cruel, você não acha?
- Pouco? – Riu sarcástico.
- Eu soube da Sophie. – Falou baixo. – Jin, eu sinto muito!
- Não sente tanto quanto eu. Estou a ponto de enlouquecer Hoseok! Não consegui salvar a mulher da minha vida.
- Jin não tem como! Seja lá o que aconteceu com ela, não tem como. Você viu os estilhaços? Eles dilaceram a pessoa por dentro!
- Estilhaços? – Jin encarou o amigo. – Você viu também?
- Sim, eu vi no tenente. Pra ser honesto eu nunca tinha visto balas que fizessem isso! Um dos soldados disse que foi tudo muito rápido.
Jin encarou a garota e ficou tentando encaixar os fatos. Não tinha parado para pensar sobre isso: O que realmente tinha acontecido? Haveria alguma ligação?
- Olá, com licença! – Os dois foram tirados de seus pensamentos e encararam a porta. – Olá Dr. Jung.
- Olá Capitão Kim! – Hoseok cumprimentou. – Esse é o Capitão Kim Taehyung, Jin. É irmão da Soo Yun.
- Muito prazer. – Jin disse seco. – Kim SeokJin.
- O prazer é meu, disseram que minha irmã estaria aqui. O que houve com ela? – Taehyung aproximou-se dos médicos.
- Sua irmã está dormindo á base de calmante, caso contrario ainda estaria acordada e isso não é bom para sua condição. – Jin explicou.
- C-condição? O que minha irmã tem?
- Anemia. – Respondeu e tanto Taehyung quanto Hoseok escancararam a boca. – Não vejo porque o espanto. Sua irmã está abaixo do peso, mal come, mal dorme. Está fraca e precisa de repouso. Não só repouso como também as vitaminas que receitei.
- Nossa! – Taehyung encarou o chão e suspirou. – Como sou idiota. Nem percebi!
- Acho estranho mesmo que não tenha notado. Ela está muito magra e extremamente pálida! – Jin disse em tom acusatório.
Taehyung encarou a garota em sua regata branca manchada de sangue. O médico tinha razão, estava muito mais magra que o normal.
- Jin, não precisa ser tão duro. – Hoseok chamou a atenção do amigo. – Ele é irmão dela, não tem como saber. Ela mesma deveria ter nota dos sintomas. Deveria ter percebido que algo estava errado.
- Não Dr. Jung, eu deveria ter notado. É que ela está sempre de farda, está sempre de um lado para o outro. Não para nunca! Achei que estivesse tudo bem. – Passou a mão pelo cabelo. – Aishhh mas que merda! Meu pai não sabe... Sabe? – Encarou os dois médicos.
- Não. – Jin quem respondeu.
- Mas qual é o problema se seu pai souber? – Hoseok arriscou, embora tenha presenciado a cena horas antes. – Ela é filha dele, precisa de cuidados assim como qualquer um! Não é um robô!
- Não é assim que as coisas funcionam na cabeça dele. – Taehyung respondeu vago e Jin cruzou os braços sentando na ponta da maca ao lado de Soo Yun.
- E como é que funciona?
- Ele não é meu pai na verdade, fui criado por ele apenas. Era muito novo, mas desde o princípio eu notei a forma como ele a tratava. Comigo ele é o melhor pai do mundo, mas para ela não passa de um carrasco tirano. Não tenho certeza sobre os motivos dele, mas eu sinto que ele a odeia. Ele a trata como se fosse um homem de 90kg que treinou a vida toda para ser um mercenário selvagem. Resistente ao frio, calor, a dor... Resistir á tudo!
- E por que ela aceita tudo isso? – Hoseok sentiu o nó se formando na garganta. – Ela é uma mulher formada! Entendo que quando mais nova não tivesse opção, mas e agora?
- Acho que ela ainda espera a aprovação dele.
- Mas por quê? – Hoseok continuava inconformado.
- Não faço ideia Dr. Jung, eu já chamei, já convidei e até implorei para irmos embora daqui! Para fugirmos para outro país. Temos dinheiro, somos formados, somos da lei! Ele nunca nos encontraria.
- Acho que encontraria. – Jin comentou. – Se ela quer provar alguma coisa á ele, nada vai mudar a cabeça dela. Afinal, não estamos falando apenas de uma garota comum. Estamos falando de uma mulher que é capitã da principal front militar do país.
- Não consigo concordar com isso! Não consigo acreditar... – Hoseok resmungou.
- Vocês não tem ideia do que ele já a fez passar.
- E você não faz nada? – Jin perguntou.
- Não posso! Se eu ficar contra ele, é provável que me mande para os confins do mundo só para alimentar seu ego. Eu a protejo do meu modo. Eu a afasto dele subliminarmente, porque se ele notar estou ferrado!
- Entendi, é melhor que ele goste de você e a odeie do que odeie vocês dois. – Jin concluiu.
‘Eu tinha razão...padecemos do mesmo mal garota. Do mesmo mal.’ – Pensou antes de deixar o quarto.
Taehyung encarou a irmão e logo seus olhos encontraram os machucados das mãos.
- Você não faz ideia de como ela sofreu no exercito! – Taehyung comentou com Hoseok e Jin que estava saindo parou sem que os outros dois vissem. – Eu lembro de uma vez em que ele queria que ela continuasse o treinamento com as costelas quebradas. Cara, foi terrível!
- E a mãe dela? – Hoseok quis saber.
- Abandonou o pai dela porque não o aguentou.
- Pensei que ele a desprezasse por ter morrido no parto ou algo assim.
- Não. Sempre quis saber o motivo, mas nunca descobri. Nem mesmo Soo Yun sabe, eu acho. – Taehyung suspirou. – Mas então quando ela recebe alta?
- Daqui algumas horas, assim que ela acordar. Ela precisa mesmo tomar as vitaminas Capitão Taehyung, caso contrário pode se tornar uma anemia profunda e isso pode se tornar um quadro mais sério.
- Vou me certificar que ela tome.
- Vocês moram juntos?
- Não, ela mora sozinha e eu também. Nos mudamos para perto de nossas bases. – Taehyung explicou. – Mas posso ficar com ela sem problema algum. Quando a comida acaba em casa eu praticamente moro lá.
Hoseok riu.
- Isso até ela mesma comprar e levar tudo. Dai nós temos que limpar meu apartamento juntos, e me dá um trabalho desgraçado. – Sorriu tagarelando para o médico que parecia satisfeito em ouvir. – Perdoe Doutor, eu falo pelos cotovelos.
- Não se desculpe Capitão! E divertido poder conversar assim. É relaxante no meio de tanta coisa ruim. – Comentou e Taehyung concordou. – E como o seu pai se sente sabendo que a qualquer momento ele vai perder o poder sobre ela?
- Como assim? – Taehyung ficou confuso.
- Porque ela é noiva do Tenente Yoongi, e se ela é noiva significa que ela vai se casar com ele. Certo? Logo ele não permitirá que o pai a trate assim.
- Isso é complicado... tecnicamente eles não são noivos de verdade. Acho que Soo Yun até já...
- Com licença Dr. Jung! – Uma enfermeira interrompeu e os dois garotos olharam. – Precisam do senhor na emergência.
- Oh sim. – Hoseok sorriu para Taehyung. – Preciso ir, depois nos falamos capitão.
- Até depois Dr. Hoseok.
Assim que o médico saiu Taehyung sentou ao lado da irmã. Passou a mão no rosto pálido e magro. Estava mesmo apática e abatida. Deveria ter percebido que ela não estava bem.
- Quem te deu autorização para sair falando da minha vida para qualquer um?
- AHHHHHHHH!!!!!!! – Gritou pulando para o outro lado da sala. – S-soo...
- Nada de Soo... – Tentou sentar. – Médico maldito, me dopou! Felizmente sou resistente a isso.
- Você tem que descansar Soo, tem que tomar as coisas que o médico te receitou.
- Eu estou bem! – Fechou os olhos. – Não fique tagarelando para qualquer um.
- Desculpa, mas é que eles pareciam tão preocupados com você.
- Ah claro.
- Eu precisava ser gentil com eles, afinal, eles estão cuidando do cunhado. – Taehyung falou e Soo Yun suspirou.
- Me leve pra casa. Anda, precisa de um banho.
Soo Yun puxou a agulha do antebraço e levantou cambaleante. Imediatamente Taehyung tirou o casado e jogou sobre os ombros da irmã. Ajudou-a até que ela estivesse no banho.
- Vou dormir um pouco aqui, tudo bem? – Perguntou se jogando no sofá comendo a pizza que já tinha encomendado no caminho.
- Tudooo! – Gritou do banheiro.
Soo Yun entrou na banheira e ficou encarando a veia roxa no braço onde tinha puxado a agulha. Teria que voltar ao hospital mais tarde, precisava ver Yoongi e de certo o médico a repreenderia.
Respirou fundo.
O que faria sem Yoongi? Deveria pedir dispensa no quartel? Como explicaria ao pai o tempo que permaneceria no hospital?
Descansaria por um tempo e voltaria para o hospital. Pensaria em tudo depois...
Depois.
...
Jin estava exausto. Os últimos dois dias tinham sido infernais! Mal suportava o peso do próprio corpo, queria muito ir pra casa, mas tinha medo de deixar o corpo de Sophie. Temia que o pai sumisse com ela e então não teria como se despedir.
Estava aguardando o relatório do residente, mas de alguma forma não tinha pressa. Era como se estivesse tentando prolongar seu tempo com Sophie. Ou o que restava dele.
Decidiu ir para o conforto médico descansar por um tempo, quando passou pelo corredor da UTI viu Soo Yun parada diante do vidro encarando. Hoseok já estava indo em sua direção com a prancheta quando Jin correu e tomou de sua mão.
- Deixa comigo! – Falou baixo e Hoseok ficou estático sem entender absolutamente nada.
Chegou ao lado da moça calmamente. Parecia uma adolescente: de jeans, coturno e moletom rosa claro.
- Pois não senhorita. – Disse calmo e quando ela o encarou, levou a mão no peito fingindo surpresa. – Quase não te reconheço sem todo aquele sangue.
- Haha.
- Não banque a engraçadinha comigo Capitã, sei que não terminou seu soro essa manhã. Vou ter que pegá-la á força?
- Acha mesmo que conseguiria? – Arqueou uma sobrancelha.
Jin pareceu pensar.
- Acho que não. – Olhou Yoongi pelo vidro. – Quer entrar um pouquinho?
- Eu posso?
- Claro, eu mando aqui! – Sorriu e abriu a porta pedindo que a enfermeira saísse.
Soo Yun aproximou-se da cama onde Yoongi encontrava-se entubado. Estava com a cabeça enfaixada, o corpo todo coberto pelo lençol e diversos fios saiam para todo lado.
- O que é esse tubo na boca dele? – Perguntou esfregando uma mão na outra. Queria tocá-lo.
- É para auxiliar respiração. Cada fio desse mede uma frequência, temos que ter certeza que tudo no corpo dele está funcionando perfeitamente.
- Ah sim...
- Pode tocar o rosto dele se quiser. – Jin alertou.
Soo Yun não demorou e tocou de leve o rosto pálido que estava mais pálido ainda.
- O que vão fazer com os estilhaços restantes? – Soo Yun perguntou e Jin continuou calado. – Os estilhaços...
- Ah...ah sim, claro, os estilhaços...bom, eu acho que... – Começou a folhear a prancheta para ver a situação do paciente. Na verdade sequer sabia, tomou da mão do Hoseok, mas não pensou que ela faria perguntas. – Bom, estamos cuidando dele! – Disse por fim.
Soo Yun suspirou.
- Obrigada. Bom, já vou indo então. Logo preciso me apresentar no quartel para o relatório! – Falou rapidamente e logo sentiu a ruga entre as sobrancelhas. Por que estava dando explicações para ele?
- Eu estava indo tomar o café, quer me acompanhar?
- Eu passo, preciso passar em casa antes. Com licença! – Disse afastando.
- Eu preciso te passar a receita. – Falou seco. – Venha! Não me faça ligar para o seu pai.
Soo Yun revirou os olhos. Não tinha nem como fingir já que o bocudo do irmão tinha contado tudo e agora ele sabia como suborna-la: era uma mulher de 30 anos que obedecia ao pai como se tivesse 10.
‘Ótimo Taehyung, parabéns!’
Os dois caminharam em silêncio até a cafeteria e sentaram diante da janela que dava para a rua. Quando os dois cappuccinos chegaram, Jin tomou a iniciativa: tirou do bolso um bloco de receitas e escreveu algumas coisas que nem em mil anos Soo Yun conseguiria ler.
- O que é isso? – Ela quis saber, embora já tivesse certeza.
- Sua receita.
- Hunf! – Deu de ombros.
- Sabe capitã...eu sei que todo momento que puder, vai estar nesse hospital diante do vidro. A Uti é um lugar que não permite visitas, sabe disso não é? – Ela assentiu indiferente. – Se tomar todo medicamento, prometo estar diante do vidro no mesmo horário e deixar que entre para ficar um pouquinho com o Tenente. O que acha? É um bom acordo, não é?
- Tudo isso para eu tomar essa droga de remédio? E você, ganha o que com isso?
- Eu sou médico, não preciso ganhar nada. É só...empatia.
- Porque padecemos do mesmo mal? – Ela perguntou e Jin não pensou que se lembrasse.
- Exatamente isso.
- Obrigada pelo café e pela receita. Obrigada também por me deixar ver Yoongi. – Levantou saudando.
- Por nada Capitã Lee, até amanhã.
- Até Dr. Kim.
Soo Yun saiu rapidamente e só conseguiu respirar normalmente diante do espelho em seu banheiro. O cabelo puxado num coque muito bem feito, cara limpa e farda impecável. Precisava ir até o quartel fazer o relatório.
(Alô maninha, o que foi?)
- Onde o papai está?
(Está em casa, por quê?)
- Estou indo ao quartel fazer o relatório da missão, não quero ter que cruzar com ele.
(Estou indo pra casa nesse momento, fique de olho no celular, vou distraí-lo e te aviso sobre qualquer movimento.)
- Obrigada Tae. O que acha que comida chinesa essa noite?
(Leu meus pensamentos? Até mais tarde fedelha.)
- Até mais tarde insuportável.
(Te amooooooo!)
- Eu sei. – Desligou assim que entrou no carro. Encarou os próprios olhos no retrovisor.
- Não precisa ir nessa missão Capitã Lee, pode tirar uns dias de folga. A missão anterior foi bem sucedida, e logo teremos uma jornada nebulosa pela frente. Teremos a visita de dois presidentes aqui na Coréia, o país vai ficar um caos e eles precisam estar protegidos! – O homem disse cortês.
- Ela está ciente dessa missão, e com todo respeito major, dá conta das duas! – O Coronel Lee soltou sua risada diabólica. – Não é Soo Yun?
- Sem dúvida. – Respondeu seca em posição de sentido.
- Tem certeza Soo? – O major tornou a perguntar. – Não precisa aceitar se não quiser.
- Tenho sim major, confie em mim.
- Bom, já que as coisas estão certas eu vou para casa. – O coronel falou e ninguém lhe respondeu. Todo mundo detestava o homem, mas ninguém ousaria dizer, é claro. – Até mais.
Saiu deixando a sala em silêncio. Yoongi e Taehyung permaneciam no canto com as mãos para trás parecendo duas estátuas. Assim que a porta se fechou os dois correram até a garota.
- Soo o que está fazendo? – Taehyung quase gritou. – A Coréia do Norte está fazendo teste nuclear nesse momento, está querendo se matar?
- Estou apenas aceitando Tae, se eu não for, outro capitão irá.
- Outro capitão não é minha irmãzinha.
- Soo, o major disse que pode declinar. – Yoongi tentou. – Não precisa aceitar só porque seu pai o fez por você. Não precisa mais provar nada a ele.
- Eles têm razão Soo. – O major também interviu. – Seu pai não precisa aceitar nada por você. Vá somente se quiser.
- Está tudo bem, eu vou e volto antes que percebam. Deixem comigo!
- Soo, por favor...não! – Taehyung tentou mesmo sabendo que seria em vão.
- Montarei minha equipe senhor e até o final da tarde trago a lista para o senhor aprovar.
- Está bem. Quem vai levar como tenente? – O major perguntou voltando para sua mesa.
- Choi.
- NÃO! – Yoongi falou mais alto. – Eu vou!
- Não precisa Yoongi, vou levar o Choi como meu primeiro tenente. Descanse!
- Não. – Virou-se para o major. – Eu me inscrevo para a missão senhor!
- Está bem tenente Min, vá e proteja sua noiva e a equipe toda. Estou contando com isso!
Soo Yun encarou Yoongi e o garoto apenas sorriu. Saíram da sala seguidos pelos resmungos de Taehyung.
- Não precisava ter feito isso. – Ela disse ignorando o irmão.
- Claro que eu precisava, não consigo ficar tanto tempo longe de você... Até parece que eu iria deixar a mulher da minha vida uma semana inteira sozinha na fronteira.
- Bobo! – Sorriu envergonhada.
- Booobo. – Taehyung imitou e ela desatou a xingá-lo de diversos nomes perversos.
Sua mente vagou.
O semáforo estava aberto e o carro de trás já buzinava desesperado. Dirigiu adiante, precisava fazer logo isso. Precisava se livrar de todo o peso que sentia. Havia perdido muito.
Muito.
Decidiu ali, iria pedir o tal descanso que o major oferecera. Ignoraria todas as ordens do seu pai, pela primeira vez em sua vida. Iria dedicar seu tempo apenas àquele que se sacrificou apenas para protegê-la.
...
As pessoas imaginam se em algum momento as coisas se tornarão mais fáceis, se em algum momento nada faltará e nossa vida será plena e completa. O engraçado é que quando esses momentos chegam nós não os encaramos como os momentos que esperávamos, os encaramos como...apenas momentos.
E então quando passam e tudo se torna mais complicado do que o complicado deveria ser, pensamos em como deveríamos ter aproveitado mais, abraçado mais, rido mais, chorado mais, amado mais, falado mais. Aprendemos da forma mais difícil que o tempo...
...é uma das poucas coisas que não se recupera. Apenas se perde!
Soo Yun andava olhando para o chão, os pés levemente tortos no coturno surrado. Fazia o mesmo caminho todos os dias, no mesmo horário. Já fazia duas semanas que Yoongi estava hospitalizado. Duas semanas de pura agonia. Não havia um só momento em que conseguisse ficar em paz longe de Yoongi. Os pesadelos dobraram e as broncas do pai também.
Tinha só um breve intervalo de tempo, pouco, quase nada...mas que ficar em silencio era confortável, e não sufocante como costumava ser. Um breve espaço de tempo, lento e marcante, no qual esquecia um pouco quem era e o que tinha que fazer.
Apenas um momento...
- Pensei que não viria hoje. – Disse seco.
- E eu tenho alternativa? – Jogou a bolsa na cadeira ao lado.
- Já pedi seu café.
- Não sabe o que iria querer.
- Não sei, mas como eu estou pagando, vai tomar o que eu pedi: um cappuccino com chocolate e muito chantilly.
Soo Yun quase sorriu.
- Cara, você é um imbecil.
- É, eu ‘tô sabendo. Você fala isso todo dia! – Suspirou. – Soo...quero jogar as cinzas dela no penhasco acima do mar. Vai comigo?
- Sim...claro que sim.
Ás vezes temos essa vontade de sair correndo para o nada, gritando para tudo. Ás vezes acreditamos que não existe mais saída, que não existe nenhuma forma de se desvencilhar do sofrimento.
Mas ás vezes...só ás vezes, a vida nos prova que estamos errados.
Só por que...sim.
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