A animação da sala era completamente irritante, desconcertante, mas de certa forma trazia uma sensação de animação para Bakugou naquele momento. Apesar de o mesmo parecer emburrado enquanto rabiscava o próprio caderno sem propósito algum, apenas para passar os míseros dez minutos finais da aula sem ter que focar na rosto do professor Aizawa. Ele tagarelava sobre como as festividades toscas do ano estavam chegando e que Bakugou não saberia dizer qual, se fosse perguntado. Ele não se importava de qualquer forma e sabia que Aizawa não falava muito, mas quando fazia parecia não ter fim.
Bakugou podia ouvir as vozes de seus colegas sempre interrompendo o professor com alguma questão idiota, e a maioria vindas de Mineta. Outras vinham de Ashido, algumas de Izuku e outras várias, ele ouvia Kirishima fazer. E em algumas até se permitiu sorrir, mas claro nunca abertamente porque para si nem mesmo o melhor amigo merecia, mesmo sendo razão para a maioria.
Quando o barulho estridente do sinal indicando o fim da aula se tornou a única coisa que pôde ouvir, Bakugou não se impediu de levantar, pegar o único caderno e caneta que usava e sair da sala. Àquele dia estava sendo absurdamente irritante, não nível Midoriya Izuku. Um nível além. Algo o estava tirando do sério.
Ele ignorou a maioria das pessoas que chamaram por seu nome, pelo simples prazer do ato e quando finalmente saiu pelas portas do colégio sentiu os ombros leves e o nó na garganta amenizar. Seus dedos estavam quentes ele sabia, mesmo que agora a única coisa que estivesse segurando fosse a mochila que carregava. Bakugou podia ouvir os batimentos de seu coração, os passos rápidos que dava e sua própria respiração. O dia estava horripilante e nublado. Frio. Ele sentia algo internamente, uma sensação angustiante de algo ruim e decidiu seguir sua intuição, coisa que raramente fazia. Ele odiava ter que se sentir daquela forma, de ter medo.
Mas medo de quê? Não seria da liga dos vilões, não quando eles tinham feito pior nos últimos meses. Não, era outra razão e, enquanto continuava pensativo por todo o trajeto até o bairro que morava, Bakugou Katsuki se deu conta de que seu nervoso e medo se dava ao fato de que ninguém, nem mesmo seus pais, haviam lhe parabenizado por seu aniversário. Mas ele não ligava ou achava não ligar. Naquele minuto nem mesmo ele sabia dizer. Nunca deu a mínima para as pequenas coisas, nunca se importou com um cumprimento, com regras, com sentimentos, relacionamentos. Pessoas. Não desde que percebeu que se não desse tudo de si, essas coisas seriam ainda mais triviais. Ele odiava não estar nem mesmo próximo do objetivo que desejava e, ainda sim, mesmo que tivesse tido uma mudança drástica referente a como se portava com as pessoas, com o como trata cada uma e como lidava com seu próprio fracasso, ele ainda se sentia pequeno e ridículo, pelo menos nas vezes em que se encontrava sozinho, o que acabou por se tornar raro graças a Eijirou Kirishima. O garoto não o deixava em paz e era tão ou mais insano do que ele.
Bakugou riu amargo, chutando uma pedra ou outra e se desviando do caminho para casa. Ele ia para a colina naquele dia, seria a comemoração perfeita para o seu aniversário. Ele estaria sozinho, apenas envolto de árvores e de alguns animais que não fariam a menor questão de se aproximar. E estava tudo bem, ele pensou, depois de pegar o metrô e subir uma ou duas ladeiras, sentindo o cheiro de folha e terra molhada.
Tudo bem, ali era o lugar certo para se estar. Da colina, Katsuki poderia enxergar praticamente toda a cidade.
O Sol já estava quase se pondo dando lugar a Lua, as poucas estrelas naquela região já eram quase visíveis. Ele se sentou na grama verde, encolheu as pernas e fechou os olhos. Os dedos de suas mãos estavam menos quentes agora que ele estava relaxado. Agora em que ele se sentia menos ruim.
"Eu mereço isso, mereço ser esquecido, mereço não ser o herói número 1" pensou, acreditando no seu subconsciente, lembrando do dia em que foi salvo. Lembrando do dia em que seu ícone heróico havia perdido os poderes. Toda a força.
Para ele nada realmente seria bom. Ele não era bom, sabia disso e por isso sabia que não merecia amor, compaixão, sorrisos e elogios. Ele não conseguia se controlar, não conseguia ser paciente, calmo, equilibrado ou extrovertido, não como Kirishima. Ele não era carismático, era frio, cru, seco e nunca compreenderia certas coisas e pessoas. Seria sempre sozinho. Então, por que algo o estava incomodando? Por que o fato de ninguém lembrar do dia de hoje o feria, o fazia querer chorar? Era somente uma droga de dia qualquer.
As horas iam passando consideravelmente e ele se agarrava ao fato de que em algum momento teria que voltar e encarar a vida como ela era. Não ser um bom filho, amigo, aluno e herói. Ele estava quase se acostumando com tudo.
— Merda – sussurrou, a noite já alta e o frio mais violento como ele.
— Achei você, cara! – ele ouviu a voz masculina distante, baixa e ofegante. A voz que ora o irritava e ora o trazia para a realidade.
— Não lembro de dizer "Oi babaca, se eu sumir me encontra" – Bakugou respondeu afiado, virando o rosto e acompanhando com os olhos rudes os passos quase desengonçados do Eijirou.
— Você nunca pediria, nem se quisesse – Kirishima sorriu, sentando sem qualquer cerimônia ao lado dele na grama. Bakugou seguiu o encarando, encarando o rosto anguloso e a pele bronzeada, seguindo a linha do maxilar até as orelhas, olhos e o cabelo vermelho sem gel. Caído e liso. E o sorriso, o sorriso bobo e idiota.
– Certo – murmurou voltando a olhar a cidade. As luzes altas dos prédios, casas e veículos iluminando o pequeno círculo visto dali.
— Você não me esperou – Kirishima deu continuidade a conversa ainda não iniciada, olhando para a cidade também — Eu fui até a sua casa e seu pai me disse que não tinha chegado. Sua mãe está uma fera. Cara, ela fez um bolo para você. Eu vi, e é ridículo como lembra você.
— Não achei que alguém ia lembrar do meu aniversário, então quis vir para cá – deu de ombros, ignorando o alívio que sentia e implorando internamente para não transparecer no rosto.
— Eu lembrei – o amigo inclinou o ombro para baixo e empurrou-o de leve, a voz baixa. Quase magoado — Comprei fogos de artifício para soltar hoje. Foi difícil conseguir, mas o Todoroki me ajudou. E eu devo não sei o quê para ele. – Bakugou o encarou agora prestando a atenção nas roupas dele. Kirishima não usava mais o uniforme do colégio, o quê indicava que ou ele levou para o colégio, ou correu para o dormitório e se trocou rápido. Levando em consideração os cinquenta minutos que demorou para chegar na colina, o Kirishima correu.
— Você parece um imbecil exagerado – Katsuki sorriu maldoso. Ele queria agradecer o esforço, compensar o melhor amigo de alguma maneira, mas se fosse meloso seria capaz do próprio Kirishima estranhar e sair correndo dali.
— Eu me sinto um, cara – riu — Quase chorei correndo para cá. Se você não estivesse aqui, eu ia sentar e lamentar.
— Não exagera.
— Não estou – Kirishima se virou para ele, os braços cobertos com o blusão vermelho e as pernas encolhidas uma acima da outra — Faz um mês que estou planejando com seus pais a festa surpresa, provavelmente o pessoal já está lá.
— Surpresa? – franziu o cenho. Não ser lembrado era ruim, mas festa surpresa conseguia ser pior.
— Sei que detesta, mas era isso ou era a Ashido-san e o Mineta cantando.
Bakugou parou para imaginar os colegas de classe cantando e um arrepio passou por sua coluna. Céus, a festa era melhor.
— Tudo bem – sussurrou relaxado. Era incrível como diferente dos outros, ficar sozinho com Kirishima era tranquilo, mesmo que o garoto fosse uma matraca. Bakugou se sentia em casa, como se estivesse sozinho no quarto com suas coisas favoritas no mundo.
— Você vai? – O ruivo questionou surpreso e Bakugou só conseguiu confirmar em silêncio, ainda encarando o amigo. Ainda pensando nas suas coisas favoritas no mundo.
Eijirou Kirishima era sua coisa favorita no mundo.
— E os fogos de artifício? – quis perguntar apenas para se desviar dos pensamentos. Da sensação esquisita no peito.
— Vamos descer e ir para aquele terreno que o All Might lutou... soltamos lá e podemos ir para a sua casa depois.
— Tá – concordou, ainda inquieto. Nervoso. Apreensivo. Ansioso.
Kirishima sorriu para si antes de levantar do chão animado e erguer a mão para ele, como ajuda e convite. Bakugou aceitou.
Enquanto desciam a colina ouvindo os galhos quebrarem nos pés e rindo de qualquer coisa sem sentido, Eijirou Kirishima se sentiu feliz, finalmente conseguindo fazer com que o Katsuki o seguisse seja para onde fosse. Poderia ser bobo da parte dele, mas o mesmo se sentia orgulhoso por isso. Bakugou Katsuki era inusitado e quando o conheceu inicialmente, o Eijirou se sentiu perdido e inútil. Perdido porque não sabia como conquistar o garoto que admirava e inútil porquê achou que não conseguiria. Mas lá estavam eles compartilhando um segundo momento importante. O primeiro foi quando ele, Midoriya, Iida, Momo e Todoroki foram salvá-lo da liga dos vilões, e naquele instante desesperado Kirishima sentiu confiança, acreditou que era importante para o loiro explosivo. Hoje ele sabia que era.
Bakugou Katsuki era difícil, mas não impenetrável e diferente do que ele mesmo pensava de si mesmo, possuía sentimentos. Possuía medos, angústias e mágoas. Ele era orgulhoso demais para admitir, mas era um livro aberto e exibia todos os seus sentimentos, sejam positivos ou não.
— Bakugou – o chamou, quando pararam a dois passos de chegar no terreno e entrar.
Bakugou estava parado em sua frente, quieto e mortal, provavelmente recordando do dia. Kirishima sabia o peso que aquele local tinha para ele, sabia que ele se culpava por tudo. Que se sentia ridiculamente fraco.
Kirishima inalou o ar com força antes de dar os passos finais e, com o coração quase saindo pela boca, agarrou o pulso do outro com leveza, mas não tanta ao ponto de permitir que ele se soltasse, e os levou para dentro do terreno. Estava mais frio ali do que em qualquer lugar, e escuro. Assustadoramente escuro. Ambos deram alguns passos, afastados o suficiente da entrada e longe o suficiente de pessoas. Kirishima vasculhou a enorme bolsa que carregava – e que Bakugou notou naquele instante – e retirou um dos fogos de artifício de lá. O loiro riu baixo e incrédulo quando o outro deslizou o cano de papelão para si.
— Não ri – O ruivo pediu mesmo que também estivesse rindo – Você explode coisas e eu furo. É assim que a nossa dinâmica funciona, cara.
— Sim, e só por isso sou obrigado a acender essa coisa? – questionou ainda sorrindo, pegando o objeto da mão dele.
— Sim. Eu arruino e você conserta — ele riu, achando graça da própria resposta.
Bakugou assim como quando sorriu, ficou sério e o encarou sério, sem sequer um mísero de leveza no olhar e na voz quando perguntou novamente:
— Desde quando? — O ruivo piscou com o questionamento.
— Desde sempre?
— Eu sou o insuportável aqui, Eijirou. O babaca sem sentimentos, por isso quem destrói sou eu. — Bakugou afirmou sério e compenetrado, se concentrando no próximo ato. Não encarando o Kirishima em nenhum momento — Você é o garoto amoroso e forte que não enxerga o próprio potencial. – falou, apontando o fogo de artifício para o lado oposto ao do amigo. Houve um clarão e o barulho ensurdecedor de explosão antes do vermelho tomar o cenário vazio.
O Eijirou não respondeu ao falatório sem sentido do outro, apenas olhou para frente. Explodir não foi algo certo e agora o chão estava coberto de fogo. Vermelho vibrante, vivo. Kirishima sorriu para a vista, voltando a pegar no pulso do loiro. Bakugou olhou para o movimento e depois para o amigo.
— Eu sou o fogo e você o gás, mas não qualquer um. Você explode e dá mais vida para o fogo. Mais força – O Kirishima permaneceu observando as chamas — É isso que eu penso de você, Bakugou.
Eijirou Kirishima é a minha coisa favorita no mundo, o loiro concluiu sorrindo. Um sorriso nervoso e irritante, antes de lentamente se desfazer do aperto em seu pulso. O coração batendo exageradamente rápido para o seu gosto, mas ao invés de recuar e rir como sempre faria, Bakugou pegou a mão do amigo e apertou forte, entrelaçando os dedos nos dele e tendo o aperto retribuído.
Sua mão quente na mão áspera de Kirishima? Ali era o lugar certo para se estar.
— Feliz aniversário, Bakugou.
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