O despertador toca, me alertando de que mais um dia de aula está começando. Abro os olhos lentamente para que os mesmos se acostumem com a luz da janela – temporariamente – sem cortina. O sol bate diretamente em meu rosto e a vontade que eu tenho é de ficar na cama até que tudo passe.
Toda a dor e o vazio de perder a minha mãe permanece em mim desde o fatídico dia. O dia em que um acidente de carro a tirou de mim. Um motorista bêbado e irresponsável bateu no nosso carro enquanto eu e minha mãe, Sally Jackson, saíamos da minha escola de natação. Lembro de estar apagado, sem forças para responder aos chamados da minha mãe. E depois... Acordar sozinho em uma cama de hospital, dois dias depois de seu enterro. Ela morreu sem saber que eu estava vivo.
Meu pai se chama Poseidon. Ele está com a minha guarda desde que mamãe morreu. Eles haviam se separado quando eu tinha treze anos e meu irmão, Tyson, tinha apenas um ano. Nunca precisei reclamar de alguma coisa que envolva a paternidade; apesar de não morar mais conosco, meu pai sempre esteve presente quando eu precisei.
Tyson agora tem quatro anos. E eu fiz dezesseis. Meu pai nos trouxe para sua casa – e, consequentemente, de sua mulher – em Manhattan assim que eu saí do hospital, há dois meses. E quanto á isso, eu não ligo. Não tinha nenhum amigo nem na escola e nem fora dela. Talvez a única coisa que eu sinta falta de lá é a Escola de Natação. E, claro, a presença da minha mãe.
Saí de meus pensamentos assim que lembrei que hoje seria meu primeiro dia de aula na escola nova. Um novo dia, um novo começo. Eu tentaria. Eu acho. Tyson anda pedindo muito de mamãe. “Por que ela não voltou com você da escola de natação?’’ Eu juro que tento ser forte. Tanto por ele, quanto por meu pai e Anfitrite, que querem o meu bem. Querem sentir que me fazem bem. Mas eu não consigo. A cada pensamento dela, eu choro. Me sinto deslocado em cada metro quadrado que eu vá com essa parte da família. Talvez porque ver meu pai com Anfitrite seja algo estranho. Ou talvez eu não seja parte deles.
Tyson entra em meu quarto chorando. Estranho, ele nunca acorda com nenhum despertador, e sempre fica dormindo até ás dez, quando levanta e se prepara para a escolinha, depois do almoço. Ele me encara e suspira aliviado, ainda chorando. Meus instintos fazem com que eu levante mais rápido do que eu faria com água gelada na cara e eu vou ao encontro dele, abraçando-o ainda sem pedir respostas.
Ele soluça e eu tenho que esperar mais uns cinco minutos antes de conseguir pronunciar alguma coisa sem ser interrompido pelo seu desespero. Queria tanto que ele parasse... Não suporto vê-lo assim. E quando o questionei, me senti culpado.
- Era um pesadelo, Per. E vuxê tava ‘magado’ ‘dento’ do carro. Tinha ‘muto’ sangue, Per. Vuxê não me respondia e as pessoas grandes me tiravam de pertinho de ti. – Ele se apertava em meu pescoço para ter certeza de que eu estava ali do lado. E minha vontade de ficar aumentou. Eu queria mostrar para ele que sempre estaria ali ao seu lado e que nada o tiraria de mim.
- Calma, Ty. Eu sei que foi um pesadelo e tanto, mas eu sempre estarei aqui. Eu nunca vou te deixar, Ty. Eu te amo. – Eu o peguei em meu colo e sentei na cama, afagando suas costas enquanto sentia a minha blusa molhada por suas lágrimas.
- Mamãe falou que me amava e nunca me deixaria, Per. Mas faz tempo que eu não vejo ela. Eu quero voltar ‘pa’ morar com ela, Per. Eu tenho ‘saudadi’.
Então eu chorei junto com ele. Eu sabia que quando crescesse ele não teria lembranças muito concretas dela, e eu teria que ajuda-lo a nunca esquecer. Mas como eu faria isso se nem falar dela eu consigo? Eu sou um fraco.
- Ela foi lá pro céu, maninho. Infelizmente, ela precisou se juntar ás estrelas. – Eu chorava silenciosamente enquanto falava e consolava meu irmãozinho. – Sempre que nós sentirmos saudade, deveremos olhar para o céu estrelado; Ela será a maior e mais brilhante de todas as estrelas. Você vai poder falar com ela. Ela sempre estará cuidando de nós dois.
- Será que a gente fez algo de ruim? Porque ela tem que ficar lá no céu? – Ele se afastou e me olhou no fundo dos olhos. Seus olhos castanhos profundos fitavam a minha imensidão verde-mar e eu pensei por um instante que queria ser eu lá no lugar dela. Ela saberia o que fazer no meu lugar.
- Ty... A mamãe se machucou muito quando um caminhão bateu no nosso carro. Lembra que você foi me visitar no hospital? A mamãe estava muito mais machucada que eu, e para não sofrer mais, se transformou em estrelinha para ter mais força e cuidar de nós lá de cima.
Assim que eu terminei de falar meu pai apareceu na soleira da porta. Ele me olhava confuso, já que isso não tinha acontecido antes, mas eu fiz uma expressão de “Está tudo sob controle”. Apesar de te passado a minha infância comigo e ter pego as minhas manias, papai ainda tinha uma certa dificuldade com Tyson, já que o mesmo ficava com nossa mãe quando eu e papai saíamos. Anfitrite levava jeito com Tyson e me lembrava vagamente nossa mãe. Acho que eram os instintos maternos.
Quando percebi, em menos de cinco minutos meu irmão tinha dormido em meu colo. Meu pai o pegou de meu colo, me deu um beijo na testa de forma protetora e depois colocou meu irmão em seu quarto. De repente, me via correndo contra o tempo para conseguir chegar a tempo na escola, pegando o ônibus. Eu tinha carro, eu tinha dinheiro para ir de taxi. Mas eu também tinha um trauma e uma cicatriz no peito que me lembrava que não era tão seguro.
Depois de colocar o uniforme da escola, peguei minha mochila enquanto corria até as escadas para pegar uma maçã e esperar o ônibus na parada em frente ao condomínio. Era extremamente desconfortável correr com aquele uniforme que mais parecia um traje social para casamentos, mas eu tinha que chegar rápido.
Assim que cheguei na parada, avistei o ônibus na esquina. Ele já tinha passado e não voltaria atrás. Droga. Terei que ir andando. Suspirei e passei a andar rápido o suficiente para consegui chegar no segundo tempo. Coloquei meus fones de ouvido e coloquei a playlist do meu celular no modo aleatório. Depois de nem dois minutos, um carro parou ao meu lado e o vidro baixou, fazendo com que meu reflexo fosse tirar um fone e escutar o que alguém teria a dizer.
- Hey, quer uma carona? Estamos indo para a mesma escola... – Uma menina muito bonita me ofereceu carona. Ela tinha pele café com leite e alguns leves traços indígenas. Seus cabelos eram repicados e tinha duas tranças nas laterais que levavam duas penas cada uma, como um enfeite. Seus olhos não pareciam ter uma cor exata, mesmo que eu ficasse olhando por um bom tempo. – Hã... Você está bem?
É, acho que eu fiquei mesmo olhando por um bom tempo. Agora, os prós e os contras: Não chegar atrasado. Traumas.
Eu não posso e atrasar no meu primeiro dia. A menina não parece ser irresponsável e acho difícil ter alguém bêbado essa hora da manhã. Então tomei minha decisão. Desliguei a música do Imagine Dragons que tocava e decidi entrar no carro da menina.
- Então... Você tem nome? – Ela puxou papo depois de dois minutos dentro de um silêncio desconfortável.
- Me chamo Perseu Jackson. – Respondi tentando fazer com que minha voz não falhasse. Estava dentro de um carro, novamente. A qualquer momento eu ou ela podemos morr...
- Ah! Ele fala. Que bom, achei que teria que aprender libras. – Ela deu uma risadinha. Consegui forçar um sorriso, disfarçando meu nervosismo e apertando cada vez mais o cinto que transpassava meu peito. – Bem... Eu me chamo Piper, obrigada por perguntar. – Ironizou.
- Desculpe, estou um pouco nervoso... Cidade nova, escola nova... Sabe como é. – Disfarcei.
- ô se sei... Fui expulsa de três escolas. Internatos. – Ela falou, como se fosse me impressionar.
- É... Fui expulso de três internatos e três escolas normais. Espero não fazer nada que possa me tirar dessa. – Dei um risinho me lembrando do azar que eu tinha de sempre estar nos lugares errados nos momentos errados.
- Caramba... Então eu posso te chamar de Encrenqueiro? – Ela deu uma pequena gargalhada e aos poucos fui me esquecendo do fato de que estava em um carro. Piper tinha um poder de conversa e eu estava adorando.
Quando chegamos na escola, ela se ofereceu para me ajudar, mas eu disse que iria até a secretaria. Ela me deu um meio abraço de despedida e caminhou até sua roda de amigos, presumi. Deu um selinho em um cara alto e loiro, um abraço em um cara magricela moreno, que soltou uma piadinha fazendo todos rirem. Depois ela abraçou uma loira extremamente bonita, pouco mais baixa que eu, e sussurrou algo m seu ouvido. A loira olhou na minha direção e respondeu Piper.
Antes de parecer muito intrometido, adentrei a escola a procura da secretaria e achei meus horários. Respirei fundo antes de entrar na minha primeira sala de aula, sabendo que a partir dali tudo seria diferente. E quando o professor pediu que eu me apresentasse, falando de onde vinha, meu nome, minha idade e o porquê de vir... Eu quase desabei. Ao falar as palavras em voz alta, a situação se tornava mais real e a possibilidade de acordar de um pesadelo naquele momento a abraçar minha mãe se tornava zero.
- Meu nome é Perseu Jackson. Tenho 16 anos e vim de Nova Iorque para morar com meu pai há dois meses, depois que minha mãe morreu.
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