— Eu sinto muito Yuan, mas é assim que as coisas são.
E com aquelas palavras sua mãe, a pessoa que acreditou desde o seu nascimento que sempre cuidaria de si, lhe deu as costas e voltou para a aldeia da matilha. Sem nem mesmo olhar para trás.
Yuan tinha seis anos humanos e o conselho já tinha definido que ele seria perigoso para toda a alcateia e por isso precisava ser expulso. Seus pais não pensaram duas vezes. Seu pais... O odiavam?
Ele evitou chorar e também deu as costas a sua antiga casa e tudo o que conhecia no mundo. Wen Yuan tinha seis anos humanos e já estava por sua conta. Ele queria apenas sentar e chorar, ele queria apenas esquecer.
Vinte dias depois ainda caminhava rumo ao oceano. Não sabia bem o porquê, talvez pelo instinto lhe dizendo que caçar peixe era mais fácil que caçar outros animais, ele não gostava de coisas cruas, mas agora não tinha sua mãe para cozinhar, agora estava sozinho.
Talvez no mar as coisas fossem mais fáceis...Talvez.
E foi ali, na última floresta antes da costa que conheceu a pessoa que mudaria todo o seu mundo e uma criatura que só ouvira existir através das histórias dos mais velhos da aldeia. Um vampiro. Wei Ying.
Em um primeiro olhar estranhou o garotinho bem menor que ele chorar copiosamente em cima de um galho alto. Ele ofegava e suspirava e Yuan só desconfiou que ele não era humano, afinal o cheiro era diferente, claro, mas porque o rosto estava manchado de sangue e apenas vampiros puros choravam assim.
Vampiros eram as histórias que os pequenos lobos mais gostavam de ouvir. Menos ele, pois ele preferia olhar as estrelas enquanto isso.
Se aproximou da árvore e olhou para cima, o garotinho ainda chorava e por alguns segundos imaginou se ele tinha sido expulso de sua casa assim como ele mesmo, mas outra coisa que observou em seguida era que aquilo não podia ser verdade, porque logo uma voz abafada e distante chamava por alguém e a forma como ele se encolheu no galho, ainda nem percebendo que Yuan estava ali – Vampiros eram tão desatentos assim? – Deu a entender que o nome era o dele:
— A-Xian! Seus pais vão me esfolar viva se você sumir de novo, A-Xian! Eu, Yanli, prometo que não vou brigar com você, A-Xian, vamos, apareça!
E foi assim que o vampiro desatento caiu do galho e Yuan o pegou no colo evitando rir. O garoto o encarou assustado, mas agradecido e ali, naquele segundo, tudo para ele mudou.
Dias depois ele descobriu tudo sobre o garoto que morava no castelo dos rochedos da praia mais bravia e também descobriu seu novo e aconchegante lar. Uma gruta escondida que apenas o garotinho curioso e fujão sabia da existência no lado mais profundo da floresta da encosta. Era grande, tinha lagos termais e era onde definitivamente Yuan podia construir uma casa onde seria o seu lar.
Wei Wuxian, mais conhecido como Wei Ying, o ajudava animado porque segundo ele queria um esconderijo melhor para si mesmo. O vampiro, filho de lordes exilados, era pequeno, contudo, muito inteligente e detestava ter que estudar tudo o que chamava de histórias de velhos. Como Yuan também não tinha muita paciência para as histórias que eram passadas em sua antiga alcateia, embora amasse estudar outras coisas, meio que compreendia o garoto.
A amizade entre eles fluiu como uma nascente irrefreável e logo, poucas luas depois, já se encontravam quase todas as noites que podiam. Yuan trabalhava em sua toca, como denominou seu amigo animado, e WY, como o apelidou, lhe contava tudo o que sabia sobre a região, o castelo da família, sobre a linhagem chata da qual era o único herdeiro, sobre a aldeia humana de pescadores a meio dia dali e da matilha de lobos brancos que existia na campina fora da floresta.
Seu amigo achava os lobos meio estranhos por lá, como enfatizava, já que eles tinham hábitos que de acordo com seus pais, eram bárbaros.
Como nem ele, nem WY entediam o que significava aquela palavra de verdade, era apenas um adjetivo ignorável, contudo Yuan, por segurança não ia para aquele lado da floresta muito menos cruzava a fronteira dos lobos brancos. Até porque sua linhagem era de lobos negros e ele não sabia se aquilo podia gerar algum problema.
Em determinado dia que Yuan tinha caçado um cervo grande para ele e o amigo, já que o amigo não bebia sangue de humanos, seus pais achavam bárbaro e WY dizia ter gosto estranho, ele percebeu que pela primeira vez o vampiro estava triste, não emburrado ou chateado, mas triste.
— A-Xian... O que houve?
Perguntou preocupado, usando da forma carinhosa em que a dama de companhia do amigo sempre usava com ele. O amigo fez um bico que era recorrente, mas nunca foi tão tremulo e terminou indo para seus braços, choramingando entre soluços:
— Eu conheci um tritão hoje A-Yuan, e-ele era tão legal e trouxe uma concha para mim...S-sabe, lembra que eu te disse que tem uma colônia de sereias não muito profunda perto de casa?
— Claro...
Wei Ying adorava falar sobre sereias, de como eram belas e corajosas e fortes.
— E-então... Lan Zhan é legal! M-mas o tio dele gritou com ele quando me viu na praia, e-ele me chamou de monstro nojento! Eu não sou um monstro! Ele chorou também, o tio... Ele fez o Lan Zhan chorar e... E quando eles choram, eles... Eles, sabe as lágrimas se transformam em pérolas que trazem sorte, mas tem algo ruim também, meu pai diz que afasta o amor, eu não entendo isso porque quando a gente gosta da pessoa é sorte e é amor, não é? Mas eu não quero que ele vá embora sem amor... Papai diz que sereias não devem chorar... Mas ele chorou e eu fiquei triste, ele foi embora e acho que nunca mais vai voltar... A-Yuan eu estou com um vazio dentro do meu peito, isso é ruim, não é? Papai f-falou – E ele saiu dos seus braços para encará-lo esfregando os olhos quase em pânico – Que sereias odeiam vampiros, mas o que fizemos? Meus papais são bons! Eu também sou bom, eu nunca ia machucar o Lan Zhan... Você diz sempre que eu não machucaria nem um esquilo, não é verdade?
E Yuan quis rir, mesmo o assunto sendo sério, aquele pequeno bobo!
Por fim abraçou o amigo e disse o que podia dizer naquela situação, que iria ajudá-lo quando fosse possível e ainda tentando acalmar o menor, eles jantaram juntos o banquete que conseguiu e por toda a noite ficou ouvindo o amigo falar encantado do tritão legal e da concha brilhosa.
Com o tempo, ele e Wei Ying foram crescendo, aprendendo melhor sobre como o mundo funcionava e as histórias que ele ouvia quando criança e o amigo ainda ouvia dos pais, começaram a fazer sentido. Um sentido um pouco sombrio demais.
O amigo nunca mais viu o tritão que tanto adorava, mas agora usava um colar de prata no peito não só com o sangue dos pais misturados, como era prática de velhos reis arrancados do trono, porque agora sabia que os dois pais de Wei Ying foram quase mortos pelo poder de um tirano e por isso tiveram de desaparecer do reino deles e se isolarem onde não podiam ser encontrados, no caso ali, na costa do outro lado do mundo. Mas também com a concha tão querida ganhada do tritão.
Seu amigo tinha certeza se que um dia ele voltaria, um dia veria o seu tritão novamente.
Já Yuan começou a entender o porquê todos de sua matilha tinham medo dele quando criança e porque foi expulso sem piedade. Ele era um alfa absoluto e descendente de lycans loucos, de lycans que tinham que ser parados por bruxas, tamanha a sede de morte. Em noites de lua cheia, ele perdia o controle e por isso se trancava em casa, mas nem sempre as correntes o continham e nem sempre tinha WY para contê-lo também, descobriu que seu lobo por mais insano que fosse jamais machucava alguém que tinha em seu coração, assim o amigo conseguia distrair seu lobo feroz até que o sol nascesse e o lobo deixasse seu corpo.
Eram as horas mais sombrias da sua existência, as noites de lua cheia. E era algo inerente a si que jamais iria embora.
Aprendeu a lidar consigo, porém, as vezes não conseguia evitar problemas e sempre acabava indo para a matilha dos lobos brancos e rosnava na fronteira porque seu lobo era viciado em carne de ovelha... Yuan riria se não fosse absurdo.
Com tanta caça na floresta ele ia onde? Roubar as ovelhas dos lobos brancos...
E não havia forma de se desculpar já que os lobos o odiavam e o temiam. Acabou criando uma lenda entorno de si, algo que realmente detestava. Mas a verdade era que sim, seu lobo era insano, um idiota e não tinha como contê-lo naquela maldita noite do mês.
Por isso mesmo embora improvável, não era tão ilógico quando em uma noite corriqueira em que ele corria pela floresta quase que distraído e enrolando por ali na espera de seu melhor amigo, WY tinha prometido visitá-lo para jogarem xadrez, ele se deparou com quatro lobos desmaiados e amarrados na árvore que mais passava o tempo, a mesma árvore que conheceu o amigo vampiro. Contudo o mais insano era a carta absurda, mas previsível, presa por uma adaga no tronco da velha árvore.
Era para ele.
Yuan tomou sua forma humana e pegou a carta preocupado com os lobos que sabia estarem vivos, mas estariam doentes...? Será que ele passou alguma doença para as ovelhas que passaram para os lobos?
Porém ao ler a missiva descobriu que era pior, bem pior que isso:
Senhor lobo mal
Como sabes o inverno está chegando, não podemos mais aceitar que ataque nosso rebanho ou não sobreviveremos a esse ano, logo sabendo que gosta de comer nossa carne, estamos enviando quatro ômegas para o senhor, use-os como preferir. Apenas não ataque o rebanho até a primavera, por favor. Eles são melhores que ovelha, creia-me. E também não possuem família, se matá-los, não farão falta.
Atenciosamente
Alfa
Yuan abriu e fechou a boca chocado, bravo e furioso.
Como um alfa manda quatro ômegas para um abate? Ele era louco? Ômegas se protegiam, eram criaturas sagradas!
Ele deveria rasgar a garganta desse alfa imbecil! E ainda usava o argumento de que eram órfãos... Que espécie de matilha era aquela?
— A-Yuan? O que aconteceu aqui?
Seu amigo surgiu na pequena clareira olhando para os ômegas confuso.
Yuan suspirou e estendeu a carta, um minuto depois WY parecia ainda mais furioso que ele:
— Eu te disse, aqueles lobos são bárbaros! Droga! - E Yuan viu o amigo suspirar, mas por fim rir — Bom, agora tenho uma desculpa para não ter que ir ao baile que os pais inventaram de ir lá no castelo da vila além muralha, só para que eu supostamente possa achar minha consorte. Eu tenho que ajudar meu melhor amigo lobo mal a cuidar de quatro ômegas bonitinhos.
WY riu baixo e Yuan suspirou um pouco chateado, mas só aquele vampiro mesmo para chamar ômegas, criaturas essenciais para a raça Lycan de bonitinhos... Entretanto o amigo dizia algo nas entrelinhas que era muito sério. Ele não podia enviar os machos de volta, eles seriam sacrificados obviamente, ele teria de cuidar dos ômegas agora, como? Era um mistério para si.
Só sabia lidar consigo e com WY, como ficaria responsável por mais quatro pessoas? O vampiro percebeu seu dilema porque veio para si e deu um abraço apertado embora congelante, como sempre.
— Não deve ser difícil, hein? Eles são lobos, é só dar de comer, cama e xadrez, o que mais um lobo pode querer?
— Mas e quando o Sizhui sair de mim? Você os leva para a sua casa?
Sizhui era o nome do seu lobo maluco. Eles compartilhavam o mesmo corpo, mas tinham almas diferentes e com isso consciência também. Na maioria das vezes Sizhui dormia dentro de si, mas quando resolvia dar sua opinião, ele o fazia e nas noites de lua cheia, o corpo era dele. Sempre.
— Claro que sim, A-Yuan, meus pais vão adorar filhotes de estimação. Sabe como os dois são né... E você quase nunca aparece.
Ele fez um muxoxo e Yuan riu um pouco sem graça, ele não aparecia mesmo no castelo, porque os pais do amigo queriam que ele morasse junto deles e eles eram um grude, Yuan preferia a sua toca, embora adorasse os pais do amigo e todo o afeto excessivo que demonstravam. Era bonito de ver.
Era caloroso, era família.
Mas morar com eles? Jamais, sabia que ficaria louco.
Por fim o amigo pegou dois deles, um em cada braço e piscou divertido:
— Bom, onde coloco os seus novos filhotes?
— Eles são adultos WY, não exagere, por favor, mas vamos lá, vamos levá-los para a minha toca.
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