O sábado demorou tempo demais para chegar. Se tornando, assim, o sábado mais demorado da história da minha vida.
Meu coração batia rápido demais, o nervosismo nunca sentido antes era insuportável, quase como uma tortura. Minha carteira de cigarro era uma tentação, mas parecia errado ir fedendo a cigarro Eu queria fazer as coisas certas. Nada podia dar errado, e se desse também, não faria tanta importância. Ela estaria comigo, apesar da ideia ainda parecer estranha.
Respirei fundo quando cheguei próximo a casa dela. Me apressei em mandar mensagem. Esperei encostado no muro, enquanto observava o movimento da rua. Demorou longos minutos para que ela aparecesse na porta de casa e foi como se meu coração me obrigasse a olhar só para ela.
Ela estava com um vestido amarelo e all star branco. Seu cabelo estava volumoso, diferente dos outros dias. O sorriso tímido dela parecia com o de uma estrela, se elas pudessem sorrir.
Trocamos poucas palavras porque parecia que nenhum de nós sabia ao certo o que dizer, por pura vergonha.
Eu a observava por tempo demais, porque não sabia o que dizer, então meus olhos conversavam com sua figura bela à minha frente. Eu temia dizer algo errado ou bobo ela olhava pela janela como escape para situação um tanto constrangedora e isso me deixava ainda mais nervoso.
Estava sendo ao contrário de tudo que imaginei, apenas pelo fato do meu nervosismo não me permitir abrir a boca para dizer algo que preste.
— Carlos, você sabe apenas puxar assunto quando é irritante, né? Não me arrumei a toa, viu? Pode ir falando alguma coisa. — Ela diz na fila para entrar no museu
— É difícil agir como uma pessoa normal perto de você. — Digo rindo
— Isso foi um elogio ou um insulto? — Ela pergunta com um sorriso confuso nos lábios
— Tudo depende da interpretação de quem ouve. — Respondo e ela ri
— Tu não merece o tempo que eu gastei me arrumando pra escutar isso! — Disse indignada
— Tem razão, eu mereço mais te ver sem nada. — Disse apenas para ver a vergonha estampada no seu rosto.
Sua boca abre várias vezes, mas no fim não diz nada. Seu rosto que antes estava virado para mim, rodeou todo local para não olhar para mim, num intervalo de poucos segundos.
— Se um dia você tiver coragem. — Responde olhando no fundo dos meus olhos
Engulo em seco, tentando não imaginar nada, mesmo com a rotação do sangue querendo trocar o itinerário. Respirei fundo, coloquei as mãos nos bolsos da calça, passei a língua nos lábios, e passei a observar a figura de estatura baixa a minha frente, com o cabelo balançando e a coluna ereta, como se estivesse andando numa passarela.
Ela falava apaixonada sempre que via algum quadro que gostasse muito e eu bobo demais, tentava acompanhar todos os questionamentos enquanto passamos longos minutos olhando para uma obra. Deve ser coisa de quem é artista agir assim perante a obra ou apenas a síndrome pseudo intelectual.
— Diga sem pensar sobre o que você acha sobre esse quadro. — Ela fala como se fosse uma tarefa muito importante
— Sentimentos. — Respondo
Ela olha para mim, mas não disse nada. apoia seu corpo no outro pé e continua a observar o quadro, segurando as mãos para trás. O quadro por si era apenas uns rabiscos, mas parecia ainda mais para ela, e também para mim. As cores brilhavam no papel, fazendo ser impossível passar por ele sem olhar.
— Se eu fosse definir esse quadro em uma palavra, diria que é a gente. A linha do meio está entrelaçada com todas as outras, ela se bagunça com as outras, mas permanece unida, mesmo com as outras a bagunçando. — Diz pensativa
— Artistas sempre têm uma interpretação dramática sobre as coisas.
— Por isso mesmo que você negou até o fim que me queria.
Não tive o que responder, o que eu diria diante daquela verdade que eu mesmo prendi por meses? Mesmo sem palavras te olhei no fundo dos olhos para tentar ler sua feição e sua expressão era puramente de uma conquista. Você estava feliz por me ter, tinha plena certeza que me tinha e eu tinha lutado em vão.
[...]
Seus olhos mudavam quando nós ensaiamos juntos nas tardes de domingo. Teus olhos transbordavam em paixão quando ensaiamos e eu achava isso belo. A maneira que sua feição mudava e a entonação da sua voz oscilava. Será que você me via da mesma maneira, também? Pouco importa agora, eu entendo. Apenas foi uma dúvida entre muitas coisas que não terei a chance de perguntar, pois as memórias estão turvas agora, já se passou muito tempo…
Consigo me lembrar do dia em que fomos no museu e repasso a cena muitas vezes, com medo de esquecer, mesmo esquecendo alguns detalhes. Ainda sinto o calor dos seus lábios nos meus e de como minha mão deslizava pela curva sutil da sua cintura, da maneira em que você me queria mais próximo cada vez mais.
— Você está errando a cena da reconciliação diversas vezes. Finja que somos nós — Me chama atenção e eu apenas concordo
— Segure minha cintura bem aqui, e aí coloco a mão no seu rosto assim. Não esqueça sua fala, por favor. — Você estava levando a cena tão a sério que não tentei te beijar uma vez se quer.
Ensaiamos tantas vezes que sua mão no meu rosto se tornou familiar, assim como das diversas vezes em que eu colocava a mão na sua cintura na mesma cena diversas vezes. Você queria que estivesse perfeito e que a cena tivesse emoção, e eu passei a querer isso também, mesmo que me deixasse exausto.
— Ok, preciso descansar. — Digo e guardo o papel no bolso da calça
— Desculpa pela exigência, é uma apresentação importante. — Ela diz toda exigente
— Tudo bem, é que eu trabalhei hoje e nossa atuação está boa o suficiente. — Respondi sem querer prolongar o assunto
Você parou por uns segundos e ligou seu celular, não olhei o resto dos seus movimentos porque me deitei na cama e fiquei alguns segundos de olhos fechados, pensando.
Quando abro os olhos novamente, vejo seu sorriso largo no rosto, como se tivesse recebido uma boa notícia. Não disse nada e esperei que você dissesse o que havia acontecido. Escuto você dizer que hoje fazia 6 meses que nos conhecemos e 3 mês de não-namoro.
— Queria que você não lembrasse pra eu não parecer que pouco me importo. — Respondi abrindo os olhos
— Não estava esperando que você lembrasse, apenas achei interessante comentar. — Você responde
Eu te observo mexer nas unhas como se quisesse dizer mais alguma coisa. você estava apoiada no seu braço e não me olhava pois eu estava te observando para saber disso. Suspirei sem saber o que dizer pela dificuldade crônica de entender como as mulheres funcionam. Pra mim tudo poderia se resolver facilmente com sexo e impurrar todas as incognitas como se fossem meros pontos finais.
Mas a situação nao se resolveria com sexo porque eu estava cansado e desanimado demais para isso, então tudo que eu poderia fazer era ser no minimo gentil e codificar a fala interminada. Não sou nem perto de ser um Sherlock Holmes, mas é tentar ser gentil e mirar na babaquice, do que ser só babaca sem nenhuma tentativa
— Tem algo de errado nesses 3 meses de não-namoro, né? Tenho certeza que tem e tu não vai dizer. — Perguntei confuso, quanto olhava para o seu rosto repousado em meu colo
— A gente se gosta né? Mas faz um tempão que a gente fica e você nem fala nada de namoro… — Ela nem ao menos me olhava nos olhos
— Mas você também não fala nada de namoro. — Respondi calmo
— Sim, mas foi porque a Rita disse que eu não faço o seu tipo. — Desta vez, olhou em meus olhos e eu suspirei
— Puta merda, eu nem tenho um tipo. Eu e ela terminamos há um tempão, faz mais de 1 ano.
Você se levanta do meu colo e suspira. Não me olha e eu pouco te entendia mais do que os outros dias.
— Você gosta mais de mim do que gostava dela? — Diz num fôlego só, quase em desespero
Ri nervoso, sem saber o que deveria responder, se era possível ter esse tipo de dúvida. Me perguntei mais do que podia-se imaginar porque Rita foi capaz de fazer algo tão miseravelmente clichê, no momento em que por segurança eu jamais diria eu te amo, não com as 3 palavras, pronome e sei lá mais o que inclui.
— Eu tenho certeza que não te mereço, e reafirmo essa certeza toda vez que penso: e se ela fosse embora nesse exato momento? Eu conseguiria esquecer? Nem se eu quisesse eu te esqueceria, mas não julgaria a decisão, porque eu sei que você merece muito mais do que eu posso oferecer.
Meu coração parecia estar sendo esmagado, pela intensidade do sentimento novo. Mas você sabia lidar com maestria com esses momentos, sempre sorria e dizia algo que atenuava a insegurança de nós dois.
— Estou feliz por termos algo, não precisamos de rótulo agora. A gente simplesmente combina porque descombina do mesmo jeito. Você é muito mais do que um dia eu serei, muito mais do que um dia eu imaginaria que merecia.
Naquele dia, nos beijamos como se não necessitássemos de oxigênio. Sentimos o coração acelerado um do outro e qualquer distância mínima entre nossos corpos era demais.
[...]
Bebi um gole da cerveja quente e torci o nariz. Beto estava ao meu lado, digitando algo no celular enquanto eu afogava a ansiedade na bebida num típico domingo de uma família classe média que comemora por razão nenhuma com churrasco, talvez fosse pra comemorar algo importante e eu não me importei em saber. Só sei que é miserável sofrer num churrasco.
Afundei as costas na cadeira enquanto observava as pessoas rindo e conversando sobre faculdades dos seus filhos e via garotas de cabelo liso até a cintura tirando foto para postar no instagram provavelmente. Observei em específico uma garota parecida com todas as outras, após reparar que ela me olhava e comentava algo com as amigas
— Tu conhece aquela garota? — Perguntei pra Beto e ele olhou na direção em que meu dedo apontava
— Ela é uma amiga minha de outra escola, por que? — Ele respondeu voltando a olhar pro celular
— Porra, olha pra minha cara, fica o tempo todo nesse inferno de celular.— Dou um tapa no pescoço dele e continuo — Ela ta olhando muito pra ca, ou sei la eu só tô bêbado?
— Já cansou da garota que você tá namorando? Ela ta esperançosa sobre o namoro de vocês e tal. Tu tá iludindo ela, é? — Ele pergunta incrédulo
— Só vou fazer um teste. Se eu gostar de ficar com aquela sua amiga, é porque eu não tô tão apaixonado por ela assim. — Respondi
— Caralho tu ainda tem dúvida se está apaixonado por ela? Vocês tão ficando 3 meses e tu não fica com mais ninguém. Isso soa como um namoro e agora tu vem com essa. — Ele revira os olhos e eu adentro no mar de questionamentos
Era verdade que eu precisava ouvir para parar de me enganar que eu conseguia prestar atenção em outra garota a não ser você. Afinal, quem eu queria enganar? Estava óbvio, o que tínhamos era mesmo um namoro não-oficializado
— Séra? — Indaguei como se quisesse alguma afirmação para continuar negando a verdade
— Cara, você tá muito bêbado. Daqui a pouco tá questionando se você realmente existe. E você gosta muito daquela garota, todo mundo sabe disso. Agora fica calmo, relaxa.
Ignorei o que ele disse, levantei e fui até a geladeira pegar uma bebida mais forte. Bebi algum conhaque, beijei a tal garota, que por sinal estava muito mais sóbria que eu. O beijo dela não chegava aos pés do seu, minha mão não queimava quando eu puxava ela pra mais perto Fugi dali o mais rápido possível e bebi até não ter forças para levantar. A ideia de estar apaixonado era arriscada demais pelo motivo do poder dela me magoar e eu não ter controle disso.
Esse mero detalhe era o que tanto me torturava, porque eu só conseguia ver o lado de tudo naquele momento.
Beto ficou ao meu lado fazendo piada enquanto eu tentava te esquecer, soa clichê, querer te esquecer se a primeira coisa que eu gostaria de fazer quando te visse era te beijar, que tipo de tolo eu era? O mais tolo de todos, com toda certeza aquele que se engana com substâncias alucinógenas até esquecer o próprio nome e existência.
— Beto, ainda me lembro. — Afirmei quebrando o silêncio
— Lembra do que, Carlos? — Perguntou sem entender
— Lembro mais dela do que de mim. — Respondi desolado
Ainda bem que você não estava ali, porque naquele estado deplorável, eu te xingaria por ser tão persistente na minha mente, e fazer com que eu te queresse tanto. Que tipo de droga você era?
Até hoje não sei
[...]
Meu coração batia rápido, parecia que iria explodir o peito, quando eu te vi.
Minha cabeça doía mais do que seria possível imaginar, pela ressaca. Mas mesmo assim eu dei o meu melhor no último ensaio. A apresentação seria às 21h Eu não tinha falado contigo da mesma maneira dos outros dias, mas você falava com seus amigos do teatro e ria como se não houvesse amanhã. Agradeci por ser um escape para você não desconfiar do motivo de eu estar calado demais
Li o roteiro murmurando durante o intervalo do ensaio. Algumas pessoas comentavam sobre nós não estarmos juntos, diferente dos outros dias. Talvez a garota pensou que eu não iria escutar o comentário sobre uma dúvida fútil se a gente já transava. Revirei os olhos e permaneci de cabeça baixa, mas permaneci inquieto porque outra pessoa perguntou para o amigo se você estava solteira, e de fato estava, outro respondeu que a gente namorava.
A ideia novamente me deu frio na barriga. Mas continuei firme escutando aqueles pequenos comentários de pessoas que eu não conhecia sobre um relacionamento que nem existia.
— Não Maria, eu não quero ficar com você. E obrigado pelos 3 minutos mais insuportáveis da minha vida ao escutar sua voz opinando sobre o relacionamento que nem existe, mas pelo que parece você sabe que eu namoro — Respondi sua amiga que tagarelava sobre nós mais do que eu um dia imaginaria que alguém fizesse
Logo passaram a comentar sobre o que eu tinha falado, e eu apenas desejava estar em casa dormindo, do que estar nesse ambiente tosco cheio de adolescentes que não tem nada melhor para fazer além de comentar coisas sem sentido sobre mim.
Do outro lado da sala você me olhava constantemente, parecia insegura se viria falar comigo ou não. Talvez estivesse chateada porque eu desmenti o rumor que provavelmente você criou, mas eu não ligava. Ensaiamos a peça inteira mais uma vez e você tencionava seu corpo sempre que eu chegava perto, o ar da sua respiração cessava, por que?
Quando o ensaio acabou, você veio atrás de mim como se quisesse saber algo, pois o seu rosto exalava confusão.
— Carlos, espera! — Tu gritou ofegante. como se tivesse decidido me gritar de última hora.
— E ai, calma. Aconteceu alguma coisa? — Fui até você
— Vamos na biblioteca, preciso entregar um livro lá. — Reparei até no tom de voz baixo quando você diz alguma mentira esfarrapada
— Ok, mas sobre o que é?
Você continuou calada e não entrelaçou nossos dedos como habitualmente fazia. Não ousei perguntar mais nada, porque era certo que tu não diria nada. Seu rosto dizia tudo, já que não demonstrava sinal algum positivo.
Quando chegamos na biblioteca, você seguiu para a mesa mais distante de toda. Apenas segui o trajeto, sem pensar excessivamente em nada, porém a ansiedade me dominava para saber sobre o assunto.
Observo cada detalhe minucioso seu, desde o momento em que saímos do teatro, cada passo seu pareciam ser toneladas. Algumas de suas tranças caíam do coque mal feito
— Sabe, eu não consigo te entender… — Você começa dizer, como se eu fosse um bicho de outro mundo, e continua falando rápido demais — Carlos, puta merda. tu me afasta toda vez que a gente fala algo sobre o que a gente tem, por mínimo que seja. Sinceramente, é uma merda que repudia a ideia de namorar comigo mesmo por ouvir alguém comentar algo estupido sobre a gente — Tu explode em voz baixa e eu olho no fundo dos seus olhos claros mais agitados que o mar em tempestade
— Eu não tenho um manual de instrução para te guiar sobre todos os meus pensamentos que me engolem constantemente, apenas tenho colocado na balança tudo que a gente tem e tudo que poderíamos causar um no outro. porque sabe, a gente pode se magoar em níveis inimagináveis. Ao menos eu sei que você pode fazer isso comigo, porque estar apaixonado é uma merda e eu odeio, mas ao mesmo tempo, sei lá, tem os momentos bons.
— Às vezes eu também sou um pouco pessimista e deixo o medo me dominar como agora, mas eu tenho certeza que a gente vale a pena. Porque, não é fácil encontrar alguém que transforma o silêncio em poesia como você.
A conversa na biblioteca, foi o verdadeiro começo, não foi porque sanou todos os meus medos, sim porque entendi que não adiantava procurar uma saída, naquele momento significaria que eu era seu e um dia te perderia. Mas eu não queria sofrer por você, mesmo sabendo que algum momento eu com certeza iria.
[...]
— O que mais pesa nessa balança? — O som da pergunta em teus lábios parecia ser de uma pergunta que vale algo valioso demais com risco de ser perdido.
— A ausência da endorfina que tu me causa, quando estás longe. — Respondo enquanto fazia algumas anotações
— Era sobre o dever de física, mas valeu a pena pela declaração. Devo agradecer? — Ela diz e tudo que eu faço é jogar um pedaço de borracha em sua direção
— Vagabunda. — A xingo e ela me abraça
— Que romântico, Romeu, estou lisonjeada pela sua palavra tão… como posso dizer? me deixaste sem palavras?
— O que acha da gente namorar? As chances de dar errado são minimamente consideráveis, mas fodase. — Vômito as palavras em um só fôlego com o queixo apoiado em seu ombro
Seus olhos se perdem e o rosto antes alegre se transforma em pura confusão. Seu corpo de distância do meu e minhas mãos começam a suar. O arrependimento faz meu corpo contorcer, me desespero em vão por querer pegar as palavras já ditas de volta para mim, mas… Do que adiantaria?
— Caralho, totalmente inesperado… Devo responder assim agora? Opa, preciso me recuperar? Acho que sim… — Comecei a rir aliviado, contrário a ela que começa a chorar
— Puta merda, vai chorar? Ta de bobeira, garota? Vem cá. — ela me abraça apertado e ficamos ali parados por um tempo considerável, tempo o bastante para eu esquecer o dever de física e o mundo inteiro.
— Que coisa boba chorar por um pedido de namoro, desculpa. — Ela suspira e rodeia os braços no meu pescoço.
— Só irei me importar se a resposta não for sim. Aí tu me quebra né, madame — Digo olhando em seus olhos.
— Lógico, mas você não está falando isso no calor do momento?
Respiro fundo, olho seus olhos por um tempo e era impossível não ver a insegurança que transbordava entre eles.
— A gente tá dando certo, ta ligado? E puta merda a gente faz tudo que namorados fazem, é só questão de oficializar. E eu te gosto tanto garota, nem dá pra pensar em nada foda-se, eu só te amo. — Eu disse exasperado, apressado, pois sabia que ela só diria sim quando ouvisse o quão dela eu era.
— Eu também te amo, muito, tanto. Não sou tão boa com palavras como você é, desculpa. — Ela sorri como se tivesse ganhado o mundo. — Mas devo confessar que eu pensei que você nunca iria pedir. — Ela diz sorrindo feito boba
— Tudo tem seu tempo, meu bem.
Recebi seu beijo de bom grado, vários deles, me desnorteei perante ao som de tua risada, te olhei, recitei teu corpo perante minhas mãos, mesmo me sentindo indigno de ti. Você me fazia queimar e gostar da sensação, aquele dia foi minha única certeza de que você queimou como eu queimei, mas será que sofreu tanto como eu, quando a chama se apagou?
Você um dia foi minha, como eu um dia fui totalmente seu? Porra, queria saber tanto, essa dúvida me rasga sempre que eu me lembro de nós. Apenas queria saber desta, merda.
[...]
Sua mão tocava levemente a ponta dos meus dedos, enquanto dançamos sem música na aula de teatro. Teus olhos brilhavam, talvez os meus também. Mas naquele momento ali, nós dois transbordamos paixão, que faz esquecer completamente o ontem e o amanhã. A paixão que fazia o cérebro transbordar de endorfina por si só, sem esforço, apenas aproveitando o êxtase do momento.
Eu poderia casar com ela amanhã, me veio o pensamento à cabeça, sorri.
Repousei a cabeça em seu ombro, enquanto apenas davamos alguns passos curtos de um lado para o outro, sem pretensão alguma, sem pensar no depois. Os suspiros eram como diálogos, as respirações curtas, longas, diziam mais do que qualquer palavra.
Suas mãos tocam minha barba por fazer e abre um sorriso que dizia muito mais do que todas as poesias que eu havia lido. Aquele momento, no espaço-tempo, tornou tudo impossível de reproduzir o sentimento de sentir que tudo bastava, pois eu era totalmente Dela.
Os meses voaram e tudo estava razoavelmente bem, , talvez eu gostasse de uma vida sem tantas imprecisões, mas não podia afirmar se eu estava de fato feliz e a esperança de encontrar estava cada vez mais distante.
— Cê vai lá em casa hoje mesmo? — Pergunto enquanto fechava minha mochila
— Sim, eu disse que iria, não disse? — Ela responde sem tirar os olhos do livro
Neguei com a cabeça e entrelacei nossos dedos. Durante o caminho de casa ela contava sobre a viagem que iria fazer pra são paulo pra fazer algum trabalho de modelo, sobre quão nervosa estava pra conhecer minha mãe, reclamou que eu tinha sumido, perguntou porque eu estava tão quieto e eu mudei de assunto, comecei a falar um monte de coisa sobre a carreira de ator estar dando certo.
Nos beijamos em frente ao relógio do centro da cidade e eu demonstrei estar feliz.
Chegamos em casa às 1 da tarde, minha mãe estava ocupada falando ao telefone, mas imediatamente terminou a ligação quando viu que tínhamos chegado. Ela abriu um sorriso enorme e eu fiquei feliz por ela gostar da minha namorada.
Escapei assim que percebi que elas tinham muito o que colocar em dia, tomei banho, gastei um longo tempo me olhando no espelho, cansado, irritado por estar sendo meio ingrato. Tudo corria bem, perfeito, o que de fato faltava? Procurando…
— Acredita que o Carlos nunca me contou como vocês se conheceram? Só falou que estava namorando. — Minha mãe fala indignada e eu vejo que ali as duas estariam contra mim
— Ah isso foi porque seu filho apenas me ignorava, entrava em pânico quando me via. — Ela falava e minha mãe fazia caras e bocas
— Posso me defender? — Perguntei já sabendo da minha desvantagem
— Não! — As duas disseram em conjunto
— Mas então, nos conhecemos na aula de teatro, ele estava indo fazer uma audição e a gente se olhou por um tempo. Depois disso eu descobri que ele era amigo do namorado da Stephanny. — Ela respondeu enquanto minha mãe a observava impressionada
— Foi amor à primeira vista, é? — Minha mãe pergunta
— Não sei, talvez. — Ela me olhou por longos segundos, procurando por alguma resposta, mas eu não disse nada. Apenas continuei deitado no sofá, vendo o filme que passava.
— Mas então, estão usando preservativo? Não quero neto tão cedo hein, Seu Carlos! — Diz especialmente para nos deixar com vergonha
— Tudo sobre controle, senhora. Sem netinhos, só endorfina por aqui. — Respondi rindo
Você me olha como se estivesse agradecendo por lidar bem com a situação e eu volto a atenção para o filme.
Me recordo da minha mãe ter te roubado de mim durante toda a tarde, mas você parecia tão feliz enquanto via fotos minhas de quando eu era pequeno e ria enquanto me mostrava.
Foi um dia feliz, certamente é uma memória feliz.
[...]
Quando foi que passamos a ser tão ruins um para o outro? Pode me responder? Está claro que não, mas... O que teria acontecido se você tivesse confiado mais em mim? Estaríamos juntos? Será?
Uma hora estávamos perfeitamente bem, o teatro ia bem, você até tinha ganhado um papel em uma peça de renome. Eu tentava melhorar mais por você que por mim, mas o sentido se perde, eu me perdi diversas vezes durante o tempo que estivemos juntos. Incontáveis vezes.
— Início de namoro sempre causa tanta euforia. Não acha? — Tu diz enquanto olhava para lua
— A gente por acaso teve essa fase? — Perguntei tentando fazer graça
Ela levanta, vai ao banheiro, coloca a calcinha novamente, acende um cigarro. Eu continuo a beber o vinho barato
— Talvez, mas já faz tanto tempo. — Sua voz estava distante
— Era tão bom sentir o coração queimar, o medo de dizer algo errado. A primeira vez que eu segurei sua mão, foi como ir do inferno ao céu. Entendo que a gente tá numa fase ruim, mas isso não define a gente. — Tentei te fazer ficar, mas eu via nos seus olhos que você tinha ido embora
— Você tem medo de ficar sozinho. — Foi ali que ouvi sua voz de segunda pela primeira vez
Eu entendia, mesmo bêbado que você tinha cansado, ironicamente, dos meus sumiços, da minha bebedeira que chegava quase ao alcoolismo. De toda insegurança que me rondava, e de tantos outros hábitos ruins incontáveis que tu sempre me disse.
— A gente bebeu, depois a gente resolve, vem cá. — Tentei me aproximar, mas você foi pra longe
— Carlos, suas palavras não vão me fazer ficar. — Ela diz, apaga o cigarro no cinzeiro e volta a procurar seu sutiã pelo quarto
— Por que logo agora? Porra garota, voce é tao filha da puta, desgraçada. — Digo impaciente
Tudo estava turvo, ela não chorava. Seu semblante estava completamente neutro, mas tudo em mim doía.
— Não quero mais estar em um relacionamento, só isso. — Ela responde e coloca a mão na maçaneta
— Você vai embora, vai sair por esse inferno de porta e não adianta pedir pra voltar depois. É sempre assim, nunca sei quando você se incomoda com algo e depois tudo explode na porra da minha cara. — Eu quase gritava em desespero e ela não se importava.
Sorriu pra mim, como se tivesse agradecida por me destruir.
[...]
Depois do término, consigo me lembrar de pouca coisa. Quase perdi o emprego e dormi com diversas garotas, mulheres, qualquer merda que pudesse tirar você da minha mente por alguns minutos e fodase, queria aproveitar a vida de solteiro, seria perfeitamente patético sofrer por você no chão do meu quarto.
— Eu não acredito que você transou com aquela garota que eu odeio! — Tu grita comigo com tanto ódio que seus olhos brilham
— Agora eu sou o filho da puta? VOCÊ TER-MI-NOU COMIGO — Gritei de volta bem mais alto
Grunhi de ódio e me virei para não olha-lá. Acendi um cigarro, fui para varanda. Respirei fundo tantas vezes e de nada adiantou. Minha vontade era de quebrar tudo. Esse jogo nunca tinha fim, era de fato exaustivo ela massacrar meu emocional e eu fazer alguma merda para afetá-la.
— Por que você fez isso? Tinha logo que ser ela? — A voz melodramática dela acaba com o silêncio
Coloquei a mão entre o cabelo e o puxei. Traguei mais rápido o cigarro, até ter coragem de encará-la. Travei o maxilar com força, mordi o lábio. Eu podia vê-la de braços cruzados a minha frente, esperando alguma resposta, encostada na porta.
— Se você se importa tanto que eu fodi uma garota que você não gosta, que alias, eu nem lembro o nome, é só tirar a porra da calcinha que eu te fodo em qualquer porra de casa pra tirar esse seu complexo de obsessão por mim. — Respondi grunhindo em odio por dentro
— VOCÊ É UM ESCROTO E EU ME ODEIO POR AMAR VOCÊ — Ela grita tão alto que as veias do pescoço ficam visíveis
— Me ama mesmo ou gosta apenas de apontar os meus erros e ouvir que eu te amo quando você está carente? — Perguntei mas ela não responde
Observei longos minutos ela chorar no canto do quarto enquanto eu no mesmo surto de ódio decidia o que fazer com a situação. Era insano que mesmo com toda merda que acontecia, o sofrimento do término, toda merda que acontecia na minha vida, ela estava surtando porque eu transei com uma garota que ela odiava.
Tinhamos chegado na beira do fim e não sei dizer se ainda estou pronto.
— O mais fodido de tudo é que você terminou comigo e esperava mesmo que eu fosse sofrer por você sem nem ao menos tentar seguir em frente. — Debrucei no muro da varanda
— Eu tive meus motivos pra terminar. — Você diz baixo
— Aposto que teve, mas o imbecil bem aqui não teve nem a dignidade de saber a porra do motivo porque a psicotica ex namorada se importa mais com quem ele transa. — Eu disse no tom mais ácido
A situação era merda o bastante para me fazer sentir raiva, porém igualmente deprimente para me fazer chorar, por tudo ter se tornado em um monte de decisões ruins que ambos faziam e massacrava os sentimentos um do outro. Era demais, no mais alto nivel de intensidade, egoismo e qualquer porra que afete o que eu sinto.
Chorei de soluçar, sem me importar se ela estava à minha frente, chorei porque doía ver no que tínhamos nos tornado. O sentimento não era o mesmo. Doía vê-la distante sem poder dizer nada, doía não responder nenhuma mensagem porque não parecia certo responde-la
— Eu sempre soube que você era minha ruína. — Digo entre soluços e ela tenta me abraçar, mas me afasto
— Vamos tentar de novo, iremos ficar bem. Nós sempre ficamos bem. Me perdoa. — Ela diz com as mãos no meu rosto e eu me recuso a olhar nos seus olhos
— Vai embora, eu te disse que não voltaria. — Falo olhando nos seus olhos.
A observo levantar, com lágrimas caindo também. Sussurra que me ama diversas vezes e pede para ficar. Mas me mantenho firme, era demais. Ainda não estava preparado para ter uma conversa ou simplesmente olhar os olhos que um dia me trouxeram conforto.
[...]
Morri no chão da sala, após decretar ser a última vez que nos víamos. Fumei o último cigarro da carteira enquanto morria de dentro pra fora, de fora para dentro. Vomitei de nervoso, relembrei todos os momentos bons, quis te ligar só pra ouvir tua voz. Mas permaneci morto-vivo no chão do banheiro, escutando o silêncio da casa vazia.
Gritei até a garganta secar. Bebi até me encontrar com alguma Beatriz que me lembrasse de você, na esperança de receber consolo, na esperança de que eu tivesse a sensação de que nos conheciamos por muito tempo.
Enquanto eu procurava consolo naquela mulher, te imaginei durante todo momento e no caminho de casa me perguntei: por algum momento, nós fomos algo verdadeiro? Eu incendeia seu peito como você fez comigo? Beatriz, Beatriz, Beatriz, por que deixou meu coração em ponto ebulição?
Beatriz, Beatriz, eu e você éramos algo e agora permanecemos em caminhos diferentes. Jovens e tolos como nunca, o impulso, a vontade cega de juntar água e óleo. Se você ligasse, transaríamos como tantas vezes, mas brigariamos depois. Agora somos passado recente, poeira do que um dia foi um par.
Beatriz, me acostumo, mas eu não te esqueço. Dediquei essa música a você, na inocência de que você não se tornaria uma saudade.
Agora minha saudade se chama Beatriz.
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