Bonnibel não podia dizer que estava irritada. Porque não, não estava.
Dizer que estava irritada seria um eufemismo enorme quando comparado com a raiva que estava sentindo naquela semana.
Irritava-se ao ver pessoas de sua idade fazendo coisas imbecis e irracionais que muitas vezes ela se pegava pensando que gostaria de poder fazê-las e não ter a obrigação de ser uma pessoa correta de corpo e alma por estar sempre sendo observada, sendo por sua família ou pelos tablóides (que achavam um jeito de publicarem matérias até mesmo em revistas adolescentes por seu sucesso jovial), ou também por simplesmente não ter tempo para fazer coisas imbecis.
Se policiava para ter tempo para conseguir assistir um mísero episódio de seu seriado favorito ou para conseguir sair para ir ao cinema e assistir um filme que estava a muito tempo de olho — e muitas vezes, quando conseguia, este já não estava em cartaz há meses.
No entanto, segundo sua família, ela deveria frequentemente arranjar um tempo de sua rotina corrida para sair à encontros com garotos estúpidos arranjados por eles que, assim como costumam dizer, são “perfeitos para ela” — o que significa apenas que eles têm dinheiro o suficiente para sua família não precisar trabalhar nunca mais até a geração de seus netos.
Por isso, não foi nenhuma surpresa para ela quando sua mãe a contatou no começo da semana para avisar que havia marcado um encontro com algum garoto, o caçula de Martin Mertens, dono de uma grande empresa de marketing e publicidade. Não era nenhuma surpresa, mas Bonnibel não pôde deixar de se irritar, principalmente por saber que sempre era a última pessoa a ser notificada nessas situações.
Mas toda a situação piorou quando descobriu que sua melhor amiga estava por trás daquilo, já que quando foi contar a situação para ela, Íris sabia dizer o nome de seu pretendente antes mesmo de ela a informar sobre.
— Ah, Bonnie, para com isso. Foi mal, é sério. — disse ela, batendo na porta do apartamento de Bonnibel no sábado, dia de seu encontro, logo após ser atendida e quase receber uma portada na cara.
— Vai embora, Íris. Realmente não quero brigar com você. Tô sem tempo pra isso agora. — respondeu, massageando levemente suas têmporas pela dor de cabeça que insistia em ficar e continuou na luta para entrar e fechar com sucesso seu vestido azul tubinho.
— Eu não queria te fazer mal, eu juro que não. É que quando o Jake me disse que seus pais estavam pensando em chamar o Finn, e os pais deles também estavam gostando da ideia, eu achei que seria bom você sair com alguém que eu sei que é gente boa, e não um babaca tipo… aquele cara muito baixinho e esquisito.
— Ricardio. E não minta pra mim, Lawrence. Provavelmente te conheço melhor do que seu próprio namorado. — bufou, irritada, quando o zíper beliscou suas costas e ela desistiu, sentando-se no sofá e afundando o rosto em suas mãos.
— Noivo. E...Tá, tudo bem, não foi só por isso, mas fez parte do processo. — confessou, nervosa, estalando os dedos das mãos. — Eu queria que vocês ficassem juntos porque seria muito mais fácil escolher quem vai apadrinhar o bebê e, sei lá, seria legal ter um casal de amigos. Principalmente sendo vocês dois. Ele é um doce e eu sei que você iria gostar dele se desse a chance. Não daquele jeito necessariamente, mas...
— Não faço ideia do porquê você pensou nisso. Eu nem sei se gosto de homem. Eu já esperava isso dos meus pais, mas de você? Se você queria que eu fosse amiga do seu cunhado, você podia simplesmente, sei lá, me apresentá-lo?
— Eu sei disso, sei que você está confusa e, de novo, me desculpa por isso. Mesmo. Eu sei que fui uma péssima amiga pra você e fui um pouco egoísta. Mas eu trouxe aquelas tortinhas de limão que você gosta e eu posso te ajudar a se arrumar, mesmo que você não precise de ajuda com isso e só esteja sendo enrolada pelo seu subconsciente. — ela encostou a orelha na porta e soltou o ar, aliviada, ao ouvir uma risada fraca de sua amiga do outro lado.
Bonnibel suspirou e foi até a porta, abrindo-a e dando de cara com Íris segurando uma pequena caixa de isopor e um olhar que lhe lembrou um filhote esperando para ser chutado, e a encarou de braços cruzados. Com pena e sabendo que já a havia perdoado, ela deu um espaço para a garota passar.
— Vai, entra logo, antes que eu me arrependa de vez. — ela entrou rápido, como se estivesse com medo de ser barrada no meio do caminho, e Bonnibel pegou a caixa com tortinhas da mão dela. — E isso vai ficar comigo. Você está de castigo. Agora fecha essa droga pra mim. Ainda nem estou pronta e estou tentando decidir com que roupa eu vou. — resmungou ela, virando de costas.
— Ah, qual é, Bonnie. Você não pode fazer com que uma grávida passe vontade. Quer que seu afilhado nasça com cara de torta de limão? — ela levantou o zíper com facilidade e deu dois tapinhas nas costas de Bonnibel.
— Agora você decidiu que é o meu afilhado. — disse baixinho, irritada, mas deixou de lado para não fazê-la se sentir mais culpada. — Tá. Você pode ficar com uma. Duas no máximo.
— Eu sei que você me ama.
(...)
Íris insistiu em passar o resto da tarde com a amiga, ajudando-a a secar e enrolar seu cabelo — o que do ponto de vista de Bonnibel era completamente desnecessário, já que ela se arrumava praticamente todas as manhãs para ir trabalhar — e também a decidir se ficaria melhor com o vestido azul ou o rosa e, é claro, decidiu usar o rosa. Mesmo sabendo que não tinha feito nada de errado, sentia que era ela quem deveria se redimir e fazer sua amiga se sentir melhor e, por isso, não reclamou.
Quando ela finalmente foi embora e pouco tempo antes de sair lhe restava, Bonnibel se sentia exausta, como se não estivesse pronta para passar mais tempo socializando com outra pessoa — sentia que Íris tivesse drenado grande parte de sua energia com seu falatório sobre como Finn era gentil, educado e prestativo, e como ele com certeza estaria na grifinória caso fosse um bruxo de Hogwarts.
Ela não imaginava como que, por algum segundo, sua amiga pensou que se interessaria por ele.
Finn, por outro lado, estava tão elétrico que faria qualquer pessoa se sentir cansada apenas por dividir o cômodo com ele, tremendo a perna de tal forma que parecia que havia consumido litros de café, e as palmas de suas mãos não paravam de suar de jeito nenhum.
— Marceline, pelo amor de deus, onde você está? — Ele disse em um tom provavelmente mais rude do que o necessário. Pôde praticamente ouvir a amiga revirar os olhos do outro lado do celular. Já estava esperando em sua reserva no Giorgio Baldi — escolha de seus pais, mesmo que ele havia dito que não precisava ser nada chique demais.
— Finn, relaxa, me dá um voto de confiança pelo menos uma vez.
— Eu confio em você. É na sua habilidade de se atrasar pra qualquer compromisso que não confio. Ela vai chegar provavelmente em cinco minutos e eu tô escutando o som do portão da sua garagem.
— Tá, talvez eu esteja um pouco atrasada, mas você vai ter um tempo de pelo menos trocar duas palavras com ela antes de eu chegar aí. O que você esperava? Que eu descesse músicas ensurdecedoras no ouvido de vocês a noite toda pra vocês não conversarem sobre nada?
— Eh, talvez. Eu tô um pouco nervoso, Marceline. — estalou os dedos e ela riu do outro lado da linha. — Como eu cumprimento ela quando ela chegar?
— Para de fazer isso com as mãos, garoto. Você vai acabar com os seus dedos, fica de boa. Se foi a Íris que arranjou isso, ela provavelmente é legal. Por favor, dê um abraço quando ela chegar, aperto de mãos é muito formal. Daqui a pouco eu vou estar aí e cantar o compilado de músicas românticas nojentas que eu escolhi pro seu encontro dar certo e vou tentar não vomitar até o fim da noite.
— Promete?
— Claro que sim, idiota.
Não havia sido exatamente difícil fazer Marceline conseguir algumas horas no palco do restaurante. Bastou apenas uma ligação de Finn para o estabelecimento e, ao ouvir a situação do garoto — e seu sobrenome — o gerente não o interrompeu nenhuma vez, e ficou muito mais feliz ao saber que o nome de Marceline estava envolvido. Ofereceram um alto cachê pela apresentação dela, que não aceitou.
Mesmo que ela não dissesse em voz alta, queria ajudar só para fazê-lo feliz.
— Argh, você é a pior.
— Cala a boca, você estaria perdido sem mim agora, Mertens. Você ama minhas músicas, até mesmo as insuportavelmente românticas.
— São as minhas favoritas e você sabe disso.
— E isso me insulta pra caramba. Sabe, eu tenho músicas geniais falando sobre estudantes revoltados e insultas à meritocracia e você gosta dessas músicas de… boiola. Você sabe que eu não gosto dessas coisas.
— É claro que não gosta. — ele respondeu, rindo, mas sua risada morreu quando viu uma figura vestida inteiramente de rosa cruzar a porta de entrada do estabelecimento. — Ela tá aqui, Marceline, puta merda. Ela tá aqui. Eu tô nervoso e não tô pronto, todos os encontros que fui não deram certo e… cara, ela é bonita demais pra mim.
— Tá, talvez esse último possa ser verdade, mas ela vai gostar de você. Todo mundo gosta. Até meu pai gosta, pelo amor de deus. Agora desligue esse celular e vai conversar com ela antes que ela realmente ache que você é um esquisitão. Tô dirigindo, tenho que desligar.
— Vem logo, pelo amor de deus. — ela provavelmente lhe deu alguma resposta ácida, mas ele já estava com o celular longe demais para escutar, e o guardou em seu bolso.
Secou as mãos na calça ansiosamente enquanto a observava caminhar até o balcão e procurar a reserva no nome de Finn Mertens, vistoriar todas as mesas e olhar nos olhos do garoto, sorrir fraco e, finalmente, caminhar em sua direção, com o barulho de seus saltos ecoando pelo lugar.
Ele se levantou da mesa para cumprimentá-la — com um abraço, assim como havia anotado mentalmente — e ela aparentemente ficou surpresa com a repentina proximidade mas, se achou ruim, também não disse nada.
Por alguns segundos, ele não sabia muito bem como agir, tanto por estar na presença de uma desconhecida quanto por esta ser muito mais bonita do que ele acreditava ser possível.
Bonnibel, percebendo que ele não abriria a boca tão cedo, decidiu dar o primeiro passo.
— Oi, Finley, boa noite. Desculpe evitar trocar nomes, mas creio que já fomos indiretamente apresentados. Espero que eu não tenha demorado muito. — ela se sentou na cadeira que ele puxou para ela, que agradeceu com um “obrigada” murmurado.
— Não precisamos dessas formalidades, tudo bem. Pode me chamar de Finn. — deu seu melhor para sorrir de volta para ela de forma que seu rosto não se contorcesse em uma careta. — Não se preocupe, você chegou bem na hora. Eu que cheguei um pouco antes, na verdade.
— Sendo assim, pode me chamar de Bonnie. Beleza, sem formalidades. — ela tentou pensar em alguma outra gíria para incrementar sua frase para ele não achar que ela fosse alguma aberração, mas desistiu quando nenhuma veio a sua mente.
— Você está linda. — ele disse, timidamente.
— Obrigada, Finn. Você também está… — sua frase morreu na metade quando notou que não sabia como elogiá-lo — percebeu que ficar sem palavras é algo que aconteceria bastante naquela noite — e riu nervosamente enquanto ele a encarava, confuso. — Desculpe, é só que… posso ser sincera?
— Sinceridade sempre.
— Não é a primeira vez que venho pra esses encontros arranjados, e geralmente são com alguns caras super arrogantes e esnobes. Mas eu sei que você é o cunhado da minha amiga e ela gosta de você, então você provavelmente é um cara legal e tudo mais, mas acho que é bom eu deixar claro que não tenho interesse em me relacionar com ninguém no momento.
Ah.
Ele engoliu em seco, como se não esperasse por aquilo. Ela voltou a ficar tensa, os olhos castanhos arregalando um pouco.
— Não, quer dizer, eu…
— Relaxa, Bonnie. — ele disse, rindo. — Eu entendo. De verdade. Não quero que você ache que tem que fingir ser alguém que não é comigo pra me impressionar ou algo do tipo. Ou pra me afastar. — ela riu, aliviada. — Vamos só jantar hoje, tá legal? Sem nenhuma cobrança nem nada. Se você quiser tentar ser minha amiga ou algo assim, eu vou adorar te conhecer.
Ela permitiu olhar para o garoto verdadeiramente dessa vez. Ele tinha andado nervoso para aquele momento: ela conseguiu enxergar as unhas roídas em seus dedos, as palmas úmidas de suas mãos e algumas gotas de suor em seu cabelo. Era provável que estivesse usando sua melhor roupa, mesmo que não fosse seu estilo — ele não parecia se sentir confortável na roupa engomada, que contrastava com seu cabelo loiro e bagunçado.
Atrás daquele terno alinhado, Bonnibel percebeu que era apenas um garoto. Pelo que pesquisou, em seus meros vinte e um anos. Grandes olhos azuis dóceis e gentis, e também um pouco preocupados. Começou a se perguntar o porquê.
— Acho que posso lidar com isso. — ela disse, por fim. — bom, vamos pedir?
Depois de alguns momentos discutindo sobre o que pediriam do cardápio — decidiram escolher um prato indicado pelo garçom e um vinho branco para comemorar o início de uma possível amizade, ambos já se sentiam muito mais confortáveis um com o outro e esqueceram do contexto de toda aquela situação e passaram a conversar sobre pequenas coisas que tinham em comum.
Banner não costumava relaxar em situações como aquela, mas parecia que Finn, com seu jeito ingênuo e completamente grifinório de ser (mesmo orgulhosa, não podia deixar de admitir que Íris estava certa em diversos pontos levantados sobre ele) conseguia deixar tudo muito mais leve e fácil de lidar.
— Posso te perguntar uma coisa? — disse o garoto, enquanto o garçom servia suas taças de vinho e aguardavam seus pratos.
— Claro, pode falar.
— Não quero parecer grosso nem nada do tipo, mas fiquei curioso. Como você sabia que não estaria interessada em… mim… antes mesmo de me conhecer?
Bonnibel conseguia sentir a insegurança em suas palavras e, por um breve momento, teve vontade de consolar o garoto, que evitava olhar em seus olhos — de repente todos os cantos do restaurante pareciam mais interessantes do que ela — mas não sentia abertura o suficiente para isso.
— Não me leve a mal, Finn. De verdade, não é nada pessoal. É só que… — suspirou.
Não achou prudente puxar uma conversa sobre como o armário era extremamente confortável para ela já que, mesmo que achasse o garoto aparentemente simpático, não conhecia suas habilidades, ou a possível falta destas, de guardar segredos.
— Relacionamentos dão trabalho e não tenho a menor vontade de lidar com as responsabilidades de outras pessoas também. Meus pais me empurram pra essas coisas porque acham que vai me ajudar em alguma coisa, mas só atrapalha tudo. Eh… sem ofensas.
— Não me ofendeu. Parece que você não está tão desconfortável. Mas se você não quiser nós podemos…
— Está sendo bem mais divertido do que eu achei que seria no começo do meu dia, sendo sincera. — ela sorriu. — Você é uma companhia agradável. Mesmo em uma situação como essa.
— Vou levar isso como elogio. — olhou seu relógio, nervoso com o atraso de Marceline, mas relaxou ao ver por cima dos ombros de Bonnibel alguns funcionários arrumando o palco com caixas de som conectadas ao singular baixo vermelho no formato de um machado de sua amiga.
— Você tem mais algum compromisso hoje? — perguntou ela, percebendo a ansiedade do mais novo.
— Não, não é nada disso. É só que eu chamei uma amiga para cantar hoje, achei que música ao vivo daria um clima bom aqui, mas aparentemente ela não sabe lidar com horários marcados. Ela está um pouco atrasada, mas já está por perto.
Bonnibel riu.
— Sua amiga? Eu conheço ela?
— Provavelmente. Eu sou fã do trabalho dela há muito tempo, conheci ela em uma festa que sua banda estava tocando há algum tempo atrás, mas só recentemente algumas músicas têm bombado e não param de tocar em todos os lugares.
— Então você acompanha eles faz tempo, e hoje em dia estão famosos. Deve ser esquisito.
— Às vezes é mesmo. Mas hoje vem só ela, em forma de um favor pra mim, eu acho. Talvez você saiba de quem eu estou falando, a Íris é a nova assessora deles e vocês são amigas e tudo mais. Eu já disse pra ela que tem que dar um tempo de trabalho, já que está atolada de propostas e contratos para ler, e que não quero que meu sobrinho nasça com alguma coisa porque ela não descansa.
Era como se um clique tivesse sido feito na cabeça de Bonnibel.
— Essa é a banda famosa de que todo mundo sabe, menos eu? Juro que nunca soube o nome. Quando contei para Íris que eu permiti que os convidassem para o Festival Doce, ela simplesmente surtou. Mas se não fosse pelo meu assistente eu não saberia da existência deles.
— Um segundo. Só um momento. Você por acaso é a dona do Reino Doce que chamou os Scream Queens pra tocar na abertura e eu tive que escutar eles falando sobre isso por pelo menos dez dias? — ele perguntou, de repente nervoso com a situação. Ela o acompanhou.
— Sou sim, mas… o que você acabou de dizer?
Todos os músculos de Bonnibel pareciam ter se tensionado ao mesmo tempo quando ouviu aquele nome familiar saindo da boca de Finn, seguido pelo inconfundível som do baixo de Marceline soltando uma melodia familiar, tão familiar por tê-lo escutado incansavelmente por pelo menos três anos.
Não podia ser.
Ele com certeza estava falando alguma coisa a respeito da história do festival, mas ela apenas se concentrava para não virar de costas, simplesmente por não ter coragem de permitir que sua ex-namorada a encarasse e pegá-la em um encontro com um de seus amigos mais próximos. Não só por isso — não saberia como reagir se sentisse o olhar da garota em si mesma. Sentia-se uma covarde.
Percebendo a tensão da garota a sua frente, com olhos tão arregalados que poderiam facilmente sair do lugar, Finn tentou acalmá-la.
— Não se preocupe, Bonnie. Ela é o máximo, super gente boa, sei que você vai adorar. Ela pode ser meio… introvertida de primeira, mas depois ela relaxa. Se quiser, depois eu posso apresentar vocês duas.
Para ele, não fazia sentido todo aquele nervosismo da parte dela. É claro que não. Ele não entenderia que ela não estava nem um pouco preocupada com a qualidade das músicas que escutaria naquela noite, muito menos com a simpatia da cantora. Tal simpatia que perdera tantos anos antes.
Podia-se dizer que as coisas com Marceline não terminaram da forma mais saudável e natural possível.
— Boa noite, Giorgio Baldi. — disse ela no microfone, porém em um tom baixo e calmo, diferente do elétrico e extravagante que usava em seus shows e outras apresentações em bares. Recebeu alguns vivas em resposta.
Se Bonnibel tinha ainda alguma dúvida de quem poderia ser, no momento em que escutou aquela voz familiar, todas elas se esvaíram.
— Dança lenta com você, eu só quero uma dança lenta com você. Eu sei que todos os outros garotos são durões e suaves e eu tenho o blues, eu quero uma dança lenta com você.
Uma voz rouca, lenta e hipnotizante. Uma voz que costumava cantar essa mesma música para ela todas as vezes que pedia. Bonnibel sentiu um impulso subir por seu corpo, fazendo-a apertar os dedos dos pés dentro de seu sapato. Aquela voz.
— Bonnie, tá tudo bem? Você tá meio pálida. — disse Finn. — eu… talvez tenha pedido para ela tocar umas músicas românticas, mas isso foi antes da gente conversar sobre isso. Não se sinta pressionada nem nada.
É claro que ele estaria jogando a culpa para si mesmo. Por um instante, Bonnibel permitiu-se fazer o mesmo. Se ele não tivesse aceitado o convite para o encontro, se ele não tivesse criado esperanças naquilo com ela, se ele não tivesse ido em uma maldita festa e conhecido Marceline Abadeer, talvez ela não estaria passando por aquilo.
No entanto, ela sabia que, naquela situação, ele era culpado tanto quanto qualquer outra pessoa no ambiente. Exceto por ela e talvez sua ex-namorada.
E não estava ajudando o fato de ouvir uma música que provavelmente era conhecida, já que percebia diversas pessoas cantando baixinho — inclusive Finn — e outras gravando a apresentação. Não ajudava, pois lembrava-se bem do dia em que escutou aquela música pela primeira vez, e ela sabia bem que Marceline pensava nela enquanto escrevia a letra em seus míseros dezessete anos.
— Essa é uma das minhas favoritas. Ela sabe disso. — disse ele, sorrindo fraco. Era uma das minhas também, pensou ela, mas nada disse. — Quer dançar? Como amigos, prometo. — A tensão nos ombros de Bonnibel não havia passado, e obviamente o garoto estava ciente daquilo, mesmo sem entender a súbita mudança de comportamento da parte dela.
— Na verdade, preciso ir ao banheiro. — disse ela, levantando-se. — Não se preocupe, eu vou encontrar o caminho. — e saiu dali o mais rápido possível, sem se preocupar em olhar para trás, principalmente por sentir o olhar de alguém em suas costas.
E ela sabia que não tinha coragem de virar para saber de quem era.
(...)
Você é uma covarde, Bonnibel.
Ela sabia que não podia continuar se escondendo e que, em algum momento — mesmo que não fosse naquele dia — elas se encontrariam novamente. Apesar disso, ela estava parada, se olhando no espelho, provavelmente há dez minutos, tentando conduzir suas pernas para fora daquele lugar e convencer a si mesma que não podia ser assim tão ruim. Ela não sabia se conseguiria.
Precisava ir embora. Aquela sensação não saía de seu corpo e ela não gostava de nada que a tirasse de sua razão. Finn acharia que ela não voltaria e que era dele que ela estava fugindo. E esse foi o único motivo que a impulsionou a sair daquela maldita cabine e caminhar de volta para sua mesa.
Suas pernas falhavam, ela lutava para se sustentar em cima de seu salto. E ela quase — quase — perdeu todo o equilíbrio de seu corpo quando aqueles intensos olhos verdes firmaram-se nos seus.
Marceline não havia a percebido ali até o momento, isso ela pôde ter certeza. Banner teve a visão privilegiada de assistir a ficha da garota caindo, parecendo que pequenas peças de quebra-cabeça completamente distintas de repente encaixaram perfeitamente, de uma forma tão óbvia que não tinha ideia do como não percebera antes.
Bonnie nunca quis tanto saber o que ela estava pensando.
Todas as músicas que cantou, todos os momentos roubados de ambas pareciam flutuar no ar que as separava, como se de repente tudo ao redor delas fossem massas intensas de calor e memórias fluidas, tão densas quanto suas fortes e falhas respirações.
Antes que Marceline pudesse se esquecer de continuar cantando — ou respirando —, a outra cortou o contato entre elas, como se nada tivesse acontecido e não tivesse sequer notado a sua presença no palco.
O ar de superioridade que exalava por todos os seus poros. O queixo erguido, os ombros para trás, o peito estufado. A forma como ela simplesmente se aproximou de seu amigo e não precisou nem ao menos dizer uma só palavra para chamar sua atenção.
O que antes era surpresa nos olhos verdes, passou a ser a mais sincera raiva.
— Desculpe, Finn. Não estou me sentindo muito bem. — disse ela, pela primeira vez em algum tempo.
— Tudo bem, nós já acabamos de comer mesmo. — ele tentou dar o sorriso mais gentil possível, mesmo sem entender o que aconteceu. — Se você quiser, já podemos ir.
— Seria ótimo. — respondeu, sem se preocupar em esconder a vontade de deixar o lugar o mais rápido possível. Ainda sentia os pelos de sua nuca arrepiados pela sensação de alguém olhando diretamente para ela. — mas eu me diverti muito. De verdade. Podemos fazer isso mais vezes, e então pediremos sobremesa. Como amigos, é claro.
— Claro, claro. — ele guiou para ela o caminho até o balcão, passando na frente de Marceline e fazendo um joinha com as mãos para ela. Bonnibel nem ao menos olhou em sua direção.
O baixo, agora deixado de lado, ainda ressoava baixinho as últimas melodias de uma música: antes, tantas vezes com carinho, mas dessa vez com a promessa de que nunca mais seriam tocadas.
Naquele momento, uma decisão havia sido tomada: Bonnibel Banner não merecia seu perdão.
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