— Ugh, Marceline, não sei como você consegue estar tão de boa com uma fita métrica medindo cada centímetro do seu corpo. E esses alfinetes espetam muito.
A garota limitou-se a responder Keila, ainda focada na matéria da revista adolescente que tinha nas mãos, nem um pouco incomodada com o conjunto de terno preto que usava, diferentemente da amiga que tentava de forma falha puxar alguns alfinetes de seu longo vestido verde.
— Quando você já está acostumada com essas coisas desde nova é muito mais fácil.
— Ah, é. Às vezes me esqueço que você tem todo esse histórico de mãe atriz super famosa e pai dono de empresa milionária.
— Não sei como ainda não saiu nenhuma matéria sobre isso, sinceramente. Eu estou tentando me preparar pra isso, morrendo de ansiedade e toda semana eu compro essas coisas ridículas de tablóides, mas sempre é a mesma coisa! Parece que eles acreditam que adolescentes são idiotas. Sinceramente, qual membro dos Scream Queens combina mais com a sua personalidade? Faça o teste: entre Bongo e Guy, qual seria o date perfeito pro baile de inverno? Por favor. — ela estalou a língua, deixando a revista de lado e Keila riu. — Minha mãe estaria se revirando no caixão se soubesse que não descobriram ainda que sou filha dela. Deve ser porque uso o sobrenome do meu pai.
— Com certeza saberiam se existissem muitas “Marceline Rodríguez” por aí. Mas Abadeer é relativamente comum. — respondeu a amiga, um pouco reflexiva. — Falando nisso, por que você nunca usou o nome da sua mãe?
Marceline a olhou como se tivesse deixado escapar algo óbvio.
— Como você disse, não existem muitas “Marceline Rodríguez” por aí, Keila. Eu seria parada com muito mais frequência desde nova se eu simplesmente anunciasse quem é a minha família. Acho que agora já me acostumei com o sobrenome do Hudson, mesmo que a fama não tenha mais volta para nós, Kylie.
— Nem me diga. — resmungou ela. — Eu tenho muitos vestidos lindos e muito menos apertados do que esses. Fazem aparecer como se eu estivesse pronta pra ser empanada.
— Não sei por que a Íris insistiu tanto pra virmos nesse lugar para comprar roupas novas. E em um sábado. É inútil e desnecessário. Já tenho muitas roupas — concordou ela.
— Porque esse não é um evento qualquer, Abadeer, e você não vai poder aparecer com jeans e camiseta. — disse Íris, entrando na loja e ambas as garotas arregalaram os olhos com o susto. — Sim, vou fingir que não estavam falando de mim pelas costas porque eu sou demais. Vocês fecharam um contrato com uma gravadora grande, mas não a maior. Estaremos sempre em busca de melhores oportunidades e, para isso, precisam ser vistos. E bem vistos. Lá terão várias pessoas importantes, incluindo empresários.
— A gente sabe, linda. Não estamos reclamando do seu ótimo trabalho como a melhor assessora…
— E agente. — complementou Íris.
— ...E agente do mundo. Além disso, eu fico ótima nessas roupas chiques. Fala sério, fui feita pra isso. — disse Marceline, exibindo sua roupa.
— Pare de se mexer, você vai tirar todo o trabalho e vai ter que ser feito tudo de novo. Como eu sei que vocês são teimosas e vão querer estragar tudo e passaríamos pelo menos mais algumas horas aqui — disse ela, revirando uma grande sacola de papel que trazia nas mão. — trouxe uma coisinha pra cada uma. E uma só. Não quero vocês cheias demais e reclamando que estão com sono. E, por favor, não sujem as roupas. São batatas fritas, não é tão difícil.
— Você que manda, chefe. — disse Keila, já com um punhado de batatas na boca.
— Ei, calma, tem mais na sacola! — disse Marceline, levantando-se para acompanhar a mulher que já andava na direção oposta.
— São para os meninos. Eles também estão aqui, do outro lado da loja, esqueceu?
— Mas por que eles podem ter lanches e a gente não? — choramingou, e Íris revirou os olhos.
— Marceline, a grávida aqui sou eu, pelo amor de deus. Esse hambúrguer é pra mim. Eu preciso mais de comida do que vocês. Estou comendo por dois.
— Parece que alguém está em um ótimo humor hoje. — disse Keila, mas ergueu os braços em sinal de rendição ao receber um olhar mortal de Íris. — Olha, você acabou de provar o meu ponto, mas por amor próprio não vou falar nada a respeito.
— Só… sentem aí e sejam bonitas, Ok? — ela respirou fundo, revezando o olhar entre as duas, que a encaravam como crianças que tivessem derrubado uma caixa de leite no chão. — É só por uma semana. Só o que peço é uma semana de paz. Depois que acabar o evento vocês podem voltar com seus escândalos de casos com mulheres e apresentações esquisitas em restaurantes caros. — ela olhou de canto para Marceline, que deu de ombros. — e nem me deixe começar a falar de você, Keila.
— Err, não precisa. — respondeu ela. — E é só uma semana, qual o pior que pode acontecer?
(...)
— Íris, essa foi a pior semana da minha vida. — disse Bonnibel, enquanto fazia sua maquiagem bem trabalhada e fechava o zíper do macacão branco de sua amiga. — Ainda não acredito que você tirou sua mecha colorida do cabelo. Você pinta faz o quê? Dois anos?
— Nah, não tem problema. E, olha, eu pensei a mesma coisa quando você tirou o rosa. Mas achei que seria mais profissional se eu pintasse, sei lá. Agora que vou ser bem mais vista. — ela virou de lado para se enxergar no enorme espelho do apartamento de Bonnibel, alisando sua pequena barriga de oito semanas de gravidez. — Pelo menos gostei do meu cabelo loiro. Me deixou mais jovem.
— Você é jovem. — rebateu ela, rindo.
Ambas permaneceram em silêncio por um tempo. Depois de Bonnibel descobrir que Íris trabalhava para sua ex-namorada — e após Íris descobrir que uma de suas novas pessoas favoritas no mundo era praticamente odiada por sua melhor amiga — , nenhuma das duas sabia muito bem o que dizer.
E não fluiu bem principalmente pelo fato de Bonnibel, mesmo depois de descobrir tal ligação, ainda assim não ter dito nada para a outra, que teve que descobrir por Jake — que ouviu de Finn, que ouviu das ex- namoradas. E ao questioná-la sobre, a única resposta que teve foi:
— Sim, Íris, eu namorei a Marceline, e daí? Você já sabia dela, mas não que era... essa Marceline. Não me importo se você gosta dela e não me importo com ela, tá legal? Não preciso de atualizações frequentes sobre a vida dela, me deixa fora disso.
Por isso — e também por orgulho — , Íris se recusou a informar a amiga da presença da vocalista no evento desde a pequena discussão que tiveram. Banner não brigava e muito menos discutia. Costumava fazer curtas colocações e afirmações que colocavam fim a qualquer que fosse o assunto pautado. E Lawrence, mesmo normalmente sendo tranquila e paciente, não era a melhor pessoa para lidar com isso. Muito menos com hormônios à flor da pele.
— Por favor, me lembre de novo o porquê de eu ter que ir para esse evento idiota. — murmurou Bonnibel, enquanto ambas estavam no banco de trás de seu carro, com Caleb, motorista particular da empresária, dirigindo-as até o local. — ainda temos tempo de mudar de ideia.
— Porque é praticamente sobre você e seus contatos? — respondeu Íris, em um tom de pergunta. — Não vai ser tão ruim assim. A vista de lá é linda, pelo menos. Essa é a vantagem de estar perto da praia — Bonnie resmungou alguma coisa como “a vista da minha casa é muito melhor”, mas Íris a ignorou.
Festas e eventos não costumavam ser muito o que a animava, porém, ao chegarem no espaço, ela teve que admitir que a decoração estava linda. Vários seguranças estavam espalhados pela entrada recepcionando e marcando a presença dos convidados, enquanto outros manobristas levavam os carros para o subsolo. Postes de luz estavam posicionados de tal forma que parecia aconchegante estar ali, equilibrando com o refinado.
— Podem ir entrando, quando quiser voltar é só me ligar. — disse Caleb.
— Você pode entrar se quiser, você sabe. — disse Bonnibel, sendo auxiliada a sair do carro com Íris por um dos seguranças.
— Não precisa, tudo bem. Vou estar por perto. — a porta foi fechada e, antes que pudesse dizer mais alguma coisa, vários jornalistas se aproximavam dela com microfones de diversas emissoras diferentes.
— Banner, é verdade que você está envolvida com o…
— Bonnibel, fale sobre a abertura de suas lojas em Washington! Algum motivo para sua escolha?
— Você viu a entrevista de Gumbald Banner?
Aquele nome a chamou a atenção, e ela virou-se para o jornalista. A raiva subindo a cabeça, a multidão abafando seus pensamentos e sua razão.
— Não cite esse nome perto de mim. — ela sibilou, praticamente rosnando e em uma posição defensiva. Fez-se silêncio por alguns segundos, todos surpresos, antes de serem disparadas mais outras milhares de perguntas impossíveis de serem respondidas a respeito do homem. Bonnibel apenas voltou a seu estado quando sentiu seu braço ser puxado por Íris em direção à entrada, acobertada por dois grandes seguranças.
— Não adianta, você só vai piorar a situação pro seu lado. — murmurou ela no seu ouvido, alisando seu traje de gala e o da amiga que ainda piscava, perplexa. — Eu sei que é um assunto delicado pra vocês, mas não vale a pena.
— Eu sei. — ela puxou o braço de volta, rispidamente. Íris limitou-se a bufar, sem dizer nada. — Vou entrar. Qualquer coisa me ligue.
Não costumava beber em eventos, principalmente em seus eventos próprios, mas aceitou uma taça de martini quando um dos funcionários passou por ali com elegância, recebendo um aceno de cabeça em resposta.
Varrendo o local com os olhos, percebeu que ainda estava um pouco vazio, apenas com baixos murmúrios preenchendo o local. Andou devagar, puxando breves conversas com cada um e sem deixar transparecer a raiva que ainda tentava controlar dentro de si. Passou muitos anos frequentando esses locais com seu pai para saber exatamente como deveria agir e o que falar sem parecer impessoal ou íntimo demais.
Risadas, mas sem mostrar os dentes. Política? Nem pensar. No máximo um comentário sobre as ruínas do país. Um pouco sobre sua família — não vão poder vir hoje, mas mandarei lembranças! — , alguns convites, um pouco sobre tendências à parcerias.
Tudo meramente calculado, na dose exata. Equilíbrio.
— Hey, Bonnie! — disse uma voz distante, aproximando-se dela. Finn. Quando percebeu, já estava sendo abraçada por dois braços que poderiam parecer finos à distância, mas eram fortes. Ela retribuiu o abraço de forma desajeitada e sorriu da melhor forma que podia. — Obrigado pelo convite! Eu trouxe meu irmão, espero que você não se importe.
Ela olhou para o homem alto que estava do lado do garoto e, diferente deste, esbanjava fortes músculos. Já havia encontrado com Jake muitas vezes, porém nunca em situações muito formais — na maior parte das vezes, Íris a levava para seu apartamento e, junto do casal, passava horas conversando.
Porém, naquele momento, ele não parecia tão simpático. Seus olhos castanhos escuro, geralmente banhados em bondade, a encaravam com uma certa rispidez. Mesmo nervosa e com uma onda de desconforto apossando-a, esforçou-se em manter seu sorriso.
— Boa noite, Jacob. — disse ela, estendendo a mão, aceita um pouco à força. Qualquer pensamento na cabeça da mulher a respeito de oferecer um abraço provavelmente resultaria em tentativa de homicídio, para ela. — Espero que estejam aproveitando aqui. Parabéns, eu soube de você e da Íris.
— Jake, deixa disso. — Finn sussurrou, chutando discretamente a canela do irmão. Ela apenas fingiu não perceber. — Já disse, não temos nada. Ela não está interessada e ponto final, cara. Deixa tudo isso de lado. Você sabe que ela é gente boa, já se conhecem. Você está agindo estranho.
Ele pareceu relaxar um pouco e, com isso, ela relaxou também. Sorriu um pouco mais verdadeiramente.
— Obrigado, Bonnie. — disse ele, simpático. — Estamos muito ansiosos. A Íris quer que você seja a madrinha, você sabe. Sem problemas por mim.
Mesmo sentindo-se mais leve por aquilo, usou a primeira brecha que teve para deixar aquela conversa e foi até a entrada, cumprimentar as quatro primeiras pessoas que avistou na entrada do local após uma multidão.
E congelou.
(...)
Bonnibel já havia passado do martini para a água, precisava se manter sóbria se não quisesse passar alguma vergonha no meio das câmeras. Poderiam não ter jornalistas, mas haviam muitas câmeras. E telefones celulares. Poderia ser jovem, mas não era ingênua. Sabia que muitas das relações comerciais eram movidas por interesse — sendo esse de crescer junto dela ou crescer em seu lugar. Não podia deixar-se relaxar ou esquecer do ambiente em que estava.
Pelo menos era o que dizia a si mesma.
Talvez tivesse parado de beber porque sabia que a presença de Marceline Abadeer no ambiente a desestabilizava de uma forma que não lembrava ser humanamente possível.
Provavelmente era a resposta mais correta. Não que ela fosse admitir.
Sabia que tinha que cumprimentar a todos, checar se estavam confortáveis, oferecer uma mesa, um local ao bar. Mas ela não tinha coragem.
Odiava saber que aquela mulher era a única pessoa que a fazia se sentir uma covarde. Que a fizera praticamente correr para o outro lado do salão a notá-la ali.
— Eu não sou uma covarde. — ela repetiu para si mesma. — As pessoas vão olhar e comentar se eu não falar com a banda. Que eu mesma chamei. Para o meu próprio festival. Mesmo sem saber disso.
Olhou ao redor do salão, como uma última súplica para encontrar pessoas que não havia visto naquele dia. Sua perna balançava de forma tão frenética que não sabia se era pelo efeito da bebida ou pela intensa ansiedade que subia pela sua nuca. Começou a ficar quente, e Bonnibel pressionou um guardanapo de leve por seu pescoço e colo para secar as gotas de suor que provavelmente se formavam.
Um mesmo garçom passava por ela a cada cinco minutos, percebendo seu estado e sempre oferecendo um copo de água gelada. Que ela sempre aceitava.
— Isso está passando dos limites. — murmurou ela, levantando-se decidida, e caminhou até o centro do salão. Olhou ao redor, procurando alguma pista de onde poderiam estar. Talvez tivessem ido embora. Talvez Marceline tenha a visto e ainda estivesse com raiva por não terem se falado duas semanas atrás. As palmas de suas mãos voltaram a suar, e ela esfregou-as freneticamente em suas pernas, tentando secá-las.
E se…
Antes que pudesse dar início à uma crise de pânico, foi despertada com alguém pisando em seu pé e esbarrando bruscamente nela, fazendo seus corpos chorarem-se com força e, posteriormente, a sensação de um líquido gelado escorrendo pelo decote de seu vestido.
— Mas que porra…! — disse Bonnibel, afastando-se e chacoalhando os braços, tentando livrar-se das gotas descendo por estes.
— Cacete, me desculpa! Foi sem querer — respondeu a infratora, e a loira congelou na hora ao ouvir aquela voz. De repente, sua busca parecia mais perto do que esperava. — Pelo menos, err, é da mesma cor?
Sem perceber que era Bonnibel, Marceline pegou um punhado de guardanapos da bandeja de um garçom que por ali passava, tentando ao máximo minimizar o estrago e se segurando para não procurar um buraco para enfiar a cabeça.
Quando percebeu de quem se tratava e onde estava com as mãos, Abadeer deu um pulo para trás, buscando uma distância respeitável entre elas. Pigarreou. O vestido vinho de Bonnibel, com um decote nada sutil e com fendas na cintura, agora estava manchado na altura do seio direito com o vinho tinto caríssimo que sua ex-namorada derramou. Seu cabelo, pelo menos, havia se salvado, com as mechas loiro-arruivadas estando perfeitamente amarradas em um coque atrás de sua cabeça.
— Você… fez de propósito. — disse, entre dentes. Não sabia se seu rosto estava vermelho pela vergonha, pelo nervosismo ou pelo álcool que lhe subiu a cabeça.
Normalmente não teria esse tipo de reação. Mas, com bebida na cabeça e uma ex-namorada super atraente que a desestabilizava e incomodava, era difícil de evitar o inevitável.
— Quê? Espera- Não! Foi só um acidente.
Temos que ser bem vistos, pensou Marceline. A voz de Íris ressoou em sua mente. Temos que ser bem vistos, temos que ser bem vistos. Não posso deixá-la estragar isso.
— É claro que foi. — resmungou, irritada pelo vestido manchado, lançando à outra olhares de desprezo.
Todo o pingo de autocontrole que podia existir dentro de Marceline se esvaiu naquele momento. Seus olhos, antes arregalados e nervosos, de repente relaxaram. Um sorriso malicioso tomou lugar em seu rosto. Jogou o guardanapo que usou no chão, pisando em cima.
— Você acha que eu iria desperdiçar bebida em você de propósito? Que egocentrismo. — respondeu com uma risada, aumentando ainda mais a irritação da mulher, que se aproximou ameaçadoramente, com um olhar que Marceline lembrava de ter visto poucas vezes em sua vida. Sentiu-se na vantagem por ter alguns centímetros a mais.
— Estou tentando ser civilizada, Marceline. Não precisa gritar. — respirou fundo, encarando um par de olhos verdes tremendo de raiva. — Tente pelo menos fingir que sabe fazer isso.
— Não vem com esse papinho tentando se pagar de superior pra cima de mim não, Bonnibel. Eu não sou que nem esses otários que você pode dar um sorrisinho e eu vou lamber o chão que você pisa.
— Escuta aqui… — antes que pudesse dizer algo que se arrependeria depois, percebeu cliques de fotos por todo o salão. Arregalou os olhos, um arrepio correndo por todo seu corpo, e deu um respeitoso passo de distância entre a vocalista. — Se tem algum apreço à sua carreira, venha comigo.
Segurou a manga do terno de Marceline, tentando ignorar o roçar de mãos das duas, a guiando para o segundo andar. Sem reação, a outra apenas a seguiu, sem contestar, reagindo apenas quando foram para uma enorme sacada pouco iluminada e vazia.
— Não preciso da sua ajuda para nada. — disse ela, puxando seu braço de volta.
— Ah, por favor, não pense que estou fazendo algo por você. Não foi minha intenção. Essa peça é única, sabia? E você fodeu tudo. — ela tentava miseravelmente tirar mais da bebida de sua roupa. — Tudo isso poderia ser evitado se você pelo menos olhasse para onde anda. Ou você só está chapada demais pra conseguir fazer isso. — disse, provocativa, olhando sugestivamente para a caixa de cigarro que escorregava do bolso do terno da outra. Abadeer praticamente socou-a para dentro da roupa, bufando.
— Eu não olho para onde ando? Cigarro não me deixa chapada. Não diga do que não sabe. Afinal, você que praticamente voou pra cima de mim, andando por aí que nem uma doida.
— Não é minha culpa se você tem histórico. Eu tenho direito de ter meus questionamentos.
Ela sabia que tinha dito algo errado, e se arrependeu quando as palavras deixaram seu corpo. Mas, com a bebida em seu sangue e a vontade de irritá-la, não pensou muito a respeito.
Porém, percebeu o quão ruim tinha sido quando os olhos verdes de Marceline, antes sarcásticos e provocativos, tornaram-se um pouco mais escuros e raivosos. Aquilo desestabilizou a garota, que arregalou os olhos quando sentiu ser puxada pelo colar que usava, ficando na ponta dos pés para não ser enforcada e para não estourar a peça.
— Você não se atreva a falar da minha mãe, Banner. Principalmente se você tem algum apreço por esses trinta e dois dentes perfeitinhos que estão dentro de sua boca.
Bonnibel não soube como responder bem a aquilo, ficando vermelha dos pés à cabeça. A proximidade das duas lhe deixava bêbada — era tanta que podia sentir o hálito de vinho saindo da boca de Abadeer em todo movimento que fazia.
— Como está o pé? — perguntou, largando-a e mudando de assunto.
— Está bom. Se for pisar no meu pé, pelo menos tinha que ter feito direito. — resmungou.
— Bom, se for esse o problema, fico feliz em ajudar. — retrucou, seguido por um longo e forte pisão no pé de Bonnibel.
— Ai, AI, garota! Qual é o seu problema? — gritou ela, apoiando-se no parapeito e segurando o pé com a outra mão, tentando tirar o salto. Marceline sorriu, vitoriosa.
— O que tá acontecendo aqui? Marceline, Bonnie, o que houve? Ninguém está entendendo nada lá embaixo — disse Finn, passando pelas grandes portas de vidro da sacada, um olhar de preocupação direcionado à loira.
E eu que me foda, pensou Abadeer.
— Foi só um acidente — respondeu Bonnie, com um sorriso meigo, ainda tentando limpar suas vestes. Nem parecia que minutos antes estava quase voando para seu pescoço por aquilo. Agora foi só um acidente? — Está tudo certo, não se preocupe.
— É uma pena, é um lindo vestido. — disse ele, olhando pra loira de cima a baixo e piscou, envergonhado. — Bom, qualquer coisa estarei lá embaixo.
Quando o garoto foi embora e ambas perceberam que os burburinhos pelo salão baixaram, Marceline puxou a garota até a parede, para não serem vistas, e a encostou ali com certa brutalidade, e começou a falar antes que ela soltasse um grito assustado ou fizesse escândalo.
— Escute com bastante atenção, princesa, porque não vou repetir. Não dessa forma amigável. — disse, ríspida, fazendo Bonnibel engolir em seco — Eu não me importo com o que você faz comigo ou com o que a gente passou, você pode olhar fazendo uma careta ridícula pra mim, me chamar de drogada, fazer escândalo por um pedaço de pano e até agir como se eu fosse um lixo ambulante que já passou na sua vida, se é isso que te deixa feliz.
— Eu não-
— Cala a boca enquanto eu estiver falando. — cortou-a, e Bonnie respirou fundo e cruzou os braços, impaciente. Odiava não estar em vantagem. — Mas não quero que você use o meu amigo como forma de questionar a sua sexualidade ou qualquer merda do tipo. Não quero nem cogitar que isso está acontecendo. Ele é um bom garoto e não precisa de você fodendo com a cabeça dele. Se você machucar ele, física ou emocionalmente, se você fizer com que um dedo sequer esteja fora do lugar, vou fazer questão de eu mesma resolver isso com você. Entendido?
Bonnibel travou por alguns segundos, mas balançou a cabeça positivamente, sem muitas reações. Não percebeu quando Marceline pegou de algum lugar uma caneta para escrever seu número de telefone brutalmente em seu antebraço, deixando a região um pouco dolorida.
— Meu número. Me passa o valor desse seu vestido idiota que eu vou te pagar quando puder. Depois disso, apague ele. Não pense que eu quero ser sua amiga e não gosto de você — E, sem mais nem menos, virou de costas e foi embora, deixando-a para trás num misto de raiva e tantos outros sentimentos que não soube nomear. — Você perde a mão se espalhar essa porra por aí.
Marceline podia praticamente ouvir claramente o sermão que escutaria de sua assessora no dia seguinte:
— Você tinha uma tarefa!
(...)
Sexta feira, 2 de janeiro de 2014.
Primeiro dia de aula após o feriado do fim do ano.
Bonnibel andava pelos corredores de seu novo colégio, ainda estranhando o clima fresco naquela época do ano. Pelo menos não recebeu muitos olhares, pois a diretora, quem a garota seguia os passos em saltos altos e barulhentos a sua frente, chamava mais a atenção de seus novos colegas.
Elas caminharam em sincronia até uma das últimas portas do segundo andar, com uma placa de ferro cravada “laboratório de física", e ela não sabia muito bem o que esperar — não pensava que encontraria alguém ali no horário de almoço de uma sexta logo após o recesso escolar.
Porém, a sala, apesar de suas expectativas, estava ocupada.
— Abadeer — disse a mulher, simplesmente. A garota sentada em uma das bancadas do meio — nem tão para o fundo, nem tão para frente — tirou rapidamente os fones de ouvido de suas orelhas e guardou seu MP3 no bolso de seu casaco volumoso.
— Sim, diretora? — disse ela, timidamente. Sentia a presença de outra pessoa no cômodo, que apertava nervosamente os dedos dos pés em seu sapato, e não sabia bem como lidar com isso. Centrou sua atenção nos olhos (por mais que um pouco assustadores) da mulher de um metro e oitenta na porta da sala.
— Quero te apresentar a Senhorita Banner, uma das alunas que entrou no colégio esse ano. Ela veio de Seattle e vocês terão algumas aulas juntas esse semestre.
Todo seu esforço para não olhar para a garota foi em vão, já que naquele momento ela não tinha lá muita escolha a não ser encará-la. Percebeu que a novata estava tão nervosa quanto ela, provavelmente por ser seu primeiro dia de aula.
No quesito nervosismo, ela não era a melhor aluna para ajudá-la.
— Prazer, Banner. — disse ela, seca. Em retorno, apenas recebeu um “prazer” murmurado, um pouco surpresa com a indiferença da outra. Estava acostumada a ouvir de outros colegas apresentados frases como ‘está se acostumando com o sol?’ ‘nossa, lá é bem diferente daqui, né?’
Marceline não fazia muita questão de prolongar o contato entre elas. Era comum a escola fazer apresentações formais entre alguns novatos na escola, principalmente os que tinham dificuldades para socializar, mas a garota não parecia se encaixar nesse grupo.
Abadeer poderia facilmente dizer que sua nova colega fora vomitada de um unicórnio alado — praticamente todas as suas peças de roupa eram rosa ou em tons pastéis, combinando com seu cabelo na cor rosa. Sua pele era branca, tão branca que podiam ser vistas algumas sardas, mesmo de longe. Era possível ver que não era dali.
O tipo de pessoa que todos gostariam de conhecer. Mas ela não podia acreditar que alguma pessoa no mundo escolhia pintar o cabelo de rosa.
— Estou apresentando vocês pois você acompanhará a senhorita durante a primeira semana dela por aqui. Se ela precisar que alguém a acompanhe para as aulas, no horário de almoço ou necessitar de ajuda em qualquer coisa, você estará encarregada disso.
Ela definitivamente não esperava por isso. Comprimiu os lábios, contendo uma careta, sentindo uma raiva que não podia expressar a não ser que quisesse se encrencar.
— Eu tenho coisas pra fazer, você sabe.
— E, é claro, isso significa que estará livre das tarefas extras que está inscrita.
De repente, as feições de Marceline se suavizaram um pouco para o alívio de Bonnibel. Se pudesse escolher, a garota à sua frente definitivamente não seria sua guia — o excesso de delineador e lápis de olhos dava uma aparência de alguém que a socaria em sua primeira oportunidade.
Mas, se pudesse escolher, não teria uma guia escolar. Provavelmente foi algo arranjado por seus pais.
— Bom, vou deixá-las para se conhecerem. — disse a diretora antes de se retirar, sem nenhuma palavra de nenhuma das estudantes.
Bonnie aproximou-se lentamente de sua colega, ambas totalmente cientes da tensão entre elas. Sentou-se no banco do lado de Abadeer, que puxou suas coisas mais para perto de si, dando-lhe espaço.
— Não sabia que você gostava de exatas. — foi a primeira coisa que realmente ouviu a novata dizer em um tom mais audível. — Não são muitas as pessoas que escolhem estudar um pouco mais. — A cara fechada de Marceline voltou, desesperando-a. Não sabia se tinha dito algo de errado e revisou cada um de seus últimos passos para procurar por uma pista. — Me desculpe, eu…
— Relaxa, princesa. — disse ela, com uma pitada de sarcasmo na língua. Antes que pudesse encontrar alguma maldade naquilo, a tensão deixou seus ombros ao ver um sorriso de canto, mesmo que tímido, surgindo no rosto de sua colega. — Sou obrigada a ter umas tarefas extras pra fazer. Por isso estou aqui. — Timidamente, Bonnie espiou o caderno na bancada e encontrou alguns rabiscos e coisas escritas que definitivamente não eram relacionadas com física; não teve muito tempo para desvendá-los, já que foram arrancados subitamente e guardados na mochila. — Você não precisa me conhecer, você sabe.
— Mas e se eu quiser? — rebateu, encarando-a. Não tinha pensado realmente em ter amizade com ela, mas o gosto de desafio a cativou. Marceline sentiu-se estagnada na cadeira, surpresa. — Bonnibel Banner. Pode me chamar de Bonnie, se quiser. — ela estendeu a mão que, com um pouco de relutância, foi aceita, e abriu um largo sorriso.
— Marceline. Abadeer. Eu odeio apelidos.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.