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História Tokyo Ghoul: Revive - FRIEND: Incontrolável - História escrita por Plyo_Acker - Spirit Fanfics e Histórias
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História Tokyo Ghoul: Revive - FRIEND: Incontrolável


Escrita por: Plyo_Acker

Notas do Autor


mais um cap fresquinho!

eu to bem animada pq agora a história ta entrando na parte boa do roteiro

IRRA


boa leitura~

Capítulo 11 - FRIEND: Incontrolável


   Consigo sentir um nervosismo incontrolável enquanto os vejo se aproximarem de mim. 

 

— Srta. Takanashi, o que houve? — Kazuhiko disse. — Ficou estranha de repente, precisa de... 

— Ai, caramba, eles estão vindo pra cá. 

— “Eles?” E-eles quem? — Rapidamente ele olhou para a direção que eu encaro. — Oh, é o Sr.Suzuya, Sr. Abara e... mais um homem. O que tem? 

   Me virei bruscamente para o mais alto. Soltei meus cabelos e os prendi melhor, dei umas tapinhas nas bochechas na tentativa de melhorar meu semblante cansado. 

— Me diz, eu pareço decente? 

— Hã? Você está normal, Srta. Takanashi, mas por que... 

— Ah, Gabi-chan! — A doce voz de Juuzou soou mais alto. — Que bom que te achei! Tem alguém que gostaria de falar com você. 

— Finalmente te achamos, Takanashi.  

— Sr. Shinohara... — Recobrei a postura e logo sorri. — É muito bom revê-lo! Como vai a fisioterapia? Você parece bem melhor! 

— Eu tenho melhorado, de fato. — Ele apertou minha mão. — A última vez que nos vimos foi na Cerimônia de Promoção. Juuzou ficou bem animado para que nós nos falássemos, mas não te vimos em lugar nenhum! 

— Eu estava em patrulha a pedido da polícia, cheguei agora há pouco. — Cocei a cabeça. — Desculpe ficar sumida o dia todo. 

— E esse rapaz atrás de você? — O homem sorriu. — É seu namorado? 

— Q-quê? Namorado?! — Kazuhiko gaguejou. 

— N-não é nada disso, Sr. Shinohara! Você entendeu errado... 

— Hah, está tudo bem, eu só estava brincando! — Ele riu. — Não precisa ficar nervosa. 

 

   ‘Nervosa? Será que eu pareço nervosa? Juuzou está com uma cara estranha... Está fazendo aquele sorrisinho educado. Será que ele não curtiu a piada? ... Capaz que ele nem esteja prestando atenção, se eu pensar bem. Deve estar só contemplando o fato de o Sr. Shinohara estar aqui com ele.’ 

 

— Sr. Shinohara, este é Kazuhiko Ichigo — Apresentei. — Meu mais novo parceiro desde que me tornei Especial Associada. 

— Novo parceiro? Que coisa boa! 

— Sou Kazuhiko Ichigo, Pacificador de Segunda Classe. Prazer em conhecê-lo, senhor! — O jovem abaixou a cabeça respeitosamente. 

— O prazer é meu, rapaz. Espero que você e a Takanashi estejam se dando bem. 

— Temos uma boa dinâmica. Ela tem me ajudado muito desde que cheguei, é uma mentora e tanto. 

— Não é pra tanto... — Comentei. — O que eu sei não é nada além de cláusulas e algumas regrinhas, hah. 

— Falsa modéstia a essa hora, Gabi-chan? — Brincou o costurado. 

— Ah, cala a boca. 

— Só estou dizendo que você não precisa desmerecer os próprios créditos. — Juuzou continuou. — Todo mundo sabe que você é uma Pacificadora muito boa no que faz, incluindo você mesma. 

— Hahah! Parece que a dinâmica de vocês dois não mudou muito. — Shinohara riu. 

   Por um momento, fiquei sem resposta. 

— É que eu não gosto de me vangloriar. — Respondi, finalmente. — Bom, pode-se dizer que eu criei uma reputação ao longo dos anos. 

— Você deve ter se dedicado muito para isso, não é? 

— É, eu... Eu me dediquei bastante. 

— Rapazes, será que poderia me deixar a sós com a Takanashi? Será rápido, eu prometo. — O homem sorriu. 

— Fiquem à vontade! — Juuzou respondeu. — Volto depois, Sr. Shinohara. 

— Te esperarei na sua sala, se precisar de mim. — Disse Kazuhiko ao se retirar do lobby. 

 

   Shinohara e eu começamos a caminhar brevemente pelo o local, ao passo que Juuzou e Kazuhiko também se afastaram, indo para sabe-se lá onde.  

— Então, pode me dizer como tem sido os dias como Especial Associada? — Perguntou o mais velho. 

— Bem, está tudo normal, né? Estou fazendo o que posso pra cumprir o meu papel. É meio cansativo em alguns momentos, mas não é nada que eu não consiga lidar. 

— Juuzou me disse que você anda bem ocupada. Deve estar tendo bastante trabalho, não? 

— Mais ou menos... Concluí uma operação há um tempinho e hoje fui fazer uma ronda de segurança. Fora isso, são só documentações e outras burocracias bem chatinhas que eu tenho que lidar. Heh, eu achava que sendo uma Especial Associada eu teria uma rotina um pouco diferente, mas vejo que eu só fiquei um pouco mais mandona! 

— Com o tempo, as pessoas podem confiar casos mais importantes a você, é só ter um pouco de paciência. Por outro lado, no início é sempre mais tenso, visto que, em um cargo novo, as pessoas esperam um pouco mais de você. Ainda mais no seu caso, que atingiu esse nível com apenas vinte anos.  

— É, eu... — Me perguntei internamente se eu poderia desabafar. — Admito, nos primeiros dias eu me senti bem ansiosa. Eu não sabia o que as pessoas esperavam de mim, então só fui segurando as pontas desde então. E quando fui designada a trabalhar com Kazuhiko, fiquei empolgada, mas ao mesmo tempo... preocupada. Não é fácil sair de uma parceria para outra tão de repente, fiquei me perguntando o tempo todo como seria daqui pra frente e, principalmente, se eu faria um bom trabalho. Mas até agora está tudo bem... então não tenho do que reclamar. 

— Você era parceira de outra pessoa? De quem? 

— Juuzou e eu fomos parceiros pelo os últimos 5 anos, Sr. Shinohara. 

— Ah! Eu devia ter imaginado... Vocês dois sempre se deram tão bem. 

— Hah, ele não te contou? 

— Só me disse o quanto você tinha crescido ao longo desses anos, que fez um bom trabalho como irmão mais velho. 

— Oh, eu não cresci tanto assim. — Eu ri. — Sinto que mudei mais por dentro do que por fora. Eu ainda sou a boa e velha Takanashi! ...Mas, quanto ao que Juuzou disse, ele não está totalmente errado. Acho que Juuzou se saiu muito bem sendo meu mentor, eu aprendi muita coisa com ele. 

   O homem grisalho permaneceu com uma feição pensativa, com um leve sorriso no rosto. Havia algumas cadeiras e sofás coloridos em frente as janelas, resolvemos nos sentar um pouco, um frente ao outro: 

— O que houve? 

— É que é um pouco estranho pra mim, entende? — Uma aura calorosa emanava dele. — Parece que foi ontem... Eu estava em uma operação contra uma Coruja, Juuzou teve a perna decepada e então... estou aqui. Você e ele... Vocês eram diferentes de como são agora. É como se eu estivesse num mundo paralelo, hah. Mas eu me lembro bem... Eu me lembro da energia que vocês tinham um com o outro, era algo inocente, e Juuzou só agia daquela maneira com você. Uma vibração forte. E quando vi vocês dois ali juntos, senti que essa vibração ainda estava viva. Há algo muito forte entre você e ele. 

 

   ‘Sr. Shinohara...’ 

 

— Ah, me desculpe se eu estiver falando abobrinha! Eu ando muito pensativo desde que acordei. 

— De modo algum! Essa “vibração” que você diz... Isso é ruim? 

— Ruim? — Ele riu gentilmente. — É de longe uma das coisas mais bonitas que já vi entre amigos. 

 

   ‘ ”Amigos”...’ 

 

— Ah, que bom! — Sorri aliviada. 

—  Ver vocês dois interagindo me traz memórias boas. Não consigo acreditar que Juuzou agora é General! E você uma Especial Associada! Parece que eu perdi um pedaço enorme da história, hah. 

— Heh, Juuzou está nesse cargo há mais tempo do que pensa. Foi merecido, ele sempre foi bom em tudo o que faz. 

— E quanto a você? 

— O que tem eu? 

— Já se esqueceu do que Juuzou acabou de dizer a você? Olha, crescer profissionalmente em um lugar como esse não é fácil. Requer muita dedicação e muita responsabilidade. E você conquistou isso muito rápido, e não venha me dizer que isso é graças ao Suzuya pois sei que não é, ele não ficaria na sua cola te dizendo para ser Especial Associada. Isso vem de você, Takanashi, e é admirável. Um cargo como esse nessa idade é uma raridade, e motivo de inspiração para muitos Investigadores—digo... Pacificadores, hah. 

   Suspirei inevitavelmente para as palavras inspiradoras de Shinohara. 

— Você gosta mesmo de dar sermões, né? 

— Ah, algumas coisas não mudam! — Coçou a cabeça descontraído. 

 

   E eu ri. 

 

   Realmente, algumas coisas não mudam. Vendo Shinohara na minha frente, rindo e alegre, me faz olhar para trás por um breve momento. É como se ele nunca tivesse entrado em coma, como se não houvesse culpa ou angústia. Como se eu estivesse apenas conversando com a figura paterna do meu melhor amigo. Mas eu sei que é muito mais do que isso. 

   Por mais que eu admire e respeite muito este homem, sinto que existe uma espécie de barreira entre nós. Afinal, tudo o que sei e sinto em relação a ele vem do que eu vi e ouvi de Juuzou, e eu ainda era uma criança quando falei com ele pela a primeira vez. Talvez seja por isso que sinto meu corpo tão rígido, há um leve medo de eu cometer algum deslize em relação a ele que possa causar uma má impressão. Mas, aparentemente, ele só me diz coisas boas, como se realmente gostasse de mim, mesmo sem saber muito sobre minha pessoa. 

 

   Eu queria conhecê-lo melhor. Saber quem é Shinohara Yukinori e o real motivo de Juuzou admirá-lo tanto. 

 

— Não precisa se preocupar com isso, Sr. Shinohara. — Eu disse, determinada. — Eu quero fazer bom uso do meu cargo e estou ciente do quanto isso pode ser desafiador. Me meti até em treta por causa disso, hah... Mas todo meu esforço é para as pessoas ao meu redor, minhas capacidades podem ajudar os outros então eu faço o que posso como Pacificadora para estar ao dispor. 

— Isso é ótimo, ótimo mesmo! — De repente, ele me encarou. — Mas, sabe, não pode deixar isso pesar mais do que deve. As pessoas são importantes, mas você também existe. Se não souber medir essa parte, vai começar a cansar e vai deixar isso se manifestar... Igual a essas olheiras nos seus olhos. — Ele apontou para o próprio olho. — Você tem que descansar mais. 

 

   Senti o calor constrangedor no rosto. 

 

   ‘De onde ele tirou isso? Você entendeu tudo errado, eu estou com olheiras porque passei o final de semana inteira pensando no...’ 

 

— Ah, isso aqui... — Toquei meu rosto. — Eu agradeço a preocupação, eu devia pegar leve mesmo! 

 

   Depois disso, foquei a conversa nele e somente nele. Perguntei sobre sua família e sua vida, ele me contou um pouco das outras desventuras da época em que era Investigador, me contou sobre seus filhos e até mencionou o jantar que teve com Juuzou no outro dia. Ele fala deles com muito carinho, e certamente tem um jeito muito calmo de se expressar. Todas as pessoas que Shinohara mencionou são de muito valor para ele, aparentemente. De certa forma é adorável. 

 

 

<><><> 

 

 

   O anoitecer é silencioso do lado de fora do veículo, que parece ser um dos poucos que andam pelas as áreas residenciais. Mais uma vez me encontro levando o andrógeno para casa, na tentativa de compensar o vacilo de não ter dado carona a ele de manhã. Juuzou não se incomodou por isso, disse que eu estou exagerando e que não faz mal ele ir sozinho às vezes. E eu entendi, contudo, algo em mim não me deixa ficar afastada dele nem por um segundo. Meu anseio é de ficar sempre com ele. 

— Não esperava que o Sr. Shinohara viesse hoje. — Comentei. 

— Nem eu! Mas foi bom vê-lo, ele ficou bem impressionado com as mudanças do CST. Aliás, sobre o que vocês conversaram? 

— Nada demais. 

— É segredo? 

— Não! — Dei risada. — Sério, não foi nada demais. Ele só quis saber um pouco sobre mim. 

— Ah, é claro. Sr. Shinohara comentou sobre te conhecer melhor, já que somos bem próximos e tal. — De repente, resolveu mudar de assunto. — Gabi-chan. eu queria te perguntar uma coisa. 

— Hã? O-o que é? 

— O que aconteceu com você hoje? Você tá com uma cara péssima. 

— Oh. 

 

   ‘Quanta sinceridade.’ 

 

— Você não descansou direito, né? Por isso se atrasou hoje. Me conta, o que tirou seu sono? 

 

   ‘Esse garoto lê mentes, por acaso?! ... Talvez só esteja muito óbvio.’ 

 

— Eu... Bem... 

 

   Por um segundo, considerei falar a verdade. Talvez isso mudasse algo. 

 

— Juuzou, eu não consegui dormi no último final de semana porque... 

 

   Melhor não. 

 

— Porque, bem, eu achei uma série muito interessante e não pude deixar de assistir! Sabe, é muito boa mesmo, passei o final de semana inteiro maratonando, hah! Assisti o último episódio nessa madrugada e acabei dormindo tarde. Não me orgulho disso... Desculpa se isso te preocupou. 

— Ah. Que legal. Pega leve da próxima vez. 

 

   Apenas observei como Juuzou virou o rosto para frente, não foi natural a forma que seu pequeno corpo se escorou no banco do carro. Senti o desespero se instalando lentamente. 

 

   ‘Ah, não, Juuzou ficou chateado! Ele sabe que eu tô mentindo. Meu Deus, como eu sou idiota. O que faço agora?’ 

 

   Felizmente—ou infelizmente—já estávamos perto da residência do rapaz. Eu fiquei quieta, não sabia o que falar, e ele também ficou menos tagarela, posso apenas ouvir um cantarolar bem baixinho vindo dele. O carro foi parando aos poucos, havia duas ou três pessoas em frente a uma das portas quando chegamos, estavam conversando. O clima é tranquilo, mas talvez eu que esteja vendo tudo com um olhar desesperador. A ansiedade é grande. 

— Eu vou indo. — O rapaz sorriu ao remover o cinto de segurança. — Valeu pela a carona! 

— De boa. 

 

   Eu ainda me sinto mal por ter mentido na cara dura. Quando Juuzou virou-se, por um impulso muito grande eu segurei o sobretudo preto dele, e isso obviamente chamou sua atenção. 

— Hã, Juuzou... Espera. 

 

   E ele me fitou com aqueles grandes olhos, tirando meu fôlego brevemente. 

 

— O que você acha de... hã... eu passar na sua casa nesta semana? Já faz um tempo que eu não te visito. 

   Um sorriso animado surgiu no rosto dele. 

— Claro! Que tal amanhã? 

— Amanhã?? 

— É! Amanhã vou sair mais cedo, então dá tempo de sobra. 

— Espera, por que vai sair mais cedo? 

— A minha loja de doces favorita vai fechar mais cedo amanhã e eu quero comprar uma coisa antes. Tenho reunião às 15h então terei que sair bem rápido! — Soou empolgado. 

 

   ‘É sério que você vai sair mais cedo por ISSO?’ 

 

   Às vezes eu esqueço: Juuzou não precisa de muita coisa pra fugir da própria rotina. Ele sempre gostou de fazer o que dá na telha, e, ainda assim, consegue compensar bem o trabalho que faz. É impressionante. 

— Deve ser algo muito importante pra te fazer sair mais cedo assim. 

— Você vai ver. Vale MUITO à pena! Agora vou indo, tá legal? 

— Certo. 

— Boa noite, Gabi-chan! 

— Boa noite, Juuzou. Dorme bem. 

   Ele sorriu uma última vez, seguido de uma piscadinha. Isso é incomum, e claro que fiquei desnorteada. Fiquei observando o jovem saltitar até a entrada do apê, chegando na porta ele virou para trás, talvez para certificar-se de que eu ainda estava lá. Acenou e finalmente entrou. Acenei de volta. 

 

   Depois, um suspiro pesado saiu de mim. Que sensação frustrante. 

 

— URGH! — Bati minha cabeça no volante, a buzina fez um barulhinho com o impacto. — Por que eu sou assim...? ... Isso tá saindo do controle. 

 

   Passei a corrida para casa me sentindo intrigada. Perto de Juuzou, meu coração palpitava muito forte, contive meus sorrisos, parte de mim só queria gritar: “Eu gosto de você!” de forma escancarada e sem pudor. Mas eu fiquei... tímida. E isso é o que me intriga. Já estive apaixonada antes, eu conheço os “sintomas”, mas em nenhuma das vezes eu fiquei tímida com os rapazes, geralmente não sou assim. Talvez porque nenhum deles era meu melhor amigo ou irmão de consideração. 

 

   Nenhum deles era Suzuya Juuzou. 

 

   Essas peças estão se encaixando cada vez mais na minha cabeça. E quanto mais se encaixam, mais difícil é de aceitar. É uma energia sem controle que entra em euforia toda vez que ele está por perto, e eu me sinto tão bem, mas ao mesmo tempo... tão culpada. Eu deveria me sentir assim? Será que posso me sentir assim? 

 

   O medo. Ele sempre costuma estragar tudo. 

 

— Juuzou — 

 

   Fiquei muito empolgado por mostrar o prédio para o Sr. Shinohara—um verdadeiro tour! E talvez agora seja a última parte desta visita: eu o guiei até o topo do prédio, o último andar, para uma sala diferente das outras, onde há alguém deveras razinza que costuma administrar esse lugar. 

 

   Eu abri a porta grande sem rodeios: 

— Boa tarde, Sr. Marude! Eu trouxe alguém que quer te ver! 

   O homem estava em sua escrivaninha com uma expressão concentrada. 

— Sinceramente, Suzuya, se essa for mais uma de suas brincadeiras sem graça, eu estou sem tem...po — Até ele olhar para a porta e notar quem estava ao meu lado. — Shinohara? 

— É bom te ver também, Marude. 

   Visivelmente desnorteado, o velho caminhou em direção ao seu antigo colega. Ambos apertaram as mãos, contentes. 

— Você parece muito melhor! — Disse o Diretor. 

— É o que me dizem — Sorriu meu antigo mentor. — Não nos falamos já tem um tempo, não é? Não conseguimos nos ver no dia da Cerimônia de Promoção. 

— É verdade. Mas estou feliz que esteja bem, Shinohara. É realmente um colírio para os meus olhos, me faz pensar que os avanços dos últimos anos valeram a pena. 

— De fato, tem muita coisa em que preciso me atualizar! Fiquei surpreso quando Juuzou me disse que você virou o Diretor do CST, mas não é de se admirar, você sempre foi muito dedicado a este trabalho. 

 

   ‘Parece que a conversa está fluindo bem. Legal!’ 

 

— Eu fiz a minha parte, só isso. Muitos se empenharam para reconstruir esse lugar depois de tudo o que aconteceu. General Suzuya é uma dessas pessoas, não é à toa que está na liderança. 

— Ah, não foi nada demais! — Sorri. 

— É realmente surpreendente. — Sr. Shinohara olhou para mim. — E como tem sido o empenho dele? 

— Eu não tenho muitas reclamações no momento, Suzuya executa bem o próprio trabalho. — Gostei do que ele disse. Mas só admite porque o Sr. Shinohara está por perto. — No entanto, o gênio é quase o mesmo de sempre: desinteressado nas explicações teóricas, toma a linha de frente sem hesitar e continua comendo durante as reuniões. 

 

   Sr. Shinohara deu uma breve risada: 

— Algumas coisas simplesmente não mudam! 

— Sr. Marude, por que não conta sobre a Guerra? — Sugeri. — Muita coisa aconteceu desde aquele dia. 

— Eu soube que esse foi a segunda operação mais pesada que tiveram desde a Coruja de Um Olho. — Comentou o ex-Investigador. 

— É, infelizmente perdemos muitas pessoas naquele dia. — O Diretor suspirou, provavelmente lembrando com pesar. — Nosso inimigo era um Ghoul poderoso, liderava até mesmo a própria tropa. Além disso havia uma... criatura. Aquela coisa destruiu grande parte da cidade. Tirou muitas vidas, quase matando Suzuya e Takanashi também. Levou um bom tempo para recuperarmos o que perdemos, e agora nosso único problema constante são os Bastardos, filhos deixados pelo o Dragão que nos prejudicou. 

— Isso é mesmo terrível... Mas, vendo pelo o lado bom, ao menos as coisas se acertaram atualmente. Todos parecem bem mais fortes. 

 

   A conversa entre os dois velhos permaneceu daquela forma por um tempo. Eles ficaram tão investidos no bate-papo que quase não tive vontade de participar, foi legal ficar só os observando falar algumas baboseiras da época em que trabalhavam como Investigadores.  

   Por outro lado, uma coisa ficou martelando na minha cabeça, ao longe: não vi Gabi-chan o dia todo. Não que isso seja um grande problema, imagino que ela esteja ocupada trabalhando—se é que veio trabalhar—, não chegou a responder nenhuma das minhas mensagens depois que fizemos aquela geleia, que só de lembrar me fez querer mais um pouco de tão boa que estava, parece que ela põe algo mais além de mel natural. A única coisa que ela me disse foi a mensagem que recebi de manhã, cheguei a perguntar ao Tamaki se ele tinha alguma noção de onde ela estava por causa do Sr. Shinohara, mas nem ele sabia, mesmo sendo uma das pessoas para quem ela mais manda mensagem no celular. A dinâmica desses dois é meio esquisita. 

 

   Me encontro em frente ao escritório da garota de longos cabelos negros, ansioso. 

— Talvez ela esteja aqui. — Eu sorri para o mais velho. 

   Dei três toques na porta. 

— Gabi-chan, sou eu! 

   Por um momento, tive expectativas de ouvir um “pode entrar!”. Mas não tive resposta. Isso é desanimador. 

— Ah... Ela deve ter saído. 

— Tá tudo bem, Juuzou. — Disse Sr. Shinohara. — Marcamos um dia para nos falarmos melhor! Ela deve estar ocupada agora. 

— Tá legal, então. Eu te levo até a entrada. 

 

   Fui acompanhando os passos lentos do ex-Investigador, esse andador realmente o faz parecer um idoso. Mas estou sem pressa, posso ouvi-lo com mais atenção: 

— Sabe, estou curioso para saber como é a Takanashi hoje em dia. Você fala bem dela sempre que a menciona, então imagino que ela deve ter alguma importância pra você. 

— Bom, ela mudou um pouco. Ela leva o trabalho dela bem a sério, às vezes até demais, e até reclama quando alguém não age de acordo com as normas do prédio. Hm... — Pus a mão no queixo. — Isso me lembra alguém. 

— Hah! Sei, já entendi. Muito engraçado. — Ele sorriu. 

 

   Continuamos a papear enquanto descíamos os andares, ao longo da caminhada, fui apresentando alguns dos integrantes do meu esquadrão de acordo como eles apareciam em cada setor. Conversa vai, conversa vem, e, quando vi, já estávamos chegando ao lobby, onde nosso pequeno passeio se encerraria. Atravessando o local, meus olhos vagaram ao redor. Coincidentemente, eles travaram em duas pessoas. 

 

   Gabi-chan e Kazuhiko. Mas ela... estava estranhamente perto dele. 

 

   Sr. Shinohara me seguiu até a direção que eu estava indo. Foi um tanto súbito, mas ao menos ele notou que a garota estava ali. Ela estava com um penteado diferente do que estou acostumado a ver: seu cabelo está folgado e levemente bagunçado, nem mesmo está usando a gola alta preta que costuma vestir por baixo do casaco de seu uniforme, ao invés disso, está vestindo uma camisa social branca um tanto amarrotada. Particularmente, achei muito descolado. 

 

— Ah, Gabi-chan! Que bom que te achei! Tem alguém que gostaria de falar com você. 

— Finalmente te achamos, Takanashi. — Sr. Shinohara soou carismático como sempre foi. 

   A garota olhou para mim, depois para o homem ao meu lado, e então sorriu. 

— Sr. Shinohara. É muito bom revê-lo! Como vai a fisioterapia? Você parece bem melhor! 

— Eu tenho melhorado, de fato. A última vez que nos vimos foi na Cerimônia de Promoção. Juuzou ficou bem animado para que nós nos falássemos, mas não te vimos em lugar nenhum! 

— Eu estava em patrulha a pedido da polícia, cheguei agora há pouco. Desculpe ficar sumida o dia todo. — A garota coçou a nuca bruscamente. 

 

   ‘Ela parece agitada. Que fofa. Acho que a peguei de surpresa.’ 

 

— E esse rapaz atrás de você? É seu namorado? — Sr. Shinohara perguntou de repente. 

 

   O choque para os Pacificadores foi quase que instantâneo, ambos ficaram visivelmente constrangidos. Nem eu esperava esse comentário do ex-Investigador. 

— Q-quê? Namorado?! — Kazuhiko se exaltou. 

— N-não é nada disso, Sr. Shinohara! — A garota balançou as mãos. — Você entendeu errado... 

— Hah, está tudo bem, eu só estava brincando! — Sr. Shinohara riu. — Não precisa ficar nervosa. 

 

   ‘Que situação.’ 

    

   Vi a Pacificadora suspirar sutilmente: 

   — Sr. Shinohara, este é Kazuhiko Ichigo. Meu mais novo parceiro desde que me tornei Especial Associada. 

— Novo parceiro? Que coisa boa! 

— Sou Kazuhiko Ichigo, Pacificador de Segunda Classe. Prazer em conhecê-lo, senhor! — Kazuhiko se apresentou. 

— O prazer é meu, rapaz. Espero que você e a Takanashi estejam se dando bem. 

— Temos uma boa dinâmica. Ela tem me ajudado muito desde que cheguei, é uma mentora e tanto. 

— Não é pra tanto... — Gabi-chan sorriu, mexendo os ombros. — O que eu sei não é nada além de cláusulas e algumas regrinhas, hah! 

— Falsa modéstia a essa hora, Gabi-chan? — Comentei. 

— Ah, cala a boca. 

— Só estou dizendo que você não precisa desmerecer os próprios créditos. Todo mundo sabe que você é uma Pacificadora muito boa no que faz, incluindo você mesma. 

— Hahah! Parece que a dinâmica de vocês dois não mudou muito. — Sr. Shinohara gargalhou. 

   Ela desviou o olhar por um momento.    

— É que eu não gosto de me vangloriar. Bom, pode-se dizer que eu criei uma reputação ao longo dos anos. 

— Você deve ter se dedicado muito para isso, não é? — Disse Sr. Shinohara. 

— É, eu... Eu me dediquei bastante. 

— Rapazes, será que poderia me deixar a sós com a Takanashi? Será rápido, eu prometo. — O ex-Investigador pediu. 

 

   ‘Que curioso. O que Sr. Shinohara quer com ela?’ 

 

— Fiquem à vontade! — Sorri. — Volto depois, Sr. Shinohara. 

— Te esperarei na sua sala, se precisar de mim. — Kazuhiko virou-se. 

 

   Deixamos os dois conversando, e fomos andando pela direção oposta a eles. Pintou um clima estranho entre mim e Kazuhiko, que infelizmente estava seguindo para a mesmo lado que eu. Ele é absurdamente alto quando está perto de mim, e exala um cheiro de colônia masculina. Vejo uma expressão incomum, ele comprime os lábios como quem quer falar algo e não consegue. 

— Então, qual é a sua com a Takanashi? — Perguntei sem rodeios. 

— C-Como assim? 

— Sabe do que estou falando — Eu disse. — Vocês andam interagindo tanto ultimamente, passaram o dia todo juntos. Já viraram amigos? 

— Sr. Suzuya, do jeito que você, parece até a Srta. Takanashi e eu temos um caso...! — Ele riu de forma nervosa. — Err, hã... Isso pegou mal. D-Desculpe. Estamos indo bem. 

 

   ‘Eu não tenho ideia de como reagir a isso.’ 

 

— Hah, tudo bem. E quanto àquela questão sobre os Ghouls — Mudei de assunto. — Conseguiu falar com ela sobre o assunto? 

— Ah, sim. Ela disse quase a mesma que você, estendemos bastante esse assunto durante nossa patrulha. 

— Afinal, Kazuhiko, sobre o que vocês dois tanto conversam? — Perguntei finalmente. 

— Bem, temos alguns assuntos em comum. — Começou a explicar. — Às vezes falamos sobre algumas normas do CST, nossa visão sobre o mundo, sociedade e até dicas de treino. 

 

   ‘Sério que vocês falam sobre ISSO? Até eu já tive papos mais interessantes com ela.’ 

 

— Dicas de treino? — Franzi o cenho. 

— É! Como dá pra notar, eu faço academia, e ela achou legal porque nunca teve ninguém pra falar sobre isso. É divertido, até. Já ficamos horas só falando de como o Crossfit é superestimado. 

— Vocês parecem ter gostos bem parecidos mesmo. — Ironizei. 

— É bem legal de trabalhar com ela. Eu tinha um pouco de medo no início, mas acho que estou ficando mais confiante graças a Srta. Takanashi. — E ele não entendeu o sarcasmo. 

— Hm, que bom. — Mudei de assunto novamente. — E essa coisa de treinar. É legal? 

— Ah, eu particularmente gosto. Ajuda com o meu condicionamento físico... e autoestima. Os músculos ficam mais firmes e isso certamente ajuda no manuseio de quinques, aumentando a força e a densidade óssea. A musculação previne doenças cardiovasculares, sabe? Como a diabete, e diminui o risco de infarto. Sem contar que melhora o condicionamento cardiorrespiratório, a estamina fica bem mais elevada e resistente, causa menos cansaço com o esforço físico... 

 

   ‘Nossa, esse cara gosta mesmo do assunto.  Se deixar, é capaz que ele fique falando por horas... Se bem que isso parece ter uns benefícios bem interessantes. Aumento de força, estamina elevada? Hm... Soa bem útil pra mim.’ 

 

— É, parece legal mesmo. — Eu disse. — Acho que já ouvi a Takanashi falando sobre coisas assim. 

— Ela até que sabe bastante... Algumas técnicas de combate ela diz que aprendeu com você. 

— Oh, ela já... falou de mim pra você? 

— Algumas vezes. Por quê? 

— Nada, não. É que durante esse tempo que vocês passaram juntos, eu imaginei que ela teria comentado algo contigo. 

  

  Notei que Kazuhiko segurou uma risada: 

— M-Minha nossa... 

— O que foi? — Perguntei. 

— Srta. Takanashi disse que você é como um irmão mais velho... Não imaginava que era um irmão tão ciumento, Sr. Suzuya. É meio engraçado. 

 

   Confesso que fiquei desnorteado com as palavras dele. 

 

 

   ‘Ciumento? De onde ele tirou isso?’ 

 

— Bom, eu preciso ir... — Disse ele, tomando outra direção no prédio. — Foi bom falar com você, Sr. Suzuya. Com licença... 

 

   Kazuhiko simplesmente saiu, sem mais nem menos.  Ele certamente tem muita audácia para um cara tão inseguro. As palavras dele ficaram rodopiando minha cabeça por um tempo. Não me vejo como uma pessoa ciumenta. Soa até mesmo como uma piada pensar em mim dessa forma. Talvez Kazuhiko não tenha entendido que eu só estava curioso quanto a relação dele com Gabi-chan. 

 

   O tempo foi passando, e então chegou a hora de ir para casa, finalmente. Me despedi de Hanbee, que acabou de sair para pegar o próximo metrô, ele foi junto com Tamaki e o Keijin. É melhor do que se ele fosse sozinho. Gabi-chan veio até mim pouco tempo depois, me chamando para irmos no carro dela, chegou até mesmo a pedir desculpas por não me buscar de manhã. Não vi isso como um problema, até porque essa coisa de carona só começou recentemente. Mas, querendo ou não, ela é teimosa, e insistiu mesmo assim. Eu aceitei, é claro, afinal, como recusar uma carona grátis? 

   Passei a gostar bastante das caronas com o tempo. É como se fosse algo mais exclusivo entre nós, ou um “privilégio” direcionado a mim. Me sinto confortável sentado no banco de couro macio, geralmente há um silêncio bom dentro do veículo, onde só dá para ouvir os sons externos. Quando estamos assim, sinto que é onde posso ficar mais à vontade, sem precisar pensar em muita coisa. 

— Não esperava que o Sr. Shinohara viesse hoje. — Dizia a garota. 

— Nem eu! Mas foi bom vê-lo, ele ficou bem impressionado com as mudanças do CST. Aliás, sobre o que vocês conversaram? 

— Nada demais. — Ela deu de ombros. 

— É segredo? 

— Não! — Uma risadinha saiu de sua boca. — Sério, não foi nada demais. Ele só quis saber um pouco sobre mim. 

— Ah, é claro. Sr. Shinohara comentou sobre te conhecer melhor, já que somos bem próximos e tal. — Uma ponta de curiosidade surgiu quando lembrei do dia de hoje, reparando em sua aparência cansada e despojada. — Gabi-chan, eu queria te perguntar uma coisa. 

— Hã? O-o que é? 

— O que aconteceu com você hoje? Você tá com uma cara péssima. — Questionei. — Você não descansou direito, né? Por isso se atrasou hoje. Me conta, o que tirou seu sono? 

— Eu... Bem... 

   Ela ficou quieta por um momento, parece estar pensando em uma resposta. 

— Juuzou, eu não consegui dormi no último final de semana porque... 

 

   Então olhou para os lados, nervosa, mas logo depois sorriu de forma animada. 

— Porque, bem, eu achei uma série muito interessante e não pude deixar de assistir! Sabe, é muito boa mesmo, passei o final de semana inteiro maratonando, hah! Assisti o último episódio nessa madrugada e acabei dormindo tarde. Não me orgulho disso... Desculpa se isso te preocupou. 

 

   ‘Mentirosa. Ela nem sequer tentou disfarçar.’ 

 

— Ah. Que legal. Pega leve da próxima vez. 

 

   Fiquei um pouco irritado, admito. Não é incomum disso acontecer, às vezes Gabi-chan omite o que está acontecendo em sua vida pessoal para não preocupar as pessoas ao seu redor, o que é fofo na teoria, porém isso só a deixa mais sobrecarregada. Já vi isso acontecendo. Mas só há nós dois aqui, por que ela mentiria de forma tão péssima? Se ao menos fosse uma boa mentira, eu ficaria mais tranquilo. 

 

   Ela está escondendo algo. E eu vou descobrir, mais cedo ou mais tarde. 

 

— Eu vou indo. Valeu pela a carona! 

— De boa. 

 

   Quando me preparei para sair do carro, senti algo agarrar meu casaco. 

 

— Hã, Juuzou... Espera. — Gabi-chan desviou o olhar mais uma vez. — O que você acha de... hã... eu passar na sua casa nesta semana? Já faz um tempo que eu não te visito. 

    

   ‘Huh. Isso é novo!’ 

 

— Claro! Que tal amanhã? 

— Amanhã?? 

— É! Amanhã vou sair mais cedo, então dá tempo de sobra. 

— Espera, por que vai sair mais cedo? 

— A minha loja de doces favorita vai fechar mais cedo amanhã e eu quero comprar uma coisa antes. Tenho reunião às 15h então terei que sair bem rápido! 

 

   Nós trocamos algumas palavras antes de dos despedirmos. Subi as escadas em direção ao meu apê, notei que ela ainda estava no carro, então acenei e logo entrei em casa. Fechei a porta atrás de mim, deixando minha maleta no canto da entrada, tirei os chinelos, o casaco, e massageei meu pescoço um pouco. Olhei ao redor—copos de pudim na mesa, camisas dobradas em cima do sofá, papéis de documentos e pastas jogadas no chão. Realmente, a ausência de Hanbee nos últimos dias me fez mais procrastinador. 

 

   Eu apenas suspirei ao observar a bagunça: 

— Gabi-chan vai me visitar amanhã. É melhor eu fazer uma faxina. 

 

 

<><><> 

 

 

— Takanashi — 

 

   Sinto meu coração batendo levemente, um sorriso luta para não nascer em meu rosto. Olho para o computador que mostra a barra de upload quase no fim, espero ansiosamente, minha perna não para de balançar. Quando terminou, a impressora do meu lado expeliu o papel impresso, e eu o arranquei da máquina rapidamente. Eu só preciso entregá-la uma colega. É minha última tarefa do dia. 

   Andei pelos os corredores do mesmo andar, em passos rápidos e apressados, pensando que logo eu estarei indo embora. Geralmente saio por volta das 16 ou 17h, às vezes mais tarde dependendo do tipo de trabalho que estou fazendo, se é uma operação ou tarefas extras. Hoje foi só um dia comum. Teria sido menos trabalhoso se Kazuhiko tivesse aparecido, infelizmente, ele não veio e não me comunicou nada, então não sei o que aconteceu. 

   Bati na porta e depois a abri bruscamente. Várias mesas estão ocupadas por outros empregados do quartel-general, alguns estão mais focados, outros não. Fui até uma das primeiras mesas que estão mais perto da porta, uma moça de cabelos curtos e loiros estava em frente ao computador, concentradíssima, enquanto preenchia um documento à mão. 

— Sumika? Com licença. — Me aproximei. — Vim entregar os papéis da patrulha que você queria. 

— Srta. Takanashi, que bom te ver. — Ela virou-se com um sorriso gentil, logo pegando os documentos. — Obrigada, só faltava estes para fechar a pasta. — E os colocou sobre a mesa. — Como você está? 

— Estou bem, obrigada. — Sorri. — E você? Já se recuperou da infecção no ouvido? 

— Ah, estou bem melhor faz tempo. — Ajeitou os óculos. — Ainda tenho os ouvidos sensíveis, então preciso manter o tom baixo. Você, por outro lado, parece bem empolgada. Alguma novidade? 

— Hm? Ah, não é nada demais. Eu só estou de bom humor. 

— Parece que sim. 

   Olhei rapidamente para o relógio azul na parede. 

— Eu preciso ir, Sumika. Tenho compromisso pra hoje! 

— Certo. Até amanhã! 

— Até! 

 

   Continuei andando animada pelos corredores; fui para minha sala. Eu peguei algumas coisas e coloquei-as de volta na minha bolsa, fechei a porta do escritório após apagar as luzes. Fui me despedindo dos meus colegas ao longo que descia os andares, então cheguei no estacionamento, alguns carros ainda estavam estacionados, mas havia muitas vagas vazias que foram deixadas. O carro branco estava logo ali, me esperando, emitindo o som curto ao ser destrancado. 

 

   ‘Talvez eu devesse levar algo para o Juuzou. Um lanche bem legal. Acho que ele vai gostar!’ 

 

— Vou passar no mercadinho — Comentei comigo mesma. — Deve ter alguma coisa lá! 

 

   O céu ainda está claro, o que implica que o comércio ainda está aberto, é claro. Dirigi por poucos minutos até chegar no mercadinho mais próximo, que, na verdade, era bem grande para chamar apenas de “mercadinho”.  Havia uma padaria ali, também, com uma variedade bem grande de doces e guloseimas—fui direto para lá. Juuzou não é muito chato para comer, mas há coisas específicas que ele curte, e como também quero comer algo legal, deve ser algo que ambos gostem. 

— Tenha uma boa tarde, volte sempre! — Disse a atendente. 

— Obrigada. 

 

   Me retirei do mercado, indo para o outro lado da rua, onde eu estacionei o carro. Esse local é muito movimentado, um verdadeiro inferno para motoristas em busca de vaga. Atravessando a quadra, avistei um rapaz alto muito familiar em uma curta distância, ele estava saindo de um táxi e abrindo o porta-malas do veículo. Curiosa, decidi me aproximar. 

 

— Kazuhiko? 

 

   Ele deu um salto. Não percebeu que eu estava chegando. 

— S-Srta. Takanashi?! Que susto... E que coincidência.  

— Heh, foi mal — Segurei a risada. — Foi bom que ter te encontrado. Você não foi para o trabalho hoje, aconteceu algo? Você não mandou mensagem nem nada. 

— Ah, sobre isso... Sinto muito, estive muito ocupado hoje. — Explicou-se enquanto removia caixas do porta-malas. 

— O que são essas caixas? 

— É que hoje é aniversário do meu pai, ele vai dar um jantar na nossa casa e vai trazer os amigos da casa de idosos. Daí aproveitei para pegar algumas coisas e levar pro meu apê. 

— Legal, eu não sabia que morava sozinho! 

— Sim, mas passo mais tempo lá na outra casa do que na minha, heh. Eu moro aqui do lado! — Gesticulou a cabeça para um prédio pequeno no outro lado da rua. 

— Da hora. Deixa-me te ajudar! 

— Ah, n-não precisa, as caixas são pesadas... Oh. 

 

   Tarde demais, eu levantei duas caixas empilhadas que estavam no porta-malas, são medianas e pesadinhas, mas consigo suportá-las bem. O Pacificador liberou o taxista após agradecê-lo. Pegamos as poucas caixas, ele foi me guiando pelo o prédio até chegarmos no seu apê, que se encontra no segundo andar. Um pouco atrapalhado, o rapaz destrancou sua porta, revelando o lugar onde vive. 

— Uh... Chegamos. — Disse ele. — P-Pode deixar as caixas ali. — Apontou para o canto da entrada. 

 

   Coloquei as caixas onde foi me dito, tirei os sapatos e dei um passo à frente, esticando os braços e suspirando. Tirei um momento para observar o ambiente: era relativamente pequeno, feito para uma pessoa solteira mesmo. O banheiro fica à minha direita, em minha frente há a sala de estar, que é misturada com o quarto, pois há uma cama retrátil no outro canto com pufes ao lado. Há itens de academia espalhados pela a sala, uma estante de livros ao lado da televisão—nota-se que é uma estante cheia. O chão é brilhante o apê em si possui o cheiro do Kazuhiko. 

— Então esse é o seu cafofo. — Sorri, ainda vagando os olhos pelo o lugar. — Bem maneiro! 

— O-obrigado... Fique à vontade. 

 

   Deixei minha sacola do mercado em cima da mesa perto de mim. Em cima da mesma, vi que há alguns porta-retratos com fotos de família. Um deles estava o Kazuhiko mais novo, seu irmão, pai e uma mulher. Presumo que seja sua falecida mãe. 

— Esse aqui é você? — Perguntei. 

— Não parece, mas sou eu na época na escola. 

— Não parece mesmo — Dei risada. — Você tá com uma cara tão desconfortável, hah. 

— Nunca fui do tipo que tira fotos... E-Eu não era muito bonito; tinha acne, era magrelo. 

— Bom, pelo menos isso não é mais um problema agora. — Sorri. — Essa mulher... Ela é a sua mãe? 

— Ah... É sim. — Ele desviou o olhar com um sorriso triste. — Ela quem insistiu em tirar essa foto. 

— Parece uma mulher adorável.  

— Ela era. Sinto falta dela. 

— É... Sei como é. 

 

   Coloquei a foto de volta no lugar, evitando o clima triste que estava surgindo. Enquanto Kazuhiko organizava as caixas em um canto perto do guarda-roupa, fui andando pelo o pequeno apartamento, notei que na mesinha de parede perto da cama havia discos como decoração, eram de uma banda conhecida. Estavam muito bem conservados, Kazuhiko parece ser fã. 

— Oh, curte Arctic Monkeys? 

— Hã? A-ah... — Olhou para trás. Ele estava sentado no sofá enquanto ainda organiza as caixas no chão. — Sim. Eu gosto bastante de rock alternativo. 

 

   Explorando um pouco mais, ao lado dos pufes havia uma capa de guitarra e um violão preto ao lado. Fiquei surpresa, não sabia que Kazuhiko tinha um lado musical 

— Olha só! Você toca guitarra? 

— Ah, na verdade, essa guitarra não é minha, é do meu primo... Ele me emprestou para praticar. — Soou tímido. — Eu toco violão, estou praticando uma música nele antes de passar para a guitarra. 

— Caramba, que legal! — Me sentei ao seu lado. — Eu toco piano, mas acho guitarra muito mais legal. 

— S-sério? Não sabia que tocava piano. Bem, combina com você. 

— Algumas pessoas acham que só porque eu toco piano, eu passo a maior parte tocando Mozart ou Chopin... Sinceramente, na verdade eu só prefiro fazer covers de músicas que eu conheço. — Dei risada. 

— Eu também faço isso, embora o piano seja mais estereotipado por causa da música clássica. 

— Não é? — Tive uma ideia. — Por que não me mostra a música que estava praticando? 

— Hm... E-eu não sei. Você gosta desse tipo de música? — Perguntou Kazuhiko, coçando a cabeça. — Você parece tão fã de músicas pop e tudo o mais... S-sem ofensa, Srta. Takanashi. 

— Heh, eu sou fã de J-Rock desde os sete anos! — Sorri ao fazer sinal do rock. 

— Oh. C-certo... 

 

   O rapaz pegou o violão negro, acomodou-se no sofá e respirou, tenso. 

— E-eu ainda estou praticando. — Gaguejou. — Se for ruim, m-me desculpe. 

— Tudo bem, leve o tempo que precisar. 

 

   Ele se concentrou um pouco, pegou a palheta, e começou a tocar a música de sua banda favorita. 

 

You used to get it in your fishnets 
(De meia arrastão você podia) 

Now you only get it in your night dress 
(Ter tudo do que você queria) 

Discarded all the naughty nights for niceness 
(Trocou a zona à uma noite bem dormida) 

Landed in a very common crisis 
(Caiu em muitas crises belas da vida) 

 

Everything's in order in a black hole 
(Tudo em ordem num buraco negro) 

Nothing seems as pretty as the past, though 
(Mas agora não parece tão perfeito) 

That Bloody Mary's lacking a Tabasco 
(Essa bebida ainda tá muito fraca) 

Remember when you used to be a rascal? 

(Lembra quando tu era um babaca?) 

 

Oh, that boy's a slag 
(Ah, que canalha) 

The best you ever had 
(Mas era a tua praia) 

The best you ever had 
(Mas era a tua praia) 

Is just a memory and those dreams 
(E agora é só um vulto e os seus sonhos) 

Weren't as daft as they seemed 
(Não são tão bobos) 

Not as daft as they seemed 
(Não são tão bobos) 

My love, when you dreamed them up 

(Quanto pareciam ser) 
 

 

— Argh... Está vendo? Nunca consigo repetir a nota, sempre travo nessa parte. 

— Você mandou muito bem. Tô impressionada! — Eu disse. 

   Kazuhiko pôs o instrumento de lado, com um olhar levemente frustrado. 

— Obrigado... Tenho que praticar mais. Mas, honestamente, eu não me preocupo muito com isso quando toco violão. 

— Sério? 

— Eu me expresso melhor através da música, principalmente quando estou sozinho. É mais natural para mim ser dessa forma. Consigo dizer o que sinto sem precisar dizer algo de verdade. 

 

   As palavras de Kazuhiko ficaram na minha cabeça por algum tempo. Elas fazem certo sentido, e me pergunto se eu poderia fazer dessa mesma forma. Dizer o que sinto... 

 

— Se é o mais confortável para você, então não tem nada de errado nisso. 

— Eu nunca toquei violão pra ninguém que não fosse da minha família antes. Valeu por isso. 

— Não é nada. Eu também não costumo me apresentar pra ninguém. Dei um um ukulele de presente para o Juuzou na intenção que tocássemos juntos algum dia... Bem, eu nem sei se ele usa aquilo direito. Hah. 

   O telefone de Kazuhiko começou a tocar. 

— Com licença, Srta. Takanashi. — Pôs o aparelho no ouvido, levantando-se. — Pai? O-oi... Sim, já as trouxe. Claro, sem problemas... É claro que vou! Não se preocupe. Eu aviso quando eu estiver chegando... Tchau. 

— Seu pai? 

— É, ele só quis saber se eu vou para o jantar ou não. Heh, ele é chato com essas coisas. 

— É melhor ir se arrumando. — Me levantei. — Ordem da sua superiora. — E brinquei. 

 

   Olhei para a janela, notei que estava escurecendo. Por um momento esqueci completamente que eu marquei de visitar Juuzou. 

 

— E-eu preciso ir também... — Busquei minha sacola na mesa. — Tenho compromisso pra hoje também. 

— Oh, certo, não quero tomar seu tempo. M-Muito obrigado pela a ajuda, não precisava. 

— Sem problemas. — Sorri, indo em direção a porta. — Divirta-se no jantar, Kazuhiko. Boa noite! 

 

   Após nos despedirmos, eu desci para o térreo rapidamente. Eu ainda tenho que chegar até o carro, no outro lado da quadra, com sorte eu não chego tão atrasada na casa de Juuzou. Ele não mora tão longe daqui, mas não posso garantir que será uma corrida rápida, pois é notável que as ruas estão bem mais movimentadas. 

   Foram alguns minutos até chegar no apartamento do andrógeno de cabelos negros. Estacionei o carro, pegando minhas compras e subi as escadas. De frente à porta, sinto meu coração acelerar, tenho vontade de vê-lo e de sair correndo ao mesmo tempo. Meu indicador está congelado a milímetros da campainha, mais um pouco de esforço, e o som é emitido ao ser pressionado. 

 

   Esperei só alguns segundos... Lá está ele. Sorrindo. 

 

— Gabi-chan! Finalmente, você chegou! 

— Oi, Juuzou. 

 

   O rapaz deu espaço para eu entrar, removi meus sapatos e os guardei na sapateira. Seu apartamento ainda é o mesmo de sempre, mas estava bem mais limpo, há um cheiro fresco de lavanda no ar. Em uma mesa de canto perto da porta notei rapidamente que seu celular estava com um vídeo aberto, algo sobre academia, pelo o que vi no título. Não prestei muita atenção. 

— Você demorou, Gabi-chan — Disse ele. — O que rolou? Fez hora extra de novo? 

— Oh, não. — Respondi casualmente. — Eu passei na casa do Kazuhiko antes de vir pra cá. 

— Sério? ...Aconteceu algo? 

— Só o ajudei com algumas coisas. Sabia que ele sabe tocar violão? Legal, né? 

— Não, não sabia. 

 

   Eu ergui a sacola branca com a estampa verde. 

— Eu trouxe um lanchinho pra gente!  

   Vi um brilho em seus olhos carmesim, seguido de um semblante alegre que tomou conta magicamente. 

— Maravilha! 

— São pães de mirtilo. — Eu disse. — Bem gostoso! 

— Ah, eu gosto desses! Sabe o que combinaria com eles? 

— Sim? 

— Sua geleia caseira de morango! Ficaria uma delícia! 

— O que aconteceu com os que eu te dei? Ah, deixa eu adivinhar — Fui me acomodando na sala de estar. — Um você comeu com sanduíches, e o outro, comeu puro. 

— Heh, sou tão previsível assim? 

— Você até que é fácil de ler, às vezes. — Sentei no sofá sem cerimônia. — Até que tá bem limpo por aqui, estou amando o cheiro de lavanda. 

— Hanbee me ajudou com a faxina. Na verdade, ele foi embora agora há pouco. — Pôs as mãos nos quadris. — E então, tá afim de fazer o que? 

— Hã... Eu não sei. O que você quiser, eu acho.  

— Bom, eu tô com fome. Não comi nada desde a reunião. 

— E por que não comeu nada até agora? 

— Eu estava te esperando, oras! 

 

   ‘Juuzou estava me esperando para comer? O que ele tem na cabeça?’ 

 

— M-Me esperando? 

— É! Espera só... — Ele ameaçou ir para outro cômodo, mas virou-se. — Fecha os olhos! 

— Hm... Okay... 

 

   Me acomodei no sofá, fechando as pálpebras. Focando na audição, posso ouvir os passos curtos e rápidos do costurado seguindo para a cozinha. 

— Não é para espiar! — Alertou. 

— Não estou espiando. — Respondi honesta. 

— Você lembra do que eu te falei ontem? — Ouvi ele remexer coisas na geladeira. — Aquela coisa que eu ia pegar numa loja de doces. 

— Ah, sim. 

 

   ‘O que será que ele trouxe que é tão importante para ter que me fazer surpresa?’ 

 

   Seus passos ficaram mais próximos, e posso ouvir algo sendo colocado na mesinha de centro em minha frente. O cantarolar do rapaz é adorável. 

— Pode abrir! 

   Abrindo os olhos, eu vejo perante a mim uma coisa inusitada: uma bandeja lacrada com três bolos pequenos dentro, todos com formatos diferentes, um em forma de gato, outro de coelho e outro cachorro. A decoração esbranquiçada no topo dá um toque especial nos desenhos feitos nas guloseimas. 

— Uau... Que fofo! — Sorri. 

— Não é? São cheesecakes de morango com chocolate! É edição limitada, dei muita sorte de conseguir um desses. Vai, qual você quer? 

— Eu posso escolher? Que privilégio. — Soei sarcástica. 

— Anda logo. 

— Hm... — Ponderei brevemente com a mão no queixo. — Eu fico com o gato! 

— E eu com o coelho! — Foi separando os respectivos pratos. — O cachorrinho eu deixo para o Hanbee como agradecimento... Ou só como de lanche da madrugada, hah. 

 

   Cada um pegou um garfo, nos sentamos perante a mesinha de centro, Juuzou parece ansioso para provar o doce—não esperou muito, deu a primeira garfada e amou como se fosse um deleite. Eu adorei também, é a nível profissional, e nada enjoativo. Os minutos foram passando, é garfada atrás de garfada, risada atrás de risada; Juuzou parece feliz de me ter aqui, e eu certamente estou feliz de estar com ele. Nossos assuntos sempre fogem das responsabilidades como Pacificadores, é bom poder falar besteira e brincar um pouco, sem precisar se preocupar em manter a postura. 

 

   Juuzou sempre foi bom em ser despreocupado. 

 

   Depois de comer e conversar bastante, o costurado deu a ideia de fazermos algo legal. Mas, sem muita criatividade, nos encontramos em um momento confortável. Isso já é o bastante. Estamos desenhando e colorindo, Juuzou está sentado em sua cama enquanto eu estou deitada no chão, cercadas por folhas em branco e alguns lápis. Sinto uma estranha sensação de nostalgia. 

   Juuzou cantarola enquanto rabisca algumas coisas em seu caderno, isso é quase como uma sessão de terapia de baixo custo, colorir coisas sem precisar se preocupar com muito, na presença de alguém que eu gosto. Mas, embora esteja muito bom, eu ainda sinto algo martelar constantemente no fundo de minha mente. Eu só quero ignorar e aproveitar o momento, mas é difícil demais. 

 

   E a pior parte... é que eu quero tocar no assunto. Mas estou apavorada. 

 

— Juuzou... 

— Sim? 

— Posso te perguntar uma coisa?  

— Claro. 

 

   Minha respiração ficou um pouco mais pesada, fiquei olhando para a bola roxa que eu estava colorindo. Por que isso está acontecendo comigo? 

 

— Você já... gostou de alguém? 

— Eu gosto de muita gente, Gabi-chan. 

— N-Não nesse sentido. 

— Sei do que está falando. Hm... — Vagou os olhos ao redor, parecendo pensativo. — Não, acho que não. Eu sinceramente não me preocupo muito com esse tipo de coisa. — Sorriu. 

— Ah. Entendo. 

— Por quê, está gostando de alguém? 

 

   Nesse momento, meu corpo congelou. 

 

   ‘Ele me pegou! E agora?!’ 

 

— N-Não ...Eu só estava perguntando. 

— Eu o conheço? 

— Não. 

— É do CST? 

— N-Não! 

— Gabi-chan, está gostando de alguém!? Que empolgante! — Cantarolou. — Quem é? 

 

   Tenho vontade de sair correndo. Parece que vou desmaiar. 

 

— N-Não é bem isso... 

— Não quer me contar? 

— Ah... 

 

   Por um momento imaginei que eu pudesse dar alguma dica, talvez isso levasse a algo. Ele já me encurralou, de qualquer forma. 

 

— É uma pessoa... cujo eu sou próxima. 

— Oh, então eu devo conhecer! — Juuzou descansou a cabeça nas mãos. — Como ele é? Ele é bonito? 

— É... Pra mim, ele é bem bonito. Ele é engraçado, é fofo... conversamos sobre várias coisas juntos. É um pouco atrapalhado, mas é habilidoso pra cacete. 

— Parece ser o seu tipo de cara. — Sorriu o andrógeno. — Que bom que minha irmãzinha está gostando de alguém, já estava na hora de você desencalhar! Seu último namoro não foi lá essas coisas. 

 

   ‘Irmãzinha...’ 

 

   E, de repente, uma súbita vontade de chorar surge. No entanto, eu me contenho. Quanto mais penso nesses sentimentos, mais culpada me sinto, é cada mais vez mais difícil lidar com essa bomba-relógio no meu peito. Estou cada vez mais certa de que eu não deveria ter esses sentimentos. Nada disso devia estar acontecendo. 

 

— Esquece tudo isso... Não vale a pena. — Senti uma nuvem se formando em minha cabeça, logo foquei minha atenção no desenho colorido, sem querer quebrar o clima tranquilo. 

— Cara, você precisa relaxar. 

— Hã... O que? 

 

   Juuzou engatinhou até a caixa de som perto de sua cama e o ligou—uma música agitada e contagiante começou a tocar. Ele ficou de pé na cama e começou a pular e dançar: 

— Lembra dessa música?! — Ele disse em voz alta, pois o som estava no máximo. 

— O que você tá fazendo? 

— Não é óbvio? Vem, dança comigo! — Esticou a mão. 

— Juuzou... 

— Vamos logo, sobe aqui! Vai me dizer que não sabe mais dançar? 

 

   Me levantei, e ponderei só por alguns segundos. O entusiasmo do costurado é tão grande que não pude recusar. Um sorriso confiante surgiu no meu rosto no momento que segurei sua mão, que rapidamente me puxou para cima da cama macia. 

— Eba! — Juuzou deu um sorriso largo. — Vamos dançar! 

— Mas e os vizinhos? — Continuei segurando suas mãos. — Eles vão reclamar! 

— Esquece os vizinhos, eu vejo isso depois! 

 

   Ele começou a balançar a cabeça e os braços de acordo como pulava. Senti uma energia boa subindo, meu corpo foi se mexendo de acordo com as batidas, um ritmo que gosto bastante. É impossível não pular loucamente. Até mesmo soltei meus cabelos no calor do momento. 

— ISSO AÍ! — Exclamou Juuzou. 

— Hahah! 

 

  

  É ele. É sempre ele. 

 

 

   É como se fosse uma mágica que me atinge. É sempre ele quem me tira dos momentos mais deprimentes, sempre dizendo ou fazendo algo, por mais bobo que seja. E sempre funciona. Sempre. Acontece tão naturalmente que eu me pergunto se ele ao menos se esforça. Como Juuzou consegue fazer isso comigo? Parece uma coisa íntima, um tipo de comunicação que só existe entre nós dois, e que nem sempre necessita palavras. É poderoso e atraente. 

 

   Não me sinto assim com mais ninguém além dele. 

 

   A cama faz barulho, seguido da nossa risada. Nossos braços balançando para o alto, de momento em momento nossas mãos se seguram, enquanto nossos pés criam passos desengonçados. A sintonia é tremenda, a música contagiante nos deixa abobalhados, tocando nossas guitarras de mentira. Meu cabelo está uma bagunça, mas pouco importa, pois me sinto bem. 

 

— Juuzou — 

 

   A música está acabando, pareceu tão curta, mas causa a impressão de que ficamos assim há horas. Mas tudo tem um fim, e quando a música terminou, nós caímos na cama, levemente ofegantes. Gabi-chan não para de rir, mechas de cabelo cobrem parte de seu rosto, ela parece feliz. Notei que até as presilhas que seguram meu cabelo se soltaram; devo ter balançado a cabeça demais. 

— Isso foi... muito legal! —  Respirei fundo. 

— Sim! — Ela sorriu, ainda risonha. — Faz um tempo que eu não fazia isso! 

— E agora, melhorou a melancolia? 

 

   A garota me fitou por um momento antes de rir para si. 

— Juuzou... Você é extraordinário mesmo. 

 

 

   ‘Extraordinário?’ 

 

 

   Fiquei um pouco desnorteado pelo o elogio incomum, mas eu me senti bem, entretanto. Eu não pude evitar de sorrir para ela. Ficamos relaxados na cama por alguns segundos, até a garota olhar para a janela. 

— Que horas são? — Ela perguntou. 

— Hã? Sei lá. Por quê? 

— Não posso voltar muito tarde — Levantou-se da cama. — Kazuhiko não veio hoje, então eu tenho que enviar alguns arquivos de hoje pra ele, eles estão no meu computador e... 

 

   ‘Esse cara de novo.’ 

 

   Soltei um grunhido aborrecido. Foi inevitável. 

 

— Você não consegue passar um dia sem falar... do seu trabalho? — Revirei os olhos, entediado. Tive uma grande ideia, o que me fez deixou mais confiante. — Já sei! Por que não dorme aqui em casa? Não vai precisar se preocupar com tarefa nenhuma! 

— C-Como é que é? Quer que eu passe a noite aqui? 

— É! Como nos velhos tempos — Rolei na cama. — Veja pelo o lado bom: não vai precisar me buscar porque estamos bem perto do QG! E aí, o que me diz? 

 

   A garota de cabelos longos desviou o olhar, pensando no assunto. Depois suspirou, se dando por vencida: 

— Tá legal — Afirmou. — Mas se eu for ficar, temos um problema: eu não trouxe nenhum pijama, não dá pra dormir com meu uniforme porque temos que acordar cedo amanhã. 

— Ah, isso não vai ser problema! Eu te empresto umas roupas minhas. 

— Tudo bem, então. Eu passo a noite aqui. 

— Isso! 

  

 

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— Tá legal, o chuveiro é todo seu! — Anunciei ao entrar no quarto. Acabei de sair do banho, o quarto se encontra iluminado apenas pelo o abajur laranja perto da cama. Gabi-chan estava com o celular na mão, parecia estar mandando mensagem para alguém. 

— Beleza! — Ela se levantou. — Mas eu preciso das roupas. 

— Oh, certo. 

Fui até meu armário e me agachei perto das gavetas—fui procurando a fundo roupas que fossem boas para a garota, fiz até mesmo uma pequena bagunça, mas achei algo que parecesse confortável o bastante. 

— Aqui. Isso dá em você? 

— Claro. Obrigada. — Ela sorriu docemente. — Já volto! 

 

Assim que Gabi-chan saiu do quarto, eu me espreguicei e me joguei na cama. O celular dela quicou com o impacto, caindo perto de mim. Eu fiquei curioso. Sei que bisbilhotar as coisas dos outros é errado, mas não faria mal se eu espiasse só um pouco. 

Peguei o aparelho, que, por sorte, estava desbloqueado. Eu devia ter imaginado: Gabi-chan estava mandando mensagem para o Kazuhiko. Não havia nada demais, mas ela estava dizendo a ele que não daria tempo de mandar os arquivos e pediu desculpas. Fui subindo o histórico de mensagens, me sinto levemente criminoso por invadir a privacidade da minha melhor amiga, mas eu realmente estava curioso para ver o tipo de conversa que esses dois têm. Surpreendentemente, não é tão bobo quanto eu achei que fosse—as conversas consistiam em alguns debates, links de vídeos e muitos emojis. Parece que eles realmente falam mais do que clausulas e regras. Como se fossem amigos antigos. 

 

Eu suspirei. 

 

‘Caramba, eles estão se dando bem mesmo. Gabi-chan parece ter se acostumado tão rápido, o que é ótimo, na verdade. Nem parece que ela estava aflita algumas semanas atrás. E o Kazuhiko... ele é bem mais inteligente do que eu pensava.’  

 

Deixei o celular de lado, no mesmo lugar onde estava. Na escrivaninha estão as folhas com os desenhos que fizemos antes, estiquei o braço para pegar o desenho que Gabi-chan fez, puxei o papel para mim. É um círculo roxo rodeado por flores cor-de-rosa e abelhas, eu achei fofo. Os minutos foram passando, fiquei jogando no meu telefone enquanto a garota ainda não chega, é um pouco entediante. Logo eu ouvi passos se aproximando. 

— Ah, Juuzou, as roupas couberam direitinho! — Disse a garota ao entrar. — Bom que a gente veste quase o mesmo tamanho! 

 

Notei que a Pacificadora finalmente voltou no banho, ainda posso ver as gotículas de água refletindo em seu braço. Ela está usando uma camiseta branca com listras azuis horizontais e um par de shorts vermelhos. Me sinto um pouco estranho vendo-a usando minhas roupas.  

 

 

Ela fica tão... bem nelas. 

 

— Juuzou? Juuzou, está ouvindo? 

— H-Hã? 

— Eu perguntei onde que posso deitar. 

— A-ah, sim! 

 

‘Que coisa. Eu fiquei distraído.’ 

 

— Acho que tenho um futon guardado no armário. — Me levantei em direção ao mesmo. — Deixa eu ver... Está bem aqui, pode usar! 

Tive que dar uns pulinhos pra alcançá-lo, pois estava no alto do armário. 

— Obrigada.  

 

Eu a ajudei a estender o futon no chão e arrumá-lo. Gabi-chan estava com um sorriso sereno no rosto. Com tudo pronto, ela deitou-se, e eu fui para a minha cama. O abajur ainda está aceso. 

— Pode dormir na minha cama, se quiser. — Propus. — A gente troca. 

— Não, tá tudo bem. — Ela se aconchegou. — Eu gosto assim. 

Seu semblante continua leve e de forma serena. 

— O que há com essa cara? — Questionei, curioso. 

— É que... faz muito tempo que eu não faço isso. É meio... 

— Nostálgico? 

— É. 

— Me sinto um pouco assim também. Mas ainda acho muito legal. 

— Eu também. — Sorriu a garota. — Acha que os meninos concordariam se fizéssemos uma festa do pijama? 

— Hm, eu não sei. — Ri baixinho. — Heh, não acha que eles estão um pouco velhos pra isso? 

— Normalmente, sou eu quem diz uma coisa dessas. — Retrucou. — Mas não há nada errado em passar o tempo com os amigos dessa forma, continua sendo divertido independentemente da nossa idade. 

— Acho que tem razão. — Outra dúvida surgiu em mente. — Gabi-chan, você não tem vontade de fazer amizade com outras garotas da sua idade? 

— O-Oh, bem... Eu tenho minhas colegas do CST. 

— Tá, mas nenhuma delas é próxima. 

— Ah, Juuzou, eu não sei como responder. Eu já devo ter falado com pelo menos 95% das pessoas daquele prédio, mas meus amigos próximos sempre foram você e o esquadrão. Acho que tenho mais facilidade em fazer amizade com caras, hah. Tem a Srta. Mado também, mas... eu a respeito demais pra forçar intimidade, e as últimas amigas que tive foi na época do Ginásio, no entanto estão... todas mortas. As primeiras amigas que fiz quando vim pra cá — Suspirou ela, um pouco triste. — Eu me pergunto que tipo de pessoa elas teriam se tornado se ainda estivessem vivas. 

 

Talvez eu entenda os motivos da garota. Lembro dessa época que ela fala, lembro o quanto a perda dessas pessoas a afetou. Acredito que seja melhor não estender esse assunto. 

 

— Você não parece se incomodar com amizades, então tá tudo bem. — Eu disse. 

— É... — Ela bocejou. — Eu acho que sim. Já tenho tudo o que eu queria. 

 

Sorri para a garota, que estava já cansada, e apaguei o abajur ao meu lado. Mal deu tempo de ela dizer algo, pois já pegou no sono. Ela costuma dormir mais cedo do que eu, então é claro que não aguentaria por muito tempo. Resolvi me acomodar para dormir também. 

— Durma bem, Gabi-chan. — Sussurrei. 

 

Os minutos foram passando, e minha vontade de dormir demora a chegar. A garota já se encontra em sono profundo, seus cabelos longos se espalham pelo o chão enquanto seus braços estão jogados para os lados. Fico olhando para o teto escuro, algumas coisas não param de repetir em minha mente, e talvez seja isso que me impede de dormir no momento. 

 

‘O que Gabi-chan foi fazer na casa de Kazuhiko? E por quê? ... Eles se falam constantemente, talvez estejam chegando a esse nível de intimidade. O que é legal, eu acho, já que ela tem facilidade de interagir com as pessoas. Mas ultimamente nós mal conversamos, quase não a vejo, é muita sorte de conseguirmos sair juntos semana passada. O festival, a colheita... Hoje. Foi tão bom. Ela certamente anda muito ocupada como Pacificadora. E Gabi-chan está gostando de alguém agora... e acho que esse alguém... é o Kazuhiko. Isso explicaria muita coisa. Ah, eu não sei de nada, então acho que ainda não posso comprar essa ideia. 

 

E o mais intrigante: por que eu não gosto dessa ideia?’ 


Notas Finais


Esse saiu mais longo do que eu esperava, mas tá tudo certo pq eh um cap importante

Repararam que a tradução da música tocada pelo Kazuhiko tá diferente? Bem, eu fiz uma adaptaçãozinha, algumas músicas que aparecerão futuramente também terão essa mesma dinâmica

Música tocada na cena da baderna na cama:
https://www.youtube.com/watch?v=5BFMh2LPclE

espero que tenham gostado :D
s2


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