Annabeth.
Perseu está olhando, Annabeth pode sentir o peso de seu olhar queimando-lhe as costas. É um sentimento normal para ela já que a tarefa dele é vigiá-la. Todos os dias por todas as horas. Não pode sair para lugar algum sem ele. Não pode sequer respirar sem que ele esteja por perto.
Toda essa precaução desnecessária se devia ao fato de Annabeth ser a princesa prometida ao herdeiro de Esparta como parte de um acordo pós-guerra. Perseu era um soldado escolhido pelo próprio príncipe espartano que viera à Atenas exclusivamente com o dever de escoltá-la. Ele não se referia a ela exceto para repreendê-la. Não respondia suas perguntas. Não sorria. Sua dama de companhia, Silena, o chamava de estátua de jardim. A estátua particular do jardim de Annabeth.
A princesa está vestida formalmente para o jantar da família real com o general do exército ateniense e sua esposa. Perseu arrasta a cadeira para que ela se sente ao lado da rainha e de frente para a mulher desconhecida, que é morena e possui longos cabelos volumosos e escuros. O general e o rei ocuparam as pontas da mesa enquanto o guarda se posicionou próximo à parede.
Assim que as criadas se retiram após servirem o jantar, Frederick fala para o homem:
— O casamento de minha filha deve ocorrer em breve. Queremos concretizar nosso tratado de paz o mais rápido possível. — dá um gole na própria taça de vinho antes de se voltar para Annabeth. — Creio que já esteja pronta agora que atingiu a maioridade, não?
Ela apenas lhe oferece um sorriso. Havia completado seus dezoito anos na semana anterior. Um grande baile de comemoração foi dado, mas Annabeth não poderia dançar com ninguém. Ficou a noite toda na companhia de Silena e de um carrancudo Perseu. Ele não gostava de festas, a princesa descobriu. Insistiu para que dançasse com ela, por uma única música ao menos, mas se recusou veementemente alegando que aquela não era sua função.
A única coisa que Annabeth sabia sobre o príncipe espartano era o nome: Luke. Nunca o vira pessoalmente ou mesmo por registros. Não queria se casar com ele, mas não tinha nenhuma opção. A paz do reino estava em jogo e só dependia do seu bom comportamento.
— Vossa Majestade encontrou uma excelente solução. — comenta o general. — Uma aliança entre os dois reinos vai reduzir nossas preocupações drasticamente.
— Sim, sim. É claro. — o rei concorda, repousando a taça sobre a mesa e dando sequência ao diálogo: — Estamos todos muito satisfeitos com as decisões tomadas.
Depois da sobremesa o grupo se reúne na sala para jogos e chá. Annabeth desejou que Silena estivesse ali, mas seu pai a havia dispensado essa noite e a princesa se sentia profundamente entediada. Seus olhos varrem a sala inteira até pousarem novamente no soldado, que está impassível em um canto. Ele está de preto, a espada presa na bainha e os cabelos escuros bagunçados. Seus olhos são dois orbes verdes profundos e têm músculos extremamente definidos. Até seria atraente se não tivesse a personalidade de uma porta.
Quando a princesa sente que já passou tempo suficiente sendo torturada pela melancolia, se levanta e anuncia que precisa dormir. A rainha e os outros lhe desejam uma boa noite e Perseu a acompanha pelo corredor, sempre em silêncio. Ele era um tédio ainda maior que os adultos na sala. Annabeth se vira de frente para ele quando param na porta do quarto dela e o encara de perto.
— Preciso de ajuda com o meu espartilho. — fala.
As sobrancelhas do soldado se erguem.
— Não tenho permissão para tocar em você. — sua voz rouca e grossa faz com que o corpo todo de Annabeth se arrepie involuntariamente.
Ela tenta ignorar esse fato. Nas poucas vezes que ouvira sua voz, ela nunca esteve tão grave. Nunca sabia o que esperar de Perseu e isso era meio… inquietante.
— Então vou ser obrigada a me virar sozinha? — a língua da princesa estala como um chicote, rompendo seu breve momento de vulnerabilidade. — Não me parece muito cavalheiresco da sua parte, soldado.
O peito de Perseu sobe e desce quando ele a examina nova e demoradamente. Annabeth presumia que já havia lidado com muitos espartilhos de garotas ao longo de seus vinte anos, então o dela não deveria lhe apresentar desafio ou novidade alguma. Ela também tinha plena consciência de que qualquer outro homem jamais desperdiçaria a oportunidade de tirar as roupas de uma princesa, mas uma das características que o rei Frederick havia ressaltado sobre Perseu era sua incontestável lealdade.
Lealdade esta que pertencia ao príncipe espartano.
— Sinto muito.
Annabeth balança a cabeça de um lado para o outro.
— Você é decepcionante.
Então vira as costas para adentrar o quarto, deixando a porta bater com força atrás de si. Não conseguia entender com clareza o motivo de estar tão frustrada com algo que já deveria estar esperando. Se coloca na frente do espelho e se livra dos sapatos antes de passar a trançar o cabelo louro cacheado, que está comprido a ponto de quase alcançar-lhe o quadril.
Está quase chegando ao fim quando a porta se abre abruptamente. No primeiro momento pensa que deve ser a rainha, mas se surpreende ao se deparar com ele.
Ele.
— Vai precisar de ajuda com o resto do vestido? — pergunta, o mesmo tom rouco de antes. Um tom que reverbera em cada centímetro do corpo de Annabeth. Ele conseguia sim ser atraente.
— Mudou de ideia?
Perseu não responde. Desprende do corpo o cinto com a bainha da espada e o joga sobre a cama. Ela observa, hipnotizada, cada movimento do soldado. São duros, como se os músculos estivessem de alguma forma travados. E ele tinha muitos músculos, a princesa observou.
Se aproxima dela cautelosamente, parando até que estivesse atrás de suas costas. Segura a trança, a tirando do caminho ao jogá-la por cima do ombro da garota, que encara sua imagem pelo reflexo do espelho. Os olhos de ambos se encontram por breves segundos antes que as mãos grandes de Perseu começem a abrir os botões do vestido.
Annabeth enrijece completamente, a expectativa tomando conta de seu corpo conforme o tecido se solta de suas curvas até cair no chão, expondo suas pernas. Perseu nem ao menos respira antes de começar a puxar o laço do espartilho. Ele está rígido no lugar, completamente impassível. Os movimentos das mãos são rápidos e precisos. Parece ter pressa. Annabeth nunca esteve exposta daquela maneira na frente de um homem e concluiu que Perseu deveria estar fazendo muito bem seu trabalho de guarda-costas já que não sentia nem mesmo faíscas de medo ou receio em sua presença.
Em vez disso, ela volta a sentir aquela mesma inquietação de antes.
— Pronto. — ele anuncia assim que desfaz o nó, afastando as mãos.
Mas ele permanece parado no mesmo lugar e Annabeth hesita, segurando a frente do espartilho contra o peito para que não acabe com seus seios expostos. Apesar de estar de costas para Perseu, ambos estavam de frente para um espelho.
— Obrigada. — a voz dela sai fraca e a princesa pragueja contra si mesma internamente.
O encara novamente pelo espelho e percebe que o soldado está de punhos cerrados. Lentamente, se vira em sua direção e os olhos verdes de Perseu se apressam em encontrarem os dela. Cada centímetro dele parece carregado de tensão e Annabeth gosta disso. Seu evidente desconforto infla o ego da princesa.
É ótimo saber que ele é capaz de nutrir emoções.
É por isso que deixa o espartilho se juntar ao vestido no chão. Um pequeno teste para saber se é mesmo tão leal quanto todos dizem. Espera que seu olhar desça, mas Perseu o mantém fixo em seu rosto.
— Você disse que não poderia me tocar. — Annabeth provoca, falando baixo. Nota a respiração do soldado mudar de ritmo. — Não que não poderia me olhar.
O pomo de Adão dele sobe e desce quando engole em seco, mas ainda mantém o rosto firme por vários segundos. É perceptível que essa simples ação demanda muito autocontrole e disciplina de sua parte e a princesa se diverte com isso.
— Isso é errado. — sibila entre dentes, desviando o olhar para o teto.
Parece relutante quando vira as costas. A nudez dela realmente o abalou, mas apesar de estar feliz por ter tirado alguma reação de Perseu, Annabeth não estava completamente satisfeita. Ela queria que ele a encarasse. Queria ver a expressão que as feições perfeitas do soldado formariam quando visse tudo que tinha para oferecer.
— Mas você me deseja. — rebate. — Você me deseja desde o dia que me conheceu. Eu sei disso. Posso sentir a cobiça no seu olhar. — faz uma pausa, cruzando os braços na frente do corpo com o intuito de cobrir novamente os seios, mesmo que de forma parcial. — Você tem noção do quanto deixa isso óbvio? Tem sorte de o príncipe Luke não estar por perto para conseguir reparar. Caso contrário, ele jamais confiaria em você para cuidar de mim.
Ela se lembrava de quando o rei havia apresentado os dois. Ocorreu uma semana depois do fim da guerra. Sua mãe pediu para que Silena a vestisse e a acompanhasse até o salão, onde Perseu a esperava junto com Frederick e o general. Lembrava-se também de não simpatizar muito com ele logo de cara. Tinha todas as características de um soldado espartano. Lindo, extremamente lindo. Mas frio, imponente e de pouquíssimas palavras. O extremo oposto dela. A princesa era calorosa. Gostava de falar, cantar, dançar e possuía certos instintos rebeldes. Gostava de adrenalina e aventura.
Mas aquele homem a deixava louca. Tê-lo supervisionando suas ações o tempo inteiro e a impedindo de realizar seus planos a enfurecia completamente. Queria que ele fosse ao menos um pouco mais comunicativo, mas Perseu recusava veementemente qualquer tipo de aproximação.
Ele a desejava, Annabeth tinha certeza disso, e agora mais do que nunca. Perseu deveria fantasiar de todos os cenários possíveis enquanto a olhava, a garota podia sentir a gravidade de seus pensamentos apenas pela forma como projetava seu olhar sobre ela. Os olhos verdes sempre escuros, nunca limpos e brilhantes. O mar durante uma tempestade devastadora.
Um mar que estava engolindo Annabeth aos poucos.
E a princesa não podia dizer que não gostava disso. A inquietação que o soldado proporcionava à ela era a coisa mais próxima de adrenalina que sentira desde o início da guerra. Gostava de saber que era capaz de afetar aquela parede imensa de músculos a ponto de fazê-la estremecer, mas ainda estava disposta a derrubá-la por completo. Transformaria o tédio de estar na presença constante dele em pura diversão. Causaria tormento na vida de Perseu a ponto dele preferir estar no inferno.
Para ela, aquilo seria apenas como retribuir um favor.
— Sabe quais são os rumores sobre você que espalham em Esparta e outros reinos? — Perseu volta a romper o silêncio. — Além de falarem sobre sua beleza, ressaltam sua pureza e bons modos. Não estou vendo nada disso agora.
Annabeth nunca o ouvira dizer tantas palavras de uma única vez, mas o que a choca de verdade é a amargura em seu tom.
— São só rumores. — retruca. — Eles não me conhecem de verdade. Você não me conhece de verdade.
Ele balança a cabeça negativamente e se encaminha para pegar a espada sobre a cama.
— E nem pretendo conhecer.
Não dirige mais o olhar à Annabeth antes de ir até a porta, abrindo-a subitamente.
— Você é ridículo! — a princesa exclama, agora devidamente frustrada. Odiou a forma como a situação saiu de seu controle e mais ainda o rumo que tomou.
Mas ele ignora, batendo a porta atrás de si ao sair do quarto, deixando-a furiosa, sozinha e seminua.
Ao menos havia se livrado do espartilho.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.