PARTE 2 ▪ LONGA ESPERA
A suspeita de Kagome
O sol daquela manhã era sereno, mas as nuvens do céu, que se dissipavam aos poucos, anunciavam um dia quente. As águas do rio de Murata se mantinham tranquilas e cristalinas ainda naquele trecho mais afastado do vilarejo, para onde Sesshoumaru se dirigiu com Lin ainda inconsciente. Sozinho com ela, não era mais o demônio ofensivo de outrora, mas mantinha em seu semblante a mesma preocupação de antes. Desde que segurou a jovem em seus braços, sentiu, através da Tenseiga, sua energia corporal regressar aos poucos. Mas Lin, contudo, ainda se mantinha frágil e desvanecida, assim como a Espada, que voltou a pulsar, mas sem o costumeiro vigor.
A caminhar pelas margens do rio, Sesshoumaru avistou uma árvore frondosa, que fazia boa sombra. Antes de se dirigir até ela, aproximou-se do rio e lavou o rosto de Lin, até que desaparecesse, por completo, o cheiro de Kohaku. Depois, caminhou até a árvore, deitou a jovem à sombra e ficou a analisá-la atentamente: estudou seu pulso, aproximou seu rosto ao dala, a fim de sentir as condições de sua respiração, tocou sua face, para analisar a temperatura de seu corpo…
─ Ainda está tão fria…
No intento de reverter o quadro, o Lorde, então, livrou-se de sua armadura, recostou-se ao tronco da árvore, puxou a jovem para si e a envolveu em seus braços, a fim de que ela se acomodasse e se aquecesse em seu corpo. Repousou a cabeça de Lin sobre seu ombro e manteve o rosto da jovem apontando à sua face, para que, assim, ele pudesse medir, constantemente, sua respiração e analisá-la.
O verde do gramado contrastava com o alvo das vestes de ambos. Sesshoumaru usava um de seus refinados kimonos brancos, de detalhes finos e discretos. Lin, por sua vez, vestia um kimono de seda branca lisa, a qual o Lorde logo reconheceu. Sem que pudesse evitar, sentiu e observou também todo o corpo da jovem sobre o seu, e notou o quanto ela estava diferente de quando conversara com ela pela última vez: mais crescida e ainda mais bela, mesmo que tão fragilizada. Lin, de fato, havia se convertido numa mulher demais atraente.
Com o transcorrer das horas, nas quais também procurou descansar, Sesshoumaru notou uma significativa melhora em Lin: seu pulso estava mais acelerado e seu corpo, agora mais aquecido, também já não esbanjava a palidez de outrora. Também sua respiração se percebia mais forte do que antes. Ao passo que se tranquilizava com aqueles avanços, o youkai pensava no que estava por vir, e na inevitável conversa que haveria de ter com Lin. Sabia que ela lhe exigiria muitas respostas, mas tudo que ambicionava, naquele momento, era ver seus olhos finalmente despertos.
O dia passaria lentamente e o sol se prolongaria pela tarde. Em Murata, a ansiedade tomava conta de todos, que, após o almoço, reuniram-se a escutar, de Kohaku, o relato de sua conversa com Sesshoumaru e, também, da última discussão que tivera com Lin. Chateado com a situação, o rapaz fez questão de repetir as palavras de Sesshoumaru, para que todos estivessem avisados de sua não intenção quanto a Lin. Kaede, contudo, seguia acreditando que as palavras do youkai eram opostas aos reais sentimentos que ele tinha por Lin. Mas preferiu se manter calada, receosa de ferir os sentimentos de Kohaku.
─ Mesmo sabendo desses detalhes, só nos resta, agora, esperar que eles se resolvam.
─ Pois digo que vocês não deveriam estar tão tranquilos, Inuyasha. ─ retrucou, o rapaz ─ Quando Sesshoumaru a levou, Lin estava praticamente morta.
─ Sim, mas, em último caso, ele pode salvá-la com a Tenseiga.
─ Eu sabia que vocês estavam contando com isso…
─ Na verdade, nós também estamos preocupados com que o pior aconteça, Kohaku. ─ contestou, Miroku ─ Mesmo que a Tenseiga exista e que possa salvá-la, não queremos que Lin morra.
─ Sabemos que, para você, é doloroso o fato de Lin estar com Sesshoumaru. – ponderou, Kagome ─ Mas é preciso entender que ele é o único que pode ajudá-la agora.
─ Não serei hipócrita de dizer que não me incomoda o fato de eles estarem juntos. ─ admitiu, o rapaz, meio acanhado ─ Mas essa não é a minha maior preocupação.
─ Pois nos diga, então, o que lhe preocupa. ─ pediu, Kaede.
─ Ao contrário do que todos vocês supõem, a Tenseiga não pode mais trazer Lin de volta à vida.
─ O quê? ─ questionaram, todos, surpresos.
─ Lin já foi revivida pela Espada, e a Tenseiga só pode trazer a pessoa de volta do Mundo dos Mortos uma única vez.
─ Que história é essa, Kohaku? ─ questionou, Inuyasha, incrédulo.
─ Lin já foi revivida pela Tenseiga? Quando? ─ perguntou, Kagome.
─ Nem mesmo Sesshoumaru sabia que a Tenseiga só funcionava uma única vez com uma mesma pessoa. Ele o descobriu por acaso, enquanto evoluía a Espada, num treinamento que fazia com sua mãe.
─ Como sabe disso, Kohaku? ─ questionou, Sango.
─ Sesshoumaru tem mãe?
─ Eu presenciei o treinamento, Aneue. E sim, Miroku, Sesshoumaru tem mãe. Sem dúvida, foi dela que ele herdou a frieza e a apatia.
─ Por essa eu não esperava…
─ Prossiga, Kohaku, conte-nos o que houve. ─ pediu, Kagome, curiosa.
─ Lembro que, durante o treinamento, Sesshoumaru se descuidou e um Cão das Trevas devorou Lin e a mim.
─ O quê? Vocês foram devorados? Como assim?
─ Querida, deixe seu irmão falar…
─ Foi tudo muito rápido: o Cão saiu do Mundo das Trevas pelo Meidou Zangetsuha que Sesshoumaru havia lançado. Então, veio em nossa direção, engoliu-nos e retornou à fenda que conectava os dois Mundos. Pelo que entendi, Sesshoumaru o seguiu e adentrou as Trevas pelo Meidou Zangetsuha.
─ Sesshoumaru fez isso para salvá-los? ─ duvidou, Inuyasha ─ É bem provável que ele só quisesse enfrentar o Cão e evoluir a Tenseiga.
─ A questão é que, não fosse por ele, Lin e eu sequer estaríamos vivos.
─ E como Sesshoumaru conseguiu resgatar vocês? ─ perguntou, Miroku.
─ Já no Mundo dos Mortos, ele cortou o Cão ao meio e nos libertou. Eu me lembro do que houve, porque estava consciente, graças ao poder do fragmento da Joia de Quatro Almas. Mas Lin não conseguiu resistir.
─ Espera! Isso aconteceu há muito tempo, então. ─ concluiu, Sango.
─ Sim, vocês ainda eram crianças. ─ completou, Kagome.
─ Isso aconteceu pouco tempo antes de aniquilarmos Naraku, exatamente no dia em que…
─ Em que…? ─ insistiu, Sango, ao notar a hesitação do irmão.
─ Bem, foi…
─ Diga de uma vez, Kohaku! Por que todo esse suspense? ─ questionou, Inuyasha, impaciente.
─ Foi no mesmo dia em que Kikyou-Sama nos deixou. ─ revelou, meio encabulado.
─ Tem certeza disso, Kohaku? ─ perguntou, a jovem Sacerdotisa, mais instigada com a história de Sesshoumaru do que com os desencontros do passado ─ Você não estava conosco naquele dia.
─ Não estava, mas, antes de ser devorado pelo Cão, eu vi o brilho da alma de Kikyou-Sama se dissipar no céu.
─ Wakatta…
─ E logo depois, a mãe de Sesshoumaru apareceu onde estávamos e foi, então, que tudo aconteceu.
─ Prossiga, Kohaku… ─ pediu, a velha Kaede, a romper o silêncio que se fez na habitação ─ Você disse que Lin não conseguiu resistir ao Mundo dos Mortos…
─ Sim, ela morreu enquanto eu a carregava.
─ E Sesshoumaru, então, a trouxe de volta com a Tenseiga.
─ Não, Aneue. Depois de cortar o Cão das Trevas, Sesshoumaru tentou acordar Lin com a Tenseiga; mas ela não reagia. Mesmo após ter aniquilado o Guardião do Inferno, Lin não despertou, o que, normalmente, deveria ter acontecido.
─ Então…?
─ Quando saímos do Mundo dos Mortos, a mãe de Sesshoumaru lhe explicou que a Tenseiga não poderia salvar Lin, pois ela já havia sido revivida pelos poderes da Arma.
─ E quando Sesshoumaru a ressuscitou pela primeira vez? ─ tentou entender, Miroku.
─ Quando eles se conheceram. ─ respondeu, Kaede, para a surpresa de todos ─ Lin me falou desse evento, numa noite em que acordou assustada com uivos de lobos. Revelou-me que, antes de conhecer Sesshoumaru, vivia num vilarejo humilde, onde foi acolhida, após a morte da família. Segundo me contou, os moradores não se importavam com ela e, às vezes, maltratavam-na. Um dia, enquanto procurava comida na floresta, ela avistou um youkai aparentemente morto, caído ao chão. Era Sesshoumaru, que estava gravemente ferido. Então, ela resolveu ajudá-lo.
─ O quê?
─ Lin levava comida e água a seu irmão todos os dias, Inuyasha, mesmo a contragosto de Sesshoumaru.
─ Isso é… Surpreendente. ─ disse, Kagome.
─ Quem diria… Sesshoumaru já aceitou a ajuda de uma humana… ─ comentou, Miroku, também surpreso.
─ Acho que ninguém esperava por essa. ─ acrescentou, Sango, a olhar para os amigos.
─ Lin me contou que, a princípio, eles não conversaram; até porque ela não conseguia falar. Mas Sesshoumaru, decorrido algum tempo, passou a lhe fazer perguntas. Ela disse que se sentiu protegida com ele.
─ Devo admitir que, desde aquela época até hoje, nunca entendi por que Sesshoumaru mantinha uma humana sob sua guarda. Todos percebiam que ele se preocupava além do normal com ela, mas, sinceramente, nunca imaginei que fosse por gratidão.
─ A verdade, Kagome, é que nenhum de nós conhece Sesshoumaru, a ponto de entender o que se passa em seu coração. ─ ponderou, Kaede.
─ Nem mesmo eu, que o acompanhei por um tempo. ─ completou, Kohaku.
─ Mas, afinal, como Lin morreu, Kaede-Sama? ─ questionou, Miroku.
─ Uma alcateia atacou os moradores do vilarejo, sob comando de um youkai lobo de aparência humana. Segundo informações dadas a Lin, Kouga e sua tribo foram os autores do ataque.
─ Kouga-kun? Impossível! ─ exclamou, Kagome ─ Kouga deixou de atormentar os humanos depois que nos conhecemos.
─ A não ser que essa história do ataque tenha acontecido antes. ─ comentou, Inuyasha.
─ Sim, é bem provável… ─ disse, Sango ─ Nós conhecemos Kouga pouco tempo depois de Inuyasha e Sesshoumaru terem se enfrentado. Lembro que, naquela luta, Sesshoumaru apareceu com um braço de dragão e tentou roubar a Tessaiga de Inuyasha. Ele saiu derrotado daquela batalha.
─ Sim… Sesshoumaru deve ter se ferido com o Kaze no kizu da Tessaiga. Foi quando usei a técnica pela primeira vez.
─ Então, é provável que Lin tenha encontrado Sesshoumaru depois daquela luta.
─ Tem razão, Sango.
─ Nossa, isso faz muito tempo mesmo, pessoal… ─ comentou, Kagome.
─ Sim, mas o que Kouga tem a ver com a morte de Lin, afinal? Foi ele quem a matou? ─ questionou, Inuyasha.
─ Não sei, acho que não… ─ prosseguiu, a anciã ─ Lin fugiu do vilarejo, ao ver os ataques. Ela adentrou a floresta e correu em direção ao lugar em que Sesshoumaru estava. Mas, no meio da fuga, dois lobos a alcançaram e a mataram.
─ Então, Sesshoumaru a salvou…
─ Lin me contou que, depois do ataque, só se lembra de ter despertado e de ter visto Sesshoumaru ao seu lado, ajudando-a a se levantar.
─ Inacreditável… ─ comentou, Sango.
─ Sempre achei que Sesshoumaru começou a mudar por causa de Lin.
─ Mas que ideia é essa, Kagome?
─ Não é óbvio, Inuyasha? Eu conheço seu irmão desde quando você e eu viajávamos sozinhos. Sesshoumaru era uma criatura sinistra! Ele quase me matou!
─ E daí?
─ Daí que, muito repentinamente, ele passou a assumir uma postura diferente. Tornou-se menos hostil e mais piedoso.
─ Piedoso…
─ É uma possibilidade, Inuyasha. ─ concordou, Miroku ─ Os ensinamentos religiosos dizem que todas as pessoas possuem o bem e o mal dentro de si. O que vai definir se um ser será ruim ou bom, são suas atitudes diante do que a vida lhe mostrar. É possível que, no dia em que ele ajudou Lin, após ela o ter ajudado, não apenas Lin foi salva, mas também a alma de Sesshoumaru.
─ Quanta filosofia barata… ─ resmungou, Inuyasha ─ Essas coisas não combinam com Sesshoumaru.
─ E a prova disso é que ele a abandonou, sem lhe dar, ao menos, uma explicação, e mesmo sabendo que ela o estava esperando.
─ Bem, essas são outras questões, Kohaku.
─ Questões que realmente importam no momento, Miroku.
─ Espera um instante! ─ interrompeu, Kagome ─ Se a Tenseiga trouxe Lin de volta à vida quando foi atacada por lobos, então, como ela reviveu no dia do treinamento?
─ A mãe de Sesshoumaru.
─ O quê? ─ questionaram, todos.
─ A alma de Lin ficou aprisionada no Mundo das Trevas. Então, ela usou a Meidou Seki para trazê-la de volta.
─ Meidou Seki? Mas o que é isso? ─ questionou, Inuyasha.
─ É uma Joia, que, pelo que entendi, tem poderes semelhantes aos da Tenseiga.
─ Incrível! ─ exclamou, Sango.
─ Parece que todas as armas formidáveis que existem estão reunidas na família de Inuyasha.
─ Formidável, mas não ilimitada. ─ adiantou-se, Kohaku ─ A Meidou Seki, assim como a Tenseiga, também só pode ser usada uma única vez. Pelo menos foi o que disse a mãe de Sesshoumaru.
─ Então, nesse caso, nem mesmo a Meidou Seki poderá salvar a vida de Lin, se o pior acontecer…
─ Não, Kagome-Sama.
─ Céus…
─ E pelo visto, Sesshoumaru não aprendeu a lição.
─ O que quer dizer, Kohaku? ─ questionou, a jovem Sacerdotisa.
─ No dia em que Lin morreu, a mãe de Sesshoumaru revelou que o poderoso Inu no Taishō havia deixado algumas informações sobre a Espada, as quais só deveriam ser dadas ao filho, quando ele fosse evoluir a Arma. A mensagem era a de que Sesshoumaru deveria ter consciência do valor de uma vida, que precisava entender o que era a dor e o medo de perder alguém importante, que precisava conhecer o desejo de salvar a vida de um ente querido.
─ Estas foram as palavras de meu pai?
─ Foi o que disse a mãe de Sesshoumaru.
─ Mas que perda de tempo! De que servem palavras como essas a alguém como Sesshoumaru? ─ criticou, Inuyasha ─ Mesmo conhecendo o incrível poder da Tenseiga, ele a descartou, depois que a Tessaiga absorveu a técnica Meidou Zangetsuha, a qual o próprio Sesshoumaru havia aprimorado.
─ E justamente no treinamento em que pôs a vida de Lin em risco. ─ acrescentou, Kohaku, a olhar para Kaede.
─ Pois, para mim, pessoal, independentemente do que esteja acontecendo agora, as palavras terem sido direcionadas a Sesshoumaru faz todo sentido ─ disse, Miroku ─ Não vejo nada de inútil ou de estranho nelas. Provavelmente, o poderoso Inu no Taishō conhecia muito bem a personalidade do filho. Por isso, talvez, tenha lhe deixado a Tenseiga em vez da Tessaiga: para que Sesshoumaru pudesse desenvolver aquilo que ainda não possuía.
O que pareceu estranho à jovem Sacerdotisa, porém, foi o fato de Miroku não ter refletido para além de suas próprias palavras. Ninguém, além de Kagome, percebeu que, naquela atitude do grande Inu no Taishō, havia algo instigante, pequenos detalhes que evidenciavam uma possível previsão do que aconteceria no futuro de seu filho mias velho.
─ Por que tenho a sensação de que ele já sabia o que ia acontecer, de que sabia que Sesshoumaru desejaria reviver alguém, e também outra vez? ─ pensava, Kagome, que, por alguma razão, preferiu não compartilhar seus pensamentos ─ E por que logo uma humana?
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Meidou Seki significa Pedra do Caminho das Trevas.
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