PARTE 3 ▪ NAS PROFUNDEZAS DE ISHIKAWA
A única
Lin correu apressada ao encontro de Sesshoumaru. Ao se aproximar, viu que havia sangue nas mãos e no kimono do amado.
─ Sesshoumaru-Sama! O que houve? ─ perguntou, após se ajoelhar diante do youkai.
─ Volte para Murata…
─ O senhor ainda está ferido, não está? ─ insistiu, preocupada.
─ Vá embora!
Sesshoumaru estava transtornado. Não era a primeira vez que aquilo acontecia ─ seus ferimentos não cicatrizavam e seu corpo costumava reagir daquela forma e sem nenhum motivo aparente. Era algo que não conseguia evitar, controlar e nem compreender.
─ Eu não vou a lugar algum! ─ contestou, destemida ─ Deixe-me ajudá-lo!
─ Não preciso de sua ajuda!
─ Ora, não seja orgulhoso!
─ Saia daqui!! ─ bradou, contrariado.
─ Não me trate desse jeito, eu só quero ajudar o senhor!
─ Se quer mesmo me ajudar, apenas diga o que quero saber!
─ Pois eu não direi absolutamente nada e irei ajudá-lo mesmo assim! ─ insistiu, incisiva.
─ Já disse que não preciso de você! Acaso está surda??
─ Pois saiba que o senhor nunca se recuperará se eu não fizer nada a respeito! Também estive assim durante dias! ─ revelou, a se levantar do chão ─ Nós fomos feridos pela ave e nenhum remédio convencional vai fazer efeito contra os ferimentos causados por ela!
─ E ainda diz que não sabe de nada… ─ resmungou, decepcionado.
─ Por favor, Sesshoumaru-Sama… Deixe esse assunto de lado e venha comigo… ─ pediu, entre a doçura e a preocupação ─ Eu sei como ajudá-lo, confie em mim! ─ insistiu, a estender as mãos para o Lorde.
Sesshoumaru, porém, levantou-se sozinho.
─ Seus ferimentos desapareceram completamente. Apenas diga como conseguiu se recuperar.
─ O senhor não pode fazer nada, acredite. Eu sei o que fazer. ─ insistiu, e logo tomou a mão do Lorde, que não hesitou, porém, diante daquela ação ─ Vamos… Venha comigo… ─ disse, gentilmente, obrigando-o a seguir seus passos.
Lembrando-se do estado em que Itilus ficara após o suposto treinamento, Lin deduziu que os ferimentos de Sesshoumaru poderiam ser mais graves do que imaginava. Por isso, caminhou devagar, a fim de não fazê-lo se esforçar muito.
─ O que está fazendo? ─ questionou, o Lorde, ao ver a jovem se virar para ele no meio do caminho e seguir andando de costas, para prosseguir analisando-o.
─ Há muitos ferimentos, não é?
─ Lin…
─ Há muito sangue em seu kimono… ─ lamentou, preocupada.
─ Vire-se, antes que acabe caindo.
Lin, porém, ignorou a ordem e seguiu com sua perícia, a guiar o youkai pela mão. Sesshoumaru, por sua vez, não mais a contestou e apenas ficou a observar o modo investigativo com que ela o sondava. Mesmo com os olhos apertados e o rosto inchado por causa do choro de outrora, Lin continuava bela aos seus olhos; e lhe instigava a constante oscilação de sua personalidade quando diante dele: ao mesmo tempo em que o temia, ela o enfrentava destemidamente; ora ficava tímida, ora assumia uma postura até sedutora; às vezes, tentava parecer indiferente e, num piscar de olhos, voltava a ser a jovem amável de sempre…
─ Não será suficiente. ─ disse, depois de interromper a caminhada.
─ Do que está falando?
─ Espere aqui. Aliás, não fique exposto ao sol, pode não lhe fazer bem. Melhor que o senhor vá para a sombra daquela árvore mais próxima do rio. Eu não demorarei.
─ Aonde vai?
─ Preciso voltar ao vilarejo, vou buscar mais remédios. Os que tenho naquele alforje não bastarão.
─ Não pretendo ficar por muito tempo.
─ Mas eu não demorarei! ─ garantiu, insistente ─ Além disso, eu não tenho aqui todos os materiais de que vou precisar. ─ argumentou, mas não obteve nenhuma resposta ─ Por favor, Sesshoumaru-Sama… Prometa que o senhor não vai partir…
─ O que está fazendo? ─ questionou, surpreso, ao ver a jovem envolver sua mão gentilmente entre as dela, a fitá-lo com ar de súplica.
─ Prometa que não vai embora, quando eu for ao vilarejo… Por favor…
─ Apresse-se. ─ ordenou, a desviar o olhar.
─ Eu não irei até que o senhor me garanta que não vai partir. ─ avisou, a segurar a mão do youkai mais firmemente.
─ Por que você tem que ser tão teimosa? ─ questionou, meio impaciente
─ Então?…
─ Vá de uma vez!
─ Vamos, não vai doer… É uma simples promessa!
Lin não fazia ideia do quanto aquela aproximação e permissividade incomodavam o Lorde, de que, daquela forma como agia, ela conseguia manipular seus sentimentos, mas de modo que fizesse com que ele odiasse aquela capacidade. Por mais que não quisesse admitir, Lin conseguia deixá-lo menos racional.
─ Eu prometo. Agora vá.
─ Voltarei agora mesmo! ─ garantiu, a sorrir satisfeita, antes de partir em direção ao vilarejo ─ Ei, Sesshoumaru-Sama! ─ chamou-o, a se voltar graciosamente para ele no meio do caminho.
─ Diga.
─ Eu menti! Vai doer bastante!
Sesshoumaru, porém, não deu muito crédito àquele sério aviso; apenas permaneceu a observar a jovem, até vê-la desaparecer entre as árvores.
No tempo em que esperou pelo regresso de Lin, pensou a respeito do que faria para convencê-la a abrir o jogo. Ponderou, contudo, que, mesmo com sua hostil investida, ela não lhe dissera absolutamente nada e que, caso ele tivesse partido, seria sem informação alguma de seu rival. Como estava decidido a obter as respostas de que precisava, concluiu que deveria agir mais pacientemente com ela e que, se preciso fosse, teria de entrar em seu jogo, mesmo conhecendo o risco de, por ela, ser vencido vez por outra.
No vilarejo, Lin tentou adentrar sua habitação o mais discretamente possível, e foi direto para seu quarto, à procura de seus remédios. Não demorou muito a encontrá-los e, assim que organizou seus alforjes, deixou a casa apressadamente.
─ Lin, o que houve?
─ Inuyasha-Sama! O que faz aqui? ─ perguntou, assustada.
─ Que sangue é esse em sua roupa?
─ Sangue? ─ questionou, a conferir o traje negro, no qual sequer se viam as manchas.
─ Eu conheço esse cheiro… É o sangue de Sesshoumaru.
─ Está tudo bem, Inuyasha-Sama, não precisa se preocupar.
─ Mas que barulheira é essa? ─ questionou, Kaede, que deixara a habitação, após escutar os ruídos dentro de casa e do lado de fora ─ O que está acontecendo?
─ Mama! Está tudo bem! ─ adiantou-se, a se dirigir à anciã ─ Não se preocupe, sim?
─ Onde você estava, mocinha?
─ Eu estava no campo de…
─ Ela estava com Sesshoumaru. ─ interrompeu, Inuyasha, e viu a jovem fitá-lo com insatisfação.
─ Sesshoumaru esteve em Murata? Como não senti sua presença?
─ Na verdade, mama, ele ainda está aqui. Sesshoumaru-Sama está ferido, eu vou cuidar dele. ─ explicou, timidamente.
─ Cuidar dele? ─ questionou, Inuyasha.
─ Sim, eu não demorarei. ─ adiantou-se, intencionando partir.
─ Espere, Lin! Diga-nos o que aconteceu! ─ exigiu, o mestre.
─ Depois eu explico tudo, eu prometo!
─ O quê?
─ E, por favor, não venham atrás de mim se eu demorar.
─ Mas que história é essa?
─ Inuyasha-Sama… Está tudo sob controle… ─ garantiu, meio encabulada ─ Apenas eu posso ajudá-lo; então, não me perguntem nada agora… Por favor… ─ insistiu e, antes de se afastar de ambos, beijou o rosto da anciã.
─ Não estou gostando nada disso… ─ resmungou, Inuyasha, ao ver a jovem partir.
─ Deixe-os… Lin sabe o que está fazendo.
─ Não sei se ela sabe… Sesshoumaru não permitiria que ela cuidasse dele, se não tivesse outras intenções.
─ E daí que ele tenha? Eles são adultos!
─ Não estou falando disso! ─ exclamou, meio sem jeito.
─ Não podemos impedi-la de crescer. Deixe-a defender a si mesma.
─ Diz isso porque acredita que ele a aceitará.
─ Você não conhece seu irmão tão bem quanto imagina, Inuyasha.
─ E com base em que a senhora acredita que ele mudará de ideia?
─ Com base em minha intuição.
─ Conheço Sesshoumaru o suficiente para saber que ele manterá sua decisão. ─ contestou, indiferente, antes de ir ao encontro de Lin.
─ Inuyasha-Sama? O que foi agora? ─ questionou, Lin, ao encontrar o mestre em seu caminho.
─ Vim para lembrá-la de que ele não vai mudar de ideia, ainda que você o ajude.
─ E o senhor acha que eu não sei disso? ─ questionou, conformada ─ Sesshoumaru-Sama não me dá muito crédito por eu ser uma humana… No entanto, ele não sabe que eu sou a única que pode ajudá-lo agora.
─ Lin… Sesshoumaru é um youkai! Acha que seus remédios funcionarão?
─ Acontece que ele está ferido desde o dia em que lutou contra a ave; eu também estive, até criar o remédio ideal para me recuperar. Eu fiquei bem e, sem dúvida alguma, é desses medicamentos que ele precisa também! Não vou deixar que ele continue ferido!
─ Você é muito cabeça dura, Lin…
─ O que quer que eu faça, que eu deixe seu irmão como está?
─ Faça o que quiser… Depois, não fique aí, a se lamentar…
─ Eu não vou me lamentar, não se preocupe. ─ contestou, seriamente ─ Depois de ajudá-lo, eu voltarei para o vilarejo. Posso ir agora? ─ questionou, e apenas viu o mestre livrar a passagem ─ Vamos, Ah-Un! ─ exclamou, animada, a correr em direção ao dragão de duas cabeças ─ Sesshoumaru-Sama está nos esperando!
Pouco tempo depois, ainda recostado ao tronco da árvore, o Lorde os veria surgir entre as árvores ─ notou que Lin vinha a conversar com o animal e a segurar as rédeas do dragão ainda do mesmo modo como fazia quando criança.
─ Estou de volta! E trouxe Ah-Un, para quando o senhor partir. ─ disse, quando diante do Lorde ─ Eles estavam muito entediados à sua espera, então, eu resolvi trazê-los.
─ Você demorou.
─ Perdoe a minha falta de agilidade…
─ Apresse-se.
─ Ah-Un, vou deixá-los à sombra daquela árvore mais distante, está bem? Lá, vocês poderão descansar à vontade; e, vejam!, tem uma grama fresquinha por perto! Comam bastante! ─ dizia, a conduzir o dragão à árvore.
Depois, ela se dirigiu ao Lorde novamente.
─ Está tudo bem?
─ Eu não tenho o dia inteiro, Lin… ─ reclamou, ainda recostado à árvore e com os olhos fechados.
─ Entendi. Eu vou me apressar. ─ disse, antes de ir ao rio.
Enquanto ela separava os remédios e preparava os materiais de que precisaria, Sesshoumaru ficou a observá-la e sem que ela o notasse, tamanha sua concentração à atividade à qual se dedicava. Quando regressou à arvore, levou uma vasilha com bastante água e ervas estranhas, que exalavam um cheiro desagradável; também levou, preso a seu antebraço, um pequeno alforje, no qual havia colocado todos os remédios e algumas toalhas.
─ Posso me sentar perto do senhor?
─ O que significa tudo isso?
─ Eu disse que não era algo que o senhor pudesse fazer sozinho… Mas, se quiser desistir, ainda está em tempo. Aliás, se estiver com tanta pressa, é melhor deixar para outro dia. Acredito que esteja mais ferido do que pareça, então, isso pode levar um tempo. ─ explicou e ficou a fitá-lo seriamente ─ O que o senhor me diz?
─ Comece de uma vez.
─ Tudo bem. Antes, eu preciso ver o estado dos ferimentos, para saber a quantidade de remédio a ser usada.
─ O quê?
─ Presumo que o que faça com que seus ferimentos não cicatrizem seja a quantidade de veneno que há neles. ─ iniciou a explicação, a se sentar ao lado do youkai ─ Como se trata de uma substância incomum, as ervas convencionais não fazem nenhum efeito. Acredite: eu tentei inúmeras porções em meus ferimentos e nada deu certo. Porém, eu descobri que as ervas daninhas funcionavam contra esse veneno e, assim, consegui criar o antídoto. O uso dessas ervas, porém, não é recomendado, já que também são venenosas. Então, caso eu aplique uma quantidade indevida dessa porção, posso acabar intoxicando ainda mais os seus ferimentos.
─ O fato de as ervas terem funcionado em você não garante que funcionarão em meu corpo.
─ O remédio não está apenas nas ervas. Esse é o segredo.
─ E para que precisa dessas ervas, então?
─ Vai me deixar cuidar do senhor ou não? ─ questionou e viu o Lorde ficar pensativo ─ Sabe, Sesshoumaru-Sama… ─ iniciou, após o curto silêncio que se fez ─ Se é isso que o incomoda, saiba que essa não será a primeira vez que eu ficarei diante de um homem despido… ─ revelou, meio encabulada e, assim que sentiu o ar de reprovação do Lorde, justificou-se apressada ─ Eu ajudei muitos feridos de guerra durante a viagem, foi isso! Então, não se importe de ficar sem…
─ Você não os conhecia como a mim. ─ adiantou-se, o Lorde, tentando parecer indiferente à situação ─ Não é a mesma coisa.
─ Entendo que seja um pouco constrangedor… ─ ponderou, ao notar que ele parecia tão desconcertado quanto ela ─ Mas eu prometo que não vou me aproveitar da sua inocência.
─ Não diga besteiras… ─ repreendeu-a, ao notar que ela aceitava a situação melhor do que ele.
─ Gomen nasai… ─ desculpou-se, encabulada, ao notá-lo ainda mais frio ─ Foi apenas uma brincadeira…
─ Isso não está certo. Devo partir. ─ comunicou, antes de se levantar.
Mas logo o youkai seria acometido por novas dores e por um leve sangramento.
─ O que o senhor está fazendo? Não deve se esforçar desse jeito! ─ orientou, a ajudar o Lorde a se recostar novamente ao tronco da árvore.
Embora conseguisse disfarçar, Sesshoumaru sentia dores intensas, que o impediram até de contestar as falas e as ações de Lin naquele momento. Convencido de que não poderia evitar a constrangedora situação, decidiu-se por irem adiante. Lin, então, recebeu a Tenseiga e a Bakusaiga das mãos do Lorde e, depois, ajudou-o a se desfazer da armadura. Ao notar que ele intencionava despir a parte superior do seu kimono, num impulso natural, ela, então, desviou o olhar e sentiu a face em chamas. Sesshoumaru não deixou de notar aquela reação.
─ Está feito. ─ avisou, a se recostar novamente ao tronco da árvore ─ Comece.
Lin, porém, manteve-se como estava por um tempo, tentando criar coragem para voltar seu olhar ao Lorde.
─ O que está esperando?
Então, entre a vergonha e a ansiedade, ela se voltou para analisar os ferimentos e, de imediato, todo o constrangimento desapareceria.
─ E o senhor pretendia partir assim, mesmo sabendo que eu poderia ajudá-lo… ─ criticou-o, assustada com a gravidade da situação.
─ Não me questione. Comece o que veio fazer.
Lin, então, pegou uma pequena toalha em seu alforje e mergulhou-a na vasilha que continha água e ervas daninhas. Depois, retirou uma garrafa de saquê, abriu-a e ofereceu ao youkai.
─ O que significa isso?
─ Beba.
─ Não preciso.
─ Esteja certo de que o senhor vai precisar. ─ insistiu, a colocar o recipiente ao lado do Lorde ─ Se eu soubesse da gravidade de seus ferimentos, eu teria trazido três garrafas e não apenas essa… ─ resmungou, enquanto procurava por outros objetos no alforje ─ O que o senhor está esperando? Beba e não seja teimoso! Se deixar para depois, vai ser pior.
─ Já disse que não preciso. ─ respondeu, meio impaciente.
─ Se o senhor prefere assim…
─ Além disso, essa bebida não me agrada.
─ Nem a mim. ─ disse, antes de pegar a garrafa e beber dois ou três goles.
─ O que está fazendo? ─ perguntou, contrariado.
─ Estou nervosa, não vê? ─ confessou, após expirar com força e com os olhos bem fechados.
─ Não quero que beba isso outra vez, está ouvindo?
─ Sim, meu senhor! ─ exclamou, sarcástica, antes de se levantar ─ Eu vou até o rio lavar as mãos. Melhor beber, antes que eu o faça em seu lugar.
Ainda descontente, Sesshoumaru esperou que ela se afastasse e ingeriu boa parte do saquê.
─ “Não me questione”, “Comece de uma vez”… Está mais do que óbvio que o senhor adora me dizer o que devo fazer… ─ pensava, risonha, a caminho do rio.
Quando na margem, Lin prendeu os longos cabelos negros com os palitos de madeira rústica que havia retirado do alforje, dobrou as longas mangas do traje negro e livrou todo seu antebraço, para que a roupa não lhe atrapalhasse. Após lavar bem as mãos, regressou.
─ O senhor bebeu? ─ perguntou, tentando não rir.
─ Sim. ─ respondeu, a fitar a jovem com ar de reprovação.
─ Pois bem… Vamos começar, então.
Quando novamente sentada ao lado do Lorde, Lin retirou a pequena toalha da vasilha, levou-a até os ferimentos do youkai e limpou-os cuidadosamente.
─ Alguns cortes estão bem profundos. Talvez o senhor sinta muita dor.
─ Você me subestima demais.
─ E o senhor subestima demais os efeitos desses remédios. A essa altura, já deve estar sentindo uma pequena ardência nos ferimentos, certo? ─ questionou, mas não o viu esboçar reação alguma ─ É normal, não se preocupe. A dor é causada pelas sustâncias que as ervas daninhas liberam em contato com a água. Estas substâncias estão começando a reagir com o veneno de seus ferimentos. ─ explicou, enquanto deslizava a toalha pelo corpo do youkai ─ Há outros ferimentos além desses?
─ Apenas dois não muito profundos na perna esquerda.
─ Onde, exatamente?
─ Eu cuidarei deles.
─ Se o senhor diz… Espero que consiga fazê-lo.
─ Não sei por que julga que eu não conseguiria, quando, até agora, a única coisa que fez foi espalhar estas ervas estranhas sobre os ferimentos.
─ A limpeza é só o começo. Por onde o senhor prefere que eu inicie? ─ perguntou, depois de retirar a longa e fina agulha de uma caixinha de materiais já esterilizados.
─ Você pretende me costurar?
─ Não me diga que o senhor está com medo disso… ─ provocou, meio risonha.
─ Você não se cansa de falar bobagens?
─ Na verdade, apenas alguns desses cortes precisarão de sutura, já que estão bem profundos. Os outros fecharão apenas com a aplicação do remédio e com o Mantra Sagrado.
─ Mantra Sagrado? ─ questionou, surpreso.
─ Vou iniciar pelo pior, tudo bem?
─ Faça como preferir.
Sesshoumaru, então, viu Lin pegar um de seus frascos misteriosos e despejar o conteúdo na vasilha que já continha água com as ervas daninhas para, em seguida, prender um longo e fino fio na agulha e espalhar, por todo o filamento, o conteúdo de outro remédio.
─ Não se mexa.
Lin iniciou pelo profundo corte na barriga. Assim que o primeiro ponto foi dado, Sesshoumaru já começou a sentir as fortes dores, das quais a jovem tanto lhe falara, e, meio abalado, deixou-se recostar ao tronco da árvore.
─ Eu disse que ia doer bastante… ─ lembrou, com tom vitorioso, mas concentrada no procedimento.
─ Espero que isso realmente funcione, menina… ─ resmungou.
─ Vai funcionar, relaxe… ─ pediu, delicadamente ─ Se continuar contraindo sua musculatura desse jeito, será pior.
Ao findar a sutura do primeiro corte, Lin pegou uma toalha em seu alforje e a utilizou para conter o sangramento causado pelos pontos que fizera.
─ Como você suportou essa dor?
─ Meu caso não era tão grave. Eu sugiro que beba mais um pouco.
Sesshoumaru não sabia como descrever aquele martírio. A dor, de fato, ia além de tudo que já havia sentido.
─ Seu amigo não foi nada gentil conosco, não acha?
─ Meu amigo? ─ perguntou, a desviar o olhar ─ Não sei do que o senhor está falando.
─ Não sabe mesmo?
─ O senhor não pretende tirar minha concentração agora, pretende? ─ perguntou, a fitar o Lorde com ar ameaçador.
Sesshoumaru, porém, não respondeu e preferiu beber mais. Quando Lin concluiu o procedimento nos ferimentos mais profundos da região do peito e do abdome, pegou a toalha que devolvera à vasilha e colocou-a, novamente, sobre os ferimentos para, em seguida, espalhar a nova mistura pelos cortes. Naquele instante, ele sentiu uma dor ainda mais intensa e não pode evitar um gemido.
─ Daqui a alguns minutos, não sentirá mais dor alguma…
─ Agora você entende a gravidade do que aconteceu? ─ insistiu, desgostoso, a ignorar a ternura da jovem.
─ Esses ferimentos cicatrizarão bem depressa, o senhor verá.
─ Já disse para não me ignorar!
─ Por favor, eu preciso me concentrar agora. ─ avisou, seriamente, a pegar algumas ervas da vasilha para, em seguida, colocá-las sobre os ferimentos.
Depois, repousou suavemente as duas mãos abertas sobre o peito e o abdome do Lorde e as manteve assim durante alguns minutos. O youkai notou que ela fazia uma espécie de Mantra, pois seus olhos estavam fechados e seus lábios se movimentavam e sussurravam sons repetidos. Ele permaneceria a observá-la, até que ela concluísse o procedimento. Ao notar que era alvo da análise do Lorde, Lin se pôs tímida.
─ O que o senhor está olhando? ─ perguntou, após retirar as mãos do corpo do youkai.
─ Com quem aprendeu essas coisas?
─ Eu conheci pessoas habilidosas durante a viagem. ─ respondeu, a desviar o olhar.
─ Pessoas desse ou de outro mundo?
─ O senhor ainda sente dor?
─ Lin…
─ Pela sua cara de raiva, sim.
─ Depois, não se queixe das minhas ações.
─ Antes de prosseguirmos, é melhor esperarmos que essa sensação incômoda finde… ─ prosseguiu, a ignorar o aviso ─ Eu vou lavar as mãos para recomeçarmos. Por que o senhor não deita um pouco e tenta descansar?
─ Não preciso.
─ Como o senhor preferir. Eu não demorarei. ─ avisou, antes de se levantar, para partir logo em seguida.
Da árvore, Sesshoumaru ficou a observá-la impacientemente: viu a jovem espreguiçar-se à margem do rio e, depois, caminhar até a água, para tirar o sangue das mãos. De dentro do alforje, ela retirou alguns frutos e comeu ─ desde o término do treinamento com Inuyasha, não havia comido nada e estava faminta, sobretudo após o desgaste energético proveniente do Mantra.
─ Não entendo, Hahaue… Eu não deveria me sentir tão cansada… ─ pensava, enquanto comia a maçã ─ O uso de Magia Pura deveria conservar minhas energias, não sei porque me sinto assim… Estarei fazendo algo errado?
Sesshoumaru, que a notou tão distraída naquele momento, já havia associado aquele desgaste energético ao Mantra, e viu, naquela situação, uma excelente oportunidade para prosseguir com o assunto que o conduzira outra vez a Murata.
─ Em poucas horas, a tarde findará… ─ pensou, depois de olhar para o Lorde e ver que ele estava a observá-la ─ Durante a noite, será mais difícil continuar com os procedimentos… Preciso me apressar.
Lin, então, levantou-se e foi à margem do rio novamente, onde lavou o rosto e bebeu bastante água, antes de regressar ao encontro do Lorde.
─ Beba, Sesshoumaru-Sama. ─ pediu, a oferecer o copo com água.
Sesshoumaru aceitou e ingeriu o líquido sem questionar.
─ O senhor quer uma maçã? Tenho outras em meu alforje.
─ Não.
─ Ainda dói? ─ perguntou, a se sentar novamente ao lado do youkai.
─ Por que você não descansa um pouco?
─ Estou bem. ─ respondeu, satisfeita com aquela atenção ─ Assim que a dor diminuir, avise-me, para que possamos prosseguir.
Enquanto aguardava, Lin voltou a preparar seus materiais de trabalho, mas logo percebeu que Sesshoumaru não hesitava em olhar para ela e que o fazia como se quisesse que ela também retribuísse o gesto. Instigada, ela olhou para ele algumas vezes, mas sempre a voltar ligeiramente seu olhar para o que fazia. O jeito tímido com que ela o fitou naqueles instantes deixou o youkai ainda mais incerto quanto ao que pudesse ter acontecido, enquanto ela esteve em posse do rival.
─ Lin… ─ chamou-a, finalmente, e logo os olhos de ambos se encontraram outra vez ─ Diga-me… Quem é Itilus?
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