PARTE 5 ▪ NOS CAMINHOS DE ONO-AOKI
O pai de Lin
Após a partida de Samanosuke, Masuyo e Naoto tiveram que seguir viagem, escutando os reclames da princesa, que ficou inconformada com a repentina debandada do irmão mais velho.
─ Samanosuke bem que deveria ter nos avisado antes. Onde já se viu, deixar o grupo sem um aviso prévio!?
─ Nós sabíamos, Imouto.
─ O quê?
─ Oniisan tem assuntos políticos a resolver.
─ Assuntos políticos… Sei… ─ resmungou, desconfiada ─ Ele deve ter ido ver a nova admiradora dele, a tal Soooooora…
─ Não é nada disso, Imouto… ─ disse, Masuyo, um tanto desconfortável com aquele comentário.
─ Vocês adoram me excluir.
─ Só não queríamos preocupá-la por mais tempo.
─ Mentira! Eu tenho certeza de que Samanosuke foi visitar a admiradora dele. Oniisan me pareceu muito empolgado, ao me falar dela.
─ Em breve, Samanosuke estará no Clã novamente, Hikari. ─ disse, Naoto, ao perceber o desconforto do príncipe de Miura, diante daquela situação ─ Não precisa se preocupar, sim?
─ Exatamente, Princesa… ─ disse, o irmão, um tanto emburrado ─ Na ocasião, você aproveita para lhe dar a bronca.
─ Não tenham dúvida disso, Masuyo!
Naquele mesmo dia, Lin tentava se preparar emocionalmente para a despedida do dia seguinte.
─ Não seria melhor eu ficar mais um tempo aqui, Itilus? Eu não consegui criar um único Portal. Não posso partir desse jeito! Como poderei fugir, caso seja necessário?
─ Não posso mais mantê-la aqui. Você já está selada há quase um mês.
─ Eu passei o inverno inteiro selada em Ishikawa.
─ A questão não é o tempo, é que precisam de você em Ono-Aoki. Esqueceu-se de que tem missões a cumprir no Mundo dos Vivos? Sua Líder não ficou muito contente com sua ausência, sabia?
─ Itilus…
─ Não se angustie. Você poderá seguir com os treinamentos em seu Mundo. Poderá e deverá fazê-lo, aliás.
─ Não acredito que vai me mandar de volta desse jeito… Desamparada…
─ Não receie. Agora, Aoi consegue usar a Técnica dos Portais de Conexão.
─ Ela consegue… Grande coisa…
─ Grande coisa? ─ questionou, a rir do drama da protegida.
─ Aoi está sempre me abandonando, quando mais preciso dela. Que diferença faz, para mim, ela poder usar a Técnica?
─ Irei instruí-la a não mais se afastar de você.
─ Hum… Pelo visto, eu vou ter que usar outros recursos para poder me defender.
─ Isso é uma ameaça, Guardiã? ─ perguntou, a rir.
─ Com certeza!
─ Não se esqueça da promessa que me fez.
─ Nem você da sua!
─ Vai dar tudo certo… ─ assegurou, ainda risonho ─ Não se preocupe, sim?
─ Vou pensar no seu caso.
─ Além disso, não quero que parta com a sensação de derrota. Você evoluiu bastante, e já dominou a Tenseiga completamente. Os Espíritos da Floresta não mais a dominarão.
─ Espero.
─ Diga-me, mocinha desconfiada e dramática… Você ainda tem alguma dúvida a esclarecer?
─ Claro que sim!
─ E qual é?
─ O que mais, Guardião?
─ Não sei.
─ Dai…
─ Suke! ─ Itilus completou, como quem se lembra de algo importante.
─ Exatamente. Daisuke.
─ É verdade, ainda não falamos sobre ele.
─ Não era a coisa mais importante que tínhamos para fazer.
─ Você o julga menos importante?
─ Diante de todo o resto, sim.
─ Mas ele é o seu rival de Clã.
─ Eu sei.
─ E possui habilidades singulares.
─ Essa é a única questão importante, Itilus. Daisuke ser um Samurai de Masuyo e ter cruzado o meu caminho já deixou de ser algo com que eu me preocupasse mais, ou que me fizesse ficar triste. Já superei essa etapa.
─ Isso é bom.
─ Só me resta entender por que logo o meu arqui-inimigo consegue evocar os Decaídos.
─ Não é bem isso.
─ Como não? Eu conheço aquela energia muito bem. Até mesmo Sesshoumaru a reconheceu! Não foi a energia de Aoi que meu Guardião sentiu na floresta de Inoue, foi a energia maligna de Daisuke!
─ Eu sei disso.
─ Então!?
─ Daisuke é um usuário de Magia Negra; e assim como a Líder de Ono-Aoki, ele CONJURA o poder das Sombras.
─ Eu conheço a energia da Magia Negra da minha Líder, e é beeeeem diferente da de Daisuke.
─ Claro que seria, o Samurai de Miura é muito mais poderoso que sua Líder. Ele lida com Magia Negra desde muito jovem.
─ Muito jovem quanto?
─ Desde criança.
─ Que ótimo para mim… ─ resmungou ─ Não é à toa que ele consiga anular minha Magia, Itilus.
─ Você começou a usar Magia há pouco tempo, ainda está se aprimorando. Não será assim para sempre.
─ Espero mesmo que não seja.
─ Mas não se angustie. Por mais que a Magia do seu rival seja poderosa, ela não é forte o bastante para levar os Decaídos ao Mundo dos Vivos, para evocá-los, portanto. Você pode até se assustar ao vê-lo usar o poder das Sombras, mas lembre-se sempre disso: Daisuke nunca conseguirá evocá-los, nunca conseguirá abrir uma fenda entre os Mundos.
─ Tem certeza disso? Ele me pareceu um Decaído em forma humana.
─ Ele não conseguirá, não é forte o bastante. A não ser que ele use o Livro de Magias.
─ Até parece…
─ Só estou lhe lembrando da Lei do Silêncio. Não seria nada bom, se um usuário de Magia Negra como Daisuke tivesse o Livro em mãos.
─ Você disse que eu poderia até me assustar, ao vê-lo usar o poder das Sombras…
─ Sim.
─ O que quer dizer com isso?
─ Você se assustou tanto só de sentir aquela energia maligna…
─ Por que será, não é mesmo?
─ Não é uma crítica. O natural seria você ter reagido assim. Só estou querendo lhe dizer que, agora que recuperou sua visão, você deve saber que o uso daquele poder e naquela intensidade pode causar alterações físicas ao usuário.
─ Huuum… Eu lembro que ele estava com uma voz estranha. Até o cheiro dele estava diferente, Itilus. Eu cheguei a pensar que Daisuke estivesse possuído por um Decaído naquele dia.
─ Não estava e nem conseguiria tamanha façanha. Daisuke é um excelente usuário de Magia Negra, ele domina plenamente o poder que possui. Mas, ainda que seja habilidoso, ele é apenas um humano. Seu poder é limitado, de modo que ele nunca conseguirá abrir uma fenda de conexão, menos ainda ser uma ponte de conexão.
─ Se você está assegurando, eu fico mais tranquila.
─ Fique.
─ Sabe o que eu acho engraçado, Guardião de Trent? Você não me parece muito preocupado com o meu arqui-inimigo.
─ Quê?
─ Lembro-me, e muito bem, de que as Entidades Superiores estavam muuuuuito gratas a Daisuke. Estou errada?
─ Não está. Mas isso não faz com que eu não me preocupe com ele. Vocês são rivais de Clã, e até já lutaram de modo hostil.
─ E você está grato a ele ainda assim?
─ Daisuke a ajudou várias vezes, quando o normal seria tê-la matado. Eu não deveria me sentir grato por isso?
─ E por que ele resolveu me ajudar?
─ Bem… Acho que somente ele poderá lhe dizer o porquê.
─ “Não seria uma luta justa, pirralha mal agradecida”…
Itilus apenas riu daquela imitação debochada.
─ Que desculpa mais esfarrapada… Você não acha, Itilus?
─ Não me diga que você está começando a acreditar nas suspeitas das suas companheiras de Clã…
─ Só se eu fosse retardada!
─ Não sei… Vai que ele está interessado em você…
─ Se houver algum interesse, certamente é em minhas habilidades de Magia.
─ Ele não sabia que você era uma usuária de Magia, quando a salvou no rio.
─ Até você com essa suspeita, Itilus? ─ questionou, risonha, mas um tanto instigada com a tranquilidade com que seu Guardião lhe falava.
─ Só estou lhe dizendo que é uma possibilidade. Ao que notei, Daisuke parece se preocupar com você.
E só ao ouvir, da boca de Itilus, tudo aquilo que ela já estava cansada de escutar de outras pessoas, Lin começou a pensar mais seriamente sobe o assunto.
─ Agora que você voltou a enxergar, penso que poderá analisar melhor as ações e as reações dele a seu respeito.
─ Sim, mas… O certo não seria lutarmos, até que um acabe com o outro?
─ O certo para Ono-Aoki e Miura. Mas, como o Universo não se resume à rivalidade dos Clãs de vocês, o certo mesmo seria que vocês dois tentassem desfazer a marcação.
─ Nós podemos fazer isso? ─ Lin perguntou, entre a surpresa e a empolgação.
─ Não.
─ Então, não há o que fazer, além de matarmos um ao outro.
─ Na verdade, não existe, pelo menos hoje, um motivo para a dissolução desse vínculo.
─ Esse vínculo nem deveria existir, já que se tratava de uma prática extinta entre os Clãs.
─ Mas ele a marcou. Se o fez, ele acabou reativando a tradição.
─ Penso que Daisuke só o fez por causa da injúria que lhe fiz. Acho que foi coisa de momento. Ele mesmo me disse que eu não precisaria dizer nada a minha Líder, porque ele ia me matar naquele mesmo dia, então… Ele pensou que me mataria e que tudo ficaria em seu devido lugar.
─ Ele só não contava com o imprevisto no rio.
─ Exatamente. Você acha que este seria um bom motivo para a dissolução da marcação?
─ Se fosse, ele já o teria mencionado, não acha?
─ De fato.
─ Vocês tiveram chances de resolver essa questão, mas não o fizeram.
─ É que aconteceram tantas coisas…
─ Acho que se essa fosse uma intenção de Daisuke, ele a mencionaria, mesmo com tantas coisas acontecendo.
─ Acho que sim… ─ concordou, meio desanimada ─ E depois do que houve na floresta de Inoue, duvido muito que ele queira dissolver a marcação. Daisuke estava com muito ódio de mim. Não foi à toa que ele me mostrou as verdadeiras habilidades que possui.
─ Devo concordar.
─ Nesse caso, você também deve concordar que Daisuke e eu não teremos tempo para análises, menos ainda para conversas, quando nos encontrarmos de novo.
─ Isso a entristece?
─ Isso me preocupa.
─ Sabe o que eu acho? Que você não quer matá-lo.
─ Quê? ─ perguntou, entre a surpresa e o acanhamento ─ Como assim?
─ Você quer matá-lo?
─ O meu querer não importa, eu tenho que me livrar dele!
─ Eu sei que você deve matá-lo, mas você ainda não me disse se quer realmente fazer isso. ─ insistiu, um tanto risonho ─ Você quer matar o seu rival?
─ Até mesmo você, que é o meu Guardião, uma Entidade Superior, sentiu-se grato a Daisuke por ele ter me ajudado… ─ resmungou, meio sem jeito e evasiva.
─ Mas não hesitei em atacá-lo, quando ele atentou contra sua vida, nem hesitarei em fazê-lo, caso ele o tente outra vez.
─ Você, às vezes, confunde bastante as minhas ideias, Guardião de Trent.
─ Sua hesitação em matá-lo se baseia no fato de eu sentir gratidão por ele, ou por você mesma se sentir grata por ele tê-la ajudado desde sempre?
Lin não soube o que dizer.
─ Pense nisso.
─ Não quero pensar nisso.
─ Pense.
─ Não posso.
─ Por que não pode?
─ Porque Daisuke e eu somos rivais!
─ Que não agem como se fossem.
─ É exatamente essa a questão!
─ E você acha melhor não pensar a respeito?
─ Eu acho melhor você não falar sobre ele desse jeito.
─ De que jeito?
─ Permissivo!
─ Não se trata de permissividade, Lin. Trata-se do que é certo e do que é errado; mas não apenas para Ono-Aoki e Miura. Trata-se de vocês estarem bem conscientes de que esses detalhes de rivalidade e de marcação estão muito aquém do que vocês realmente são.
─ E o que Daisuke e eu realmente somos, Itilus?
─ Você é a Guardiã do Livro de Magias de Trent. Quem é Daisuke, eu não sei. Mas ele já nos deu provas de que não deseja matá-la.
─ Não sei… Eu o acho muito suspeito. Além disso, Masumi-Sama me disse que não existe perdão em Yamashita e Miura.
─ Sua Líder tem os motivos dela para pensar dessa forma. Mas não significa que ela esteja certa quanto a Daisuke.
─ Está sendo permissivo outra vez.
─ Só estou falando com base na minha percepção quanto ao que vejo.
─ Não deixa de ser permissivo.
─ Guardiã… Não seja estúpida de tomar nossa conversa como um incentivo para julgar que seu rival deseje o seu bem.
─ Agora, você me pede para ficar alerta… Quando eu ficar maluca, não reclame!
─ Só acho que você deve lidar com essa situação com mais autonomia. ─ explicou, a rir ─ Lembre-se: você é uma Aoki, que, antes de saber disso, já era amiga dos de Yamashita e Miura, e que, antes disso, já era Guardiã do Livro de Magias.
─ Contagem regressiva para a loucura…
─ Você é inteligente, tem um excelente senso de humor… Vai saber lidar com tudo isso com sabedoria, eu sei.
─ Bem que você me disse para eu não me misturar com Bruxas…
─ Nem nadar com um Samurai de Miura…
─ E nem frequentar leilões e festas de Senhores Feudais corruptos…
─ Isso não pode ficar assim! ─ Itilus simulou a seriedade e o descontentamento.
─ Prometo não fazer mais nada disso, Guardião! ─ exclamou, dramática.
─ Acho bom! Acho bom.
E após os risos descontraídos, Itilus prosseguiria.
─ Tente conversar, antes de tentarem se matar. Talvez, a marcação indevida até seja um problema para ele.
─ Não sei por que seria. Daisuke está usando a faixa roxa… E ele não me pareceu disposto a resolver a situação de outra forma, senão me matando.
─ De qualquer forma, se tiver a oportunidade de conversar com ele sobre o assunto, não hesite em fazê-lo. Talvez, seja a melhor saída para ambos.
─ Seguirei seu conselho.
─ Ótimo.
No silêncio que se fez, ambos se mantiveram sentados entre as flores do campo, e Lin ficou a observar aquela imensidão azul, um tanto triste por ter que ir embora.
─ Bem… Você partirá amanhã… Acho que não tem mais dúvidas, certo?
─ Acho que não. ─ respondeu, após o forte suspiro.
─ Alguma reclamação?
─ Não.
─ Mais alguma ameaça a me fazer?
─ Não! ─ respondeu, a rir.
─ Nada mais? Nem mesmo um pedido?
─ Uaaaaau! Um pedido? ─ perguntou, sarcástica.
─ Sim!
─ Isso é sério? ─ estranhou ─ Eu posso mesmo lhe fazer um pedido?
─ Se estiver dentro das minhas condições…
─ Mmmmm… Que interessante, Guardião…
─ Vamos lá… Peça algo.
─ Neste caso… Eu gostaria de… ─ ficou a pensar por um tempo ─ Já sei! ─ animou-se com a ideia que havia lhe surgido à mente.
─ Diga-me.
─ Guardião de Trent… ─ iniciou, um tanto solene, após se levantar do chão ─ Eu gostaria de me lembrar do meu pai.
─ Lembrar-se do seu pai? ─ estranhou.
─ Sim! ─ confirmou, animada ─ Eu consegui me lembrar da minha mãe, dos meus irmãos e de alguns eventos da minha infância, até mesmo de conversas que tive com Hahaue e de coisas que ela e meus irmãos me ensinaram a fazer, quando vivíamos todos juntos no vilarejo. Mas você acredita que eu não me lembro de absolutamente nada do meu pai? Nem do rosto dele!
─ Esse é o seu desejo? ─ Itilus perguntou, após se levantar e ficar diante da protegida.
─ Sim. Você não pode me ajudar quanto a isso?
─ Posso. Isso é fácil.
─ Então… O que há de errado?
─ Nada. Estou apenas perguntando se é mesmo esse o seu desejo.
─ Sim, é o que eu quero! ─ confirmou, animada ─ Eu gostaria de me lembrar dele.
─ Tudo bem, então. Venha… Fique perto de mim.
─ O que vai fazer? ─ perguntou, a obedecê-lo.
E Itilus tomaria e seguraria as mãos de Lin entre as dele, para, logo em seguida, envolvê-los na já conhecida luz azulada e pura. Sob o efeito daquele poder, ela escutou seu Guardião lhe pedir, na língua das Entidades Superiores, para que fechasse os olhos; e assim que o fez, a mente de ambos foi transportada para outro plano.
Enquanto ambos transitassem por caminhos passados, Masanori se angustiava com a demora do regresso de Lin, em seus momentos de solidão, no estimado jardim de flores roxas de Yamashita.
─ Por onde anda, pequena Sizu? Já faz nove dias que todos partiram e ainda não tenho notícias suas. Logo agora, que meu plano tem tudo para dar certo, você desaparece?
E inevitavelmente, as lembranças retornariam, para lhe tirar a paz.
─ Tenho, então, a sua palavra de que irá desaparecer definitivamente da vida dela, de que não a procurará novamente, e de que não fará nenhum mal a ela ou a meu filho?
─ Primeiro, Samurai de Yamashita e Miura, esteja certo de que Lin queira que eu desapareça da vida dela definitivamente […] Caso a minha Lin apareça, avise que estou à procura do Canino.
─ Por que não volta, pequena Sizu? Você e Lorde Sesshoumaru se encontraram novamente?… Você já terá se esquecido do sentimento que desenvolveu por meu filho?… Estará vivendo com o youkai?… Estará com a ave agora?… Você ainda está viva?…
A frustração e os receios também estariam bem vivos no campo de flores azuis ─ no percurso que suas mentes fizeram pelo passado, Lin e Itilus regressaram ao dia em os Decaídos atacaram o vilarejo da família da jovem. Ambos, então, assistiram à fúria das Entidades das Sombras, à destruição do vilarejo, à morte dos irmãos de Lin, à tortura a Azami, à chegada de Laucian, à luta entre o Guardião e os Decaídos e, por fim, ao aniquilamento dos inimigos. Lin não seria a única abalada, após o regresso daquela angustiante viagem.
─ Perdoe-me… Por favor… ─ insistiu, Itilus, cheio de remorso, depois do longo tempo em que ambos ficam a consolar um ao outro, sentados entre as flores azuis ─ Não era minha intenção voltar a esse evento, Lin…
─ Tudo bem.
─ Não sei o que houve!
─ Pelo menos, eu pude me lembrar do que realmente aconteceu naquele dia.
─ Não era para ser assim… Não deveria ser assim… ─ Itilus insistiu, ainda confuso e inconformado.
Lin desapoiou seu corpo do de seu Guardião e fitou-o com ternura.
─ Está tudo bem, Itilus. De verdade.
─ Não entendo por que aconteceu desse jeito… Meus esforços foram para lhe mostrar o seu pai, não tudo aquilo!
─ E eu nem o vi… ─ comentou, risonha, a fim de enganar a dor e melhorar aquele clima triste.
─ Você não poderia vê-lo…
─ Como assim? ─ estranhou.
─ Estou confuso! ─ exclamou, entre a decepção e a dúvida.
─ O que está havendo, Itilus? ─ perguntou, preocupada com aquela angústia.
─ Não sei por que regressamos ao dia do ataque dos Decaídos… Apesar de conhecer muito pouco a figura do seu pai, eu poderia mostrá-la a você, Lin, eu tentei fazê-lo!
─ Eu sei, eu acredito em você! ─ assegurou.
─ Não faria o menor sentido voltar ao dia da morte da sua família!
─ Mas… Por que não?
─ Porque… ─ Itilus hesitou por um momento, mas se viu obrigado a revelar a verdade ─ Porque o seu pai não estava lá naquele dia.
─ O quê? ─ perguntou, atônita.
─ E ainda que ele estivesse lá, eu jamais voltaria àquele episódio! ─ explicou-se, como quem se desculpa.
─ Espera… Chichiue não estava no vilarejo, quando os Decaídos mataram minha família?
─ Não.
─ E onde ele estava?
─ Minhas energias não foram direcionadas para aquele evento… ─ prosseguiu, aturdido ─ Por que voltamos àquele dia? Não entendo o que pode ter acontecido…
Itilus estava deveras frustrado e preocupado com o que havia acontecido; mas Lin estava determinada a obter outras respostas.
─ Itilus… Responda-me… Por que Chichiue não estava lá? Onde ele estava?
─ Eu não sei se eu deveria lhe contar, mas… Depois disso…
─ O quê? Como assim? ─ insistiu, um tanto ansiosa ─ Por que você não deveria me dizer? O que houve com o meu pai?
E após o pequeno silêncio, Itilus prosseguiria.
─ Talvez, este estranho retorno a esse evento específico seja um sinal de Trent de que eu deva lhe falar a respeito.
─ A respeito de quê?
─ Lin… ─ Itilus iniciou, a segurar as mãos da protegida ─ O seu pai… Ele não estava presente naquele dia, porque… Porque ele deixou vocês.
─ O quê? ─ perguntou, surpresa ─ Ele nos deixou?
─ Sim.
─ Como assim?
─ Ele abandonou todos vocês.
─ O quê? Não! ─ exclamou, perplexa.
─ Eu não sei o motivo, apenas sei que ele o fez.
─ Não pode ser!
─ Eu sinto muito.
─ Chichiue não faria isso! ─ exclamou, contrariada e confusa.
─ Mas foi o que houve.
─ Céus… ─ sussurrou, quase afônica ─ Isso não pode ser verdade…
─ Já começo a me arrepender de ter lhe contado.
─ Chichiue não estava lá naquele dia, porque nos abandonou… ─ repetiu, como quem tenta se convencer de algo ─ Por que ele faria uma coisa dessas?
─ Eu não sei, Lin… Sinto muito…
─ Quando Chichiue nos abandonou?
─ Eu não sei lhe dizer quando exatamente, menos ainda os motivos dele, mas… ─ hesitou por um instante ─ Eu posso garantir que… O seu pai sequer conheceu você.
─ O que está dizendo? ─ questionou, a fitar o Guardião um tanto assombrada ─ Ele… Ele não me conheceu?
─ Não.
─ Céus… ─ sussurrou, quase sem voz, abismada com a descoberta.
─ Eu sinto muito, Lin…
─ Não acredito nisso… Não pode ser verdade… Está me dizendo que Hahaue cuidou de mim e dos meus irmãos sozinha?
─ Sim, foi o que aconteceu.
─ E você sequer considerou a possibilidade de me contar tudo isso antes? ─ questionou, inconformada ─ Apenas esperou que esse equívoco acontecesse, para me contar a verdade sobre meu pai?
─ Eu não estava autorizado a lhe contar.
─ Você não estava!? ─ perguntou, incrédula ─ Quem são essas malditas Entidades sem coração, que impediriam você, o meu Guardião, de me contar a verdade!?
─ Ei… Por favor, acalme-se… ─ pediu, preocupado.
─ Como posso me acalmar? ─ contestou, contrariada, a afastar as mãos de Itilus, para se levantar logo em seguida ─ Desde que descobri que sou a Guardião do Livro de Magias, a minha vida se tornou um verdadeiro inferno! Não posso me acalmar!
─ Lin…
─ E você, que se diz meu Guardião, sempre hesitou em me falar a verdade sobre a minha família!?
Preocupado, Itilus também ficou de pé e foi até a jovem.
─ Por favor, Lin, escute-me…
─ Não! Eu não quero ouvir mais nada!
─ Você não é a única a passar por situações difíceis, Guardiã! ─ exclamou, Itilus, seriamente, e viu a jovem fitá-lo, um tanto surpresa, por vê-lo tratá-la de forma mais enérgica ─ Acha que também não sofri com as minhas perdas? Acha que fiquei contente com o que acabamos de assistir? ─ questionou, chateado ─ Pensa que foi fácil superar tudo isso e estar aqui, ao seu lado, tendo que lhe contar a verdade sobre sua família? Acha que fico contente por vê-la entristecida desse jeito?
Lin se manteve calada, mas ainda inconformada com a situação.
─ Teria sido muito melhor você nunca ter descoberto a verdade!
Fez-se, então, um longo e tenso silêncio entre ambos, no qual Lin permaneceu cabisbaixa, e Itilus, preocupado com o que acontecia.
─ É melhor a gente se acalmar… ─ ponderou, o Guardião, como quem pede uma trégua.
─ Você não deveria ter me escondido isso durante todo esse tempo… ─ insistiu, desapontada, mas aparentemente disposta a não mais discutirem.
─ Eu compreendo a sua revolta; mas peço que também compreenda o meu lado. Eu não tinha autorização para lhe falar sobre o assunto.
─ Como Chichiue pode fazer uma coisa dessas? ─ perguntou, inconsolável.
─ Eu não sei.
─ Se ele estivesse no vilarejo naquele dia, talvez tudo fosse diferente…
─ Não… Não seria, Lin… Não poderia ser diferente. Seu pai era um simples humano, como você, sua mãe e seus irmãos… Não poderia lutar contra os Decaídos.
─ Céus… Eu não acredito nisso… ─ murmurou, a levar as mãos à cabeça.
─ Por favor, não fique desse jeito…
─ E como eu poderia ficar? Chichiue nos abandonou…
─ Quando você me pediu para lhe mostrar o seu pai, eu concentrei minhas energias a um evento anterior ao seu nascimento, justamente para que você não soubesse do abandono. Mas eu o fiz somente por não estar autorizado a lhe falar sobre seu pai. Só que minhas energias me traíram e… Acabamos, você e eu, assistindo a tudo o que aconteceu naquele episódio… Eu entendo o seu sofrimento, mas…
─ Você entende? ─ interrompeu, duvidosa ─ Como?
─ Para mim, também está sendo difícil lidar com isso, porque eu não vi o que houve com Chichiue naquele dia. Eu apenas soube do ocorrido, através da minha mãe. Ela viu tudo acontecer, mas eu estava em treinamento com os Anciões da Floresta. Não vi nada do que nós assistimos há pouco.
Ao ouvir as palavras de seu Guardião, Lin respirou com pesar.
─ Chichiue também se foi, não somente a sua família.
─ Céus… Eu não tinha pensado nisso… ─ reconheceu, envergonhada ─ Perdoe-me, Itilus… Você tem razão, eu… Eu fui tão egoísta…
─ Escute-me… ─ pediu, a caminhar até Lin ─ Não era para você saber do abandono.
─ Por que não era?
─ Porque não faria diferença para você. Você já estava acostumada com a morte dos seus familiares, e não fazia sentido lhe falar sobre uma pessoa que os abandonou.
─ Você acha que não teria diferença? ─ perguntou, desapontada.
─ Você tinha Sesshoumaru e também a mim…
─ Não percebe que, para mim, faria toda diferença, Itilus?
─ Lin…
─ Chichiue ainda está vivo! Eu poderia ter crescido como ele!
─ Não poderia, Lin, essa é a questão! O seu pai abandonou vocês!
─ Mas isso não me dá o direito de saber que Chichiue ainda está vivo? ─ insistiu, chateada ─ Eu teria um pai, Itilus!
─ Você teria?
─ Claro que eu teria!
─ Você não teria, Lin… Ele abandonou todos vocês… Parece que você ainda não assimilou esse fato.
─ E você está se apegando a ele, apenas para não admitir que eu deveria saber que Chichiue não morreu conosco naquele dia! Independente de ele ter nos abandonado, eu tinha o direito de saber que Chichiue não estava lá no dia do ataque ao vilarejo!
Itilus, porém, preferiu se calar; e ambos ficaram novamente pensativos por um tempo, até que Lin insistisse no assunto.
─ Ele ainda está vivo? ─ perguntou, menos enfurecida, mas ainda séria.
─ Provavelmente. ─ respondeu, do mesmo modo.
─ Você sabe o nome dele?
─ Yuri.
─ Yuri… ─ sussurrou, meio comovida.
Itilus não conseguiu se manter indiferente diante daquele sentimento. Mesmo descontente com a situação, sentiu, em seu peito, o costumeiro desejo de amparar a jovem. Mas antes que o fizesse, Lin prosseguiria.
─ Preciso vê-lo.
─ O quê?
─ Onde ele vive?
─ Não sei.
─ Eu preciso conhecer o meu pai.
─ Lin…
─ É o meu pai, Itilus… Minha família… Uma parte de mim no meu Mundo… ─ explicou, a segurar as mãos do Guardião e a fitá-lo com lágrimas nos olhos ─ Você disse que me mostraria o rosto dele… Você disse que eu poderia lhe pedir qualquer coisa…
─ Céus…
─ Por favor, Itilus…
─ O que você intenciona fazer? ─ perguntou, preocupado, a tocar o rosto da jovem com ternura.
─ O que mais? Eu irei atrás dele!
─ Lin…
─ Eu preciso descobrir o que houve, Itilus… Preciso saber o que levou Chichiue a nos abandonar…
─ Mas…
─ Chichiue está vivo! Sabe o quanto isso é importante para mim!? Eu preciso encontrá-lo! ─ insistiu, angustiada ─ Você sabe como eu me sinto em meu Mundo! ─ queixou-se, chateada, ao notar os receios do Guardião ─ Talvez, se eu tivesse alguém como eu, um familiar, eu não me sentisse desse jeito!
─ Eu a compreendo, mas… Você precisa considerar o que ele fez… Se seu pai os deixou, ele teve os motivos dele para isso!
─ E eu não tenho o direito de saber o porquê?
─ Claro que você tem!
─ Então, ajude-me! Você disse que me mostraria o rosto dele!
─ Mas isso foi antes de você saber do abandono.
─ Se você não me ajudar, eu darei um jeito de encontrá-lo, quando eu sair daqui. Qualquer que seja o jeito, Itilus.
─ Novamente a me ameaçar e a descumprir a promessa que me fez…
─ Você descumpriu a sua promessa primeiro. ─ contestou, seriamente, a se afastar ─ Disse que me concederia um desejo e me falou que conseguiria me mostrar o rosto do meu pai…
─ Eu só quero protegê-la e evitar que você sofra mais, não percebe?
─ Não vê que é você quem está me fazendo sofrer agora!?
─ Você vai procurá-lo!
─ Você mesmo reconheceu que tenho esse direito!
─ Sim, mas…
─ O que o preocupa, afinal? Que eu conte, ao meu pai, que sou a Guardiã do Livro de Magias?
─ Claro que não! Que pergunta mais boba!
─ O que teme, Itilus?
─ Sua mãe nunca disse nada sobre o Livro ao seu pai… Por que você o faria, se nem mesmo o conhece? Queira ou não, ele é um estranho a você.
─ Talvez ele não precisasse ser um estranho na minha vida.
─ Não me faça cobranças, Lin, foi o seu pai quem abandonou vocês.
─ Você deveria ter me contado isso, quando nos conhecemos.
─ E desse jeito, seu pai deixaria de ser um estranho para você?
─ Não! Mas se você tivesse me dito antes, eu já poderia tê-lo encontrado. Então, ele não seria tão estranho assim.
─ E que garantia você tem de que ficaria tudo bem, caso você o tivesse encontrado? Você nem sabe por que ele abandonou sua família…
Itilus não queria conduzir a conversa daquele modo, mas se viu obrigado a fazê-lo. No novo silêncio que se fez no campo de flores, Lin procurou pensar mais a respeito da ação de seu pai. E assim que pensou numa possibilidade, não hesitou em dividi-la com seu Guardião.
─ Você disse que Chichiue não sabia sobre o Livro de Magias…
─ Azami guardou esse segredo até a morte.
─ Tem certeza disso?
─ Tenho.
─ E sobre o seu pai?
─ Como assim?
─ Chichiue sabia sobre nossos pais?
─ Do que está falando? ─ instigou-se.
─ Hahaue era a Guardiã do Livro de Magias, certo?
─ Certo.
─ E ela possuía um Guardião: o seu pai.
─ Sim.
─ Sesshoumaru odeia o fato de você e eu estarmos ligados, e sempre age com desconfiança a respeito de nós dois.
─ O que quer dizer?
─ Que, talvez, Chichiue tenha interpretado mal o vínculo entre seu pai e minha mãe.
─ Quê?
─ Pense bem!
─ Espere, Lin… ─ Itilus pediu, meio descrente ─ Seus pais se amavam muito e eram casados.
─ Mais um motivo!
─ Não… Essa comparação não faz sentido…
─ Como não? O fato de nunca ter havido nada entre você e eu impediu Sesshoumaru de me abandonar? Bastou ele apenas supor!
─ Eu o provoquei, lembra-se? Eu quis que ele achasse que havia algo entre nós!
─ Não importa! Assim como não havia nada entre seu pai e minha mãe, nunca houve nada entre nós dois, Itilus! É muito provável que Chichiue suspeitasse de que havia algum envolvimento, e que tenha abandonado Hahaue e toda a família por causa disso!
─ Lin…
─ Só pode ter sido por isso!
─ Não sei… Não acho que isso tenha acontecido.
─ Só há um jeito de tirar essa história a limpo.
─ Você ir atrás dele…
─ Exatamente. É o que farei, Itilus.
─ Céus…
─ Mostre-me o rosto do meu pai. Por favor, Guardião de Trent. Esse não é mais um assunto somente meu.
─ E seria meu também, apenas por causa dessa sua suspeita?
─ Não tente fingir que também não está pensando nisso, Itilus… Você sabe apenas do que lhe contaram e aceita tudo de bom grado. Mas eu preciso de muito mais do que isso para me convencer.
Itilus, por fim, acabou por ceder àquele pedido, e levou a jovem até um evento do passado, em que Azami, o esposo, Kazuo e Kei viviam em harmonia. Depois daquela viagem, procuraram entender o que poderia ter motivado as ações do pai de Lin.
─ Eles pareciam tão felizes…
─ Sim…
─ Isso só me deixa ainda mais obstinada a desvendar esse mistério.
─ Não sei, mas… Talvez você esteja certa… Eu pensei melhor a respeito e…
─ O que você acha? ─ perguntou, meio ansiosa.
─ Que é provável que seu pai tenha mesmo sentido ciúmes de nossos pais, e que tenha abandonado vocês por causa disso.
─ Eu quase não tenho dúvidas quanto a isso, Itilus. Eu vivo isso, eu sei muito bem as consequências da desconfiança.
─ Devo concordar que as criaturas do Mundo dos Vivos são orgulhosas demais para aceitarem uma situação como a dos nossos pais.
─ Itilus… Agora que está pensando do mesmo modo que eu, por favor… Diga-me onde Chichiue está…
─ Eu realmente não sei onde seu pai está, Lin. Mas me lembro de ter ouvido Hahaue dizer a Chichiue que seu pai passou a viver em um feudo abastado.
─ Chichiue é um Senhor Feudal? ─ perguntou, preocupada.
─ Não… Ele era uma espécie de representante, um servo de confiança do Senhor Feudal, ao qual ele serve.
─ De qual feudo?
─ Eu também não sei.
─ E você não poderia descobri-lo para mim? ─ pediu, meio encabulada.
─ Não sei se devo interferir nisso.
─ Itilus…
─ Não faça essa cara para mim, Guardiã…
─ Por favor… Por favor…
─ Eu não posso participar disso. Aliás, nem sei se eu deveria ter lhe contado tudo o que contei. Tenho a sensação de que Hahaue não ficará muito contente com o que fiz.
─ Quanta crueldade para uma Entidade Superior…
─ Por favor, não fique chateada comigo…
─ Tudo bem, eu o encontrarei sozinha. Nem que essa seja a última coisa que eu faça.
─ Eu só lhe peço que tenha cuidado, sim?
─ Eu vivi a vida inteira acreditando que minha família estava morta e que eu estava sozinha… A possibilidade de poder encontrar o meu pai e de ter ao menos uma pessoa em comum no Mundo me dá um novo direcionamento, Itilus.
─ Sim, mas… Você não deve se esquecer de quem você é agora.
─ Uma Aoki? Isso não me impede de procurá-lo.
─ Não apenas uma Aoki, Lin. Você é a Guardiã do Livro de Magias de Trent.
─ Isso também não me impede de procurar por ele. Se Chichiue, de fato, tiver nos deixado por causa de uma mera desconfiança, teremos contas a acertar. Não se abandona alguém assim, Itilus… Menos ainda a família inteira… Isso é lamentável.
─ Posso apenas lhe desejar boa sorte, Guardiã.
─ Fico feliz que tenha me escutado e acreditado na minha hipótese.
─ Ela faz muito sentido.
─ No começo, você ficou um pouco transtornado, igual a certo Guardião que nem preciso dizer quem é…
─ Fiquei?
─ Bem parecido.
─ Sério?
─ Sim! ─ respondeu, também risonha.
─ Perdoe-me por isso, sim? ─ Itilus se desculpou, humildemente ─ A última coisa que quero é me parecer com Sesshoumaru.
─ Esqueça isso. Foi só um susto. Já passou.
─ Tem certeza?
─ Você quer saber o que eu achei do seu pai? ─ perguntou, animada, a que mudassem o rumo da prosa.
─ Lembro que você me perguntou sobre Chichiue outro dia.
─ Exatamente! E você tinha razão, Itilus, você se parece bastante com ele. Não apenas pelos traços físicos, mas pela personalidade amável e bondosa.
─ Arigatou. Chichiue era muito íntegro e dedicado a Trent. Sempre procuro me inspirar e me espelhar nele.
─ Ele deve lhe fazer muita falta, não é?
─ Sim, ele faz.
─ Engraçado… Eu senti que o seu pai gostava de mim…
─ Sim, ele gostava muito. Somente há pouco tempo, eu fiquei a par dessa empatia que Chichiue sentia por você.
─ Você viu? Ele estava chorando, quando me deixou naquele feudo…
─ Chichiue tinha um grande coração e sempre foi sensível às energias e às vibrações do Universo. A morte da sua família foi muito trágica, Lin. E não se esqueça de que Chichiue falhou naquela Missão. Vai ver foi por isso que ele estava triste.
─ Entendo.
─ Conhecendo-o como eu o conhecia, Chichiue deveria estar decepcionado. Não conseguiu proteger, nem salvar Azami. Por causa disso, você ficou sozinha no Mundo dos Vivos.
─ Seu pai não me pareceu decepcionado por ter fracassado. Ele só me pareceu… Triste.
─ Foi uma grande fatalidade a que envolveu as nossas famílias.
─ Itilus…
─ Diga.
─ Perdoe-me por ter ameaçado usar Magia Negra no Mundo dos Vivos… ─ Lin se desculpou, um tanto envergonhada ─ Eu não farei isso por nada. Eu lhe prometo.
─ Esqueça isso. Sei que só falou aquilo por estar chateada.
─ Exatamente! Eu sou a sua Guardiã!
─ Sim, você é… ─ respondeu, com ternura, ao perceber que ela tentava animá-lo ─ Não se preocupe, está tudo bem comigo.
─ Eu não quero que você fique triste.
─ E eu também não quero que você fique triste.
Ambos sorriram um para outro em sinal de paz e de cumplicidade.
─ Sabe… Tudo isso me deixou com certo medo de voltar para o meu Mundo…
A sinceridade daquela confissão soou como um pedido de socorro.
─ Vai dar tudo certo, Lin. ─ garantiu, Itilus, a envolver a jovem em seus braços ─ Você vai ficar bem.
─ Você vai ficar chateado comigo, se eu procurar pelo meu pai?
─ De forma alguma.
─ Sabe… Tudo tem ficado muito complicado para mim no Mundo dos Vivos… ─ prosseguiu, ainda durante o abraço, com seu rosto repousado no peito de Itilus ─ Sesshoumaru nos odeia… Eu me tornei uma Aoki… Não me casei com Masuyo… Daisuke me marcou… Não posso voltar para Yamashita… Meus Mestres de Murata devem estar furiosos comigo… Não consegui aprender a Técnica dos Portais… E agora, eu descubro que meu pai está vivo…
─ Você não estava com medo de tudo isso, antes de descobrir que o seu pai está vivo.
─ É que… Não sei… Acho que estou com medo do que ele vai me dizer, quando nos encontrarmos.
─ Não posso lhe dizer o que fazer, Guardiã… ─ disse, a abraçar a jovem com mais força ainda, a que se sentisse amparada ─ Mas garanto que estarei cuidando de você do meu Mundo.
─ Eu sei. Eu confio em você.
E após o pequeno silêncio, a jovem prosseguiria.
─ Itilus…
─ Diga.
─ Eu realmente não conseguiria suportar a atmosfera de Trent?
Instigado com aquela pergunta, o Guardião do Mundo das Entidades Superiores desfez o abraço, para melhor fitar a jovem.
─ Por que está me perguntando isso?
Lin não hesitou em lhe responder, olhando-o nos olhos, sem receio.
─ Se eu pudesse suportá-la, você me levaria com você para o seu Mundo?
─ O quê? ─ perguntou, surpreso, ainda a fitar a protegida.
─ Não me levaria?
E ao notar o pesar daquele questionamento, Itilus sorriu novamente, mas evitaria o contato visual.
─ Você não ia gostar de me ter o tempo inteiro por perto, Guardiã.
─ Você só quer o meu bem, como eu não iria gostar de ter você por perto?
─ Bem… Acho que eu poderia suportá-la perto de mim.
─ Então, é isso… Você não sabe, ao certo, se suportaria ter a mim em seu Mundo…
─ Lin…
Naquele instante, os olhos de ambos se encontraram novamente.
─ Quem seria louco de não querê-la por perto?
* * *
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