PARTE 6 • ENTRE CLÃS
Uma vida com você
Nunca subestime um verdadeiro querer de uma Entidade Superior, filho.
A manhã primaveril chegou silenciosa e calma a Yamashita.
- Onde ele está? – Lin se perguntou, ao acordar e se ver sozinha, no leito da luxuosa habitação – A refeição está posta e intocada... Para onde ele foi?
Não sentindo a energia do príncipe de Miura por perto, resolveu se levantar. Quando Masuyo regressou, ela já havia se trocado e cuidado de sua higiene.
- Alteza.
Lin deixou o livro da noite anterior sobre o assento do banco, levantou-se e reverenciou o nobre, ao vê-lo adentrar a habilitação por uma das portas internas, que dava acesso à área do fundo.
- Já acordada? – Masuyo indagou, surpreso, e logo se dirigiu à mesa de refeição, onde colocou a refinada bandeja, que continha alguns bolinhos de arroz – Você estava em sono profundo quando saí. Pensei que ainda a encontraria dormindo.
- Se tivesse me acordado, eu o teria ajudado com tudo isso. – Lin apontou para a mesa.
- Sinto desapontá-la, mas não sou o responsável por esse banquete. Eu apenas quis preservar seu sono e sua privacidade, não queria que os criados adentrassem.
- Entendo.
- Eu trouxe tudo isso da cozinha.
- Tem uma cozinha aqui? – Lin perguntou, surpresa e curiosa, olhando para além da extensa porta de correr, que se via semiaberta naquele momento.
- Sim. Essa é uma área completa e restrita do Castelo de Yamashita. Estamos na ala do Leito Real.
- Leito Real?
- Sim. – Masuyo respondeu, um tanto sem jeito, diante do receio da jovem, e seguiu com a explicação – Há outras alas: a de banho, a dos jardins de passeio, a ala da cozinha... Esta fica um pouco afastada, para garantir a privacidade do casal.
- Privacidade do casal? Como assim? – ela insistiu, interessada e igualmente sem jeito.
- Sora... – Masuyo, então, aproximou-se e parou diante dela – Esse é o Castelo Nupcial de Yamashita.
- Castelo o quê? Nupcial?
- Você não vai querer que eu explique, vai?
- Não, não precisa, o nome é bastante didático, mas... – Lin estava visivelmente enrubescida e desorientada – Por que estamos aqui? Essa é uma área Nupcial. Por que o senhor me trouxe para cá? Nós não...
- Não somos casados, eu sei. Faz todo sentido.
- Então?
- Uma vez que estamos aqui, ninguém pode adentrar os limites desse Castelo sem meu consentimento. Nem mesmo o Senhor Feudal pode fazê-lo.
- Céus... – Lin levou a mão à barriga, de nervoso e de acanhamento, pensando sobre o que o amigo pudesse estar pensando a respeito daquela indiscrição.
- Essa é a norma.
- Sim, mas... De qualquer forma, o senhor e eu não nos casamos, então...
- Isso não muda a norma.
- Alteza...
- Não tema, Sora. Estamos seguros aqui.
Masuyo sorriu ameno para Lin, que se manteve inquieta, porém.
- Além disso, eu realmente não teria para onde levá-la, depois do que lhe fiz naquele almoço. Nós dois precisávamos de privacidade e não a encontraríamos em nenhuma outra parte do Castelo de Yamashita, senão nessa. Tínhamos que vir para o Palácio do Jardim das Fontes Termais.
- Há fontes termais aqui? – Lin arregalou os olhos, ainda mais sem jeito.
- É um Castelo Nupcial, uma ala completa e independente. Por que não haveria?
- Isso não me parece certo.
Lin baixou a face e escondeu-a com as mãos, preocupada e constrangida. Masuyo, então, aproximou-se ainda mais, para tentar acalmá-la.
- O que teme, Sora? As más línguas? – ele perguntou, docemente, após tomar as mãos de Lin e beijá-las com carinho – Receia que a julguem mal, por ser uma mulher casada e estar com outro homem, numa ala Nupcial?
- E isso ainda... – Lin caiu em si, resignada – Por isso não ser verdade, eu não tinha pensado desse modo. Mas, agora que me lembrou, estou me sentindo bem pior. O que não devem estar falando a meu respeito? E ao seu!
Masuyo deu uma breve gargalhada, ainda com as mãos de Lin envoltas nas dele.
- O senhor só está piorando as coisas, sabia? – ela resmungou, menos sisuda, porém, cativa daquele sorriso perfeito e espontâneo – Perdoe-me... Não consigo levar na esportiva. A verdade sobre mim me desespera, a mentira me condena também... Tudo isso é... Constrangedor demais para eu lidar como se não fosse nada.
- Não se preocupe... – Masuyo cochichou ao ouvido de Lin, o que a fez se arrepiar inteira – Chichiue sabe que estamos aqui.
- Quê?
Mas o príncipe de Miura não permitiu que a amada se afastasse, diante da surpresa com que recebera a informação, e segurou-a pela cintura, mantendo-a junto a ele.
- O Senhor Feudal de Yamashita e Miura tanto sabe que estamos aqui quanto o permitiu. Está de acordo com o fato de que não há lugar melhor para você e eu resolvermos nossas questões.
- De que questões exatamente o senhor está falando?
- Meus remédios são muito bons, de fato.
- Quê?
- Seus olhos... Estão ótimos.
- O senhor não me leva a sério.
- Sora... – Masuyo uniu sua testa à de Lin, com ternura – Não se preocupe, sim?
- Impossível.
- São meros detalhes.
- Meros detalhes que quase me custaram a vida.
- Não confia em mim, é isso?
- O senhor me entendeu muito bem.
Lin desviou o rosto e a mirada.
- Na verdade, eu não a entendi. De quando despertei, tomei apenas um chá; e fiquei zanzando de um lado a outro. Tenho fome, estou um tanto desnorteado. – o nobre brincou, fazendo corpo mole, o que fez Lin rir ligeira e resignadamente – Por que não vamos comer?
- De acordo. – ela consentiu, estratégica, afastou-se do príncipe e logo se dirigiu à mesa de refeições, diante da qual se sentou, em seiza.
Masuyo acompanhou-a, ameno e satisfeito, achando certa graça de toda aquela espontânea timidez.
- Itadakimasu. – ambos agradeceram, antes de se servirem, em silêncio.
- Você está bem? – o nobre rompeu o longo silêncio.
- Como assim? Não pareço estar bem?
- Não é isso. – Masuyo riu ligeiramente – Quero saber se está se sentindo melhor.
- Ah... Sim. Os meus olhos não doem mais.
- Fico feliz.
- Só me sinto um pouco cansada.
- Também me sinto assim. Certamente, porque nós... – ele pigarreou, meio acanhado, antes de prosseguir – Porque nós dormimos um pouco tarde.
- Sim. – Lin concordou, um tanto encabulada – Imagino que, com tantos afazeres e obrigações, o senhor não tenha o costume de dormir fora de hora. Perdoe-me por tirá-lo de sua rotina, não queria lhe causar problemas.
- Você não costuma dormir cedo?
- Quando não estou em Missão, sim, eu durmo cedo. Ono-Aoki é um Clã de muito rigor com as normas e com os horários.
- Hum.
- Mas, fora de lá, não há regras. Cada lugar conduz sua rotina de uma maneira.
- Entendo. – Masuyo comentou, já meio emburrado, e Lin prosseguiu, alheia ao fato.
- Os eventos, do qual acabo fazendo parte, são quase sempre noturnos, então, é difícil manter a rotina de Ono-Aoki quando estou fora do Clã. No fim das contas, acabo não seguindo uma rotina fixa de sono. Isso é exaustivo, às vezes.
- Está me dizendo essas coisas para me chatear? – Masuyo fitou a jovem, um tanto desapontado.
- Quê?
- Porque está mencionando suas Missões agora?
- Eu... – ela buscou as melhores palavras, um tanto tensa com o visível descontentamento – Eu apenas respondi à sua pergunta. – Masuyo focou nos itens da mesa, sério, e Lin respirou fundo – Viu só? O senhor e eu já estamos brigando.
- Não, não estamos.
- Não?
Masuyo encarou a jovem outra vez, mas ainda sério.
- Eu conheço bem os eventos, dos quais a Bruxa Cega de Ono-Aoki fez e faz parte. Mas você não precisava mencionar tais coisas agora.
- E o que o senhor queria que eu fizesse? Que mentisse, dizendo que durmo cedo todos os dias?
- Esqueça.
- Alteza...
- Terminemos a refeição. Logo depois, vamos até a ala das fontes termais.
- Vamos? Como assim? O senhor e eu?
- E com quem mais você iria até lá, senão comigo?
- Claro. O senhor tem razão.
Mesmo constrangida com o que deveria ter sido um convite, em vez de uma determinação, Lin sorriu, amena e em concordância, propositalmente passiva, para que não voltassem à discussão. Masuyo, por sua vez, condenou-se interiormente por seu próprio descontrole, diante daquilo que mais lhe doía. No silêncio que se fez, então, tratou de acalmar os ânimos. Até o final da refeição, os diálogos, mesmo curtos, foram ficando menos tensos, dando espaço a que ele tomasse a iniciativa de conduzir a jovem até a ala das fontes termais. A caminho, Lin apreciava e se encantava com a exuberância, o requinte e a organização das instalações.
A primavera, em Yamashita, era encantadora e convidativa – tantas flores coloridas davam, ao Feudo, uma atmosfera sem igual. No caminho às fontes termais, não seria diferente: havia jardins exuberantes, Toriis, pontes entre pequenos lagos artificiais, quiosques para piqueniques e repouso... Não fosse a particularidade da situação, certamente, haveria muitos servos à disposição de ambos.
- Vamos entrar. – Masuyo dispensou as formalidades.
Assim que chegaram à primeira fonte termal daquela ala, ele dispôs as toalhas maiores sobre a refinada mesa de madeira, despiu a elegante manta esverdeada, de detalhes dourados, deixou o quiosque e adentrou as águas cálidas, usando somente a fina seda de banho, que usava por baixo do traje real. Sentada num dos banquinhos do quiosque, Lin acompanhou, disfarçadamente, toda a movimentação do nobre; e demorou mais do que o necessário para entrar – só o fez quando Masuyo, espontaneamente, desse-lhe as costas, para encorajá-la.
Ao se virar, para apoiar as costas novamente na parede pedregosa, ele se deparou com a amada já dentro d’água, sentada na outra extremidade da fonte, com a água a cobrir-lhe todo o colo. Masuyo sorriu, ao vê-la tão resguardada e casta.
- Segundo o costume e as normas de Yamashita, a esposa deve banhar o marido, após a noite de núpcias.
- Quê?
- É a tradição.
De ontem estava, Masuyo viu a face da jovem ser tomada pelo rubor e pelo constrangimento.
- Venha. – ele lhe mostrou a pequena toalha, que tinha em mãos.
A resposta de Lin, contudo, não demoraria a ser dada:
- Como o senhor e eu não somos casados, Alteza, agradeça por ter braços e saúde para banhar a si mesmo.
Ao ouvir aquelas palavras, Masuyo se ergueu e saiu de onde estava, rumando ao encontro de Lin, que foi ficando cada vez mais nervosa, à medida que o nobre ia se aproximando e que os detalhes de seu corpo, saudável e delicado, iam ficando cada vez mais nítidos sob a nívea seda molhada.
- Nós somos o que podemos ser, Sora. – Masuyo lhe falou, depois de se sentar ao seu lado.
- Alteza... – Lin tentou ganhar espaço, a fim de esconder os anseios por trás da timidez.
Mas o príncipe logo tratou de se aproximar novamente, com cara de cachorro pidão, mostrando-lhe a pequena toalha.
- Tudo tem sido tão injusto conosco... – ele lhe falou, fitando-a com paixão – Por que não podemos, ao menos por alguns instantes, ser, um para o outro, o que os nossos corações gostariam que fôssemos?
Lin, então, engoliu um seco, um tanto acanhada; e vendo o amado tão suplicante, por muito pouco, não se atirou em seus braços para beijá-lo. Custou-lhe somente aceitar a toalha. Custou-lhe reprimir o queimor repentino em sua intimidade. Mesmo sabendo que, mais cedo ou mais tarde, o desejo de ambos se consumaria ali mesmo, nas águas cálidas daquela fonte, esperar um pouco mais pareceu-lhe uma tortura sem fim e sem razão.
Masuyo também entendia que a consumação era questão de tempo. Mas queria cumprir os ritos, queria senti-los todos, como uma forma de acreditar que, de alguma maneira, pôde desposar a mulher tão amada e esperada. Queria sentir o prazer de seus cuidados, o tímido deslizar de suas mãos delicadas por todo seu corpo, mesmo sob a água, sob a seda molhada... E depois, as formas mais audaciosas e despudoradas de ser, por ela, amado.
A toalha ensaiou muito bem os apertos e os gemidos. Sob a água da fonte, sentada ao lado de Masuyo, mas de frente para ele, Lin aceitou a toalha e agiu como a esposa que ambos tanto queriam que ela fosse. A sensação, para ambos, era a de que o Universo inteiro havia parado, apenas para que eles pudessem sentir um ao outro.
- Por que você parou? – Masuyo perguntou, ameno, mas sedento de prazer, ao ver a jovem recolher as mãos de baixo d’água, num tímido repente, depois de ter esbarrado o antebraço em seu membro, já em riste.
- Perdoe-me... Eu...
- Não hesite, Sora... – Masuyo tomou a mão de Lin e levou-a de volta para dentro d’água.
- O que o senhor está fazendo? – ela questionou, constrangida, ao sentir a própria mão envolver a intimidade no nobre.
- Depois que fizemos amor pela primeira vez, você asseou todo o meu corpo. Quando eu acordei, não havia nenhum vestígio de que tivéssemos feito o que fizemos naquela noite, em meu leito fúnebre. Havia somente minhas ardentes lembranças. – Masuyo argumentou, fitando-a com ternura e desejo – Agora, que você o tem em mão, em sua melhor forma, irá rejeitá-lo?
- Alteza... – Lin deu um riso vacilante e desviou a mirada – É diferente.
- Não seja egoísta... – Masuyo iniciou na movimentação – Permita-me conhecer a sensação de tê-lo em suas mãos desse jeito...
- Eu...
- Por favor... – Masuyo soltou a mão da jovem, fechou os olhos e pendeu a cabeça um pouco para trás, em deleite – Faça-o... Não pare...
Lin arfou para não soltar o gemido, sentindo a própria intimidade pulsar, também a do nobre, em sua mão hesitante.
- Alteza... Eu não sei como fazer isso.
- Tudo bem... – ele voltou a face para Lin – Eu vou lhe mostrar.
Mas ambos não se demorariam naquele divertimento, que, no fim, serviria para excitá-los ainda mais e mais depressa. Vendo a amada tão ansiosa, Masuyo tomou-a em seus braços com luxúria e beijou-a ardentemente. Lin, por sua vez, tratou de se acomodar em seu colo, com o receio de parecer-lhe ousada demais, mas, ao mesmo tempo, com a gana de senti-lo daquele modo. Seus corpos se encaixaram por completo em poucos movimentos.
- Sora... – Masuyo gemeu e se arrepiou inteiro; por um instante, pensou que fosse desmaiar – Assim, eu não aguento muito tempo...
- Masuyo... Abrace-me...
O príncipe de Miura não hesitou em fazê-lo, mas suas mãos logo encontraram os quadris da amada. As água cálidas se agitaram naquele ponto.
- Sora! – ele exclamou, quase delirante de prazer.
- Masuyo! – Lin gemeu alto, sentindo o orgasmo próximo – Meus joelhos doem...
E o nobre, reconhecendo o que estava por vir, tratou de se manter forte e firme, movendo o quadril de Lin com suas mãos, puxando-a pelas nádegas com vontade, auxiliando-a naquele jeito novo de bailar, até que ela chegasse ao ponto alto do prazer.
No ombro do príncipe, Lin abafaria seus gemidos incontroláveis e despudorados. No interior de seu corpo, sentiria o membro rígido inundá-la de amor. Por quanto tempo eles ficaram daquele modo, entregues, exaustos, arfantes, com seus corpos encaixados? Os minutos apenas passariam por eles, distraídos.
- Sora... Eu a amo tanto... – ele suspirou, sustentando o corpo vacilante de Lin – Como vou viver sem você?
Foi a vez dele de sucumbir à comoção que o prazer intenso é capaz de promover.
- Masuyo... – Lin intensificou o abraço e manteve a cabeça repousada no ombro do nobre, lacrimosa – Eu não quero que acabe...
No caminho de volta à habilitação Nupcial, o triste silêncio contrastaria com a cumplicidade dos braços dados.
- Mais comida? – Lin se assustou, ao entrar e ver a mesa posta novamente.
- Ótimo. Estou faminto. – Masuyo foi logo se sentado.
- Sério? O senhor não vai nem se vestir mais apropriadamente?
- Nem você. Venha... Sente-se ao meu lado. Vamos comer.
- Céus...
Lin não hesitou em atender ao pedido do nobre. Para sua própria surpresa, estava também com bastante fome.
- Fiz bem em ter orientado os servos a deixarem comida para nós dois, toda vez que deixássemos o quarto.
- Eu nunca comi tanto assim... – ela comentou, entre a resignação e a autocrítica, vendo o nobre servir-lhe mais bolinhos de arroz – Desse jeito, não vou mais caber em minhas roupas, Alteza.
A refeição foi prazerosa e divertida. Ambos conversaram apenas sobre os assuntos que tinham em comum, cuidando para que os demônios da realidade não lhes roubassem a alegria.
- Vamos deitar um pouco?
- Como assim? – Lin arregalou os olhos.
- Calma. Falo de descansarmos. – Masuyo se explicou, risonho.
- Ainda bem. – ela respirou fundo, aliviada – Não me admira que os nobres tenham tantos filhos. Com uma rotina dessa, fica difícil não encher um Feudo de herdeiros. – Masuyo riu da espontaneidade daquelas palavras – Haja disposição...
- Não se preocupe. Eu vou lhe dar um pouco de descanso. Pelo menos, até a noite cair.
- O senhor bem que poderia me dar um de seus soníferos agora. Eu dormiria até amanhã e não lhe faria caso.
- Sério? Eu não dormiria a noite inteira.
Lin maneou, entre a crítica e o acanhamento.
- O senhor está muito assanhado. Acho que vou colocar sonífero no SEU chá.
Cansados, porém, ambos cairiam no sono, e não despertariam a tempo de assistirem ao sol se pôr. Depois do jantar, fariam uma agradável caminhada noturna pelos jardins próximos ao Castelo e, ao regressarem, passariam mais um tempo na varanda, conversando, tomando chá e estudando o livro de Alquimia.
- O que ainda está fazendo aí?
- Seja paciente.
- Por que está demorando tanto?
Masuyo perguntaria, ansioso, no leito, à espera da amada, que se via atrás das folhas requintadas e bem decoradas do byōbu da habilitação, trocando-se e se preparando para se deitar.
- Desse jeito, terei que ir até aí.
O príncipe de Miura quase não completaria a fala, porém, tão deslumbrado ficara, diante do que havia visto à sua frente: sob o roupão de seda, aberto, cor de pérola, o corpo da amada se via em trajes diminutos, rendados, níveos, nada convencionais. Lembrando-se de que, no dia em que haviam se conhecido, Lin já usava roupas íntimas similares, comemorou a ideia de ter pedido aos servos que levassem, até aquele Castelo, os alforjes da amada. Aquelas vestes, por muito tempo, haviam atormentado as lembranças do jovem príncipe, depois de Arai, tanto quanto o perfume de rosas. O Clã das Bruxas não tinha nada a ver com aqueles trajes, ele sabia, tampouco, o sincero acanhamento da jovem, em todo o percurso até diante do leito.
- Você está... – Masuyo pigarreou, abalado e meio desnorteado – Eu nem sei o que dizer.
Lin riu da situação, também sem jeito, enrubescida. Mas logo veria o nobre se ajoelhar na cama e puxá-la para si, docemente. Ainda de pé, ela sentiu a lateral da face do amado repousar em sua barriga, depois de suas mãos terem invadido o refinado roupão, envolvendo-a num terno abraço. Lin acariciou, docemente, os cabelos do rapaz durante um tempo, no qual o silêncio falou por si mesmo. Seus corpos estavam ansiosos pelo toque, mas seus corações, envoltos pela calmaria do amor.
Não demoraria, contudo, a que Masuyo correspondesse à provocação de Lin: quando sentisse os dedos da amada adentrarem seus cabelos e massageá-los de maneira insinuativa e convidativa, ele logo trataria de deslizar as mãos e os lábios pelo corpo dela, começando pelas coxas, sentindo, neles, a pele da amada arrepiar-se inteira.
- Alteza... – Lin arfou, um tanto sem jeito, quando o nobre se deteve em sua intimidade e a encheu de beijos, sobre a renda – O que está fazendo?
- Seu cheiro é bom.
- Meu senhor... – ela pediu, encabulada, gotejando luxúria – Não faça isso... Não diga essas coisas...
Mas Masuyo não lhe fez caso e seguiu com os beijos, enquanto invadia o traje íntimo pelas laterais, com o intuito de fazê-lo descer.
- Meu senhor... Por favor... – Lin insistiu, entre a timidez e o desejo, e o puxou pelos cabelos, direcionando seu rosto para outro ponto, sem sequer imaginar que, exatamente ali, entre seu umbigo e sua intimidade, algo lhe roubaria a atenção e o faria perder o foco.
- As suas Marcas... – Masuyo comentou, vendo-as tão de perto, deslizando os dedos sobre elas – Quase não se notam mais.
Alheia ao fato, de olhos fechados e excitada com as carícias, Lin mal conseguia se manter de pé, de modo que não perceberia, de pronto, que Masuyo vacilava entre o desejo e o ressentimento.
- Sua Líder é uma grande usuária de Magia Negra, pelo visto.
- Por que o senhor diz isso? – as palavras do príncipe não a despertaram do transe do desejo.
- Somente um usuário de Magia Negra muito graduado poderia praticamente anular um feitiço brutal e irreparável feito esse.
Naquele instante, porém, ela abriu os olhos, como quem cai na real, e não somente pela repentina frieza do amado: sem que pudesse evitar, a lembrança lhe veio à mente, certeira, trazendo, consigo, um leve receio, mas, também, um forte sentimento de gratidão.
- Daisuke... – por pouco, ela não sussurrou o nome do Samurai de Miura – Foi a sua Magia que apagou minhas Marcas, não a de minha Líder...
- Estou enganado?
- Não... Não está. Masumi-Sama é muito habilidosa, de fato. – Lin se condenou por haver metido o odiado primo do amado em seus pensamentos – Mas o feitiço foi criado por ela, então... Fica mais fácil desfazê-lo.
Masuyo respirou fundo. O silêncio pairou na habitação e a quietude deu as caras. A brasa do desejo se havia arrefecido? Ele sentia o martírio da realidade sugar suas ilusões e conter o seu ímpeto. Lin, por sua vez, tentava não pensar no auxílio que recebera do rival, em Ishikawa, e mirabolava alguma forma de trazer o príncipe de Miura para o momento novamente. Ela havia se preparado para aquilo: pensara e repensara aquela aparição ousada, ensaiara, em sua mente, todos os movimentos e as formas mais sedutoras de despir-se inteira para o amado às claras... Não queria adiar, não sabia quanto tempo mais teriam para viver aquela experiência.
- Quando eu a vejo assim, diante de mim, tão espontaneamente tímida, mas, ao mesmo tempo, ousada, não posso deixar de pensar em nosso infortúnio. – Masuyo se afastou e se deixou sentar no leito, ainda de frente para Lin – Às vezes, você me confunde.
- Alteza...
- Se você e eu decidíssemos ficar juntos, esse tipo de coisa sempre aconteceria, não é mesmo?
- Provavelmente. – ela lamentou, mais entristecida do que desapontada.
- E essas Marcas... Elas são...
- Minhas Marcas não nos impediram de chegarmos até aqui.
- Não nos impediram, eu sei. – havia certo desânimo na resposta do príncipe de Miura – Mas elas ainda têm um peso muito grande, não posso negar. São como um abismo entre nós, como uma mácula odiosa e inconveniente.
- Meu senhor...
- São impulsos que não podemos controlar. Eu lamento.
- Masuyo... Eu compreendo tudo...
- O que está fazendo? – ele perguntou, vendo-a prender os cabelos num coque alto, deixando uma ou duas mechas livres, contudo.
- Nada... Está quente aqui...
Lin suspirou e desceu as mãos pelo pescoço, rumo aos seios. Com habilidade, fez a seda ir deslizando pelos ombros, braços e antebraços.
De onde estava, o príncipe de Miura viu o roupão ir ao leito, com graça e leveza, revelando o corpo da amada e o aroma de rosas que ele guardava.
- O senhor não está sentindo?
Por certo, o nobre sentiu a brasa do desejo aquecer outra vez: seu coração acelerou e seus olhos não encontraram outra distração. Em contrapartida, não conseguiu mover-se no leito, estático de fascínio, como se estivesse enfeitiçado pelas maneiras, pelas palavras, pela voz e pelas curvas do corpo de sua amada.
Lin, por sua vez, vendo que havia conseguido cativar o nobre novamente, não quis perder tempo: levou as mãos às costas, desprendeu o sutiã, deixou que as alças escorregassem pelos braços, mas o manteve preso ao corpo, com as mãos nos seios, para brincar com a imaginação do nobre e atiçar seu ímpeto.
Masuyo engoliu um seco e sentiu seu membro pulsar e expandir. De onde estava, Lin notou a inquietude de seu espírito em sua respiração agitada, em sua mirada faminta, e caminhou lentamente sobre o leito, até o rapaz. Quando próximos novamente, ela se desfez do sutiã e revelou-lhe os seios, fartos e bem feitos. Masuyo arfou, desnorteado; e Lin sorriu, maliciosamente, satisfeita por haver conseguido deixá-lo paralisado até ali, mas, sobretudo, por ver o verde dos olhos do nobre em chamas outra vez.
- Meu senhor... – ela lhe falou, com a voz convidativa, estendendo-lhe as mãos – Sinto sua falta...
Masuyo, então, aceitou-as de pronto e se colocou de joelhos no leito novamente, como se o magnetismo que o prendia ao chão estivesse a controle da amada. Prontamente, Lin conduziu as mãos dele às suas nádegas, e logo, sentiu-as apertarem sua carne com fervor.
- Sora... – Masuyo fitou-a, como quem suplica de joelhos.
- Quero senti-lo outra vez...
Os beijos e as mordidas do nobre em suas pernas e ventre tão logo ganhariam outro caminho.
- Alteza! – Lin gemeu alto, deleitando-se com o calor da boca do príncipe em seus seios.
O feitiço da sedução havia funcionado bem, ela notou. Lin só não sabia das consequências. Dali em diante, seria a vez de a Bruxa Cega de Ono-Aoki suplicar por piedade. Cada beijo em seu corpo, cada mordida, cada chupão, cada aperto e arranhão seria sentido em dobro. Masuyo estava possuído pelo demônio da luxúria e não pararia até que visse sua provocadora exaurida sobre o leito.
- Devagar! – ela gemeu, de dor e de prazer.
Mas Masuyo não diminuiria o ritmo das investidas; sequer havia retirado a calcinha da amada... Seguiu com as estocadas intensas, ensandecendo com ver o corpo e os seios da jovem se moverem ao ritmo delas.
- Meu amor... – Lin arfou, quase sem voz, e revirou os olhos, aberta, puída, pulsante – O senhor não tem pena de mim...
- Goze! – aquela seria a única palavra que ela escutaria durante todo o tempo em que Masuyo passaria em seu interior, torturando-a de prazer.
- Não pare... Não pare nunca...
Quem passasse por ali, ouviria não apenas os gemidos de ambos, mas, também, o som que seus corpos produziam no contato violento.
- Quando quer, o senhor sabe ser muito cruel. – Lin comentou, com a cabeça no ombro do amado, enquanto descansavam, deitados.
- Você não deveria ter me provocado daquele jeito.
- Não o farei novamente.
- Foi tão ruim assim? – Lin calou – Você estava tão empolgada...
- Não diga essas coisas... – ela reclamou, dengosa.
- Estou mentindo?
- Não, mas... – e concordou, meio sem jeito – O senhor me deixou bem dolorida dessa vez.
- De verdade? – Masuyo se preocupou – Ou está zombando de mim?
- Falo sério.
- Eu pensei que estivesse bom.
- E estava! Não é uma reclamação. – Lin se sentou no leito e tratou de se explicar, vendo o rapaz ficar acanhado – É só que...
- Diga. – Masuyo se sentou também, atencioso, para encorajá-la a falar – Não receie.
- É que... Agora... Nós vamos ter que esperar um pouco mais para...
Lin não conseguiu ir adiante.
- Ah... Então é isso... Você já está pensando na próxima vez... – Masuyo fitou-a com fingido espanto, o que a deixou ainda mais encabulada.
- Não é nada disso!
- Eu pensei que você estivesse preocupada com sua recuperação, mas...
Ainda sentada, Lin se virou inteira para outro lado, sentindo a face queimar de vergonha.
- Essas são as palavras de um cavalheiro?
Masuyo não conseguiu evitar o riso.
- O senhor também sabe ser muito descortês. – ela resmungou, sisuda.
- Tudo bem, não se preocupe... – ele logo a abraçou por trás, amavelmente, e sussurrou-lhe ao ouvido – Serei bem carinhoso da próxima vez... – Lin sentiu o calafrio do desejo percorrer seu corpo, mas sua intimidade pulsar e doer – Eu prometo.
A garantia, de fato, seria cumprida: noutra das fontes termais da ala de banho, logo na manhã do dia seguinte, também à tarde e à noite.
- Está acordado? – Lin sondou, insone.
- Sim.
- Não consigo dormir.
- Nem eu.
- Acho que sei o porquê.
- Sabe?
Eles desfizeram a conchinha e se ajustaram no leito, ficando frente a frente.
- Diga. – Masuyo lhe pediu.
- É que... Eu escutei o aviso que um de seus servos lhe trouxe à tarde.
- E está preocupada?
- Sem jeito, eu diria.
- É compreensível.
- Por mais que Masanori-Sama concorde com tudo isso, eu não vou ficar à vontade com a presença dele. Sou uma intrusa aqui.
- Eu a trouxe para cá, como pode ser uma intrusa?
- Esse é um Castelo Nupcial.
- E eu sou um dos Príncipes.
- Mas eu não sou a sua esposa.
- Sora...
- E o senhor está praticamente noivo de outra.
- Sim... É você é uma mulher casada...
- Não ria! – Lin socou o ombro do nobre, de leve – Estou falando sério!
- Não precisa me bater.
- O senhor não entende... – ela virou o corpo para cima e se cobriu inteira com o lençol – Pode voltar a dormir, Alteza.
- Eu não estava dormindo, sua boba. E sim, eu a entendo. Também estou um tanto desconcertado com a visita de Chichiue amanhã.
- Acha que ele está chateado?
- Não, certamente. Mas deve estar vindo para nos trazer de volta à realidade.
- Só isso?
- Só?
- O senhor me entendeu. – Lin se descobriu, mas se manteve na mesma posição, olhando para o teto do aposento, meio descabelada – A opinião que o seu pai tem sobre mim, sobre nós dois e sobre essa situação pesa muito para mim.
- Eu sei.
- Esse não é o nosso lugar, é o Castelo dele. Dele e de sua mãe, Alteza. E nós dois...
- O que fizemos?
- Nós o profanamos.
- Quê?
- Viu só? Está rindo de novo... – Lin resmungou, chateada – Não vou mais conversar com o senhor... – e se virou para o outro lado, sisuda – Boa noite.
Masuyo seguiria rindo por um tempo, mas não demoraria a abraçar a amada por trás, retomando a conchinha de antes.
- Fique tranquila, sim? Está tudo bem.
- Estou dormindo, não me atrapalhe.
- Você e eu nos amamos... – Masuyo insistiu no abraço, porém – Chichiue sabe tudo sobre nós, tudo sobre você e nossa condição. Não nos julgaria por tão pouco. – Lin respirou fundo – Amanhã, correrá tudo bem. Você vai ver.
- Se o senhor está dizendo...
- Além disso, eu estarei ao seu lado o tempo inteiro. Você não precisa temer absolutamente nada.
Todavia, na manhã do dia seguinte, quando sentados, em seiza, à mesa do lanche da manhã, na presença do Senhor Feudal, Lin sequer conseguiria lhe dirigir a mirada, e até mesmo Masuyo não se sentiria à vontade quanto supôs que ficaria.
- Céus... Estou vendo a hora de a senhorita desmaiar de nervoso.
Lin sentiria a face queimar ainda mais, ao ouvir as palavras do amigo, e não diria absolutamente nada.
- Sora... Estou aqui... – Masuyo repousaria a mão sobre as da amada, que, uma sobre a outra, como estavam, apertavam a mesa com tensão – Outro dia, eu estava morrendo de ciúmes de sua amizade com Chichiue, e agora, eu a vejo desse jeito, sem sequer conseguir mirá-lo, como se o temesse mais do que o amasse.
- Não a perturbe, filho... – Masanori comentou, ameno, nem um pouco surpreso com aquela reação – Deixe-a como está, até que se acostume. Eu que não deveria estar aqui, atrapalhando os pombinhos tão logo. Mas... Infelizmente, algo grave me obrigou a vir.
- Grave? Alguma notícia sobre Okamoto e Okada? – Masuyo logo quis saber, preocupado, e Lin ergueu a face, ainda mais preocupada do que ele – Conte-me, Chichiue.
- Não, não é sobre a guerra. – Masanori respondeu, meio zombeteiro, encarando a amiga – Que bom que a senhorita conseguiu levantar a cabeça.
- E o que poderia ser tão grave? – Masuyo insistiu – Algo passou a Samanosuke? Ele está a caminho de Miura...
- Não, está tudo bem com o nosso Líder. Hoje cedo, recebi uma mensagem dele. Não tardará a chegar á Fortaleza.
- Então...?
No silêncio que se fez, Lin compreendeu a mensagem no olhar do amigo.
- Hikari.
- Hikari. – Masanori confirmou o palpite da jovem.
- O que tem a princesa? Está doente?
- Não, está furiosa. E com ambos, o que é muito pior.
- Céus... – Lin lamentou.
- O senhor disse algo mais a ela?
- Só se eu estivesse louco. Sua irmã iria se queixar a Samanosuke prontamente, julgando-nos sabe-se o quê.
- E por que está tão furiosa, se não sabe a verdade sobre Sora?
- Pense bem, Príncipe de Miura.
- Provavelmente, sua irmã está agastada mais comigo do que com o senhor, Alteza. – Lin comentou, e Masanori concordou, com um leve e conformado aceno de cabeça – Eu menti e omiti informações sobre mim, fingi ser uma estranha quando conheci o senhor, em Arai, neguei o seu pedido de casamento, o senhor quase morreu, em Miura, por minha culpa, eu não me tornei Princesa de Yamashita, “casei-me com outro” e estou aqui, COM O SENHOR, nesse Castelo Nupcial, agindo como uma mulher frívola e desfrutável, traindo meu esposo e iludindo o senhor ainda mais.
Masuyo encarou o pai, um tanto sem jeito.
- Se eu fosse sua irmã, Alteza, não estaria diferente.
- Eu não pensei em nada disso, quando a trouxe para cá. – o nobre falou, como quem se desculpa – Tudo que eu queria era que pudéssemos ficar em paz.
- Mas isso sequer está se passando pela cabeça de sua irmã. – Masanori advertiu – Por isso, achei prudente vir até aqui e alertá-los quanto ao que lhes aguarda fora do paraíso.
Lin desviou a mirada, meio sem jeito.
- E o que o senhor nos sugere, Chichiue?
- Quanto mais tempo vocês se demoram aqui, mais odiosa ela fica. E infelizmente, eu não poderei contornar a situação. Receio que ela consiga chegar até aqui e que faça uma cena.
- Conte a Hikari que Sizu não se casou, que não há nada de errado aqui!
- E quanto ao resto?
- Hikari ficará igualmente furiosa, afinal, o senhor e eu não poderemos nos casar. – Lin se adiantou – Ela vai querer saber o por quê, e não poderemos lhe dizer a verdade. No fim, eu estarei fazendo o senhor sofrer outra vez.
- Céus... E como poderemos solucionar isso?
- Não há o que fazer, Alteza... – Lin comentou, entre a tristeza e a resignação – Nosso reencontro revelou a mentirosa que sou. Sua irmã tem todo direito de me odiar agora.
- Sora... O que está fazendo? Aonde você vai?
- Deixe-a ir... – Masanori deu a dica ao filho.
- Mas...
- E você e eu precisamos conversar um pouco a sós, Príncipe de Miura.
- Chichiue...
- Confie em mim. Ela vai preferir estar sozinha agora. Deixe-a desabafar a tristeza.
- Mas...
- Dê-lhe espaço e tempo para organizar as ideias.
- Eu só... Só não queria vê-la triste.
- Não a verá, enquanto estivermos conversando.
- O senhor está sendo insensível.
- Vá por mim, eu a conheço bem.
- É, eu já estou sabendo disso.
- E você, Príncipe de Miura... O que decidiu de sua vida?
- Eu não sei... – Masuyo foi pendendo o corpo para trás, até se deitar no chão, desolado – Estou exausto, não consigo raciocinar direito.
- Sei como é, eu conheço bem a sensação. Suponho que estejam consumindo muita energia por aqui.
- Chichiue... – Masuyo comentou, constrangido.
- É muito nítido, aliás. Você deixou evidências irrefutáveis no pescoço dela.
O príncipe de Miura arregalou os olhos e não soube onde enfiar a cara.
- Não se marca o corpo de uma mulher, criança... Não onde possam ver, pelo menos.
- Céus...
- Sua Sora é uma Aoki, mas a Princesa de Sakurai responde a uma Família Real. Não faça o mesmo com ela. Enquanto esposo, deve zelar por sua total integridade e honrá-la explicitamente. Não deve expô-la de forma alguma.
- Por que está me dizendo essas coisas? Sequer cogita mais a possibilidade de Sora e eu ficarmos juntos? – Masanori respirou, com resignação – Pensei que eu estivesse livre para escolher.
- A senhorita Sizu acabou de dizer que sua irmã ficará furiosa, ao saber que vocês não poderão se casar. É óbvio que vocês já sabem que caminho seguirão.
Masuyo calou, diante da astúcia do pai.
- Ao menos, puderam experimentar uma vida juntos.
- Dois dias... Isso é vida?
- Mas tenho certeza de que foi tempo suficiente para que descobrissem e, ao menos uma vez, experimentassem a pedra rampada da fonte termal.
E novamente, Masuyo não soube onde esconder a cara, totalmente enrubescida, ao se lembrar do ardente banho matinal daquele dia.
- Claro que experimentaram, ela é muito convidativa... – Masanori, por sua vez, divertia-se com poder provocar o filho, enquanto desfrutava o chá – As pedras rampadas falam por si só. Eu me lembro bem.
- Céus... Eu não queria ter imaginado...
- Esqueça isso. Sente-se.
E o filho o obedeceu, de pronto.
- Então... Estão mesmo decididos a viverem suas vidas separados?
- Acho que sim. – Masuyo respirou fundo, desolado.
- Acha? A senhorita Sizu me pareceu muito decidida. Você ainda hesita?
- Muito.
- Isso não é bom.
- Sora não possui mais o mesmo vínculo com Ono-Aoki. Para ela, seria mais fácil abandonar tudo, eu suponho. Quanto a mim, se eu renunciasse a tudo e desaparecesse com ela, quem, em Miura, iria desistir de me encontrar? Samanosuke chegaria até nós de uma forma ou de outra.
- Muito provavelmente.
- E por quanto tempo o senhor conseguiria esconder, dele e de todos, que desconhece os fatos e o nosso paradeiro?
- Não posso dizer ao certo.
- Oniisan nunca nos perdoaria... Nunca.
- E não estaria agindo errado, devemos admitir.
- Sem falar que lutaria contra ela, e não descansaria até matá-la. Desconsideraria o fato de termos sido salvos por ela... Jamais aceitaria o fato de eu ter abandonado tudo por uma mulher, menos ainda, por uma Aoki.
- Sim.
- Por isso, o meu receio em seguir junto a ela. Seria um risco muito grande para o senhor, para Sora e para mim. Sem falar de todo o resto... Ela nunca deixará de ser uma Aoki, mesmo longe do Clã.
- Entendo sua angústia. Suponho que também seja a dela.
- Sora não quer ser responsável por nada disso. Prefere se retirar, antes que nosso amor acabe se convertendo em raiva, ressentimentos e remorso.
- A senhorita Sizu é tão jovem quanto sua irmã, mas possui uma visão de mundo de uma velha centenária. Ela já entendeu que somente o amor não sustenta uma vida a dois.
- Eu só lamento não termos mais tempo...
- Escute-me... – Masanori teve um insight – Por que não vão até o Castelo amanhã me fazer uma visita? Na ocasião, podem conversar com a Princesa também, os dois juntos. Depois, vocês regressam para cá e permanecem aqui por mais um tempo.
- Sério? Podemos fazer isso?
- O que me diz?
Masuyo sorriu, com sincera gratidão.
- Chichiue... O senhor não mimou somente a Princesa de Yamashita e Miura.
- Exato. E não me arrependo de minhas decisões. – Masanori deu três tapas no ombro do filho, com ar de cumplicidade – Eu prometi à sua mãe que cuidaria de vocês três, que faria de tudo para vê-los felizes. Farei isso até meu último dia de vida.
- Obrigado, Chichiue.
- Agora, vá atrás de sua Sora.
E, assim, o príncipe de Miura o faria. Ao encontrá-la, tentaria consolá-la, na medida do possível, e logo exporia a proposta do pai. Lin, por sua vez, concordaria, mesmo um tanto receosa; e na manhã do dia seguinte, deixariam a ala dos Jardins das Fontes Termais e regressariam ao Castelo de Yamashita.
Discretos, mas sempre juntos, procuraram se manter distantes um do outro, enquanto transitavam pelas instalações, tratando-se de modo solene e cortês. Sabiam, ambos, que o que acontecia no Castelo Nupcial ficava em segredo. Nenhum servo se atreveria a expor absolutamente nada a nenhum outro serviçal das demais alas do Feudo. Mas aquele risco não seria problema, não naqueles dias. O temor dos amantes era o encontro com a princesa de Yamashita e Miura, o qual se daria pouco antes do almoço, no jardim da ala dos Aposentos Reais. Ciente de que ambos passeavam por lá, Hikari não contaria história, antes de ir ao encontro deles.
- Aí estão... – ela caminharia até o local, com o andar lento e superior de quem flagra um inimigo – Pensei que fossem se esconder de mim para sempre.
- Hikari... – Masuyo tomou a frente de Lin, para protegê-la e preservá-la do que quer que fosse – Onde estão suas acompanhantes?
- Advinha... Eu preferi vir sozinha. Não queria expor, aos nossos criados, o absurdo sobre o qual vamos falar aqui; apesar de que os servos da ala Nupcial já sabem mais do que o suficiente, não é mesmo?
- Contenha-se, Princesa. – Masuyo alertou, seriamente – Não admitirei suas ofensas descabidas.
- Descabidas? Sério? Sempre achei que você fosse leal à sua família e ao seu Clã. Mas o vejo em total devoção a essa falsária egoísta, pela qual você quase morreu em Miura... A essa mulher que mentiu para você, que inventou uma identidade falsa e que negou o seu pedido de casamento... Sem falar que ainda se casou com outro! Mas não parece nem um pouco incomodada com desonrar o próprio marido, arrastando você, também, a esse mar de indecências.
- Cale-se, Princesa! – o nobre ordenou, austero.
- Céus... – e Lin murmurou, um tanto surpresa com aquelas palavras tão ácidas.
Mesmo ciente de que a amiga estava furiosa, não imaginou que Hikari fosse capaz de proferi-las com tamanho asco e sinceridade.
Masuyo, por sua vez, vendo a amada um tanto aturdida, colocou-se do lado dela e envolveu-a com um dos braços, em sinal de apoio e de proteção, o que fez a irmã ficar ainda mais agastada.
- Príncipe de Miura... Você não sente vergonha de fazer parte disso? O que o Senhor Feudal de Sakurai diria, se tomasse conhecimento de tamanha falta de decência? Você não se preocupa com a honra de nosso próprio Clã?
- Você não sabe de nada, Princesa.
- E ainda tem mais? Esse “nada” que eu sei já me basta para tirar minhas conclusões sobre essa mulher, a quem tanto chamei de amiga e a quem, muito ingenuamente, amei como a uma irmã!
Lin sentiu a face queimar, de nervoso, de vergonha, e uma lágrima teimosa rolar. Prontamente, enxugou-a, para não demonstrar o quão destroçado estava o seu coração, com a perda daquela linda amizade.
- Sora... – Masuyo fitou a jovem, preocupado e ansioso, como quem pede uma permissão.
Mas Lin apenas maneou, em sinal de negação, o que o fez insistir, discretamente.
- Se não posso argumentar com a verdade, como poderei defendê-la?
- As consequências seriam muito piores, Alteza. – Lin sussurrou.
- Mas...
- Apenas fique ao meu lado.
- Por favor...
- Ao meu lado.
- Perdoe-me... – Masuyo tomou uma de suas mãos e a segurou com força, e Lin sorriu, vacilante.
Vendo a cena, sem ter escutado o que haviam dito, tampouco compreendido aquela cumplicidade, a Princesa de Yamashita e Miura incomodou-se ainda mais.
- Pelos céus... É do lado dela que você vai ficar? Dessa desqualificada, que zomba de você e dos seus sentimentos de todas as formas?
- Retire-se, Princesa.
- O quê?
- Deixe-nos em paz.
- Yuji-Masuyo...
- Deixe-nos em paz, já disse!
- Você não pode me...
- Essa conversa acabou, Princesa. Não vou repetir.
Durante o tenso silêncio que se fez no jardim, as amigas se encararam: Hikari, com muito ódio, ciúme e desprezo; Lin, sentindo que ia desabar a qualquer instante.
- Eu nunca mais quero vê-la em minha frente, ouviu? - Hikari lhe falou – Nunca mais!
E deu as costas as ambos, sem a menor cortesia, antes de rumar para fora do jardim, a passos rápidos e austeros.
Durante os dois dias que Lin e Masuyo passariam no Castelo de Yamashita, ela não sairia do próprio quarto e, lá, se manteria calada, chorosa e demais pensativa. Havia um misto de sensações em seu espírito, uma tristeza profunda por trás de todo o dissabor: não tinha perdido apenas uma amiga querida, mas uma irmã, uma companheira, uma confidente, uma conselheira e tudo que ela nunca tivera na figura de uma mãe.
- Estou sozinha de novo... – ela lamentaria, deitada em seu amplo e refinado leito, depois da discussão.
E não vendo a filha à mesa, durante o almoço, Masanori perguntaria:
- E Hikari?
Masuyo, então, trataria de explicar toda a situação ao pai.
- Entendo. – o Senhor Feudal lamentou, resignado.
- Eu não deveria estar aqui. – Lin se recriminou, mas o amigo logo a contestaria.
- Hikari não ficará no quarto para sempre.
- Mas...
- E ela já fez o que queria, certo?
- Ainda assim, a minha presença não a agrada. Ela se afasta de vocês, por minha presença. Vocês são a família dela, não eu.
- Então, vocês dois estão livres para regressarem a ala Nupcial quando desejarem.
Lin se sentiu ainda mais envergonhada.
- Obrigado, Chichiue. – Masuyo se adiantou – É o que faremos.
E na tarde daquele mesmo dia, vendo a amada tão sem brilho, Masuyo a levaria a um lugar especial.
- Seu Laboratório de Alquimia? – ela perguntaria, surpresa, dentro do lugar, depois de ele ter desvendado seus olhos.
- É aqui onde trabalho, quando venho a Yamashita.
E à medida que o nobre fosse lhe mostrado tudo o quanto podia, ela ia se deslumbrado mais e mais com o lugar – amplo, seguro, organizado e equipado com os mais diversos utensílios da magnífica arte.
- Você gostou? – ele perguntou, contente, vendo a amada mais animada.
- É incrível!
- O que você acha de praticarmos um pouco?
- Podemos?
- Claro que sim! Vamos testar o que estávamos estudando naquele livro.
- São porções muito avançadas, eu não me arriscaria.
- Não se preocupe, eu vou lhe ensinar.
E assim, ambos passaram toda a tarde, dedicados, com o mesmo afinco e interesse, à prática da Alquimia. Como bom mestre, Masuyo guiava e orientava a amada com atenção e zelo, fazendo-a ficar ainda mais abobalhada com suas maneiras e cuidado, também, com sua grande sabedoria – desde a preparação do ambiente, à escolha e separação dos utensílios, à medição das substâncias, às técnicas e misturas, tudo, em Masuyo, beirava a perfeição, e ela não conseguia deixar de lamentar o fim de todas aquelas vivências.
- Está feito! – ele comemorou, ao finalizaram, juntos, o remédio que haviam preparado – Agora, é só esperar o tempo necessário, para que possamos colocá-lo no frasco.
- Entendi.
- Você se saiu muito bem!
- Porque o senhor, além de ser um grande Alquimista, é um bom mestre.
O elogio saiu um tanto acanhado, e Masuyo o retribuiu com um beijo no rosto, o que deixou a jovem ainda mais sem jeito.
- Ainda bem que o senhor não tem outras discípulas. – ela gracejou, timidamente.
- Acha que eu beijaria todas elas, a cada elogio que eu recebesse?
- Que Mestre mais indecente e obsceno o senhor seria... – Lin desviou a mirada, um tanto sisuda, e Masuyo riu daquele reclame – Melhor desistir da ideia, Alteza.
- Isso é uma ameaça? – Masuyo abraçou-a pela cintura, com mãos atrevidas.
- Sim... – e Lin gemeu, ao sentir os lábios do nobre beijarem seu pescoço, com malícia.
- Sua boba... Você seria a única discípula a me tirar a concentração...
- E o que mais?
- E o sossego...
- E o que mais?
- E o bom senso...
- Meu senhor...
- E o juízo...
O beijo ardente sinalizaria o desejo.
- Venha comigo.
E Masuyo conduziria a amada, aos beijos e amassos, até seu sagrado local de descanso. Era uma espécie de varanda, aos fundos do Laboratório, onde havia apenas um leito para solteiro, encostado na parede, uma refinada mesinha, alguns baús, mais afastados no chão, e refinadas lanternas tradicionais, penduradas nas ripas do telhado baixo. Em frente, via-se um florido e exuberante jardim privativo, sem outras passagens de acesso, que findava em um paredão de rocha.
- Que lugar é esse? – Lin perguntou, encantada com a harmonia e a beleza do ambiente.
- Depois, eu lhe mostro... – Masuyo fez a porta correr novamente, fechando-os ali dentro – Venha aqui...
Ansioso e empolgado, ele a conduziu até a cama, onde se sentou, posicionado a amada entre suas pernas.
- Eu quero você, Sora... – ele lhe falou, desprendendo a obi do kimono de Lin.
- Alteza... – ela olhou de um lado a outro, preocupada – Não é perigoso?
- Não.
- Alguém pode chegar e...
Masuyo faria a jovem se calar, com o beijo molhado e demorado.
- Meu senhor... – Lin sussurrou, quase sem fôlego e entregue ao desejo.
E o príncipe logo tratou de se livrar de algumas partes de sua própria roupa, apressado.
- Não precisamos nos despir completamente.
- Céus... – ela levou as mãos à face, enrubescida – Não vou conseguir me concentrar aqui...
- Ninguém vai nos flagrar.
- Mas...
- Venha... Eu vou ajudá-la.
E Masuyo a despiria, também parcialmente, deixando-a com apenas uma das sedas de seu kimono e as já conhecidas peças íntimas.
- Venha... – ele se afastou, até encostar as costas na parede, chamando a amada para si – Sente-se em mim... Como na fonte termal...
- Céus...
E Lin cumpriu a vontade que era de ambos, mesmo um tanto sem jeito e receosa quanto à prudência daquele contato. Masuyo logo invadiu a seda da jovem e levou as mãos às suas nádegas, puxando-as para si em movimentos compassados, fazendo suas intimidades roçarem uma outra, enquanto suas bocas experimentavam o sabor ardente da adrenalina e da aventura.
- Sua calcinha... Afaste-a... – ele a orientou, arfante, e Lin o obedeceu, ansiosa pela invasão.
Enquanto ela cumpria a tarefa, abriu espaço a que o príncipe de Miura descesse a calça e livrasse o membro, em plena ereção, no qual Lin sentou devagar, em movimentos compassados, que quase fizeram o nobre sucumbir.
- Meu senhor... – Lin soltou um gemido doído, quando seus corpos se encaixaram por completo.
- Você está bem? Está dolorida?
- Estou nervosa. Se alguém nos flagrar?
- Sejamos rápidos, então.
E seus corpos moveram-se no leito, no despudorado atrito, que arrancaria, de ambos, gemidos e suspiros.
- Estamos fazendo barulho... – Lin quase chorava, de deleite – Essa cama também...
E vendo o quão próximos estavam do fim, Masuyo inverteu a jogada: deitou-se sobre a jovem, ainda encaixados, e iniciou as investidas – fortes, precisas, ininterruptas e ruidosas. Os amantes atingiram o orgasmo juntos, e abafaram seus gemidos nos lábios um do outro. Não demoraram, contudo, a se recompor.
- Que loucura... – Lin riu, entre a timidez e a incredulidade, enquanto Masuyo, já vestido, ajudava-a com o laço de sua obi, também risonho – O senhor não tem medo do que possam estar falando de nós dois? Está praticamente noivo de outra...
- Não, eu não tenho. – ele respondeu, tranquilo, e fez a jovem se virar para ele ligeiramente – Além disso, quem, além dos servos da ala Nupcial, sabe o que estamos fazendo? Eles não dirão absolutamente nada a ninguém, já lhe expliquei.
- Isso é o que o senhor pensa! Sempre tem um fofoqueiro, que alardeia o que não deve.
- Não aqui. A lealdade e a discrição são honras capitais. Difamar a Realeza é uma desonra irreparável, para a qual não há expiação, mas a morte.
- Isso não me deixa menos preocupada.
- Não fique. Venha: vou lhe mostrar o jardim. Daqui a pouco, o sol vai se pôr. Quero que aprecie a chegada da noite comigo, aqui. Você verá algo indescritível.
Deitados numa larga rede de bambus, sustentada por duas árvores robustas e floridas, e em meio a tantas outras do jardim, Lin e Masuyo veriam os raios alaranjados invadirem, gradativamente, a copa das árvores pelas frestas dos galhos, folhas e flores, dando, àquele lugar, um colorido resplandecente e único.
- Céus... É fascinante... – Lin sussurraria, emocionada, quase afônica, em meio àquela atmosfera mística e hipnótica.
A copa das árvores, vistas de baixo, parecia um fogo sagrado e multicor.
- Esse entardecer só acontece desse jeito durante a primavera.
- Eu nunca vi nada igual... É perfeito!
- Esse é meu segredo. Agora, nosso.
- Como assim?
- Ninguém, além de mim e de você, conhece esse pôr do Sol.
- É sério isso?
- Essa é uma área de acesso restrito. Somente eu venho aqui. E desde que descobri o que acontece sob essas árvores, eu nunca contei a ninguém.
- Mas que egoísta... É tão lindo! Como pode escondê-lo só para si?
- É que... – Masuyo hesitou por um instante – Eu sempre quis mostrá-lo somente à verdadeira dona do meu coração.
- Masuyo... – Lin engoliu um seco e sentiu o coração acelerar, demais comovida.
- Por um tempo, pensei que esse dia nunca fosse chegar, mas... Estamos aqui... Você e eu... Apreciando nosso pôr do sol... Compartilhando do nosso segredo...
À jovem Bruxa, faltaram palavras naquele momento. As lágrimas, dela e dele, falaram por ambos. Assim, os amantes assistiriam à chegada da noite naquele comovente, cúmplice e doído silêncio.
- Venha. Vamos voltar para o Laboratório.
E pouco antes de deixarem o local, hesitantes, como quem se despede daquilo que, sabiam, nunca mais apreciariam juntos, Masuyo avistou o antigo trabalho.
- Você reconhece isso? – ele abriu e lhe mostrou o pequeno frasco.
- É um perfume?
- O seu perfume, não se faça de boba.
Lin sorriu, meio sem jeito e evasiva.
- O seu perfume, inacabado, porém. Como já lhe contei, nunca consegui reproduzi-lo.
- Um Alquimista tão talentoso... – ela tentou o gracejou – Como isso é possível?
- Havia outros desses testes no Laboratório de Alquimia de Miura. Mas... Eu os destruí, depois da Febre das Emoções. Foi quando... – o nobre pensou duas vezes antes de falar – Foi quando decidi que me casaria com a princesa de Sakurai.
- Entendo. – Lin desviou a mirada, sentindo a garganta doer.
- Você consegue imaginar o quanto me doeu fazer isso?
- Sim.
Masuyo colocou o frasquinho sobre a mesa, diante de Lin, que passou a fitá-lo, demais pensativa.
- Eu precisava seguir em frente, eu precisava esquecer você... E aqueles testes eram a tradução de toda a minha fraqueza e incapacidade.
- O senhor não precisa me dar explicação alguma.
- Até porque nós pudemos nos ver novamente e... – o nobre pigarreou – E concretizar nosso amor... De várias formas.
Lin riu, um tanto tímida.
- Seu bobo.
- Mas esqueça isso. – Masuyo afastou, para o lado, a amostra – Vamos embora. Chichiue pode aparecer e...
- Espere. – Lin pediu, segurando o antebraço do príncipe.
- Algum problema?
- O senhor... – e enxugou as lágrimas teimosas, um tanto impaciente, como quem tenta se autocontrolar – O senhor não quer saber qual o ingrediente que falta?
Masuyo paralisou.
- Está falando sério?
- Sim.
Havia um brilho diferente em seu olhar, Lin o notou, cativa.
- Céus... Está falando sério de verdade?
- Claro! – ela riu ainda mais, ao vê-lo ficar um tanto agitado.
- Não acredito.
- O senhor mais parece uma criança...
- Vai mesmo me contar?
- Venha aqui. Fique ao meu lado. – e Masuyo prontamente a obedeceu – Mas, antes, quero que me diga qual o seu palpite.
- Mmmmm... – ele apontou-lhe o indicador – Esperta.
- Diga-me: na sua opinião, qual é o ingrediente que falta? Você agiu, naquela noite, como se o tivesse descoberto...
- Eu o fiz apenas para testá-la. Não tenho certeza do que se trata, na verdade.
- Sim, o senhor tem. Apenas diga o ingrediente, que eu o darei ao senhor.
- Céus... Não posso.
- Por que não?
- Porque... – Masuyo hesitou por um momento – Porque eu não quero vê-la chorar.
- Meu senhor... – Lin sorriu, comovida e impressionada com a astúcia do amado – Eu já estou chorando...
- Sora...
- O senhor está certo! O que está esperando?
- Mas...
- Faça-o. Não as desperdice.
Também comovido, o príncipe de Miura, então, deslizou o dedo, suavemente, embaixo dos olhos de Lin, e fez pingar, no recipiente, a lágrima coleta. Em poucos segundos, a porção começou a mudar de cor e exalou o tão adorado perfume de rosas pelo laboratório. Masuyo não sabia se ria, de euforia, ou se chorava, de comoção e de gratidão.
- Sora...
- Apenas o senhor e eu sabemos disso. É nosso segredo agora.
O beijo terno e o abraço demorado selariam aquele pacto.
Naquela e na outra noite, porém, os amantes dormiriam separados: Masuyo, em seus aposentos, Lin, em um dos quartos de hóspedes – não queria importunar a princesa de forma alguma. E passados os dois dias, conforme combinado com o Senhor Feudal, o casal regressaria para o Castelo Nupcial, onde poderiam refletir melhor e com mais calma sobre seus destinos.
- Vou buscar nosso almoço. – Masuyo lhe deu o aviso – Por que não descansa um pouco? Acabamos de chegar. Você deve estar cansada.
- Tudo bem. – Lin concordou e se dirigiu ao leito.
E apenas esperou que o nobre deixasse a habitação, ela correu para a mesinha, na qual ainda se viam alguns utensílios. Apressada e um tanto nervosa, retiraria a erva que havia escondido em seu kimono até aquele momento e prepararia o chá, sem imaginar que o príncipe regressaria ao Aposento Nupcial quase que de imediato, para pegar algo de que se havia esquecido. Quando escutou os passos próximos e viu a porta correr, revelando sua figura, ela não conseguiu disfarçar o espanto, o nervosismo e a cara de culpa. Masuyo notou-a tão logo; e à medida que foi se aproximando da mesinha, viu o rosto da jovem se cobrir ainda mais de receio.
- Sora? – ele chamou por ela, estacionado diante da mesa; e Lin custou a levantar a cabeça, para encará-lo – O que é isso?
- Não é nada.
- Nada? E por que está tão nervosa? – Lin desviou o olhar e não encontrou resposta, sentindo as batidas de seu coração se intensificarem – Por que segue escondendo e tampando o copo com as mãos?
O silêncio pairou por alguns instantes.
- Não vai me dizer?
A seriedade da pergunta de Masuyo a fez franzir a testa. As lágrimas lhe vieram aos olhos, mas ela se manteve forte.
- Tudo bem. – ele se sentou à mesa, também em seiza, de frente para Lin – Não sairei daqui até que resolvamos esse dilema.
- Alteza... Eu...
Quando Lin ensaiou dizer alguma coisa, viu o príncipe fechar os olhos e inspirar forte.
- Céus... – ela murmuraria, ao entender que ele tentava adivinhar a substância pelo cheiro, o que não demoraria a acontecer.
Quando viu os olhos do nobre se abrirem lentamente e encararem-na, entre a seriedade, a reprovação e a preocupação, Lin sentiu o coração doer de remorso.
- Meu senhor... Eu... – e foi logo falando, como quem se justifica e pede perdão.
Masuyo, porém, ergueria a mão, como quem ordena alguém a de calar; e Lin só esperou pelo pior. O silêncio que se fez foi um martírio para ambos.
- Há quanto tempo você está tomando esse chá?
- Desde aquela noite, na ala dos Aposentos de Hóspedes. – ela respondeu e logo baixou a cabeça, envergonhada.
- Você conhece as contraindicações dessa erva? – Lin apenas concordou, com um aceno positivo com a cabeça – Ainda assim, não hesitou em fazer uso dela?
- As consequências de não tomá-la seriam tão perigosas quanto, e não somente para mim.
- Seriam? – Masuyo indagou, desgostoso – Está se escutando?
- Já aconteceu uma vez! – ela exclamou, fitando o nobre seriamente, chateada com a crítica – Não quero que aconteça novamente!
Masuyo calou por um tempo, agastado, mas tentou contra-argumentar.
- Você lamentou, com tanta verdade, a perda do nosso filho... Mas está tratando de aniquilar, completamente, as nossas chances de...
- Nossas chances de quê? – Lin o interrompeu, um tanto impaciente – Olhe para nós dois de modo racional! De que adiantaria ficarmos grávidos, se não podemos ficar juntos?
Masuyo se surpreendeu, ao vê-la tão angustiada e descontente.
- Alteza... – lágrimas correram pelos olhos de Lin – O senhor vai se casar com outra e em breve!
Masuyo maneou, agastado, e desviou a face para outro ponto.
- É com ela que o senhor formará uma família, não comigo!
- Sora...
- Além disso, que garantia eu teria de que o pior não aconteceria novamente? As minhas Marcas estão silenciadas, mas não foram apagadas por completo. O veneno ainda corre em minhas veias!
- Isso não justifica sua imprudência.
- Não? E onde o senhor esconderia a mim e o seu filho bastardo?
- O que está dizendo?
- Apenas responda!
- Você está sendo egoísta quanto a nós dois e irresponsável consigo mesma!
- Egoísta?
- Sim, egoísta!
- E onde o senhor estava, quando o pior me aconteceu?
Masuyo não encontrou resposta para aquela pergunta direta e, ao seu ver, injusta. Da forma como fora lançada pela jovem, fazia parecer que ele a tivesse abandonado, estando ciente do que havia acontecido e também das consequências.
Ao seu silêncio, Lin se deu conta da impertinência da própria indagação e logo se arrependeu. E Masuyo, mesmo chateado e ofendido, pôde sentir, no descontrole e na tristeza da jovem, o quanto a perda a havia abalado, e como sua ausência e o seu desconhecimento quanto ao fato havia potencializado a dor dela.
Assim, ambos não encontraram, de pronto, nenhuma forma de se desculparem. Masuyo apenas se levantaria e deixaria a habilitação Nupcial, sem olhar para trás.
- Céus... – Lin relaxou as pernas e se sentou de lado, apoiando-se nas mãos, espalmadas no chão – Não temos um dia sequer de paz...
Para sua surpresa e preocupação, o príncipe de Miura demoraria bastante a regressar. Quando o fizesse, já seria fim de tarde, e ela estaria deitada no leito, tentando, em vão, porém, descansar.
- Sora... – ele a chamaria, após se sentar ao lado dela – Está dormindo?
- Não consegui. – Lin respondeu, com a voz meio sonolenta, ainda de olhos fechados, de costas para o nobre – Eu o esperei esse tempo todo, até me cansar...
Masuyo calou.
- Onde o senhor esteve?
- Andando... Tentando esfriar a cabeça.
- E conseguiu?
- Acho que sim. – ele respirou fundo.
- Bom.
Foi a vez de Masuyo romper o novo silêncio.
- Ei... – ele a balançou pelo quadril – Por que não se senta um pouco?
- Minha cabeça dói muito... Preciso dormir um pouco.
- Céus... – só naquele momento, Masuyo se deu conta de sua displicência e se condenou – Você ficou sem a refeição do meio dia... Por isso, está assim.
- Tudo bem. Eu não tenho fome.
- Agora essa... Venha aqui, sente-se.
E qual seria seu descontentamento, ao ver que a amada havia chorado bastante...
- Você deve estar exausta... – ele a abraçou, com amor, e recostou o corpo dela ao seu, em seguida.
- Esqueça. Estou bem.
- Vou lhe trazer comida e remédio. Mas, antes... – ele se viraria um pouco, para pegar o refinado copo, que deixara no chão, na lateral da cama – Beba isso.
- O que é? – ela aceitou o recipiente.
- Já que estamos fazendo isso, sejamos, ao menos, responsáveis.
- Não entendo.
- Um chá. Contraceptivo. – Lin fitou-o, surpresa e sem palavras – Esse não vai lhe fazer mal.
- O senhor... – ela sorriu, um tanto boba – O senhor fez um chá contraceptivo para mim? – Masuyo não respondeu, um tanto sem jeito – Não acredito... – ela maneou.
Sabia o quão difícil era, para ele, ser conivente com aquilo.
- Beba, antes que esfrie.
- Itadakimasu.
- Aquela porcaria que você vinha bebendo é um veneno. – Masuyo pegou o copo de volta, assim que ela o esvaziou – Poderia matá-la a longo prazo.
- Era a única opção que eu tinha.
- Já sei. Agora, deite-se. Vou buscar nossa refeição e seu remédio.
- O senhor é muito gentil.
E os próximos três dias seriam de calma, de cumplicidade, de amor e de parceria. Para redimir-se de seu erro, o príncipe de Miura não se cansaria de encher a amada de mimos e de presentes.
- O senhor está sempre preparando surpresas para mim... – ela lhe diria, com sincera gratidão, agarradinhos, no leito – Amanhã de manhã, será a minha vez de surpreendê-lo.
- Ah, sim?
- Mas vou precisar da sua ajuda.
- E ainda assim será uma surpresa?
- Com certeza! Nem assim, o senhor adivinharia.
- Mmm... E o que devo fazer?
- Existe a possibilidade de o senhor e eu fazermos um passeio a cavalo fora de Yamashita?
- Fora de Yamashita? – Masuyo fitou-a, intrigado e, ao mesmo tempo, curioso – O que está tramando?
- O senhor não confia em mim...
- Não se trata disso. Só estou tentando entender.
- Depois de tudo, ainda acha que lhe faria algum mal? Que existe um plano de Ono-Aoki contra o senhor e sua família?
- Não é nada disso.
- Ah, o germe da desconfiança...
- Sora...
- Esqueça. Não poderei retribuir suas gentilezas, então.
- Diga quando e iremos.
- Sério?
- Sim.
- De verdade? – ela se sentou no leito, animada.
- Com uma condição.
- Já vi que eu me empolguei à toa... – ela se deitou novamente, e Masuyo não perdeu tempo: deitou-se sobre ela.
- A minha condição é que façamos amor a noite inteira.
E na manhã seguinte, eles deixariam os limites de Yamashita, não pelos Portões de Entrada do Feudo, mas por uma saída secreta, que o príncipe de Miura não hesitaria em lhe revelar. Os Samurais que guardavam a passagem não os impediram de sair, mas reportaram o assunto, de imediato, ao Senhor Feudal, que, para surpresa deles, não demonstrou preocupação alguma ao receber a notícia.
- Aqui está bom. Já estamos a uma distância segura.
- Distância segura? – Masuyo questionou, vendo-a descer da garupa de seu cavalo – Quanto mais distantes, menos seguros estamos.
- Desça também, já vou lhe explicar.
E assim, Masuyo o faria.
- Quero lhe mostrar algo.
- Aqui? Sério? Pode aparecer alguém. – ele gracejaria e a veria corar.
- Seu bobo... Não é nada disso.
- Que pena.
- Escute-me... Quero que o senhor me abrace, que me abrace muito forte...
- Fácil.
- E que não pense em nada mais e em ninguém mais além de mim.
- Mais fácil ainda.
- Estou falando sério!
- Eu também.
- Se não cumprir o que lhe expliquei, algo pode dar errado.
- Então, você não vai me dar maiores detalhes até que faça o que está tramando.
- Exato.
- Mmm...
- Quer desistir?
Mas Masuyo a tomaria pela cintura, seguro de si.
- Eu tenho uma ideia melhor. – ele lhe diria, de modo um tanto sedutor – Por que não nos beijamos? – Lin fitou-o com ar interrogativo – Além de quando estamos fazendo amor, de que outro modo poderíamos estar mais conectados? – Lin riu, timidamente – Estou errado?
- Não. O senhor é muito perspicaz, esse é o ponto.
- Mmm... Façamos assim, então.
- Espere!
- O que houve?
- Eu preciso me concentrar.
- Para nos beijarmos?
- Fique quieto. – ela fechou os olhos e uniu sua testa à do nobre – Feche os olhos também e se concentre em mim.
Mas Masuyo só os fecharia, de fato, quando se beijassem, extasiado com vê-la tão bela e obstinada a agradá-lo, fosse como fosse.
Durante o beijo, que foi se tornando cada vez mais ardente e invasivo, o príncipe de Miura sentiu algo estranho no vento e na luminosidade da floresta. Num reflexo natural, abriu os olhos para ver o que acontecia. A luz azulada e pura chamaria sua atenção, e ele, então, se certificaria de suas suspeitas: o que quer que ela pretendesse fazer seria com uso de Magia; somente algo daquela natureza a faria pedir que deixassem os limites e a segurança de Yamashita.
- Meu senhor... – Lin interrompeu o beijo, arfante, ainda de olhos fechados.
E deslizou os dedos pelos cabelos do nobre, em direção à nuca. Masuyo se arrepiou inteiro, e fechou os olhos, em deleite.
- Concentre-se em mim... Só em mim...
Quando o beijo findasse, ambos abririam os olhos e veriam, a princípio, o rosto um do outro, ainda unidos no abraço. Depois, sentiriam a luminosidade mais branda do novo ambiente, o que lhes despertaria a atenção e os faria mudar o foco de suas miradas: Lin, para ver se conseguira levar o príncipe ao destino almejado, e Masuyo, para entender o que havia acontecido. Quando se desse conta, ele olharia para a amada, estupefato e boquiaberto.
- Arai?
Lin confirmaria, sorridente, com um aceno de cabeça.
- Você nos trouxe até Arai?
- Sim. – ela riu daquela incredulidade.
- Num Portal de Conexão?
- Demoraríamos mais tempo, se tivéssemos vindo a cavalo, não?
Masuyo maneou, sem palavras, fitando-a demais impressionado e aturdido.
- Eu não poderia abrir um Portal de Conexão dentro de Yamashita. Sem dúvida, despertaria a atenção de todos lá dentro.
- Mmmm... Agora, eu entendi... Desde o princípio, o que você queria era me raptar...
- Exato!
- Como não me dei conta disso antes?
- E agora, o SENHOR será prisioneiro aqui, em Arai. Acha que me esqueci do que me fez aqui, tempos atrás?
- Pode me amarrar, eu não ligo. – Masuyo lhe mostrou os pulsos, zombeteiro.
- Verdade? – Lin caminhou até ele, de modo insinuativo – O seu débito comigo é muito grande, Príncipe de Miura...
- Pois eu o pagarei inteiro... – Masuyo agarrou-a pela cintura – E será você a sair daqui em dívida comigo.
- Isso é o que vamos ver.
O dia em Arai seria, sem dúvida, pequeno demais para o jovem casal, de modo que, quando a tarde começou a ensaiar o seu fim, a sensação era a de que o tempo se havia acelerado.
- Foi embaixo dessa mesma árvore que nos beijamos pela primeira vez... – ela lhe falou.
- E como eu poderia pensar que, sob essa mesma árvore, você e eu faríamos amor?
Ambos ririam, cansados e meio bobos, ainda nos braços um do outro, parcialmente despidos.
- Desde o dia em que nos conhecemos aqui, em Arai, eu soube que o senhor seria também o primeiro a tocar o meu corpo. – Masuyo a abraçou com mais força – Talvez, nós dois tenhamos desejado tanto isso, que o Universo inteiro tenha se desdobrado, de todas as formas possíveis, só para atender o nosso anseio.
- Eu também penso assim. E por mais trágicas que tenham sido essas formas, eu me sinto grato e feliz, por ter você comigo hoje e nesses últimos dias.
- Tudo tem um preço. Ir contra o destino também tem. Mas ao menos, pudemos viver esse momento. Já pagamos o preço antes. Não pensemos mais nele, só na recompensa.
E à hora da despedida, Lin e Masuyo deram as mãos e ficaram olhando o bosque de Arai durante um tempo, calados e pensativos, admirando a beleza do lugar e sentindo toda alegria e a gratidão que embebiam seus corações naquele momento.
- Sora... Promete que nunca vai se esquecer de nós dois?
- Masuyo... – os olhos de Lin se encheram de lágrimas, ao fitarem os do nobre e verem que ele estava, também, comovido – Eu prometo... Com todo meu amor.
No terno abraço, com suas testas unidas e com seus olhos fechados, o vento mudou de direção. Masuyo soube exatamente o que aconteceria em seguida. Então, tratou de beijar a amada e de não tirá-la dos pensamentos um segundo sequer, para que não se perdessem um do outro no caminho de volta a Yamashita.
A noite não demorou a cair, e chegaria calma à Fortaleza.
- A mais bela de todas as mulheres que existem e que possam existir... – Masuyo comentou, do leito, sob a luz baixa do aposento, enquanto admirava a jovem pentear os longos cabelos negros, sentada diante do espelho, em seiza, preparando-se para se deitar também.
Lin escutou o elogio e logo se virou para Masuyo, com sorriso doce.
- Venha aqui.
E atendeu ao seu pedido, de pronto. Quando se sentou diante do nobre, deu-lhe um selinho amável.
- O que o senhor está pretendendo com esses galanteios, Alteza? – Masuyo riu, um tanto sem jeito – Sério? Outra vez? O senhor não se cansa? – e ele a puxou para si, fazendo-a rolar por cima de seu corpo, para deitá-la ao seu lado, fincando frente a frente com ela – Pensei que o senhor fosse me dar um descanso essa noite. Tudo que fizemos hoje não lhe bastou?
- Está cansada?
- Dolorida, na verdade.
- Eu tenho sido tão gentil...
- Sim, mas... Com nós, mulheres, a dinâmica é outra. Tudo é mais complicado.
- Entendo.
- Vamos conversar.
- Sobre o quê? – Masuyo perguntou, ameno, fitando a amada com carinho.
- Sobre... – Lin ficou pensativa por alguns segundos – Sobre a guerra.
- Sério? – ele questionou, meio desanimado.
- Não está preocupado?
- Já estive mais. Todos nós, na verdade. Mas Okamoto e Okada não podem contra Yamashita e Miura. Não tenho motivo para me angustiar mais com esse assunto.
- Sim, mas... Numa guerra, tudo pode acontecer. Seu irmão mais velho e o noivo de sua irmã são Samurais. Eles estarão na linha de frente, não?
- Já temos um plano estratégico. Eles ficarão a salvo.
- Você está mesmo seguro de que tudo dará certo.
- Sim, eu estou. Mas não falemos mais disso.
Lin, contudo, insistiria.
- Se Okamoto e Okada unissem forças contra Yamashita e Miura e iniciassem um conflito tão sangrento assim, tenho quase certeza de que as Bruxas de Ono-Aoki interviram de alguma forma.
- O quê? – Masuyo perguntou, sério, e logo se sentou no leito – Como assim? O que quer dizer?
- Eu disse que “tenho quase certeza”. Portanto, é só uma impressão minha.
- Baseada em quê?
- O senhor está muito descontente com isso.
- Explique-me. De que forma as Bruxas de Ono-Aoki poderiam agir?
- Isso o desagrada tanto assim?
- A depender do que façam, podem comprometer todo meu plano estratégico e arruinar nossa formação tática. Aí, sim, terei um motivo para me preocupar.
- Não se preocupe, Alteza, não nos meteríamos no meio de suas espadas. Não é assim que agimos.
- Você faria parte disso?
- Muito provavelmente. – Lin se sentou também, resignada com o descontentamento do nobre – Eu sou a Bruxa mais poderosa da história de Ono-Aoki; pelo menos, é o que dizem. Por que eu não seria recrutada para uma missão de tamanho risco?
Masuyo calou e virou o rosto, agastado.
- O que foi? Não quer o auxílio das Aokis, futuro Senhor Feudal de Miura?
- Não, eu não quero.
- Ingrato.
- Não brinque, estamos conversando a sério!
- O senhor está se exaltado à toa.
- À toa? Não quero você metida nisso! Não a quero perto desses... – Masuyo não conseguiu finalizar a fala, tamanho seu asco pelos inimigos.
- São contra esses “Senhores” que nós, Aokis, lutamos, Alteza. Já não lhe expliquei?
Masuyo calou.
- Além disso, mesmo sendo uma situação na qual, provavelmente, as Aokis agiriam, é também provável que nada seja feito. – o nobre seguiu emburrado – Não quer saber o porquê?
- Não.
- Porque Ono-Aoki não ia querer mais uma suspeita de que esteja agindo em prol de seus maiores rivais. – Masuyo, então, fitou-a, interessado – Se nos metêssemos nesse conflito, não seria o que iriam pensar de nós? A Bruxa Cega de Ono-Aoki salvou a vida dos Príncipes de Miura e Yamashita durante a epidemia que se alastrou pelo Sudoeste e Oeste... Se agíssemos agora, diriam que foi contra Okamoto e Okada, mas, também, poderiam dizer que foi em favor de Yamashita e Miura outra vez. Conhecendo minha Líder como eu conheço, sei que ela não arriscaria a reputação do Ono-Aoki desse jeito.
- Seria melhor que você e eu tivéssemos feito amor.
- Quê?
- Esse assunto não me agrada.
- Não seja ranzinza, Alteza...
- Ranzinza?
- Esse é um assunto que temos em comum, não podemos fingir o contrário! Seja mais frio e racional.
- Você exige demais de mim.
- E querer fazer amor outra vez não é exigir demais de mim? – Masuyo não conseguiu não rir do gracejo, mas o fez ligeira e discretamente – Por favor, não vamos brigar... Não falemos mais sobre esse assunto, certo?
- Foi o que eu disse.
- Além disso, eu também acredito que Okamoto e Okada não terão a insanidade de embarcar nesse conflito sem pé, nem cabeça, nem futuro favorável para eles. Tudo acabará bem, portanto.
- É o que penso.
- E quanto à sua irmã...
- O que tem ela? – Masuyo estranhou o assunto desconexo.
- Não quero que o senhor e Hikari briguem por minha causa.
- Não brigaremos, não se preocupe.
- Sei... Acredito.
- Sora... Por que tantos assuntos turbulentos a essa hora da noite?
- Se são turbulentos, não existe hora boa para eles. Sempre causarão problemas ao serem mencionados.
Masuyo respirou fundo e se deitou, deixando-se ficar de olhos fechados.
- O senhor acabou de reconhecer que sua atual relação com sua irmã é um assunto turbulento.
- Ela está furiosa conosco, o que fazer? E você mesma me disse para não contar nada a ela.
- Sim, eu disse. E espero que o senhor cumpra sua palavra.
- Eu a cumprirei, esse é o problema.
- Por favor...Prometa que não vão seguir brigados por minha causa...
- Isso não vai depender somente de mim. Você conhece muito bem a minha irmã.
- Mas o senhor promete que vai se esforçar para não seguirem brigados?
- Sim, eu prometo que vou tentar resolver tudo.
- E por que não abre os olhos?
- Porque estou cansado e sonolento.
- Não se faz uma promessa a alguém sem contato visual. – Lin resmungou, e Masuyo apenas respirou fundo – Há pouco, queria fazer amor. Agora, está cansado e sonolento.
- Mmm... Não conhecia esse seu lado irritante.
- Irritante? – ela questionou, surpresa e reprovativa – Agora essa...
Naquele momento, Lin não pode não comparar o príncipe de Miura ao primo, cujos trejeitos e formas de insultá-la e de ignorá-la acabaram bem parecidos.
- Muito irritante, na verdade.
- Então, é assim? Pois bem: se não abrir os olhos, ficarei muda com o senhor a partir de agora e para sempre.
- Sério?
- Muito sério! – ela garantiu e esperou o nobre reagir.
Masuyo, contudo, permaneceu quieto e de olhos fechados, o que a desagradou ainda mais.
- Tudo bem... – ela resmungou, determinada – Não lhe dirigirei a palavra a partir de agora. Aguente.
Masuyo permaneceu como estava só por alguns segundos. Logo depois, rasgou uma tira do lençol, ainda de olhos fechados.
- O que está fazendo? – Lin estranhou – Por que está vendando os olhos?
- Você fala muito para uma muda.
- Quê?
- Venha aqui...
Ele a puxaria de volta para o leito, e logo se deitaria sobre ela.
- Sigo de olhos fechados. E você não vai fazer nenhum barulho, certo?
Lin soltou um pequeno gemido, ao sentir as mãos do príncipe desligarem por sua coxa, rumo a seus trajes íntimos.
- O senhor já está desse jeito? – ela não acreditou, ao sentir o volume entre as pernas.
- Shhhh... Você não diz nada... – Masuyo a fez se lembrar – Vamos ver o quanto você aguenta calada.
E ao final da dança, a calmaria da noite seria perturbada pelos gemidos de ambos.
- O senhor não é muito cortês comigo, quando está com raiva... – Lin comentou, deitada nos braços do nobre – E me deixou ainda mais dolorida do que eu já estava.
- Você não me pareceu pouco à vontade ou descontente em momento algum.
- Mas o senhor me pareceu descontente na maior parte do tempo.
- Não estava.
- Até tampou minha boca com a mão.
- Porque você estava gemendo muito alto.
- O senhor não me engana, sei que está chateado.
- Não quero você metida nessa guerra, esse é o ponto.
- Alteza...
- Mas sei que é algo que nenhum de nós poderia evitar.
- Exatamente.
- É com isso que estou chateado.
- Jura?
- Sim.
- Só com isso?
- Acha pouco?
Lin respirou fundo.
- Mas não falemos mais sobre esse assunto.
- Tudo bem.
- Vamos dormir, estamos muito cansados. E você deve estar muito mais cansada do que eu.
- Eu?
- Acha que não o percebi, quando regressamos de Arai?
- Estou bem. Não se preocupe. – Lin riu, meio sem jeito.
#- Procure não se exceder no uso de Magia, por melhor que seja a causa.
- Não me arrependo. Foi o meu presente para o senhor. Como poderia sentir remorso?
- Imprudente...
- O senhor não gostou?
- Foi o melhor presente que eu poderia ter recebido.
E mais três dias se passariam na ala dos Jardins das Fontes Termais.
- Amanhã, regressaremos ao Castelo de Yamashita... – Masuyo se lembrou, lamentoso, durante o café da manhã – Sinto como se estivesse caminhando para o abismo.
- Não pense assim.
- Como não?
- O senhor mal tocou na comida.
- Não tenho fome.
- Eu, menos, mas... Paciência.
- Você me parece tranquila, diante do que está prestes a nos acontecer.
- Eu já perdi tanto nessa vida, Alteza...
- Que não vai fazer diferença alguma me perder também?
- Quanta bobagem o senhor está dizendo nas últimas horas... – Lin respirou fundo, resignada, e Masuyo calou, meio envergonhado – A minha vida inteira foi assim: perda atrás de perda. Se hoje eu ainda não estivesse forte, já estaria morta.
- Perdoe-me... – ele se desculpou, com sincero remorso – Eu só...
- Esqueça.
- Eu não consigo lidar com essa situação com a mesma leveza que você, entende?
- Sim. – Lin sorriu, amena.
- Depois de tudo que vivemos aqui, eu não consigo, simplesmente, marchar para o extremo Leste e... – o nobre não quis finalizar a informação, com receio de magoar a amada.
- Não se preocupe com isso. O senhor terá tempo para digerir melhor a situação. O extremo Leste é um pouco longe. Daqui até lá, já terá me esquecido.
Masuyo não conseguiu rir do gracejo e olhou atravessado para Lin.
- Você não me leva a sério...
- Eu ouvi dizer que a princesa de Sakurai é muito bonita.
- Vai insistir nisso?
- Só estou lhe dizendo a verdade. O senhor é jovem, bonito, inteligente, talentoso... Tenho certeza de que essa princesa vai cair de amores pelo senhor assim que o vir, e que fará de tudo para agradá-lo e para ser a melhor esposa do mundo.
- Não estou ouvindo isso.
- O senhor vai passar o resto da sua vida preso a uma mulher que não pode ter? Não faça isso. Se decidimos seguir nossas vidas separados, façamos o nosso melhor.
- Melhor é mudarmos de assunto.
- Regressaremos para os lugares ao qual pertencemos, Alteza. A vida seguirá e nós teremos que vivê-la, seja como for.
- E quanto a você? Vai mesmo regressar ao Clã das Bruxas? – Lin acenou positivamente com a cabeça, fitando-o com a ternura que não sabia como ainda conseguia sustentar – Céus...
- É o que eu sou. É o meu destino.
Masuyo desviou a mirada, agastado.
- Quem sabe, assim, possa haver algum tipo de trégua entre nossos Clãs.
E respirou fundo, ciente da impossibilidade do que a amada dizia.
- Eu gosto de me iludir com isso, Príncipe de Miura. Sei que será um grande Senhor Feudal: correto, justo e bom, tanto quanto o seu pai. E hoje, tanto o senhor quanto ele sabem de coisas que, antes, não sabiam. Por que eu estaria tão errada em me iludir?
E quando o nobre a encarasse novamente, Lin lhe mandaria o sorriso mais doce de todos, que, por alguns segundos, traria, ao seu coração, um pouco de paz.
- E vamos tentar focar na alegria de estarmos juntos, não na tristeza de nossa despedida, certo?
Mas quão difícil seria colocar em prática aquelas palavras... O último dia no Aposento Nupcial seria de luto para os amantes, e a última noite de amor, de lágrimas.
- Masuyo... Vai ficar tudo bem...
Lin diria ao nobre, tentando consolá-lo e enganar a si mesma, ainda sentada em seu colo, arfante e suada, conectados pelo fogo do amor e do desejo.
- Sora... Eu a terei em meus braços outra vez... – Masuyo lhe falou, apertando o corpo de Lin contra o dele, no abraço furioso – Nem que isso custe a minha alma...
- Meu senhor... – ela se preocupou com tamanho martírio e obstinação – Não diga essas coisas...
- Nossa história não vai acabar aqui... Eu sinto!
E antes que Lin o recriminasse ou lhe dissesse o contrário, ele a silenciaria com o beijo ardente.
Na manhã do dia seguinte, nada mais íntimo aconteceria entre eles. Cientes do grandioso poder do destino, mas cúmplices do amor que sentiam, partiram de mãos dadas do Castelo Nupcial, em silencio: Lin, por sentir o coração sangrar com mais aquela perda, e Masuyo, focado em suas preces.
Quando chegassem ao Castelo de Yamashita, ele se dirigiria à ala dos Aposentos Reais, enquanto ela preferiria permanecer na ala dos Aposentos de Hóspedes, para dar, aos irmãos, a oportunidade de se reconciliarem ainda antes de que ele partisse para Sakurai.
Assim que soubesse do regresso do casal, Masanori iria ao encontro do príncipe, na ala Real. Mas, antes, visitaria a amiga.
- Céus... Pela sua cara, já dá para ter uma ideia de como encontrarei o meu filho... – Lin deu um riso triste – Vim até aqui, porque preciso saber o que Masuyo sabe sobre a senhorita?
- Não tivemos tempo para certos assuntos. Para outros, faltou-nos oportunidade; e coragem.
- Poderia ser mais precisa? Assim que sair daqui, irei vê-lo. Não quero cometer nenhuma indiscrição.
Lin convidou-o para um chá, e ambos se sentaram diante da refinada mesinha de refeições do aposento.
- Masuyo sabe sobre a gravidez e sobre o desfecho dela.
- Bom.
- Algumas coisas sobre Ono-Aoki também.
- Nada mais?
- Acho que não.
- Algo sobre sua vida em Murata?
- Também não. Ele segue achando que fui a prometida de um Taijiya.
- E Lorde Sesshoumaru?
- Por que eu o mencionaria? – havia certo desgosto nas palavras da jovem.
- Melhor assim. A senhorita e eu não tivemos tempo para falar a respeito de um assunto muito importante.
- Do que se trata?
- Tempos atrás, Lorde Sesshoumaru salvou o Senhor Feudal de Sakurai e todo o seu exército de uma batalha que, por certo, saíram derrotados.
Lin fitou o amigo, atenta e interessada.
- Durante um tempo, especulou-se que o Senhor Feudal de Sakurai tivesse, como aliado, o poderoso youkai que aniquilou o exército inimigo em questão de segundos. Esse foi o boato na ocasião. Mas a versão de Masaichi-Sama logo veio à tona também, e disseminou-se a notícia de que o youkai estava só de passagem, e que seu suposto auxílio a Sakurai fora, na verdade, um mero golpe da sorte para Masaichi-Sama.
Ambos sorveram alguns goles de chá, pensativos.
- É claro que eu não tomaria nenhuma decisão imprudente. Somente ao me certificar da veracidade da história de Masaichi-Sama, eu sugeri a aliança com Sakurai, através do casamento de Masuyo com a princesa Aika.
- O senhor é muito cuidadoso.
- A senhorita sabe algo a respeito desse episódio em especial?
- Não, mas... Acredito que o Senhor Feudal de Sakurai esteja dizendo a verdade. O senhor bem sabe que Lorde Sesshoumaru não é muito afeito aos humanos. Por que ajudaria o Senhor Feudal de Sakurai numa batalha?
- De fato.
- Mas talvez lhe sirva, para tranquilizá-lo, uma história semelhante, que aconteceu há muito mais tempo. Eu sequer era nascida.
- Ah, sim?
- Jaken-Sama me contou que conheceu Lorde Sesshoumaru exatamente assim.
- Prossiga.
- Uma guerra acontecia, Jaken-Sama era o Líder de um dos lados envolvidos, e estava perdendo. Para sorte dele, Lorde Sesshoumaru estava de passagem e, incomodado com os que atrapalhavam seu caminho, devastou-os sem o menor esforço. Jaken-Sama ficou deslumbrado e, sem pensar duas vezes, abandonou todo seu exército e seus súditos, para seguir e servir ao seu grande “salvador”.
- Mas que belo exemplo de liderança...
- Jaken-Sama ia ser devorado vivo. Eu não o recrimino.
- Porque também venera Lorde Sesshoumaru. Mas, enfim, a senhorita entende o meu receio, eu presumo.
- Sim. – Lin respirou fundo, resignada com a crítica do amigo – Se soubesse que a pessoa por quem fui apaixonada é um youkai, e logo o mesmo com quem Sakurai tem um dívida tão grande, Masuyo poderia não aceitar a aliança.
- Exatamente.
- Não se preocupe, seu filho não sabe de nada.
- Melhor assim.
- Eu sequer lhe disse meu verdadeiro nome...
- O quê?
- Eu tive medo de que meu verdadeiro nome pudesse revelar algo sobre meu envolvimento com Lorde Sesshoumaru. É provável que, entre os youkias do meio dele, o meu verdadeiro nome possa correr, então... Qualquer referência à minha verdadeira identidade pode gerar uma associação. Melhor Masuyo não a conhecer, portanto.
- Bem pensado.
- Além disso, o seu filho acha que meu nome verdadeiro é Sizu, assim como Hikari e o príncipe Samanosuke. Ainda assim, ele segue me chamando de Sora. Para que colocar outro nome no meio de tudo isso?
- A senhorita tem razão.
- Por minha boca, Masuyo jamais conhecerá meu envolvimento com Lorde Sesshoumaru.
- Tampouco, pela minha, esteja certa.
E quando o Senhor Feudal fosse ter com o filho, rumaria o diálogo para longe daquele assunto em particular.
- E quando pretende partir a Sakurai?
- Ainda não sei, Chichiue.
- Deve fazê-lo o mais depressa possível. Já tarda sua viagem em mais de duas semanas. Masaichi-Sama o aguarda para a finalização do acordo e para a definição das datas.
- O senhor não o informou sobre meu atraso?
- Filho... – Masanori tocou o ombro do príncipe, condolente – Uma vez que já se decidiram por viverem suas vidas separados, para quê seguir adiando o inevitável? Não estará torturando a si mesmo e também a ela? – Masuyo baixou a cabeça, entristecido – Siga em frente, não olhe para trás. E não espere mais, faça-o o mais logo possível.
E assim sucederia: o príncipe partiria para o Feudo do extremo Leste dois dias depois de ter regressado ao Castelo de Yamashita. Nesse meio tempo, trataria de cumprir a promessa que fizera à amada.
- Só quero que não sigamos brigados, Princesa. – Hikari seguiu calada e séria, sentada diante da refinada mesinha de madeira, na qual se viam o chá e o lanche da manhã – Eu sei que é difícil para você aceitar o que aconteceu, mas... Ela é sua amiga!
- Não, ela não é.
- Princesa...
- Você é o meu irmão; e embora não tenha me dado uma justificativa plausível para a desonra que você e ela cometeram aqui, em Yamashita, sob a estranha e inexplicável proteção de nosso pai, eu não vou deixar de amá-lo, Yuji-Masuyo. Saiba disso. Só não me peça para fazer vista grossa ao descaramento daquela mulher e à falsidade dela para comigo. – Masuyo desviou a mirada, para não cair na tentação de falar o que não deveria – E não se atreva a defendê-la! Se pretende fazê-lo, vá embora.
- Não o farei. Sora e eu sabemos de nossos erros.
- Sizu. O nome dela é Sizu. Você já sabe disso também.
- A senhorita Sizu e eu não somos crianças.
- Pois não agem como adultos que são. Tampouco você, Yuji-Masuyo, que é um nobre, um Príncipe honorável, que está praticamente noivo de uma princesa de alta linhagem. – o nobre respirou fundo, meio apático, o que irritou a irmã ainda mais – E não pense que estará livre de nosso irmão!
- Quê?
- Estou certa de que Samanosuke desaprovará completamente toda essa pouca vergonha e até mesmo a convivência de nosso pai.
- Vai contar tudo a nosso irmão?
- Já o fiz! – Masuyo respirou fundo outra vez – Enviei uma carta a ele há uns dias.
- Hikari...
- Assim que chegar a Miura, o que não deve demorar a acontecer, Oniisan tomará conhecimento do absurdo que está se passando aqui. E eu tenho certeza de que agirá, com você, muito diferente de como nosso pai tem feito. Prepare-se.
- Samanosuke sabe que Sora e Sizu são a mesma pessoa.
- O quê? – a irmã questionaria, sem ação – Como assim? Desde quando?
- Desde o seu aniversário, Princesa... Na ocasião em que Chichiue me fez a proposta de conhecer a comerciante.
- Mas... Que porcaria de história é essa?
E Masuyo daria, a irmã, os detalhes de que ela não tinha conhecimento.
- Quer dizer que vocês me enganaram esse tempo todo?
- Oniisan e Chichiue omitiram os fatos não somente a você, mas, também, a mim, e pelos motivos que já lhe contei.
- Céus...
- O que quer que você tenha pretendido ao mandar a carta para Oniisan, não vai conseguir. Só perdeu o seu tempo.
- Não sei, Príncipe de Miura... Por mais que Samanosuke saiba que as duas são a mesma pessoa, também sabe que ela se casou. Você acha que ele vai aprovar a desonra à qual você e ela submeteram nossa família? Já pensou se o marido dela descobrisse o que se passou aqui? Ele mataria você!
- Sério?
- Não faça pouco caso disso, não seja imprudente!
- Você está se preocupando com nada.
- Com nada? Não seja exibido! Kohaku-Sama é um dos Taijiyas mais habilidosos do Leste!
- E eu sou um Alquimista.
- E acha que ele não lida com Alquimia também!? Ele extermina YOUKAIS!
- Certo. E quem vai nos delatar a ele? Você?
- Poupe-me...
- Já nos delatou a nosso irmão...
- Sim, eu o fiz! Porque estou cuidando de sua saúde mental! Parece que, aqui, eu sou a única pessoa em juízo perfeito...
- Pois pare de se preocupar com essa história. Estou partindo para Sakurai amanhã cedo. Em breve, e se tudo correr bem, a aliança entre Yamashita, Miura e Sakurai será concretizada. E você logo se casará com seu querido noivo.
- E quanto à sua amante? – Masuyo fitou a irmã com olhar reprovativo – Não é o que ela é, Yuji-Masuyo?
- Sora regressará... – o irmão hesitou por um momento, entristecido – Sora regressará ao lugar ao qual pertence.
- E nunca mais porá os pés dela aqui, isso eu posso lhe garantir, Príncipe de Miura.
- O que vai fazer?
Hikari, porém, não lhe daria a resposta, o que deixaria o irmão demais apreensivo. Na noite daquele mesmo dia, então, ele daria um jeito de ver a amada uma última vez e alertá-la quanto aos propósitos secretos de sua irmã.
- O Príncipe de Miura está aqui. – o solene anúncio, vindo da varanda dos quartos de hóspedes, adentraria o aposento da Bruxa Cega de Ono-Aoki, fazendo-a se erguer de imediato, demais ansiosa.
Quando a porta corresse e Masuyo a atravessasse, Lin correria para os seus braços.
- Meu senhor... – ela sussurraria, sentindo certo alívio em seu coração – Quem bom que está aqui...
A porta correu, fechando os amantes no quarto.
- Quem está lá fora? – Lin caiu em si, ao escutar o som de passos, e desfez o abraço, preocupada.
- Não receie. São os meus Samurais.
- Ainda bem.
- Venha aqui... – Masuyo tomou a jovem pela cintura, ansioso, e logo lhe roubou um beijo demorado e malicioso – Ninguém vai nos atrapalhar...
- Tem certeza? Não é perigoso?
- Não há risco algum.
Do lado de fora, os Samurais escutariam apenas os sons sibilantes e ansiosos, de quem conversa em segredo. Depois, veriam as luzes se apagarem e se afastaram da entrada do aposento. Os grilos noturnos, as estrelas no céu e a extensão da varanda até a entrada da ala seriam a distração de ambos.
- Deixemos que nosso senhor tenha alguns instantes de paz e de alegria.
- Sim... – o outro guerreiro concordou – Masuyo-Sama tem estado muito angustiado e deprimido.
- Amanhã cedo, partiremos para Sakurai. Uma pena que seja para sua infelicidade.
- Dizem que a princesa de Sakurai é a mulher mais bela do extremo Leste... Masuyo-Sama é um homem de sorte.
- De que adianta a fama e a beleza, se o coração de nosso senhor está nas mãos de outra mulher, que, a propósito, é uma das mais belas que já vi?
- Bonita e complicada, nas palavras do próprio Masuyo.
- E não são assim as grandes paixões, meu caro?
- Mulheres... Certo está o Príncipe Samanosuke, que não se permite render a nenhuma delas.
- De fato.
E a conversa dos guerreiros seria interrompida pelos gemidos abafados, vindos do extenso varandado.
- Mas já?
- Eles estão nessa há dias...
- Sim... Estamos aqui há duas semanas...
- Não se anime. Provavelmente, farão outra vez. Você e eu não dormiremos tão cedo hoje.
E assim sucederia; mas somente após a conversa.
- Céus... Hikari está mesmo furiosa... – Lin lamentaria, ao tomar conhecimento dos fatos – Ela nunca vai me perdoar...
- Eu lamento tanto por não poder solucionar esse problema...
- O senhor já está me ajudando, contando-me tudo isso.
- Infelizmente, a reviravolta dessa situação está apenas em suas mãos. Você é única que pode tentar amenizar a fúria de minha irmã; senão com a verdade, com o melhor que vocês construíram juntas desde que se conheceram.
- É o que tentarei fazer.
- Vou torcer para que consigam se entender.
- Obrigada por tudo.
Masuyo respirou fundo.
- Amanhã, partirei cedo.
- Eu soube. – Lin sorriu, tristemente.
- Você irá até o Jardim de Entrada, para se despedir de mim?
- Não sei se devo. Hikari, certamente, estará lá. Não vou roubar, dela, o direito que não tenho. Ela é sua irmã. Eu não sou sua esposa.
- Nesse caso... Você poderia... – Masuyo pensou duas vezes, antes de fazer a proposta, a seu ver, desconsiderada – Você poderia me esperar do lado de fora de Yamashita? Naquele mesmo ponto em que partimos para Arai. – Lin ficou pensativa, analisando a viabilidade daquela possibilidade – O que me diz? Provavelmente, não conseguirei vê-la aqui amanhã.
- Masanori-Sama sabe disso?
- A ideia de nos despedirmos fora de Yamashita partiu dele.
Lin riu, entre a comoção e a gratidão.
- Não existe pai melhor, sério.
- Chichiue e sua astúcia... – Masuyo concordou, satisfeito.
- Se é assim... Tudo bem. – ela concordou, animada com aquela migalha de alegria – Estarei esperando pelo senhor na floresta.
- Promete?
- Estarei lá, Alteza. Não se preocupe.
E na manhã do dia seguinte, Masuyo não se demoraria à despedida dentro dos muros da Fortaleza de Yamashita.
- Ao menos, ela teve a decência de não dar as caras.
- O que disse? – Masanori simularia o desentendimento, mantendo seu foco na figura do filho, cada vez mais distante dos portões.
- Sizu, Sora... Seja lá como o senhor prefira chamá-la.
- Princesa...
- Castigue-me o quanto quiser, Chichiue. Eu nunca irei perdoá-la, nem o senhor me impedirá de dizer a verdade.
- Pois deveria perdoá-la.
- É mesmo? Eu estou esperando uma boa razão para tanto; até acho que ela exista. Não fosse assim, o senhor não teria permitido tamanha desonra, não é? – Masanori fitou a filha, orgulhoso de sua perspicácia – Como sei que o senhor não vai me dizer nada, seguirei pensando exatamente o mesmo a respeito dela.
- E acha isso lógico?
- Não. Mas, de todo modo, ela mentiu para mim, à quem dizia “irmã”; além de ter sido a responsável pelo desalento e pelo sofrimento de Masuyo, que quase culminaram em sua morte, em Miura. Então, não, eu não irei perdoá-la, Chichiue. E aproveito a situação para manifestar minha completa discordância quanto à permanência dela aqui, em Yamashita. O quanto antes ela deixar o Feudo, poderei me sentir em casa novamente.
- Não se preocupe quanto a isso, Princesa. Certamente, ela o fará em breve. Não seria para agradar a mim, esse velho Samurai, que ela ficaria aqui por mais tempo do que deveria.
- Nem a mim. Seria por Masuyo. E ele já se foi. Sorte a dele não ter dado de cara com o marido dela... Kohaku-Sama poderia se rebelar contra nós. Isso seria demais alarmante e vexatório, não? Uma desonra irreparável.
- Sim. – Masanori respirou fundo, fitando o horizonte.
Enquanto isso, na floresta, Lin e Masuyo se despediram aos beijos, abraços e lágrimas.
- Não se esqueça de sua promessa, Sora... – ele parou para respirar, um tanto atordoado – Não se esqueça de nós...
- Nunca... Nunca, meu amor...
E depois do último beijo, Masuyo seguraria forte as mãos de Lin, à direção de seu coração, e lhe diria, encarando-a com amor e fúria.
- Eu ainda terei você em meus braços outra vez...
- Masuyo...
- Não duvide disso, Sora...
- Meu senhor... – Lin soluçava de amor e tristeza – Eu o amo tanto...
E antes de lhe dar as costas bruscamente e de se afastar, em direção ao cavalo, Masuyo deixaria um presente em suas mãos: o pequeno e refinado Nenju, que ele usava para seus mantras e orações, desde menino.
- Nossas preces serão atendidas outra vez, Sora! – ele exclamou, já em cima do cavalo, agitado por sentir a ansiedade do dono.
Lin sorriu, comovida, e voltou a mirada ao nobre outra vez.
- Nosso destino pode estar em nossas mãos! – e apontou para o regalo que lhe dera – Acredite nisso, Sora! – o cavalo empinou, antes da partida – Ore por nós!
E ao aceno positivo da amada, o príncipe de Miura seguiu seu rumo, sem olhar mais para trás, para não correr o risco de regressar aos braços e às pernas de sua grande paixão. Lin, por sua vez, deixou-se sentar no chão da floresta, chorosa, sem forças para se manter de pé.
- Masuyo... – ela apertou o Nenju em suas mãos, com fé e esperança – O senhor ainda me terá em seus braços outra vez. Eu sinto.
No Coração da Floresta, Itilus e Amarillion sentiram o Diamante Azul pulsar.
- Foi uma prece muito sincera e poderosa, Hahaue. Devemos nos preocupar com isso?
- Nunca subestime um verdadeiro querer de uma Entidade Superior, filho. Nunca.
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