PARTE 7 • CHAMADO DO DESTINO
O gosto amargo do seu amor
Eu sou tão burra e ridícula...
Por quase três horas, Lin permaneceu adormecida nos braços de seu Guardião. Para ele, a percepção daquele momento seria como se tivessem se passado apenas alguns instantes, nos quais ele se manteve desperto; para a protegida, contudo, tempo demais para estar nos braços de quem havia jurado não se aproximar mais. Depois de tanto tempo de espera e de desprezo, depois de tantas ofensas, decepções e frustrações, por que ainda se sentia tão débil perante o youkai? Seu amor próprio, outrora tão inflamado, havia sucumbido, de repente, à meia dúzia de delicadezas, que, sabia bem, logo desapareceria e ao menor dos questionamentos? Que sina maldita era aquela, que a prendia àquele demônio de modo incontrolável?
- Até quando? – ela ainda se perguntaria muitas e muitas vezes, ao longo dos anos.
Ao abrir os olhos e se perceber onde estava, não soube o que fazer de imediato. Supondo que Sesshoumaru estivesse dormindo, afastou o rosto de seu ombro, bem devagar, e limpou o canto da boca.
- Fala sério, eu babei no kimono dele... – ela se condenou, incrédula – Será que ele vai perceber? Talvez, enxugue até ele acordar...
Antes que afastasse também seu corpo do dele, Lin teria a resposta.
- Não se preocupe com isso.
Ela sobressaltou, ainda deitada, e viu os olhos do Lorde se abrirem e fitarem os seus, ameno. Uma de suas mãos ainda a prendia pela cintura.
- O cheiro de seus lábios é agradável.
- Céus...
Lin se afastou do youkai e logo se sentou na esteira.
- O que está fazendo? – ele perguntou, tranquilo, ainda deitado, bem à vontade, achando certa graça de todo aquele receio.
- Nada. – ela respondeu, evasiva.
E seguiu tapando a boca com uma das mãos. Para seu tormento, porém, Sesshoumaru se sentou, o que os fez ficarem novamente próximos.
- Dormiu com a boca aberta todo esse tempo... É normal, estava cansada. – ele lhe falou, com a cumplicidade de um casal longevo, ajeitando as mechas rebeldes do cabelo da protegida – Não tem por que se envergonhar.
Quanto mais palavras gentis ele lhe dizia, mais a jovem queria sumir; e sentiria o desespero tomar seu espírito e o seu rosto queimar de vergonha, ao ver o youkai puxar o tecido molhado do kimono rumo ao nariz.
- Não faça isso!
Reprovativa e acanhada, Lin partiu para cima dele e tentou impedi-lo de ir adiante com sua pretensão. Porém, no curtíssimo caminho até seu Guardião, ele segurou-a pela cintura e deitou-a na esteira novamente, mas sob seu corpo.
- Mal despertou e já está cheia de energia... Isso é bom.
Lin sentiu o peso e a virilidade do corpo do youkai, que, com as mãos espalmadas sobre a esteira, fitava-a de cima, com ar vitorioso.
- O que o senhor está fazendo?
- Até se esqueceu do que a fazia recear...
A jovem, prontamente, tamparia a boca com ambas as mãos; e ficaria demais surpresa e acanhada, ao sentir, no dorso delas, a boba carícia que Sesshoumaru lhes faria, por um tempo, com a ponta do nariz, de olhos fechados.
- Céus... O que está havendo aqui? O que ele está fazendo? – ela pensou, aturdida.
- Como eu disse, o seu cheiro é agradável.
Seus olhos se encontraram por uns instantes, seus corpos deram sinais sutis de inquietude. Mas, logo em seguida, Sesshoumaru se sentaria na esteira, fazendo a jovem cumprir a tarefa junto com ele. Depois, se levantaria.
De onde ficara, Lin permaneceria calada e meio sem ação, vendo o Lorde se dirigir à mesinha de refeições, diante da qual encheu dois copos com suco. Não demorou, porém, a regressar à esteira.
- Trouxe um para você.
- Itadakimasu.
Lin aceitou o refinado recipiente e tomou alguns goles. Sesshoumaru, por sua vez, sentou-se novamente e se esforçou para beber o suco. Diante um do outro, eles permaneceram em silêncio por um tempo, fingindo foco na bebida e nas flores do jardim, até que o Lorde iniciasse a difícil, mas necessária conversa.
- Pretende voltar para Ono-Aoki?
Lin não esperou pela pergunta direta. Mesmo surpresa, vestiu sua costumeira armadura de hesitação. Sentia os ventos da realidade soprarem em sua face, com sorrateira e perigosa leveza. Não podia se iludir, nem vacilar. Os anos de experiência bradavam memórias terríveis.
- Devo voltar. Não é algo que eu possa escolher.
- Não?
Ela o fitou, com ar interrogativo, sem conseguir identificar aonde o youkai pretendia chegar.
- A julgar pelo que me contou em Murata, pensei que não intencionasse mais voltar para Ono-Aoki; ou que não pudesse mais fazê-lo.
Lin, então, engoliu um seco e desviou a mirada, um tanto sem jeito.
- Eu me enganei em minha conclusão.
Não acreditou que Sesshoumaru traria à tona, e tão tranquilamente, o assunto delicado, que, outrora, quase o fez matá-la.
- Pensei que as Aokis e os de Yamashita e Miura fossem eternos rivais. Por isso, supus que estivesse livre do Clã das Bruxas.
Lin respirou fundo, analítica, antes de lhe dar a resposta.
- O senhor tem razão: é o que acontece entre os dois Clãs. Mas eu não sou como as outras Aokis. É algo atípico, de fato; mas as coisas se encaminharam dessa forma.
Um gole do suco fez-se necessário para mantê-la firme.
- Eu possuo um vínculo muito estreito com os de Yamashita e Miura. Até mesmo a minha Líder sabe disso, embora não esteja satisfeita.
- O que torna tudo ainda mais estranho.
Lin sorriu, em concordância, e o Lorde insistiria no assunto, pacificamente.
- Como isso é possível?
- Vai saber... Coisas do destino.
- Como se não bastasse essa situação atípica, sua Líder ainda envia uma Aoki em uma missão em favor dos rivais? A meu ver, não faz o menor sentido, além de ser arriscado e inapropriado para a reputação de Ono-Aoki. O que dirão a respeito? As Bruxas agindo em favor dos Samurais de Yamashita e Miura...
Lin não perceberia o seu jogo estratégico e morderia a isca.
- Nós, Aokis, agimos em prol da justiça. Onde ela estiver, nós também estaremos. Okamoto e Okada estavam a ponto de iniciar um conflito sangrento, desnecessário e injusto. Por isso, foi preciso interceptá-los.
- Continua não fazendo sentido.
- Faz muito, na verdade. Quem, além do senhor, e só porque estou aqui, sabe que o que aconteceu a Okamoto e Okada foi obra das Bruxas de Ono-Aoki?
Sesshoumaru se pôs pensativo de modo deliberado, apenas para incitá-la a seguir falando.
- Os assassinatos não foram típicos dos promovidos pelas Aokis.
- Então, esse era o plano? Fazer parecer uma ação de outrem?
- Sim.
- Sua Líder a instruiu a agir assim?
- Obviamente. De que outra forma poderíamos agir contra Okamoto e Okada, sem favorecermos Yamashita e Miura?
Ao ouvir a confirmação da mentira, dita com tamanha naturalidade e convicção, o Guardião do Mundo dos Vivos sentiu uma grande decepção em seu espírito. Sabia que Lin agira por conta própria, que ela não havia regressado ao Clã das Bruxas, depois de tê-la encontrado em Murata. Ele havia descoberto, da forma mais despretensiosa e humilhante possível, para onde a jovem havia ido, com quem estivera e o que tanto fizeram juntos. Tampouco, queria que a protegida lhe contasse de seus dias felizes em Yamashita, ao lado do filho de Masanori. O que lhe doía a alma era ver o quão mentirosa e dissimulada ela se havia convertido. Não soubesse a verdade de antes, acreditaria em suas palavras piamente, seria facilmente enganado. Por que duvidaria, se a jovem lhe contava o tudo que queria, olhando em seus olhos, sem a menor hesitação ou preocupação? Parecia tão sincera...
- Então... Essa é a sua cara de mentirosa... Eu já a vi outras vezes... – ele pensou, encarando-a, friamente.
Seu curto tempo entre as Bruxas, notou, havia lhe servido bem, para lapidar aquilo que ela havia aprendido com Itilus: mentir, omitir, dissimular e enganar. A confiança que, um dia, existira entre ele e a jovem havia se perdido por completo, Sesshoumaru concluiu, desolado, e jamais poderia ser recuperada.
- Entendo... – ele comentou e respirou fundo, convicto de que suas argumentações na conversa com a mãe faziam todo sentido.
Sentiu-se, ainda, idiota, por haver fantasiado todo o conflito que criaria por alguém com quem, em verdade, não poderia contar. Se não podiam mais confiar um no outro, como se expor aos riscos de uma guerra e ao escárnio dos Grandes Líderes?
- Algo precisava ser feito, e o fizemos. – Lin o trouxe de volta para a conversa.
- Olhando por esse lado, foi um bom plano.
Ela sorriu, satisfeita com o aparente elogio, o qual tomara para si mesma.
- Apenas por esse lado, porém; porque você se expôs a um risco muito grande. Por muito pouco, não perdeu a vida. Teve sorte de ter sido auxiliada em tempo hábil. Do contrário, teria morrido sozinha naquele lugar.
- Eu sei, mas... Quem poderia contar com a insistência dos soldados de Okamoto e Okada?
Sesshoumaru, então, não perdeu a chance de repreendê-la indiretamente.
- Qualquer Líder minimamente experiente, inteligente e responsável pensaria nisso, porque é algo bem óbvio.
Lin ficou surpresa e sem graça ao ouvir aquelas palavras. Como sua ficha a respeito daquilo só caíra naquele exato momento, ao escutá-las? Ela se condenou.
- Sua Líder me pareceu uma pessoa sábia. Mas vejo que me enganei a respeito. Sua esperteza gira em torno de outros tipos de conflitos. Sobre questões bélicas e políticas, ela não entende nada.
Lin ficou muda e ainda mais acanhada. Sabia ao que Sesshoumaru se referia – Masanori lhe deixara ciente da tentativa de sua Líder de convencer o Lorde de que ela e o amigo eram amantes.
- Numa guerra, as reações em cadeia são óbvias. Destruir os Líderes inimigos enfraquece a ofensiva, de fato. Mas, por outro lado, pode gerar um clima de revolta desenfreado. A consequência disso é o que você mesma viu com seus próprios olhos: uma ofensiva impetuosa, desordenada e sem critério bem definido. Em outras palavras, sua Líder foi muito imprudente, ingênua e estúpida.
Lin sentiu o calor da vergonha tomar seu rosto; e para piorar a situação, tratou de se defender, emburrada e evasiva.
- Mesmo tendo colocado minha vida em risco, não me arrependo do que fiz.
- Não estou criticando você, mas sua Líder. – Sesshoumaru insistiu em se fazer de desentendido – O que você precisou fazer depois foi uma tentativa de contornar a situação. Não houve tempo hábil para arquitetar ações mais elaboradas. Precisou agir de modo impetuoso e, por causa disso, acabou do jeito que já sabemos.
Lin mal conseguia olhar para seu Guardião, demais constrangida.
- Mas a boa notícia é que você se saiu exitosa em sua missão. Poderá retornar ao Clã das Bruxas, orgulhosa de tê-la cumprido com a discrição pretendida por sua Líder. No mundo dos humanos, nenhuma ligação está sendo feita entre o Clã das Bruxas e os acontecimentos em Okamoto e Okada.
- Ao menos isso... – ela murmurou, desolada e cabisbaixa.
- Depois de sua interferência, a ameaça de guerra foi totalmente desfeita. Okada conseguiu se estabilizar, através do casamento da princesa com um dos aliados do pai. Tiveram sorte. Okamoto, porém, foi invadido e repartido pelos aliados do antigo Senhor Feudal. A princesa e o irmão desapareceram, contudo. É provável que os tenham assassinado.
- Não o fizeram. A princesa Miyako e o irmão estão a salvo.
Lin engoliu a vergonha e ergueu o rosto, finalmente, interessada nos desdobramentos do caso e nas novas informações que o Lorde lhe trazia.
- Eu os deixei em um lugar seguro a tempo, antes de enfrentar os soldados de Okamoto e Okada. A princesa e o irmão, certamente, serão resgatados pelos Samurais de Miura.
- Bom. Você pensou em tudo.
- É... – Lin respondeu, não muito convicta, mesmo com as aparentes palavras positivas do Lorde – Eu só não contei com o óbvio: a reação dos Exércitos. E ainda acabei em coma... Céus, que decepção...
- Com tantas coisas acontecendo tão depressa, você ainda conseguiu livrar a princesa e o príncipe de Okamoto da morte certa.
- Os Samurais ainda não sabem do paradeiro da princesa Miyako e do irmão. Devem achar que estão mortos realmente. A queridinha de Daisuke deve estar aflita, esperando pelo prometido resgate... E agora? Como vou avisar aos Samurais de Miura sobre seu paradeiro?
- Por que está calada? No que está pensando?
- Eu sou uma péssima estrategista, um verdadeiro vexame para Ono-Aoki... Se Masumi-Sama sonhar com tudo isso, vai me expulsar do Clã...
- Anime-se... – Sesshoumaru insistiu, mas sem hesitar em ser duro – Graças aos seus grandes feitos, Yamashita e Miura puderam seguir em paz e em segurança; até mesmo, tocar seus novos acordos com outros Feudos.
Lin travou – a fala do Guardião, aparentemente despretensiosa, traria, contudo, dolorosos pensamentos.
- Ótimo. – ela comentou, quase sem voz.
Desde muito antes de deixar Yamashita, o Acordo Matrimonial com Sakurai já se havia firmado, Lin o sabia, o Lorde também estava ciente daquilo; e o Mundo dos Vivos seguiu em frente, enquanto ela dormia, pálida e cadavérica, à beira da morte. O que ela poderia esperar, senão o curso natural da vida e a continuidade das coisas?
- Mas que merda... – ela pensou, sentindo a garganta doer.
Todo sofrimento, no fim, havia valido a pena? Ela não deixou de se perguntar, desolada, com o olhar vago e entristecido, esforçando-se para não permitir o correr das lágrimas, que lhe inundavam os olhos e turvavam sua visão. Masuyo já teria se casado?
- Tão depressa assim? – ela pensou, abalada.
Enquanto agonizava naquele Castelo, a princesa de Sakurai teria arrebatado o coração de seu gentil senhor, fazendo-o esquecer-se dos dias de felicidade, de amor e de loucura em Yamashita?
- Não é possível... Não tem nem dois meses que deixei a Fortaleza...
Vendo a protegida tão pesarosa, Sesshoumaru sentiu certo remorso pelo que havia plantado em sua mente. Ele sabia muito, mas Lin não fazia ideia do que ele havia descoberto. Arrependido, então, ele tratou de agir do modo comedido que vinha se esforçando para manter com ela.
- Você deve se orgulhar de suas conquistas. Planejou tantas coisas de última hora e executou-as com valentia. O fato de não ter logrado êxito no último instante não diminui sua coragem, nem a grandeza de suas ações.
Lin fitou-o, com olhos marejados.
- Seu desejo era ajudá-los e o fez. Sabia dos riscos, não?
- Sim.
Naquele momento, as lágrimas rolaram pela face da jovem; mas ela as enxugaria de pronto, com raiva e vergonha; e ainda conseguiria evitar que outras seguissem denunciando as tantas outras fraquezas.
Sesshoumaru, a sua vez, vendo a protegida naquele estado, concluiu aquilo que já estava cansado de saber: Lin seguia sendo uma menina imatura e inconsequente, que precisava de seus cuidados, quiçá, para sempre.
- Esqueça isso e procure se recompor. – ele lhe diria, ameno – Você terá tempo para aprimorar suas habilidades. Está melhorando rápido, inclusive. Daqui a uns dias, poderá regressar ao seu Clã e às suas missões. Seguirá evoluindo, como já vem acontecendo, desde que deixou Murata. Quem poderá impedi-la?
- Ninguém.
A resposta foi dada de modo emburrado e petulante, já esperado pelo youkai.
- Pois bem: melhor, então, que se alimente.
- Quê?
- Deixemos de conversa. Você precisa se fortalecer.
Mesmo sem fome, Lin se dirigiria à mesinha de refeições, descontente, e comeria o quanto conseguisse suportar. Enquanto o fizesse, Sesshoumaru a observaria, nada discreto, novamente diante dos odiosos pergaminhos, e sentiria, em todos os movimentos da protegida, o grande ódio que a movia – sabia que parte dele era a seu respeito. Então, mil pensamentos se passariam em sua mente, fazendo-o se distrair em sua observação. Lin era a única que o fazia ficar fora de órbita e de si.
- Está me ouvindo?
Ele aterrissou, um tanto alheio, e fitou-a, tranquilo.
- Quero voltar para o quarto, estou cansada. Além disso, o senhor está ocupado. Em breve, vai anoitecer.
Sesshoumaru, então, deixou os pergaminhos de lado outra vez, olhou para o céu, um tanto analítico, ergueu-se do assento e foi ao encontro da jovem.
- Consegue esperar só mais um pouco? – ele lhe perguntaria com a gentileza que, Lin sabia, não era de sua verdadeira natureza.
- Para quê? – ela questionaria, entre a exaustão e a resignação.
- Quero que veja algo.
- Estou mesmo cansada.
- Tenho certeza de que valerá o esforço.
- Quanto tempo terei que esperar?
- Não muito.
- Sua percepção de tempo é diferente da minha.
- Não muito do seu tempo.
Conforme seu Guardião lhe havia dito, não demoraria a que coisas curiosas começassem a acontecer naquele jardim, à medida que o crepúsculo fosse se aproximando: a luz do sol começou a atingir tons mais alaranjados, pássaros começaram a regressar aos seus ninhos, a calmaria da noite se anunciava gradativamente naquele ambiente peculiar.
- Esses pássaros são diferentes realmente... – Lin comentou, curiosa, lembrando-se do que o Lorde havia lhe contado a respeito das particularidades daquele Castelo.
Sesshoumaru desenhou o discreto sorriso de concordância, e viu a jovem se erguer do assento e caminhar até o beiral do quiosque, para observar tudo mais de perto.
Outros pequenos bandos de pássaros – diminutos, coloridos e ruidosos – foram se aproximando do jardim, enfeitando o céu com suas danças cadenciadas e encantando a jovem com seus sons alegres.
- Isso é tão... – Lin não encontrou palavras para descrever aquele espetáculo.
Como no dia em que chegou ao campo de flores de Hasegawa, sentiu seu corpo inteiro reagir àqueles ruídos, às formas e às cores do lugar. Fascinada, ela desceu os degraus do quiosque e se dirigiu ao meio do jardim, para ver, ouvir e sentir tudo aquilo mais de perto. Sesshoumaru a seguiria, satisfeito, quieto e discreto, para não atrapalhá-la.
Os raios solares penetravam as árvores do jardim, iluminando as sakuras e as glicínias com a luz crepuscular, de modo mais intenso que no jardim secreto de Masuyo. Quão diferente e fascinante era estar com os pés no chão, mas, ao mesmo tempo, tão perto do céu! Lin pensava, com olhos radiantes e alegres. Sentia a pele arrepiar à cada canto, à cada novo som, à cada tonalidade daquele ambiente... Os perfumes diversos daquelas flores, em vivas cores, inebriavam seus sentidos... Sentiu o gosto da terra em sua língua e o saboreou, deleitosa, com os olhos fechados. Então, de repente, sentindo a aproximação da energia de seu Guardião, veio-lhe, à mente, a triste lembrança:
- Eu não estava lá, eu só conseguia ver... E era um lugar lindo, Amaya... tão diferente desse Mundo... Era um lugar tão harmonioso que... Eu nem sei explicar... Era um lugar exótico, místico, cheio de tranquilidade... E você estava lá... Você e Lorde Sesshoumaru... Vocês estavam juntos... Juntos e felizes...
- Sayo... Era sobre esse lugar que você me falava naquele dia? – Lin pensou, meio receosa, mas comovida – Ele e eu estamos felizes? Não parecemos...
- Esse jardim fica ainda mais bonito à luz da lua cheia.
O Dai-youkai interrompeu aqueles pensamentos e fez a jovem vacilar de repente. Atrás dela, não tão próximo ainda, sua voz soou como se estivesse a lhe falar ao ouvido. Lin inspirou e expirou devagar, como quem se controla, para não demonstrar a ansiedade que a desmontava por dentro. Sesshoumaru, porém, podia jurar que ouvia as aceleradas batidas do coração da protegida, em uníssono com as do próprio.
- Aqui em cima, a lua parece muito mais próxima de nós. É algo a ser contemplado, sem dúvida. E muitas vezes.
Lin engoliu um seco. As palavras de seu Guardião eram ternas, mas lhe pareciam tão incertas... Se o seu desejo era lhe pedir que ficasse, por que não o fazia de modo direto? Ela se perguntava, entre a crítica e a resignação.
- Fosse seu desejo, talvez, ele o dissesse a mim diretamente... – e concluiu, lutando para não se iludir outra vez – Como é difícil saber o que o senhor realmente quer... É tão desgastante e solitário.. Hahaue tinha toda razão... Amar um youkai é tão difícil quanto ser amanda por um.
- Se ainda estiver no Castelo quando acontecer, posso trazê-la aqui outra vez, para que veja com seus próprios olhos.
- Seria bom.
Lin se virou e encarou o Guardião, do modo mais neutro que conseguiu, para não lhe parecer permissiva, tampouco, vulnerável à sua costumeira indiferença.
- Para ver algo assim, eu poderia adiar minha partida.
Ao escutar aquilo, ciente de que ela também procurava agir de modo comedido e cauteloso, Sesshoumaru tomou a inesperada iniciativa.
- O que ele pretende? – Lin se perguntou, vendo-o estender-lhe a mão, sereno.
Mesmo um tanto hesitante, ela a aceitou, colocando a dela sobre a dele.
- Adiaria outra vez? – o Lorde lhe perguntou, satisfeito.
E, ao olhar questionador da protegida, puxou-a gentilmente para si, também pela cintura; mas logo virou-a de costas, fazendo-a olhar para o horizonte, como ele, com seus corpos unidos naquele singelo abraço.
- Veja.
- Céus... O que estamos fazendo? – ela se condenou, sentindo o calor e o conforto de apoiar-se no corpo de seu Guardião – Isso não me parece certo...
Segundos depois, viu uma intensa luz alaranjada iluminar o horizonte quase escurecido, e sentiu o coração acelerar e pulsar em sua garganta.
- Isso é...
- Não diga nada. – Sesshoumaru pediu, ameno, fortalecendo o elo com ambos os braços.
Lin pensou que fosse ao chão, com toda aquela profusão de sentimentos e de pensamentos.
- Apenas observe.
Quando a lua cheia despontasse, imensa no horizonte, tão próxima a ambos, faria a jovem vacilar e arregalar os olhos, de incredulidade. De tão grande, o satélite parecia prestes a se chocar com a Terra. Lin levou a mão à boca, sentindo as vibrações e o efeito da lua por todo seu corpo – não conseguiu segurar as lágrimas de comoção e de deslumbramento. Seu Guardião, por sua vez, sentiu o indescritível contentamento de ver e de fazer a jovem feliz – o sorriso de Lin, sua maior satisfação, sua maior fraqueza, havia se tornado sua única e verdadeira pretensão, desde que a jovem havia despertado do coma.
A completa aparição da lua não se demoraria, mas os filhos de Trent permaneceriam um bom tempo ainda, contemplando-a, em silêncio e abraçados. Até que o Lorde escutasse as palavras da jovem, que soariam com notável gratidão.
- Eu nunca vi nada igual a isso.
- Faz muito tempo, desde a vez em que apreciamos a lua juntos.
Lin sentiu a branda permissividade aquecer seu coração.
- Foi quando você cuidou de meus ferimentos, em Murata.
Então, ela se virou, para encarar o youkai, livrando-se, contudo, de seu domínio.
- O senhor se lembra disso?
- Como esquecer? Você foi a única que conseguiu livrar-me daquele martírio...
- Eu me referia a termos apreciado a lua juntos.
- Estava cheia e prateada... – Sesshoumaru confirmou, um tanto evasivo, e tomou espaço, tentando disfarçar a comoção que sentia – Serviu-nos muito bem ao propósito de minha estada no vilarejo àquele dia.
- Bastante. – Lin respondeu, entre a provocação e o saudosismo, lembrando-se do corpo do Lorde, parcialmente despido, molhado com a água de prata do rio de Murata – Lembro que o senhor estava muito hesitante a princípio.
- Eu tinha meus motivos para tanto. Você surgiu, do nada, cheia de habilidades curativas que não possuía antes... Estranho seria eu não ter ficado.
- Ao menos, não fala mais a respeito disso com ódio.
Ela jogou, para medir as reações e as intenções do youkai, acerca de Itilus.
- O senhor já se convenceu de que estava errado a respeito do que eu lhe dizia?
Sesshoumaru, então, virou-se para Lin, para responder-lhe à pergunta, olhando em seus olhos.
- Minha única convicção é a de que, somente juntos, você e eu poderemos elucidar os fatos e toda essa história.
- Juntos? – ela perguntou, tentando ser mais desentendida do que interessada.
- Quanto menos distantes e indiferentes estivermos um do outro, mais fácil será lidar com tudo isso, eu presumo.
- “Somente em paz”, o senhor quis dizer... – ela o corrigiu, conformada, ciente do lugar de ambos.
E tomou espaço, para seguir com o distanciamento que julgou necessário. De costas para o Lorde novamente, e fitando o satélite de ouro, ela quis discutir a situação.
- Desde que Itilus surgiu em nossas vidas, tudo mudou. Aos poucos, eu venho descobrindo quem sou, e isso, infelizmente, custou o que o senhor e eu tínhamos. Verdade seja dita, o senhor não soube lidar com a chegada dele.
Sesshoumaru permaneceu calado, mesmo descontente e discordante.
- O senhor sempre quis o meu bem, eu sei. Ainda hoje, eu o percebo em muitas de suas ações. Mas nem todas me fizeram bem, o senhor deve saber. O senhor sabe, aliás.
- Por que falar disso agora?
- Para saber o quão frágil ainda somos diante da reviravolta de nossas vidas... – Lin respondeu, após se virar e fitar o youkai, com honestidade e destemor – Para saber o quanto Itilus ainda é um problema entre nós dois.
Sesshoumaru respirou fundo e desviou a mirada. Lin sorriu com resignação; mas se surpreenderia com as palavras do youkai.
- Eu sou seu Guardião. Itilus também o é, segundo você diz.
- Eu não digo. Isso é fato.
- E onde o seu Guardião estava, nas tantas vezes em que sua vida esteve em risco? Onde ele estava, quando você quase morreu dias atrás?
- Alertando sua mãe, através da Meidou Seki.
O Lorde maneou, em discordância, mas se manteve calmo.
- Certamente, o senhor também teria recebido algum sinal, se ainda tivesse a Tenseiga em mãos.
- A Tenseiga, que ele manipulou, para que eu não mais a pudesse segurar em minhas mãos...
- O senhor questiona todos os meus argumentos. Tudo bem, é algo compreensível. Mas, se Itilus me quisesse morta, por que mandaria um sinal para sua mãe?
- Nunca disse que ele a quisesse morta. Penso que ele a queira bem viva; mas bem longe de mim.
Lin riu, amena, mas discordante.
- Seja como for, graças ao sinal da Meidou Seki, eu estou aqui. O senhor e eu não estamos distantes.
- Existem muitas formas de duas pessoas estarem distantes. Estamos apenas diante um do outro.
- Como o senhor sempre desejou que fosse, não?
- Não misture as coisas, Lin, não me faça esse tipo de cobrança. Estamos falando de questões e de situações diferentes, você sabe bem. Estou me referindo à forma com que Itilus age a respeito de nós dois, não a questões sentimentais.
- E como Itilus age a respeito de nós dois? – a jovem perguntou, tentando ser compreensiva.
- Ainda não consegue perceber? Itilus conseguiu destruir a confiança que havia entre você e eu. Depois disso, ficou fácil, para ele, afastá-la de mim, fazendo parecer que deseja que você e eu estejamos próximos.
- Sinceramente, não consigo entender as coisas dessa forma.
- Por que seria diferente? Você segue fazendo segredo de muita coisa a respeito dessa história. Como quer que eu pense igual a você? Não posso ter, sobre ele, as mesmas impressões que você tem.
Lin respirou fundo, resignada.
- E não estou lhe dizendo isso, para induzi-la a me dizer o que tanto insiste em esconder.
- Já tentou essa estratégia antes e não o conseguiu.
- E seguimos do mesmo jeito.
Naquele instante, vendo o youkai ficar mais sisudo, Lin se lembrou do Senhor Feudal de Yamashita e Miura. Por que seguir fazendo segredo, ao Lorde, sobre aquela história, se ele já estava convicto de quem era e se parecia disposto a protegê-la? Os conselhos do amigo fizeram muito sentido naquele momento.
- Escute-me... – ela pediu, amena.
- Melhor que regresse ao seu quarto.
- Quê?
- Está visivelmente cansada, precisa de repouso.
Ela respirou fundo, outra vez, paciente e determinada.
- Eu não quero discutir com você.
- Não há outra maneira. O senhor e eu sempre brigaremos, quando esse assunto vier à tona.
- Por que está rindo?
- O senhor já sabe que eu não sou uma humana normal. – Lin respondeu e tomou o rumo do quiosque, de modo que Sesshoumaru a seguisse – Assim como minha mãe, nasci com uma habilidade genuína: a capacidade de conjurar Espíritos, através de Magia – o que é de se estranhar, já que, quando eu era criança, não havia, em mim, indício algum de tal dom. O senhor nunca o notou, tampouco, meus mestres de Murata. Isso porque ele estava adormecido. Meu dom só pôde aflorar graças a Itilus.
- E isso não lhe soa suspeito?
Lin interrompeu o trajeto e se virou para o Lorde, que fez o mesmo.
- O senhor vai me escutar? Pensei que quisesse saber os detalhes.
- E resolveu, sem mais nem menos, confiá-los a mim?
- O senhor nunca está contente com nada... – ela o criticou e reiniciou a caminhada – Não sei por que ainda me chateio...
Sesshoumaru, por sua vez, seguiu-a, um tanto ansioso e descrente, tentando conter as críticas e o ímpeto. Somente quando sentados na esteira, ambos retomaram a conversa: Lin, recostada nas almofadas, e o Lorde, sentado diante dela, próximo à mesinha de refeições, de onde lhe serviria o chá.
- Como já lhe disse, assim como o senhor, Itilus é meu Guardião.
Os primeiros goles serviram para que a jovem organizasse as ideias.
- Durante aquele inverno, em que estive selada em Ishikawa, ele foi o meu Mestre. Ensinou-me tudo que pôde sobre o uso de Magia; e me explicou as questões sigilosas que existem entre os Mundos. Em outras palavras, Itilus não é apenas meu Guardião, mas, também, meu Mestre.
Sesshoumaru desviou a mirada, com notável despeito.
- Ele me fez despertar para as habilidades que, antes, não me eram necessárias, porque eu vivia a salvo e protegida.
E sorriu, sarcástico, ciente de onde aquela conversa daria.
- O senhor já deve saber que sou o que uma antiga Lenda chama de Iluminado.
- Hahaue e eu ouvimos algo a respeito dessa história. Mas não a conhecemos a fundo.
- Então, também sabem que os Iluminados são pessoas com habilidades raras, que devem estar a salvo de todo e qualquer perigo.
- Sim.
- Não é à toa, portanto, o fato de eu possuir dois Guardiões: o senhor e Itilus.
O Dai-youkai maneou a cabeça, em sinal de negação, mas Lin prosseguiu, indiferente.
- E é fato, também, que, depois que o senhor decidiu não mais regressar a Murata, eu acabei ficando exposta.
- Lin...
- Não bastavam os cuidados dos meus Mestres e amigos, eu precisava da SUA proteção. – ela se adiantou – Por isso, depois que o senhor partiu em definitivo, Itilus precisou agir.
- Já se esqueceu de que Itilus já vinha agindo sobre você, desde muito antes de minha partida? Era ele a real causa de sua debilidade, não a minha ausência.
- Itilus agia sobre mim, de fato. Mas o fazia para levar o senhor até Murata.
- Que bobagem é essa que está dizendo?
A jovem sorveu mais uns goles, antes de responder.
- Itilus via que o senhor estava hesitante sobre mim, que receava as minhas intenções a seu respeito, e que vacilava sobre suas próprias intenções. Por isso, sempre que o senhor se ausentava demais, ele agia.
- Ele atentava contra sua saúde. Não doure a pílula.
- Porque era a única forma de o senhor voltar: ao sinal da Tenseiga. Da última vez, o senhor demorou tanto, que todos pensaram que eu fosse morrer.
Ambos calaram por alguns segundos. Foi Lin quem se serviu do chá daquela vez; e prosseguiu:
- Tudo que Itilus fazia era com o propósito de despertar o senhor para sua Missão, para que se desse conta, finalmente, de que precisava estar ao meu lado, cuidando de minha proteção sempre, como o senhor fazia, quando eu era criança.
- Ele lhe disse isso?
- Sim.
- E você acreditou?
- O senhor sempre ia até Murata, quando a Tenseiga lhe dava sinais de minha vulnerabilidade. É tão óbvio, que dispensa questionamentos.
- Óbvio e inquestionável é o fato de Itilus ter atentado contra você.
- Sesshoumaru... – o youkai se surpreendeu, ao ouvir a jovem chamá-lo pelo seu nome, com a intimidade que nunca havia se permitido – Por que não consegue perceber que Itilus sempre esteve do nosso lado?
- Porque ele me enfrentou e me feriu gravemente... Porque insinuou que você e ele tivessem uma relação mais íntima... Porque instruiu-a a colocar uma kekkai na Tenseiga...
Lin respirou forte, com resignação, notando o descontentamento do Lorde.
- Quer mais motivos? Tudo bem, eu tenho outros, como seu dito Guardião estar visivelmente mal-intencionado quanto às suas habilidades de Magia. Não percebe que foi por tais habilidades que ele fez o seu dom aflorar?
- Isso não é verdade.
- Ele a instruiu quanto ao uso de Magia justamente em minha ausência. Fingiu ser seu Guardião, para ofuscar seu propósito real: usá-la como meio de regressar ao antigo Mundo, do qual foi banido.
- Itilus nunca me instruiu ao uso de Magia Negra. Ao contrário, sempre me alertou sobre todos os riscos de usá-la. Explicou-me que, através dela, eu despertaria os inimigos dos Guardiões: as Criaturas de Olhos Vazios; e que, por isso, eu jamais deveria usá-la.
- Bom você tê-las mencionado agora. Você bem sabe, e porque eu lhe contei, que elas possuíam a mesma energia de Itilus, quando ele e eu nos enfrentamos em Ishikawa.
- Claro que eles possuem energias similares, todos eles pertenciam ao mesmo Mundo antes...
Sesshoumaru cerrou os olhos, reprovativo, tentando se manter calmo.
- O fato de Itilus ter enfrentado o senhor com a mesma energia de um Decaído não significa que ele seja um deles. Itilus é uma Entidade Superior, uma criatura muito poderosa, capaz de simular diversas energias. Goste ou não, ele é um Guardião, não um Decaído.
Somente depois do longo silêncio, Sesshoumaru resolveu falar, cansado e frustrado.
- Não há nenhuma novidade em suas palavras, além dos termos pelos quais você os chama. Decaídos, Entidades Superiores... Isso não muda, em absoluto, minhas suspeitas sobre Itilus. Em outras palavras, essa conversa não deveria estar acontecendo.
- O senhor tem razão. Nós dois estamos correndo em círculos... – ela ponderou – Eu disse que lhe falaria mais a respeito e ainda não o fiz...
Lin tomou mais um pouco do chá e, finalmente, dispôs o refinado copo no chão, ao lado da esteira.
- Como lhe disse há pouco, Itilus é uma Entidade Superior; e como tal, não pode transitar pelo Mundo dos Vivos. Por essa razão, eu precisava de um Guardião que pudesse estar sempre ao meu lado: o senhor.
- Itilus transita pelo Mundo dos Vivos sempre que convém.
Lin fitou o Lorde, com olhar interrogativo.
- Enfrentar-me mortalmente no Mundo dos Vivos e semear a discórdia entre você e eu foi algo que ele pôde fazer muito facilmente.
- Não é tão simples assim.
- Não? – Sesshoumaru questionou, com riso sarcástico.
- Acontece que... – ela hesitou por uns segundos, mas prosseguiu, por fim – Sempre que uma Entidade Superior adentra o Mundo dos Vivos, surge, aqui, uma Fenda de Conexão, que liga o Mundo das Entidades Superiores ao Mundo dos Descaídos. O senhor deve se lembrar que Itilus fugiu daquela luta, em Ishikawa; assim como deve recordar, também, que alguns Decaídos surgiram no bosque de Kobayashi de repente, depois da aparição dele, e que o seguiram na fuga.
Sesshoumaru ficou pensativo.
- Itilus sentiu a aproximação dos Decaídos e precisou regressar ao Mundo das Entidades Superiores, antes que algum deles o alcançasse. Caso isso acontecesse, os Descaídos conseguiriam estabelecer uma conexão direta entre os três Mundos; e não somente as Entidades Superiores teriam sérios problemas, mas todos do Mundo dos Vivos. Seria um conflito generalizado e desigual, que custaria muitas vidas inocentes. Por essa razão, as Entidades Superiores não devem adentrar esse Mundo. Também por isso, eu não devo usar Magia Negra.
Sesshoumaru permaneceu calado, mas atento.
- A Magia Negra é o poder dos Decaídos; a Magia Pura, o poder das Entidades Superiores. Diferente de um usuário qualquer de Magia Negra, se um Iluminado conjurar os poderes das sombras, acaba evocando, também, os seus detentores, abrindo-lhes um caminho direto para o Mundo dos Vivos. E uma vez aqui, essas criaturas não descansariam, até conseguirem chegar até o Mundo das Entidades Superiores. Logo, caçariam os Guardiões, para deixar os Iluminados vulneráveis. Depois, fariam o possível para usá-los como fosse, para regressar ao antigo Mundo.
Ao longo silêncio do Lorde, Lin achou sensato sondar o que se passava em sua mente.
- Agora, o senhor consegue entender por que Itilus não é um deles? Foi com Itilus que eu aprendi tudo isso, enquanto estive selada no poço de Ishikawa. Se ele fosse um Decaído, teria me instruído exatamente ao oposto, não acha?
Sesshoumaru permaneceu calado, mas visivelmente emburrado.
- O senhor precisa acreditar no que lhe digo, porque essa é a verdade. Os fatos não podem negá-la.
E olhou para a lua, sério e reflexivo.
- Lembro que o senhor me contou, uma vez, que um Decaído surgiu diante do senhor em outro momento, e que lhe disse, ironicamente, que o senhor estava cumprindo sua Missão muito bem. Naquela ocasião, Itilus precisou aparecer em Yamashita, porque eu estava gravemente ferida. Então, não demorou a que os Decaídos encontrassem a Fenda de Conexão e adentrassem o Mundo dos Vivos. Um deles, chegou até o senhor, porque o senhor também é um Guardião; outro chegou a Yamashita, mas foi morto por Aoi – Itilus a deixou encarregada de enfrentá-lo, não podia perder mais tempo no Mundo dos Vivos. Foi tudo muito rápido e tenso. Eu mal pude entender direito.
Sesshoumaru fechou os olhos, insatisfeito.
- O senhor entende o que lhe digo? Os Decaídos têm os Guardiões como inimigos. Eles sempre vão atacar os que tentarem frustrar a chegada deles ao Mundo das Entidades Superiores. Assim como sempre estarão, também, de olho nos Iluminados, naqueles que podem trazê-los para esse Mundo da forma mais fácil de todas: através do uso de Magia Negra.
No longo e tenso silêncio que se fez, Lin permaneceu ansiosa, sem saber, ao certo, o que viria do Dai-youkai.
- Eu, sinceramente, espero que o senhor tenha compreendido.
- Qual o sentido disso?
Sesshoumaru indagou, finalmente, com o previsto descontentamento.
- Não o compreendo.
- Por que me escondeu essas informações durante todo esse tempo?
Ela calou e desviou a mirada.
- Por que somente hoje, depois de tudo que já aconteceu, você resolveu contá-las a mim?
A raiva evidente deflagrou o que ia na mente e no coração do youkai: ele, finalmente, havia encontrado um argumento sólido, que fizesse toda sua teoria cair por terra e que tornasse a versão da protegida muito mais lógica. Não haveria mais maneira, portanto, de seguir culpando aquele a quem não mais poderia chamar de inimigo. Havia solucionado, num piscar de olhos, o que sua mente jamais conseguiria elucidar sozinho. Sentiu-se frustrado e ridículo, diante da protegida.
- Eu espero que exista uma boa razão para você ter me escondido isso até esse momento.
Lin, porém, titubeou. Sabia que não deveria falar mais do que já havia dito. Sesshoumaru parecia não saber nada sobre o Livro de Magias, e deveria seguir alheio àquele fato. Porém, ela estava ciente, também, de que as revelações que lhe fizera serviriam não somente para livrar a pele de Itilus, mas, também, para aguçar a curiosidade do Lorde a outras questões ainda não elucidadas.
- Todo esse tempo, você omitiu esses meros detalhes... E para quê?
Ela permaneceu calada, um tanto apreensiva.
- Não percebe o quão irresponsável você tem sido? E não percebe que segue agindo do mesmo modo?
- Eu...
- Se tivesse me contado isso antes, teria evitado muitos desentendimentos entre nós! Não percebe?
Lin calou, entre o receio e a vergonha da culpa.
- Você simplesmente o livra de todas as suspeitas, sempre que lhe convém fazê-lo. Mas segue fazendo segredo de outras coisas, e de modo deliberado?
- Eu sinto muito.
- Você sente? – havia um profundo desgosto naquele questionamento.
Lin havia tomado, de repente, uma postura mais evasiva e fria, como se seu corpo e sua mente, já acostumados aos efeitos daquele tipo de discussão, tivessem acionado, de modo espontâneo e automático, aquele modus operandi. Para o Lorde, todavia, ela lhe pareceu apenas apática e desconsiderada.
- É isso o que você tem para me dizer?
- Não posso lhe dizer que sou a Guardiã do Livro de Magias... Não ainda... Há tanto tempo, não posso contar com o senhor... Não posso, não devo e não consigo lhe confiar mais nada por hora.
- Eu não deveria estar tão surpreso com sua postura... – Sesshoumaru reclamaria, diante do silencio da protegida – No fim das contas, estamos do mesmo jeito de sempre.
- Eu lhe disse que Itilus não era seu inimigo. Eu sempre pedi que o senhor acreditasse em mim.
- E por que me escondia o que acabou de me contar agora, se sabia que me dissuadiria, de imediato, ao fazê-lo!?
Lin engoliu um seco, diante da pergunta agressiva – não que tivesse medo do que o Lorde pudesse fazer, mas pelo desgosto de se ver novamente naquele tipo de discussão.
- Responda, Lin!
- Viu só? O senhor nunca se contenta com o que lhe digo. Eu acabei de lhe contar a verdade, e o senhor já está se aborrecendo à toa.
- À toa? – Sesshoumaru indagou, incrédulo com o pouco caso que a jovem tentava fazer da situação – Está me dizendo que, por nenhuma razão justificável, você simplesmente omitiu algo que poderia ter evitado boa parte de nossos problemas?
- Eu não devo e nem deveria lhe contar nada disso! – ela desviou a mirada, novamente, lembrando-se dos conselhos e da imprudência da mãe – Toda e qualquer informação sobre essa história deve ser protegida pela Lei do Sigilo. Hoje, eu acabei de rompê-la. Mas o que recebo, em troca, são críticas e mais desconfianças. O senhor nunca vai mudar!
Sesshoumaru sentiu a fúria correr em seu sangue. Por um instante, pensou que não conseguiria controlar seus instintos e manter-se naquela conversa de modo civilizado. Respirou fundo e lentamente, antes de encarar a jovem novamente.
- Quer me culpar? Pois bem, vá em frente... – ele resmungou, com notável apatia – Mas nunca poderá negar que, se você tivesse me contado tudo isso antes, talvez, minhas ações e decisões a seu respeito tivessem sido muito diferentes.
- Teriam sido? Sério?
O Lorde preferiu o silêncio.
- Agora essa...
- É a verdade.
- Não, não é. E quer saber mais? As palavras “se” e “talvez” não deveriam existir.
- O que está fazendo? – ele indagou, vendo a jovem se levantar.
- Elas fazem a gente pensar que tudo o que fazemos, pensamos e definimos para nossas vidas foi um grande erro.
- Está cansada. Sente-se.
Lin, contudo, prosseguiu, fitando-o de modo sério e determinado.
- Mas eu lhe asseguro que não foram um grande erro. Tudo acontece como tem que acontecer. Nenhum de nós pode fugir do próprio destino.
- Está dizendo isso, para livrar-se da responsabilidade?
- Acho que o senhor faria o mesmo, se eu lhe dissesse que, SE o senhor não tivesse me abandonado em Murata, TALVEZ, Itilus não tivesse precisando agir sobre mim, tampouco, ter aparecido e permanecido em nossas vidas.
Ainda sentado, Sesshoumaru seguiu encarando a protegida, sério e consternado.
- Diga-me, Lorde Sesshoumaru... Como o senhor se sente agora, com o “se” e o “talvez”, ecoando em sua mente, juntos a essa possibilidade?
- Você conhece os motivos de meu distanciamento. Sabe que eu não poderia lhe dar o que você esperava de mim.
- Não poderia? Foi pura questão de preferência.
- Por quanto tempo acha que eu poderia sustentar uma vida paralela?
Lin maneou a cabeça, com sorriso sarcástico.
- Acha que eu a exporia a algo assim e a todos os riscos que viriam em consequência de uma união como a nossa?
- Muito gentil da sua parte.
- Leve isso mais a sério! – ele ordenou, contrariado, antes de pôr-se de pé, por fim – Não seja criança.
- O senhor poderia, ao menos, ter me explicado tudo naquela época, em vez de demonstrar, o tempo inteiro, que eu não significava absolutamente nada para o senhor! – Lin contestou, enraivecida, fitando o youkai de modo desafiador – Agora, vem me cobrar atenção e seriedade? O que pensa que sou? Um brinquedo em suas mãos?
- De que adiantaria eu ter lhe explicado meus impedimentos? – Sesshoumaru argumentou, agastado – Mesmo da forma como agi, você seguiu insistindo em seu querer, de modo insano e inconsequente, desafiando-me de todas as formas possíveis e desconsiderando o que sempre fomos um para o outro! Aliou-se a quem eu julgava ser meu inimigo, não apenas para me questionar, como sempre, mas para manter-se ligada a mim a todo custo!
- Fala sério...
- Se quiser mentir para si mesma, dizendo que compreenderia meus motivos se eu os tivesse lhe dito naquela época, faça-o, minta o quanto quiser. No fundo, você sabe que estaríamos exatamente como estamos agora.
- Exatamente: eu sou e sempre serei um problema para o senhor, não importam as nossas escolhas.
- Não foi o que eu disse.
- Minha forma de ser, minhas ações... O que penso, o que digo, o modo como entendo as coisas... Tudo, em mim, é muito diferente e inferior.
- Lin...
- Mas essa sou eu: uma mera humana.
- Você está distorcendo as coisas. Não seja imatura.
- Devo viver entre os meus, segundo seu próprio conselho. E foi exatamente o que fiz, como o senhor já o sabe bem.
Sesshoumaru fechou os punhos com ódio e sentiu suas mandíbulas pesarem, tamanha a pressão que fez em seus dentes. A pergunta soaria demais ameaçadora:
- O que acha que vai conseguir, mencionando o seu envolvimento com o príncipe de Miura?
- Absolutamente, nada. Como o nada que sou e sempre fui para o senhor.
Dito aquilo, Lin deixou o quiosque e rumou para o quarto. Sesshoumaru, por sua vez, não a questionou, nem a impediu de fazê-lo, tampouco a seguiu. Permaneceu por um tempo ainda, fitando a lua cheia, bebendo saquê e digerindo as novas descobertas.
- Lorde Sesshoumaru... – o youkai mensageiro o traria de volta à realidade – A Cerimônia do harém já vai começar.
- Estou ciente.
- Todos já se dirigiram para lá.
- Irei em seguida.
Naquela noite, Sesshoumaru não visitaria a protegida depois da Cerimônia, tampouco, na manhã do dia seguinte, para a surpresa de Nanae.
- Não espere que ele apareça por aqui tão cedo.
- Por que está dizendo isso, senhorita Lin?
- Porque o conheço bem.
Nanae não conseguiu segurar a curiosidade, vendo a jovem tão apática na conversa, devorando a comida, como nunca o fazia.
- Aconteceu algum problema?
Lin deu um risinho sarcástico e quase se engasgou com a sopa.
- A senhorita regressou sozinha ontem à noite... E estava muito séria e evasiva...
- Esqueça. Como já lhe disse, tenho que me recuperar o quanto antes. Preciso voltar para Ono-Aoki.
Também à tarde, Sesshoumaru não pisaria os pés naquela habitação.
- Deseja que eu o chame?
- O quê? – Lin indagou, surpresa.
- A tarde já finda. Lorde Sesshoumaru ainda não veio vê-la.
- E?
- Não está preocupada?
- Não.
- Nem triste?
- Menos.
- Vocês... – a serva pensou duas vezes, antes de fazer a pergunta – Vocês brigaram?
- Não é óbvio? – Lin perguntou, com a boca cheia, relaxada.
Nada, das refeições que chegavam ao quarto, regressava à cozinha.
- Céus... Eu sinto tanto por isso...
- Não sinta. É sempre assim. Não há nenhuma novidade nisso. Como já lhe disse antes, você não conhece os pormenores.
- Então... A senhorita pretende voltar para Ono-Aoki, brigada com Lorde Sesshoumaru?
- Apenas penso em regressar logo. Como será, eu não sei. Não estou ocupando meus pensamentos com isso.
Mas, com o passar dos turnos, a ausência e a indiferença do youkai, no fundo, passaram a incomodar a jovem, que, contudo, mantinha-se firme em sua fingida tranquilidade. Nanae, por sua vez, já não sabia mais o que dizer, nem o que fazer. A apatia da ama a preocupava; o aparente descaso de seu senhor, ainda mais.
- Hoje, é o penúltimo dia da Cerimônia. Lorde Sesshoumaru deve estar focado nisso agora. Talvez, amanhã, ele venha visitá-la.
- Nanae...
- Sim?
- Estou entediada... – Lin largou o bordado em cima da cama – Faz muito tempo que estou enfurnada nesse quarto...
- Gostaria de fazer um passeio?
- Eu não sei... – Lin ficou pensativa, receosa de encontrar o youkai pelo Castelo – Acho que prefiro tomar um pouco de saquê.
- Saquê?
- Vai me dizer que não sabe o que é?
- Claro que sei! – a serva riu, amena – Só não esperava por isso.
- Você poderia conseguir uma garrafa para mim?
- Uma garrafa? Não acho muito prudente, senhorita Lin.
- Um copo, então?
- Nem mesmo isso.
- Fala sério...
- A senhorita saiu de um coma há poucos dias; e ainda está em tratamento. Não deve ingerir bebidas alcoólicas.
- Que saco... – Lin revirou os olhos.
- É para o seu bem. Por favor, compreenda.
- Tudo bem, então. Vamos dar uma volta.
- Ótimo!
E assim, ambas o fizeram.
- Tudo por aqui é tão bonito, requintado e organizado... – Lin comentou, enquanto caminhavam por um dos tantos varandados do Castelo – Nunca vi nada parecido lá embaixo.
Nanae sabia dos receios de sua ama, mas queria ajudar os amantes a se resolverem de uma vez. Assim, transitavam por aquela área, pela qual, a serva sabia, Sesshoumaru poderia passar a qualquer momento. Quando virassem a esquina, o Dai-youkai, ao longe, avisaria as duas primeiro. Nanae, por sua vez, o veria logo em seguida, conversando com um de seus Generais. Lin, porém, só os veria quando não fosse mais possível regressar.
- Essa não... – Nanae fingiu surpresa e preocupação – Lorde Sesshoumaru está logo ali...
- Tudo bem, não se preocupe.
- Mas... A senhorita não deseja vê-lo...
- Agora, já não tem mais jeito. Não vou recuar, não sou covarde. Sigamos em frente e acabemos com isso de uma vez.
Lin só não contava com o total descaso do youkai, que olharia para ambas de modo frio e protocolar, quando cruzassem seu caminho, e seguiria, apático, conversando com o distinto guerreiro. Tão focados os três estavam uns nos outros e na tensa situação, que não perceberiam o fascínio com que o General olharia para Lin.
- Eu sinto muito, senhorita Lin.
- Não sinta. Já estou acostumada a esse tipo de atitude. Não me surpreende em nada.
- Mas a senhorita ficou triste, depois que passamos por lá. Eu não imaginava que a situação fosse tão grave assim.
- Do jeito que está falando, posso até pensar que fez de propósito, Nanae.
- De maneira alguma!
A serva se colocou diante de Lin e a reverenciou de imediato, com notável ar de culpa.
- Melhor que uma reverência e um pedido de desculpas hesitante seria uma garrafa de saquê.
Lin desviou da serva e seguiu caminhando pelo varandado. Nanae a acompanhou de imediato.
- Irei providenciá-la para a senhorita, não se preocupe.
- Está desculpada.
Num jardim qualquer, Lin se sentou e ficou esperando, mais pela bebida do que pela serva. Nanae se demoraria tempo suficiente para a jovem Bruxa engolir o orgulho e acalmar os ânimos.
- É um bom saquê. – ela lhe diria, antes de solicitar o segundo copo.
- Céus... – Nanae pensou, receosa – Lorde Sesshoumaru vai me matar...
Enquanto isso, já no Salão de Reuniões do Castelo, o Dai-youkai praticamente encerrava o acordo com seu General.
- Agora, diga o que quer em troca.
- Lorde Sesshoumaru... – o guerreiro o reverenciou – Eu ouvi, de fonte segura, que planeja destinar as concubinas de seu harém aos seus aliados. Isso é verdade?
- De onde ouviu isso?
- Da digníssima Senhora do Oeste, no dia em que partiu ao Velho Palácio.
- Esse é um segredo dela e meu. Hahaue, decerto, o tem em altas contas. Para ter lhe revelado algo tão sigiloso...
- Sua ilustríssima mãe conhece minhas intenções.
- E quais seriam?
- Finalmente, decidi me casar; e estou em busca de uma esposa apropriada.
- Entendo.
- Posso receber, do senhor, uma honraria como essa?
- Certamente.
- Desde já, eu lhe agradeço, meu senhor.
- Já tem alguma concubina em mente?
- Eu havia pensado na princesa do Clã dos Pássaros, mas...
Sesshoumaru sequer sabia de quem se tratava.
- Acho que mudei de ideia.
- E quem tem em vista agora?
- Aquela youkai, que cruzou conosco, enquanto conversávamos no varandado.
- Refere-se à jovem de cabelos vermelhos, decerto. Por acaso, não reconheceu os trajes que ela usava? Nanae é uma das servas do Palácio.
- Sim, eu a reconheci, meu senhor. Eu me referia à outra jovem, à de cabelos negros.
- O quê? – Sesshoumaru sentiu o corpo inteiro enrijecer – Lin?
- Lin...
O General repetiu o pequeno nome, com notável interesse e com o sorriso bobo dos apaixonados, sem se dar conta das faíscas de ódio no olhar do Senhor do Oeste, que, por muito pouco, não o defenestrou.
- Estou muito impressionado, nunca vi beleza igual. Sem dúvida, a mais bela fêmea que meus olhos já viram durante todos esses séculos.
O Dai-youkai respirou fundo, enraivecido com o simples fato de outro macho apenas ter apreciado e sua protegida bem debaixo de seu nariz.
- Que jovem adorável... Que cheiro doce...
- General Ryotaro... Perdeu o senso? – Sesshoumaru se adiantou, emburrado e crítico – Lin não é uma de minhas concubinas, menos ainda, uma youkai.
- O quê? Ela não é uma youkai?
- Lin é a protegida de minha mãe nesse Castelo.
- Mas... Como isso é possível? Aquela energia...
- Não existe a menor possibilidade de seu pedido ser atendido.
- Meu senhor, eu lhe peço sinceras desculpas! – o guerreiro fez uma calorosa reverência, notando a insatisfação do Grande Líder – Eu não estava ciente desse fato.
- Se não consegue diferenciar uma humana de uma youkai, receio que devamos rever nossa aliança.
- Meu senhor! Eu lhe suplico que reconsidere! Eu estava tão fascinado ao vê-la, que acabei me distraindo e...
- Suficiente.
E o clima de tensão se estenderia a outros lugares daquele Castelo.
- Senhorita Lin, por favor, não me peça outro copo... Esse já é o terceiro! – Nanae insistiria, temerosa – A senhorita já está com os reflexos alterados!
- E daí?
- Daí que, se Lorde Sesshoumaru descobrir que está bebendo, ficará muito bravo comigo!
- O seu senhor está com raiva de mim. Se descobrir que me deu saquê, vai focar em me repreender, não em castigá-la.
- Mas...
- Acredite em mim. Ele nem vai se lembrar de quem me deu a garrafa.
- O que está havendo aqui? Que barulheira é essa?
Lin e Nanae se assustaram, ao escutarem o questionamento sério e petulante.
A voz feminina e o som dos zōris causaram relativa curiosidade a Lin, que, de costas, não pôde identificar, de pronto, de quem se tratavam.
- Quem é essa mulher? Nunca senti sua energia por aqui antes, tampouco, seu cheiro...
A jovem permaneceu como estava, meio entediada, sentindo o clima da discórdia pelos ares daquele jardim.
- Princesa Mari, Princesa Miyuki... – Nanae as reverenciou, prontamente – Sejam bem-vindas.
- E são duas... – Lin pensou, de saco cheio.
- Essa é a senhorita Lin.
- A humana?
Somente ao escutar o descaso com que a tal princesa falava a seu respeito, Lin apoiou o copo na mesa do quiosque e se virou, ainda sentada no banco, para ver a infeliz. A reação das duas concubinas, ao colocarem os olhos nela, não seria muito diferente da do General. O fascínio, contudo, alimentou a inveja e a raiva da que já vinha reclamando desde o princípio.
- Que olhos horríveis os seus...
Havia uma dose exagerada de asco naquele insulto, ao qual Lin preferiu não reagir, mesmo tendo se incomodado ao escutá-lo.
- Isso é alguma doença? Se for, não se aproxime de mim. Meus olhos são um de meus diferenciais. Não quero que fiquem manchados de sangue, como os seus.
Lin, de pronto, virou-se para a mesinha novamente, voltou a atenção ao copo de saquê e seguiu ignorando as youkais, bebendo.
Ambas eram muito bonitas: a que nada dizia, tinha a pele alva, cabelos verdes e olhos negros; enquanto a tagarela tinha a pele mais bronzeada, cabelos castanhos claros, quase loiros, e olhos um tanto alaranjados.
- Eu ouvi dizer que a protegida do grandioso Senhor do Oeste era uma jovem mulher de beleza indescritível e incomparável. Mas... Não é o que vejo diante de meus olhos. Não é mesmo, Miyuki?
- O que está fazendo?
- Dizendo a verdade, oras! Não cochiche, covarde.
- Não me meta em suas confusões, Mari.
- Só porque ela é a protegida de Lorde Sesshoumaru, não podemos anunciar essa gritante realidade?
Miyuki, contudo, preferiu se manter calada e evasiva – sabia dos riscos de se exceder naquele Castelo, seus pais a tinham orientado bem.
- Pois eu não tenho absolutamente nada a temer! – Mari insistiu nas provocações – Muito em breve, eu serei a nova Senhora do Oeste e me livrarei de todas as ratazanas desse Castelo. Isso inclui você, Princesa Miyuki, que, pelo visto, comove-se com a ralé.
Lin não conseguiu mensurar o tamanho da decepção que sentiu, ao escutar aquelas palavras. Quem era aquela youkai, que alarmava, de modo certo e exibido, o casamento com seu Guardião? Era sua nova noiva? Ela se perguntava, com olhar triste, vago e desapontado.
- Amanhã, será o último dia da Cerimônia de Apresentação. Até agora, Lorde Sesshoumaru não demonstrou o menor interesse nas demais concubinas. Isso inclui você, Princesa Miyuki.
A Bruxa de Ono-Aoki foi ligando os pontos.
- Sua performance foi sem brilho e insossa.
- E você é tão grosseira em seus modos e desrespeitosa em sua obstinação, que, certamente, fará uma apresentação escandalosa, à qual ninguém vai querer assistir.
- Exatamente, minha cara. Amanhã, será o meu grande dia. Serei a última concubina do harém a se apresentar a Lorde Sesshoumaru. Decerto, todos já estarão cansados e entediados com toda a falta de talento vista nos últimos dias, que já terão deixado o Salão do harém. Então, sozinha com o Senhor do Oeste, eu poderei lhe mostrar a verdadeira felicidade.
- Princesa Mari... Advirto-a de que é proibido fazer qualquer tipo de...
- Ora, cale-se! Insolente... – a youkai interrompeu a fala de Nanae – Quem pensa ser para sobrepor sua voz à minha?
A princesa Miyuki respirou fundo, já acostumada aos excessos e à vulgaridade da competidora.
- Vocês logo receberão a notícia, escutem o que lhes digo. Lorde Sesshoumaru me escolherá, isso é certo! O modo com que ele vem olhando para mim nesses dias é prova disso. Sem falar que... – a youkai riu, de modo vitorioso e sugestivo – A mãe dele também gostou de mim.
Lin engoliu um seco, sentindo o coração apertar.
- Não compreenderam por que ela deixou de comparecer à Cerimônia?
As explicações, porém, seriam direcionadas a Lin.
- Certamente, para me favorecer, deixando Lorde Sesshoumaru e eu a sós, ao final do evento.
- Mari! O que está dizendo? Você enlouqueceu? – Miyuki a questionou, receosa, ao ver o olhar sério e analítico de Nanae.
- Eu estou dizendo a verdade! Não fosse assim, eu o faria? – a youkai insistiu, exibida – Desde que ela deixou de participar da Cerimônia, os convidados de honra também o fizeram. Nem mesmo as demais concorrentes estão permanecendo no Salão, entediadas com as ridículas apresentações; envergonhadas pelas próprias performances, também, e cientes de que já estão derrotadas, claro.
- Isso é o que você está dizendo.
- Só não enxerga quem não quer. É evidente que Lorde Sesshoumaru e eu estaremos sozinhos amanhã, ao final da Cerimônia, quando chegar a minha vez de me apresentar a ele. E sabem o que farei?
O silêncio constrangedor pairou e só aumentou o suspense. Provocativa, Mari caminhou e se colocou no campo de visão daquela que tinha como maior rival naquele Castelo. Então, prosseguiu:
- Eu irei satisfazê-lo, como nenhuma fêmea conseguiu até hoje... Eu o farei experimentar um prazer nunca antes sentido...
- Você é ridícula.
- Não seja despeitada, Princesa Miyuki. Tenho certeza de que Lorde Sesshoumaru nunca mais terá olhos para outra mulher, depois do que farei amanhã.
Lin apertava o copo de saquê com a força do ódio e do ciúme, que jamais pensou que ainda pudesse sentir a respeito de seu Guardião.
- E depois que eu me tornar sua Imperatriz, sua única obsessão, irei me livrar de toda a imundice desse Palácio.
Naquele instante, a jovem Bruxa não se conteve e encarou a Princesa, para se certificar da indireta. Ao fazê-lo, viu seu largo sorriso vitorioso, estampado na cara, e se sentiu demais humilhada, por haver fraquejado, por não ter conseguido vencê-la pela simplória superioridade de ignorá-la por inteiro.
- Espero que eu tenha sido clara o suficiente.
Ao dizer aquilo, a youkai se retirou do jardim, com o andar alegante e superior, exibindo-se na cara seda amarela, que lhe caía muito bem e que revelava, na transparência, a perfeição de suas formas. Logo em seguida, a outra concubina deixaria o jardim também, calada e sem jeito, um tanto preocupada com a situação criada pela competidora.
- Nanae...
Quando a sós com a serva, Lin, finalmente, criaria coragem para lhe fazer a pergunta.
- O que significa tudo isso?
E a youkai não pôde mais seguir omitindo o que acontecia no Castelo, ao seu total desconhecimento.
A cada palavra dita, Lin sentia como se uma pedra caísse sobre seu corpo frágil e enfraquecido, esmagando, uma a uma, os seus ossos, o seu orgulho, o seu amor próprio e as suas estúpidas esperanças. Ao mesmo tempo, perguntava-se, surpresa, quem de verdade era o seu Guardião, que, outro dia, estava tão permissivo e cheio de gentilezas a seu respeito, mas gastava, toda noite, horas de seu tempo em eventos de seu harém.
- Eu sou tão burra e ridícula...
- Senhorita Lin...
- O seu senhor não tem a menor consideração por mim, Nanae...
- O que está dizendo?
- Ele zomba de mim de todas as formas...
- A senhorita não me escutou? Não tome como verdadeiras as palavras daquela princesa! Ela não gosta da senhorita e a estava provocando com todas aquelas mentiras absurdas! Ela sabe o quanto Lorde Sesshoumaru se importa com a senhorita e o quanto despreza o harém!
- E é mentira que foi lá, onde ele esteve metido todas essas noites?
Lin atirou o copo de saquê ao chão, furiosa.
- Aquele... Sonso!
- Senhorita Lin... – Nanae insistiu em demovê-la, surpresa e um tanto assustada – Lorde Sesshoumaru não teve escolha.
- Ele nunca tem! – a jovem Bruxa bradou – Que droga de Grande Líder ele é, se não tem poder sobre uma porcaria de harém?
- Senhorita Lin, contenha-se, por favor! – Nanae suplicou, num cochicho repreensivo, depois de olhar para os dois lados – Se alguém escutar esse tipo de insulto, a senhorita poderá ser executada!
- Executada...
- Não faça pouco caso! Isso é algo que nem mesmo Lorde Sesshoumaru poderia impedir.
- Patético... O que esperar de um “Grande Líder”, que não possui autonomia, nem autoridade?
- Senhorita Lin, aonde vai?
Nanae questionou, vendo a jovem partir, depois de ter arrebatado a garrafa de saquê da mesa do quiosque.
- Vou para o quarto, de onde não pretendo sair, até o dia em que eu possa ir embora daqui de uma vez por todas!
- Céus... – a serva murmurou, lamentosa e preocupada – Quem poderia imaginar que a senhorita fosse tão rústica e inapropriada...
O resto daquela tarde, Lin passaria em seu quarto, finalizando a garrafa de saquê e saboreando cada gota amarga de suas dores. Sentia-se tão tola, humilhada e inútil naquele Castelo...
A lua cheia nasceria um pouco mais tarde naquela noite, e a lembrança do crepúsculo do dia anterior ainda fazia arder seu coração. Para a surpresa de ninguém, o Dai-youkai não iria visitá-la também àquela noite.
- A senhorita não vai comer nada? – a serva perguntou pela enésima vez, cansada de insistir, vendo o jantar ainda intacto na mesinha.
- Leve tudo isso daqui e me traga uma garrafa de saquê.
- Nem pensar. A senhorita precisa comer. Desse jeito, não vai se recuperar.
- Não tenho fome.
- Vai ficar aí, sentada nessa cama, pelo resto dos dias, amargurada e furiosa?
Lin respirou fundo, encarando a serva com mórbida seriedade.
- Por favor, senhorita Lin, não aja desse jeito... Está começando a me assustar...
- Nanae...
- Se não fizer algo a respeito e se não comer nada, eu mesma chamarei Lorde Sesshoumaru aqui.
- Não vai querer começar uma guerra, vai?
- Céus... A senhorita não tem amor à sua própria vida...
Lin ignorou a crítica.
- Mas não esperava que pouco se importasse, também, com a dos outros...
- O que está dizendo? – a pergunta soou tão indiferente, que sequer pareceu sincera.
- Senhorita Lin... – a jovem serva caiu de joelhos diante do leito, lacrimosa – O que eu lhe fiz de tão errado, para merecer um fim tão miserável?
- Mas... Que drama é esse?
- Não é drama algum... É apenas a verdade...
- Do que está falando?
- De todas as criaturas desse Castelo, eu sou a única que conhece a medicina e a culinária dos humanos. Por isso, fui escolhida para servi-la. Se eu não conseguir cuidar de sua saúde e de sua recuperação, meu senhor e minha senhora ficarão furiosos comigo e me castigarão, porque a senhorita é importante para eles.
- Importante... Estou vendo... – Lin não quis nem resmungar, mas comoveu-se com a situação de Nanae.
- Talvez, por minha incompetência, eu até seja expulsa do Palácio... E para onde eu iria? Onde eu poderia viver, depois de tantos anos de serviço nesse lugar?
- Nanae...
- Por favor, senhorita Lin! Não seja tão dura comigo!
- Céus...
- A senhorita ainda está chateada, porque o nosso passeio foi muito ruim? É por isso que está brava comigo?
- Escute-me...
- Por favor, senhorita Lin, perdoe-me!
- Nanae...
- Como eu poderia imaginar que as coisas sucederiam daquela forma?
- Você pode me trazer o chá, por favor?
- O que disse? – a serva parou o choro.
- E uns bolinhos de arroz também.
- A senhorita...
- Sim, eu vou comer alguma coisa.
E, ao dispor as bandejas sobre a cama, Nanae sugeriu, aproveitando-se da gentileza da ama.
- Por que não toma também a sopa que lhe preparei? Está muito saborosa e nutritiva.
- Não abuse da minha bondade... – Lin respondeu seriamente, mas menor furiosa, servindo-se do chá – Não estou em um dia bom.
E nem enquanto dormia, ela teria um pouco de paz. A madrugada seria demais agitada, e seus sonhos, um verdadeiro tormento.
- O que está havendo?
Ela perguntaria, hesitante, a uma das concubinas que regressavam do Salão do harém, pelo caminho de acesso.
- Essa Cerimônia está um tédio, estamos indo embora.
- Embora?
- É muita falta de talento reunida em um lugar só...
- Mas... Isso não está certo! – Lin exclamou, preocupada – Ainda falta a apresentação da princesa Mari. Vocês precisam estar presentes!
- Para quê?
- É que... – ela não encontrou palavras para explicar.
- Deixe-nos em paz.
E por mais que Lin as tentasse alertar, aos gritos, quanto às más intenções da concorrente, nenhuma concubina lhe daria ouvidos. Todas seguiriam seu rumo. Então, ela não veria outra opção, senão invadir a Cerimônia e evitar que o pior acontecesse.
- Aquela princesa exibida vai ver só...
Lin marchava, como um general austero, pelo caminho que a levaria para o maior de seus martírios.
- Entre.
Sesshoumaru deu a ordem – ela reconheceu, de pronto, sua voz grave e arrebatadora.
- Céus... Não acredito que estou fazendo isso...
E adentrou o Salão, sentindo-se desconcertada e ansiosa, a cada passo que dava em direção ao Dai-youkai.
- Acho que não sou a pessoa pela qual o senhor está esperando.
Ela lhe falou, quando estacionada diante do Lorde, que olhava para um ponto qualquer do Salão, vagamente.
- Engana-se. Venha até aqui.
- Mas... O senhor...
- Sente-se ao meu lado.
Lin não hesitou em cumprir aquela ordem. Então, depois de um pequeno silêncio, Sesshoumaru a questionou, ainda sem olhar para ela.
- O que veio fazer aqui?
Ele estava diferente, Lin notou de imediato. Seus modos pareciam mecânicos e mais apáticos que o de costume.
- Eu só queria...
- Veio assistir? – ele a interrompeu, de pronto – Pois bem, não a impedirei. Já é hora de acabar com isso.
Ao fim daquela fala, a grande porta lateral do Salão correu e revelou a figura de uma fêmea, coberta por uma imponente manta nívea, felpuda e encapuzada. Curiosa, Lin espreitava, para se certificar de quem se tratava, sentindo o ciúme amargar seu espírito.
- Venha até mim.
A ordem do Lorde a fez regressar à sua mera condição de observadora.
Quando a beldade se colocou diante do trono, o Dai-youkai lhe deu a ordem crua e direta.
- Mostre-se.
A manta logo foi ao chão, revelando o corpo jovem, totalmente despido, de formas avantajadas e convidativas.
- Não pode ser... – Lin pensou, sem arte.
Jamais confundiria ou esqueceria aquele rosto. Por muito tempo, ele atormentara seu espírito.
- Lady Tomiko?
Ela, por fim, indagou, ainda incrédula, principalmente, com a naturalidade com que seu Guardião lidava com a situação.
- Bruxa Cega de Ono-Aoki... – a Dai-youkai sorriu, encarando-a de modo vitorioso – Há muito, não nos vemos...
- Mas... Onde está a princesa Mari?
- Eu a devorei. Estava saborosa; e vai me dar muita energia para o que preciso.
- Não percamos tempo com conversas inúteis.
A fala do youkai fez surgir, como se num passe de mágica, um enorme leito, branco e felpudo, sobre o qual ele e sua Lady se viram ajoelhados, de frente um para o outro, ela nua, ele ainda vestido, enquanto Lin os assistia, sentada, ao lado, à beira da cama alta, perto o bastante para ver todos os detalhes.
- Que porcaria é essa? – ela se perguntou, sentindo a garganta doer.
- Estou aqui para servi-lo, meu senhor... Como de costume.
Com sua mão esquerda, Sesshoumaru agarrou-a pelos cabelos, violentamente, fazendo-a soltar um gritinho deleitoso.
- Selvagem, com sempre...
A outra, ele dispôs na intimidade da youkai, de modo calmo e analítico.
Ao gemido, Lin fechou os olhos e baixou a cabeça.
- Afaste as pernas.
A ordem fez ambas as fêmeas estremecerem.
- Meu senhor... – Tomiko suspirou.
E Lin abriu os olhos, entre a incredulidade e o despeito, mantendo-se, porém, um tanto cabisbaixa, fitando-os de canto, discreta. Então, viu a youkai cumprir a ordem bem devagar.
- Vadia odiosa...
Ninguém escutaria seu reclame.
E logo veria o Lorde, pressionando os cabelos de Tomiko, invadir e esfregar os lábios de sua intimidade, com a seriedade de um tirano, fazendo-a gemer despudoradamente, abrir-se mais e mais, enquanto mexia e lhe oferecia o corpo, em movimentos compassados aos das carícias dos dedos enormes.
Lin sentiu sua intimidade pulsar e molhar de tesão. Em nenhum instante, porém, pensou em deixar local. Queria estar ali, vê-los em ação, descobrir o quão inferior sua humanidade poderia ser. Seus olhos analisaram, de perto, o ir e vir dos dedos do Lorde nos lábios rosados, carnudos e visguentos da youkai. O que poderia haver de tão especial naquilo? Ela já não havia experimentando, com o próprio Guardião, aquela mesma experiência?
- Meu senhor! Que gostoso!
O gemido arfante da rival a trouxe de volta, quando Sesshoumaru passou a acariciar o ponto mais sensível da fenda.
- Por que ela não o toca? – e se perguntou, vendo que a youkai se apoiava nos ombros do Lorde com os punhos fechados – Será um acordo entre eles? Será uma norma?
- Meu senhor... Está tão gostoso... Não vou aguentar por muito tempo...
Molhada, estremecendo de prazer, Tomiko pendeu a cabeça para traz e fechou os olhos.
- Não pare...
Parecia tão sofrida e vulnerável, Lin pensou; e viu o Lorde desenhar um risinho analítico e deleitoso.
- Sesshoumaru! Não pare!!
E ambos permaneceram daquele jeito por mais alguns segundos, até que os gemidos se convertessem em gritos escandalosos. O Dai-youkai apenas sorria, muito discreto e petulante.
Passado o momento de maior euforia, Tomiko perdeu as forças e caiu para trás, arfante e inebriada de prazer. No leito, ainda se contorcia e gemia baixinho, enquanto o Lorde a mirava de cima, com ar de quem só estava começando a brincadeira.
- O senhor não mudou nada...
Ela ficou de bruços, expondo seus volumosos glúteos, de modo convidativo.
- E isso é ótimo, sabia?
Então, Sesshoumaru puxou-a pelas pernas e aproximou-a novamente, elevando seus quadris e colocando-a de quatro, com a face enterrada e sufocada no colchão. Entre suas pernas, abertas e suadas, ele permaneceu como estava, de joelhos no leito, ao qual deixou cair a nívea e refinada seda que o vestia, revelando, assim, seu corpo nu, perfeito e viril. Seu membro, avantajado e pulsante, em plena excitação, fez a jovem humana soltar um gemido tímido e doído.
- Veja.
A ordem dada a fez olhar mais para cima. Ao fazê-lo, viu que o Lorde a encarava pela primeira vez até aquele momento.
- Serei breve.
Depois, ele voltou sua atenção às ancas abertas de sua Lady. Lin não conseguiu não fazer o mesmo. A intimidade de Tomiko pulsava e babava por aquele contato; e logo receberia o que tanto almejava.
Sentada, imóvel, lacrimosa, Lin viu o imponente membro do Dai-youkai atravessar os lábios carnudos e visguentos, penetrando-os em cadenciados movimentos, até que invadissem, por completo, o corpo da fêmea, que estremecia à cada investida e gemia sem o menor pudor. Vez por outra, durante o coito, Sesshoumaru olhava para Lin, que, tão logo o notava, desviava a mirada, constrangida e triste. Perguntava-se o que tanto lhe doía, afinal: não sentir aquele prazer? Não ter sido a escolhida para satisfazer seu senhor? Vê-lo apertar as ancas abertas de sua Lady, enquanto a possuía? Vê-lo deslizar as mãos por suas costas e coxas e deixar-lhe as claras evidências do prazer que ela lhe dava? Ou seria o simples fato de ser uma criatura inferior a ambos?
Os gritos e gemidos da youkai ecoavam pelo Salão e em sua mente, junto aos ruidosos pensamentos, aos discretos sussurros de seu Guardião e ao som dos corpos em contato violento.
- Basta, não? – Lin perguntou, não ao Lorde, mas a si mesma.
Sesshoumaru sentiu, naquela resignação, o desejo, da jovem, de partir.
- Não ainda. – ele lhe deu o alerta, ao vê-la se erguer – Observe.
De pé, ao lado do leito, Lin o veria retirar, devagar, de dentro da youkai, seu membro pulsante e melado de gozo.
- Está satisfeito? – ela perguntaria, quase afônica, vendo-o encará-la com seriedade.
- Quase. Veja.
À ordem fria, Lin voltou sua mirada para a genitália do Lorde, que, aos poucos movimentos de sua mão habilidosa, jorrou, na anca da youkai, o sêmen, espesso, níveo e volumoso. Sesshoumaru gemeu de deleite. Ela pensou que fosse morrer de desgosto.
- Lin...
Ele pediu a atenção da protegida; mas ela não o corresponderia, focada no caminho que o líquido fazia pela perna da youkai.
- Nenhuma fêmea, além de você, receberá isso de mim.
Calada, sentindo o coração sangrar, Lin escutou a mensagem ratificada.
- Você a única mulher, digna de ter, a mim, por inteiro.
No Salão do harém, os olhos da jovem se fecharam fortemente; mas, logo depois, abririam-se com calma e contemplariam a escuridão de seu quarto. Não houve susto, não havia lágrimas, suor, nem aflição. Mas sua intimidade ainda pulsava, molhada.
- Quem foi que lhe disse que o senhor é digno de tocar o meu corpo?
- Senhorita Lin? – Nanae percebeu a movimentação na área do leito e se aproximou – Está acordada?
- Não se preocupe, Nanae. Foi só um pesadelo.
- Deseja um pouco de chá?
- Por favor.
A alvorada tardaria a chegar naquela habitação. Lin a esperaria, insone, com olhos cansados, fundos, e conformados, servindo-se dos chás que Nanae lhe preparava. Quando a claridade do dia invadisse o quarto, não traria o menor raio de esperança, e só os deixaria ainda mais sensíveis e doloridos.
A serva havia percebido a brusca mudança no semblante e no espírito da jovem humana, outrora, tranquilos e até travessos. Parecia que o fel havia tomado seu coração por completo. Era, aquela, a sua verdadeira forma de ser, a qual sua ama sempre lhe dizia ser de seu desconhecimento? Quantos segredos, frustrações, encontros e desencontros havia entre aquela humana e seu senhor? Nanae preferiu não perguntar, nem importuná-la com assuntos mais delicados.
Lin não conversava, reagia à quase nada e passaria o dia inteiro naquele estado de inércia e de alheiamento, sem se alimentar, transitando, vez por outra, da cama para outro espaço qualquer daquele quarto; depois, de volta para o leito, onde permanecia desperta, pensativa, sem ânimo.
Preocupada, sem que sua ama pudesse imaginar, Nanae iria à procura do Lorde, para informá-lo e alertá-lo sobre o que sucedida. Para sua angústia, não conseguiria espaço para contatá-lo – havia uma estranha movimentação no Castelo naquele dia, negócios e mais negócios a tratar... E pelo receio de deixar a humana sozinha, não se demorou a regressar ao quarto. Até que a noite chegasse e trouxesse, consigo, mais uma preocupação.
- Está ficando febril.
Lin, finalmente, havia conseguido dormir, depois de horas e horas de vigília e pesar.
- O que devo fazer? A essa altura, Lorde Sesshoumaru deve estar indo para a Cerimônia de Apresentação. Não seria um momento oportuno.
Nanae consumia o juízo, com as possibilidades que lhe vinham à mente.
- Devo controlar a febre por hora. Quando a Cerimônia acabar, irei informá-lo do que está havendo.
Os minutos, todavia, arrastavam-se como uma eternidade naquela habitação, enquanto a condição de sua ama só se agravava.
- Não posso mais esperar. Irei até o harém.
Nanae cruzou o Castelo, apressada.
- A Cerimônia já deveria ter terminado. Por que tudo hoje está fora do tempo habitual?
Pelo caminho de acesso ao harém, ela passou correndo, com o coração a mil. No Salão, tudo estava preparado para a última apresentação. Havia uma tensão muito grande entre as concubinas, diferente dos outros dias. As youkais pareciam demais ansiosas por verem a última concorrente em ação – o Lorde não compreendia o porquê, tampouco, quis descobri-lo.
- Diga.
Sesshoumaru ordenou, ao servo mensageiro do harém, parado diante de si. Mas a mensagem lhe foi passada com discrição.
- Nanae está aqui? – o Dai-youkai receou.
- Disse que precisava lhe falar com urgência.
- O que pode ter acontecido? – o Lorde se preocupou, ansioso por sair daquele odioso lugar – Diga que não demorarei.
A última concubina adentrou o Salão em seguida, usando a refinada túnica branca, de capuz, que a velava quase por inteiro. As demais youkais só desejavam que ela tropeçasse e caísse, sem saberem que o porvir seria bem mais humilhante.
- Já começou mal, Mari. O Salão está cheio, não poderá colocar seu plano baixo e nojento em ação. – a princesa Miyuki pensou, satisfeita – Vamos ver o quão boa de improviso você é.
Mesmo diante da situação adversa, a youkai fez a manta ir ao chão, do modo exibido que havia planejado antes, tentando ser impactante perante o Lorde, contando com que sua beleza, por si só, despertasse algum interesse nele. O Dai-youkai, contudo, olhou-a de maneira rápida e protocolar, como o fez às demais concubinas em suas apresentações, o que a deixou abalada e menos confiante. Para piorar, Mari percebeu que havia um quê de crítica e de impaciência no espírito do Senhor do Oeste. Restou-lhe, então, mostrar-lhe aquilo que os de seu Clã diziam ser sua maior habilidade: o canto. Sua bela voz, decerto, ecoou pelo salão e chegou a impressionar e amedrontar algumas concubinas. Mas, ao Lorde do Oeste, não causou efeito algum.
Nanae, angustiada com a demora, deixou-se aparecer, discretamente, na porta do Salão. Ao vê-la, o Dai-youkai se ergueu do trono, de pronto. Algo sério acontecia com Lin, e ele não perdeu mais um segundo de seu tempo ali.
- Suficiente.
Mari interrompeu o canto e viu o Dai-youkai deixar o Salão, desolada e envergonhada.
- Quem diria que o canto da Princesa do Clã dos Pássaros soaria tão ridículo e em vão? – Miyuki zombou, e os risinhos de deboche ecoaram pelo lugar.
No caminho ao quarto de Lin, Nanae resumiu, ao seu senhor, as condições de saúde da protegida. Diante do bombardeio de perguntas, achou por bem manter sigilo de certos detalhes, tratando de mencionar apenas o que havia ocorrido naquele dia em especial.
- Há quanto tempo está febril.
- A febre começou somente no meio da noite, mas... A senhorita Lin passou o dia inteiro indisposta. Não se alimentou e não cumpriu as atividades que vinha desempenhando nos outros dias. Esteve muito calada e aérea. Seu estado é preocupante, meu senhor.
No longo silêncio que se fez, ambos, sem que o outro soubesse, culpavam-se pelo estado da jovem: Sesshoumaru, pelo demorado passeio do outro dia, pela discussão e pelo gelo que lhe deu depois; Nanae, pelo saquê e pelo turbulento passeio do dia anterior. Suas culpas, porém, eles as guardaram para si mesmos.
Para tensão e preocupação de ambos, Lin seguiria desacordada até o fim da tarde do dia seguinte. Quando despertasse, ainda indisposta, Nanae, em vez de pedir que chamassem o Dai-youkai, trataria de seus cuidados, para que, quando ele a visse, ficasse menos preocupado.
Durante o banho, Lin permaneceu muda e aérea, como esteve no dia anterior. À hora da refeição, Nanae achou por bem lhe falar o que havia sucedido até aquele momento, pensando que a faria reagir de modo positivo.
- Ele esteve aqui?
Nanae não percebeu seu dissabor e seguiu contando tudo, satisfeita e sorridente.
- Lorde Sesshoumaru estava tão preocupado... Passou a noite em claro, cuidado da senhorita... – Lin sentiu o estômago embrulhar – Pouco antes de o sol nascer, chegou a cochilar sentado, pobrezinho... E quase não deixou o quarto quando acordou!
Por pouco, não botou, para fora, o pouco que havia conseguido comer até ali.
- Ao meio dia, veio ver se a senhorita havia despertado; também, no finzinho da tarde.
Nanae falava, falava... E Lin só conseguia pensar no sonho que tivera.
- Ficou feliz por eu ter conseguido controlar a febre, mas partiu ainda preocupado com sua demora a acordar.
O combo era demais para sua mente e para suas emoções.
- Senhorita Lin... Eu sinceramente acho que...
A jovem cerrou os dentes, com força, certa do que escutaria a serva dizer.
- Que Lorde Sesshoumaru a ama muito.
Ao escutar aquilo, Lin não conseguiu se controlar. Num repente furioso, fez a mesinha de refeições capotar pelo quarto, junto às refinadas tigelas, que se quebraram ao violento impacto com o chão.
Nanae ficou muda, de assombro, no primeiro momento. Mas, ao ver a jovem se erguer e começar a destruir o aposento, atirando os objetos ao chão, feito louca, ergueu-se também e tentou impedi-la. Chegou a agarrar a jovem, tentou conscientizá-la, mas Lin conseguiu se libertar de seus braços fortes e seguir com o showzinho, cheia de ódio no espírito. Nanae, então, decidiu-se por correr o risco: a bofetada fez a ama cair ao chão e, depois, em si. Foi nos braços da serva que Lin deixou as lágrimas caírem, sufocantes e doídas, até quando a dor se tornasse menor que a vergonha.
- Eu lhe disse, Nanae... Você não sabe nada sobre nós dois...
- Foi minha culpa... Todo esse tempo, eu a importunei com minhas equivocadas expectativas.
- Não, não é culpa sua.
- Aos poucos, eu vinha percebendo que as coisas não se encaixavam, que havia muita hesitação entre a senhorita e Lorde Sesshoumaru, mas... Ao mesmo tempo, também notava os sentimentos por trás das gentilezas e das preocupações... No fim, eu só quis enxergar a parte boa e me deixei levar por ela.
- Esqueça. Isso que você está vendo é só um resumo do que ele e eu somos: um grande desastre.
- Não deveria ser assim...
- Pare de lamentar.
Nanae engoliu o choro.
- Essas recaídas me deixam muito mal. Não me faça vacilar outra vez.
- Perdoe-me, senhorita Lin. Eu vou me controlar.
- Ajude-me a me levantar.
O silêncio de cumplicidade pairou entre ambas, no caminho até o leito, onde Lin se sentou, exausta e suada, assim que chegaram.
- Por favor, senhorita Lin, perdoe a minha indiscrição... Eu não deveria ter sido enxerida...
- Isso é verdade.
Ambas riram, de modo vacilante, e enxugaram as lágrimas teimosas.
- Eu me sinto tão incompetente... Não soube ser uma boa serva para a senhorita...
- Não se sinta assim. Você tem um bom coração. Muito diferente do seu senhor.
Nanae calou.
- E não se atreva a discordar.
- De maneira alguma! – a youkai exclamou, compreensiva.
- Guarde suas impressões sobre ele para si mesma. Não as revele a mim.
- Assim o farei a partir de agora.
- Nanae... – Lin puxou a serva e a fez se sentar ao seu lado – Eu preciso muito de sua ajuda.
- Não se preocupe, senhorita Lin. Eu darei o melhor de mim em seus cuidados.
- Eu sei. Mas eu me refiro a algo mais pontual.
- Eu não a compreendo.
- Nanae... – Lin lhe falou, baixinho – Quero que me ajude a fugir daqui.
- Quê?
- Não vou ficar nem mais um dia nesse Castelo.
- Senhorita Lin...
- Esse lugar vai me enlouquecer...
- Mas... Senhorita Lin... Eu não posso fazer isso...
- Não pode?
- Lorde Sesshoumaru jamais me perdoaria se eu o fizesse... Ele ficaria furioso! E ainda me mataria.
- Se fizermos tudo certo, ele não vai descobrir.
Ao silêncio da serva e ao seu notável temor, Lin achou por bem não insistir.
- Que saco...
- Sinto muito, senhorita Lin...
- Não posso me jogar daqui de cima...
- Quê?
- Esqueça, está tudo bem.
- Mas...
- Você tem razão, Nanai. Não posso lhe pedir algo assim, não posso envolvê-la em minhas tramoias.
- Se a senhorita ao menos cooperasse, poderia se recuperar mais depressa. Depois, conseguiria ir embora e por conta própria.
- Sim, você está certa. Tudo o que preciso fazer é esquecer o que aconteceu, manter o foco e ser paciente.
- Isso!
- É o que farei, Nanae. Não se preocupe.
- Comece por repousar, sim? – a serva se levantou – Estava com febre há pouco.
- É o que farei. Mas, antes, vou ajudá-la com essa baderna.
- Não é necessário!
- Eu faço questão.
No meio da arrumação, porém, Lin sentiria uma forte vertigem, que quase a levaria ao chão. Nanae, de pronto, ajudou-a a regressar ao leito, no qual, a ama adormeceu pouco tempo depois.
- Dormiu por tanto tempo e já caiu no sono novamente... Os humanos são tão fortes, mas, ao mesmo tempo, tão frágeis...
Para sua surpresa, Sesshoumaru adentraria o quarto, antes que ela tivesse conseguido colocar o resto das coisas em ordem.
- O que houve aqui? – ele indagou, sério e desgostoso, após observar todo o quarto e ver a jovem no leito, adormecida – Fui informado de que algo atípico acontecia.
Nanae respirou fundo, conformada.
- Meu senhor... É uma longa história...
A serva, então, viu-se obrigada a lhe contar tudo o que sabia e que havia sucedido, desde o fatídico passeio do outro dia com a jovem até o quebra-quebra no quarto. Sesshoumaru se manteve sério e agastado, atento aos detalhes dos relatos. No fundo, culpou-se pelo seu comportamento frio dos últimos dias. Nanae, pelo saquê. Mas ambos focariam no que precisavam resolver dali em diante.
- Lin pediu que você a ajudasse a fugir do Castelo, e ainda ameaçou se jogar daqui de cima...
- Sim, meu senhor. Mas, como lhe contei, eu consegui dissuadi-la.
- Não seja ingênua, Nanae. Lin é teimosa e inconsequente. Senão com você, ela tentará fugir daqui de alguma maneira.
- Ela não se atiraria daqui de cima... Seria suicídio!
O Lorde maneou a cabeça, com a calma resignação que Nanae jamais poderia entender.
- Além disso, nós saberíamos se ela se jogasse, não? E ela sabe que podemos sentir sua energia, sabe que a interceptaríamos de imediato...
- Lin não faria algo que ratificasse sua fraqueza frente a mim. Jogar-se daqui de cima seria a coisa mais estúpida e vergonhosa que ela poderia fazer, e sabe disso. Não o fará, por certo.
- Magia, então?
- Provavelmente.
- Impossível... A senhorita Lin está muito debilitada, não vai conseguir criar um Portal de Conexão... É uma técnica muito avançada.
- Você não a conhece.
Nanae calou, compreensiva, e Sesshoumaru se sentou no leito, ao lado da jovem. Foi a serva quem rompeu o silêncio.
- Tranquilize-se, meu senhor. A senhorita Lin não partirá assim, sem mais nem menos. Inclusive, acho que ela só mencionou que o faria por estar chateada. Foi algo dito no calor do momento, entende?
E não perderia a chance de agir feito Cupido.
- A senhorita Lin sempre ficava muito contente com suas visitas e as esperava com ansiedade. Sentia-se tão bem e feliz, por saber que era alvo de sua preocupação... Por isso, eu lhe peço que releve o pedido que ela me fez. A senhorita Lin não se encontra bem. Acredito, até, que essa reação explosiva tenha sido um delírio, um mal-estar causado pela febre.
- Provavelmente. – o Lorde não se envergonhou de ser ridiculamente parcial.
- Amanhã, ela estará bem melhor.
- A febre está voltando.
- Eu irei iniciar as compressas frias agora mesmo.
- Nanai... Prepare tudo que for necessário. – o Dai-youkai se ergueu, para dar o aviso – Passarei a noite com Lin.
- Quê? – a serva travou, ao escutar aquilo – O senhor vai... Digo...
- Quero dizer que eu mesmo cuidarei dela, que não precisarei de seu serviços essa noite.
- Mas... E se...
- Não se preocupe. Caso eu não consiga controlar a situação, solicitarei seu retorno. Entendido?
- Sim, meu senhor. – a serva respondeu, tentando não demonstrar a empolgação que invadira seu espírito, e logo foi se retirando – Vou preparar tudo agora mesmo.
- Procure descansar essa noite. Amanhã, será outro dia.
Quando a sós com a protegida, Sesshoumaru se sentaria no leito novamente – passaria algum tempo, observando o rosto de Lin, cansado e abatido, e analisando o seu calmo respirar.
- Eu sei que tudo isso é difícil para você. Não vou lhe pedir para aceitar de bom grado.
No Coração da Floresta, Itilus e Amarillion se entreolharam, ao sentirem as energias do youkai fluírem.
- E já sei que está pensando em fugir.
Sesshoumaru tomou uma mecha do cabelo da jovem.
- Só que isso, Lin... Eu não irei permitir novamente.
E apertou aqueles fios, negros e sedosos, fitando a protegida de modo analítico.
- Eu lhe darei um motivo para ficar.
***
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