O silêncio se estendeu pelo chalé, até que finalmente um de nós decidiu que ele estava ficando opressivo demais:
— Aquilo foi uma mensagem de Íris — disse Percy
— Você já explicou essa parte — respondeu Loki
— E disse que nunca recebeu uma a cobrar — concordei — qual é a diferença entre essa e uma mensagem normal?
— Pra mandar uma mensagem, primeiro você precisa encontrar, ou fazer um arco-íris. Depois é jogar uma Dracma e falar o nome da pessoa que você quer mandar a mensagem e o lugar onde ela está. Daí a deusa Íris faz um arco-íris aparecer no lugar que você mandou, assim você pode se comunicar com a mesma velocidade de um telefone sem correr risco de ser perseguido por monstros. Sempre que você recebe uma mensagem de Íris você sabe quem é, mas eu tenho certeza que não foi o Nico que mandou a mensagem.
— Pera, aquele era o Nico Di Ângelo?! — exclamei, surpreso — você não disse que ele tinha 11 anos?
— Ele realmente parecia mais velho do que da última vez que eu o vi — respondeu Percy, com uma careta
— E onde eles estavam? — perguntou Loki — você reconheceu o lugar.
— Ah... — Percy engoliu em seco — Era o Mundo Inferior, aquela era a praia do rio Estige.
De repente eu senti minhas entranhas congelarem. Medo era uma emoção que eu conhecia bem, e me fez companhia por boa parte da vida. Não só isso, os acontecimentos do mês passado no cemitério com o Voldemort tinha sido, até então, o momento mais assustador da minha vida. Mas agora, por algum motivo, a ideia de Percy no Mundo Inferior era muito mais assustadora do que aquela noite no cemitério.
— Como você sabe como o Mundo Inferior se parece?! — exclamei
— Ah, lembra que eu contei da história do raio?
— Ah... — respondi, me lembrando de quando Percy contou a história enquanto comíamos panquecas — eu tinha esquecido. Na verdade, eu acho que eu simplesmente bloqueei a parte de você no Mundo Inferior.
— Você tem alguma ideia de quem possa ter mandado a mensagem? — perguntou Loki, mas Percy fez que não com a cabeça, parecendo pensativo.
— Seja lá quem mandou, deve ter feito isso pra avisar a gente de alguma coisa — eu disse — você e Annabeth estavam procurando pelo Nico, não é? Será que foi pra avisar que o Nico estava no Mundo Inferior agora?
— Eu acho que não é isso... — começou Percy, a voz lenta e apreensiva — eu acho... Aquela coisa que o fantasma disse? Trocar uma alma por outra alma? Eu acho que Nico quer usar a minha alma para trazer a irmã dele de volta.
Fez-se mais um silêncio pesado no chalé, e a sensação de gelo nas minhas veias ficou ainda maior, mas um segundo depois tinha sido trocada por uma sensação de fogo quando eu senti uma fúria que eu nunca tive antes. Eu sempre quis uma família. Esse foi o meu maior desejo durante a minha vida inteira, e agora eu finalmente tenho uma.
— Ele vai ter que passar por mim primeiro — rosnei. Podia ser meus irmãos gêmeos, Tyson, nossa mãe Sally ou até Posseidon. Ninguém iria fazer mal algum a qualquer um deles enquanto eu estivesse vivo. NINGUÉM.
— Por mim também — concordou Loki com voz gelada.
— Eu não queria que vocês se machucassem tentando me proteger, eu sei me virar — respondeu Percy, irritado
— Percy, somos seus irmãos. Te proteger faz parte do cargo — respondi — mas você também tem que proteger a gente, então estamos quites.
Eu e Loki o encaramos com olhos sérios, mas por algum motivo Percy abriu um sorriso divertido.
— Ah, tá bom.... — respondeu Percy — mas eu não acho que vamos ter muitos problemas com o Nico, pra falar a verdade. Quer dizer, ele negou a ideia do fantasma da primeira vez. Eu tenho medo que ele fique desesperado o suficiente para tentar, mas eu acho que isso vai demorar um pouco.
— Pera, aquele cara azul era um fantasma? — perguntei, surpreso — é bem diferente dos que eu tô acostumado. Os fantasmas de Hogwarts são muito mais visíveis, e são prateados ao invés de azuis.
— O fantasma estava mentindo para o Nico — contou Loki — o que ele disse sobre trocar uma alma por outra, e que ele iria ajudar o Nico. Foi mentira.
— Como você sabe? — perguntamos eu e Percy ao mesmo tempo, curiosos, e depois nos entreolhamos um pouco surpresos. Apesar da quantidade de vezes que nós falamos ao mesmo tempo desde que chegamos ao acampamento, nenhum de nós ainda tinha se acostumado com a experiência.
— Bom... — Loki de repente parecia bem apreensivo — vocês sabem que eu nasci aqui em Midgard. — Eu e Percy acenamos com a cabeça — e que, por sangue, nós três somos semideuses?
— Na verdade era pra nós sermos Legados — corrigi — só somos semideuses por causa de uma brecha nas leis antigas, o que eu acho hilário.
— Eu detesto ser semideus, mas concordo com você — disse Percy
— Ã... Lembra que eu disse que eu era o deus da mentira? — eu e Percy encaramos Loki com um olhar confuso, até que eu me lembrei da conversa. É só que, é difícil lembrar que o Loki é O Loki, deus nórdico da mentira. Pra mim, ele é só meu irmão.
— Pera, então... Você é um deus por causa de uma brecha nas leis antigas! — exclamou Percy, abrindo um sorriso travesso — eu queria tanto ver a cara dos Olimpianos quando eles descobrirem essa!
— Eles vão ficar putos — concordei — mas, se você é o deus da mentira, faz sentido você saber quando alguém está mentindo.
— Não é um poder muito forte, pra ser honesto — disse ele, dando de ombros, mas parecia bem mais a vontade do que ele estava a alguns segundos atrás. Eu entendia. Percy tinha deixado bem claro o que ele pensava dos Olimpianos, e acho que Loki tinha um pouco de medo que nós dois associássemos o fato de que ele e os Olimpianos são deuses e tratar ele com o mesmo desgosto — eu sinto gosto de menta quando tem uma mentira por perto. Quando encontramos aquelas empousa na Goode? O gosto de menta ficou tão forte que eu perdi a sensação da língua.
— Você sente gosto de menta quando uma pessoa fala mentira, ou quando uma pessoa diz algo que ela acha que é mentira? — perguntei, curioso
— Os dois — ao ver as nossas expressões confusas, Loki continuou a explicar — eu a todo momento estou sentindo gosto de menta na boca, mas na maioria das vezes é tão leve que eu nem presto atenção, e eu acho que isso é porquê tem várias pessoas falando, pensando ou vendo coisas que elas acham que são verdade, mas uma coisa ou outra não é. E quando alguém fala algo que é mentira, mas a pessoa acha ser verdade, o gosto não muda.
— faz sentido — disse Percy — a nossa percepção do mundo nunca está 100% certa. Ainda bem que menta não é um sabor ruim.
— Né? Eu não sei como o Thor aguenta, ele sente gosto de galinha toda vez que uma tempestade de raios se aproxima! — exclamou Loki, o que fez nós dois gargalharmos.
— Espera, então isso é coisa de deus nórdico? — perguntei, depois que os risos diminuíram — que você sente algum gosto quando o seu domínio divino tá por perto?
— Ou quando tá por perto, ou quando está sendo exercido, ou então quando alguém está quebrando o domínio — respondeu ele — Balder é o deus da Justiça e ele sente gosto de uvas quando a Justiça foi quebrada.
— Vivendo perto de Odin, ele deve sentir o tempo todo — resmungou Percy, e eu concordava com ele.
— Então — falei, desviando o assunto para o antigo tema — se esse fantasma está mentindo, quer dizer que ele está tentando se aproveitar do Nico de algum modo. Precisamos avisar pra ele. Você não tinha dito que fantasmas gregos são super agressivos, Percy?
— Bom, sim, mas se você for filho de Hades...
— Eles vão fazer de conta que são amigos até o semideus virar as costas — concluiu Loki — Eu acho bom nós avisarmos o garoto, mas não estou nem um pouco a fim de ir até o Mundo Inferior.
— Talvez essa pessoa que mandou a mensagem de Iris esteja seguindo o Nico — comentou Percy — se essa pessoa conseguiu mandar a mensagem sem o Nico perceber, essa pessoa está invisível. Eu acho que essa não vai ser a última vez que vamos receber uma mensagem de íris, da próxima vez, se ele estiver na superfície nós vamos atrás dele.
Eu e Loki acenamos com a cabeça, muito mais a favor do plano que não envolvia uma vista ao andar de baixo. Com isso, nós três voltamos cada um para a sua cama, tentando pegar no sono novamente, algo que não era muito fácil com Tyson roncando. Eu tinha prática de ignorar os roncos e cair no sono por causa da imensa quantidade de vezes que dormi no mesmo quarto que Ron. Não só isso, os roncos meio que me acalmavam, porque se havia roncos queria dizer que eu não estava mais dormindo na Rua dos Alfeneiros, e isso por si só já era um alívio. Quando finalmente caí no sono, os pesadelos voltaram. Eu estava de novo no cemitério, ajoelhado no chão, indefeso por causa da dor na cicatriz e Cedric estava ao meu lado me perguntando se eu estava bem. E então....
Mate o outro!
E assim Cedric caiu ao meu lado, inerte, os olhos arregalados e vidrados, o rosto congelado na expressão de surpresa, e novamente eu senti o gigantesco peso da culpa. Cedric era um excelente aluno e um excelente bruxo. Ele tinha a vida inteira pela frente. Todo mundo tinha certeza que ele seria o Monitor Chefe do próximo ano, e ele iria se formar, arranjar um emprego, se casar, provavelmente com Cho Chang, o que me fazia me sentir irritado e culpado em igual medida. Eu não deveria ficar correndo atrás da garota do meu amigo, mas pensar em meu, como Hermione chamava? Crush? Cho, se casando com Cedric, me fazia sentir inveja e depois logo em seguida culpa e pesar, porque não faz sentido sentir inveja de um homem morto. Eles provavelmente teriam filhos, uma vida juntos, longa e feliz. Todo esse potencial, todas essas possibilidades, apagadas em um único instante por minha causa. Só porque eu decidi ser nobre e fazer a vitória do torneio uma “Vitória de Hogwarts”. Estava chegando a parte mais perturbadora do sonho, quando Voldemort emergia do cadeirão, quando fui acordado por um chacoalhão, e depois do susto inicial percebi meus gêmeos mais uma vez me olhando com expressão preocupada.
— acordei vocês?! — perguntei, surpreso e um pouco horrorizado. Não podia ser mais barulhento que o Tyson, podia?!
— Não, quem me acordou foi essa madame aqui — respondeu Loki, erguendo um braço e mostrando Edwiges nele.
— Edwiges! — cumprimentei, acariciando suas penas, e ela mordeu meus dedos de leve afeiçoadamente. Eu nunca soube como, mas ela sempre sabia onde eu estava. — Mas as janelas não estão abertas? — perguntei, curioso. Ela normalmente iria bicar uma das janelas até que alguém abrisse para deixá-la entrar, mas eu definitivamente lembrava da brisa marítima que passeava pelo chalé antes de eu cair no sono.
— Estão, mas ela derrubou um dos vasos de plantas fluorescentes — explicou Percy — ela estava carregando uma daquelas bolsas de compras que enfeitiçamos para a mamãe pra ficar enorme por dentro e super leve. Acho que ela pôs quase todas as nossas coisas dentro, o que é um alívio. Caso contrário, teríamos que assaltar a lojinha do acampamento, já que chegamos só com a roupa do corpo.
— Oh — foi a única coisa que conseguia pensar para responder no momento — que bom que ela pensou nisso, então. E, ah, desculpem pelo barulho.
— Nah, eu essa noite eu nem preguei o olho — respondeu Percy, dando de ombros e depois olhando para Tyson — dá até inveja de como ele consegue dormir tão tranquilo.
— Você não está conseguindo dormir? — perguntou Loki, surpreso, e Percy negou com a cabeça
— Muito preocupado, eu acho. Não quero ter sonhos, e eu sinto que alguma coisa grande vai acontecer amanhã. Não consigo parar quieto.
— Eu sonhei com o cemitério de novo. Pelo menos a gente sabe que esse sonho não é profético — comentei, tentando passar uma medida de conforto, mas pensando bem não foi tão confortável assim.
— Já sei — disse Loki, puxando a varinha. Ele sabia muito bem fazer magia sem a varinha (e estava tentando ensinar Percy e eu), mas segundo ele, a varinha ajudava na precisão dos feitiços. Com alguns curtos e rápidos movimentos, o beliche do Percy e de Loki flutuaram e se encostaram ao meu, um de cada lado — quando tínhamos pesadelos, Frigga sempre fazia a família dormir todo mundo junto. Nos faz se sentir seguro de uma maneira instintiva.
E sem mais nem menos depositou Edwiges no pé da minha cama onde ela se empoleirou na guarda e voltou a se deitar no seu beliche. Eu e Percy nos entreolhamos e damos de ombros. Loki cresceu em uma cultura muito diferente da nossa, e se ele achava que aquilo iria parar os pesadelos, bom, porque não tentar? Eu voltei a me aconchegar no beliche, Percy deitando logo ao meu lado direito enquanto Loki estava no meu lado esquerdo. Eu honestamente esperava que eu fosse ser mais uma vez acordado pelos meus irmãos depois de um pesadelo, então foi uma surpresa agradável que eu tenha sido acordado na manhã seguinte por um som de uma corneta que por algum motivo eu sabia ser feita da concha de um caramujo.
Ψ
Edwiges estava mais uma vez estatelada de barriga para baixo, parecendo completamente desmaiada. Quando ficávamos na Rua dos Alfeneiros, ela sempre dormia empoleirada na gaiola com a cabeça escondida debaixo da asa, mesmo quando eu deixava a portinhola da gaiola aberta para que ela pudesse voar pelo quarto. Ela nunca foi de dormir deitada, mas agora pensando, não havia nenhum lugar confortável o suficiente naquela casa. Agora ela tinha se acomodado no pé do meu beliche, e parecia que iria ficar ali por mais um bom tempo. Olhando para o lado pude ver Percy, e tive que segurar uma risada. Apesar da sua personalidade espontânea, Percy liberava uma aura de força, como se ele conseguisse segurar o mundo nas costas, e você imediatamente se sentia seguro e a vontade perto dele. Por isso era meio engraçado vê-lo enrolado nas cobertas como um burrito, deitado em posição fetal e babando no travesseiro, apesar de ser algo completamente Percy de se fazer. Olhando para o outro lado pude ver Loki estatelado na cama, os braços e pernas abertos como uma posição de estrela. Ele tinha chutado as cobertas para um lado e o travesseiro para o outro, deitando apenas no colchão, o que me fez rir baixinho. Naquele momento Loki não parecia nem um viking, nem um príncipe e muito menos um deus. A concha de caramujo tocou mais uma vez, fazendo Percy grunhir e enterrar a cara no travesseiro.
— ......Isso é uma concha de caramujo? — ouvi Loki resmungar em nórdico, a voz arrastada e baixa. Percy soltou outro grunhido em resposta. Eu cuidadosamente comecei a me levantar, prestando atenção para não incomodar Edwiges e meus irmãos, já que parte da minha coberta estava presa pelo Percy-burrito e uma das pernas de Loki estava na minha cama.
— Essa concha é para todo mundo acordar? — perguntei curioso. Nos poucos filmes sobre acampamento que eu assisti nos Dursleys enquanto limpava a cozinha, na maioria dos acampamentos eles usavam algum tipo de sineta ou corneta para despertar os campistas, então para mim fazia sentido aqui ter algo parecido.
— Eu detesto essa corneta.... — Gemeu Percy, rolando para o lado, tentando encontrar uma posição confortável para voltar a dormir.
— Percy, não! — eu bem que tentei segurar na coberta, mas meu irmão já tinha rolado direto para fora da cama, se desenrolando na coberta como um ioiô e atingindo o chão com um barulho que ecoou no chalé inteiro.
— Você tá bem? — perguntei, ao mesmo tempo que Loki. Percy só soltou um som que parecia a mistura de um grito e grunhido de frustração. Eu e Loki nos inclinamos sob a beirada da cama para ver Percy completamente estatelado no chão, mas, aparentemente, mesmo com o tombo e a superfície desconfortável, meu irmão não queria acordar. Foi aí que eu percebi uma coisa diferente.
— Loki, seu cabelo cresceu? — perguntei surpreso, notando como as mechas pareciam se espalhar por todo lado. Curioso, Percy abriu um dos olhos por um segundo
— Ficou legal — resmungou ele, voltando a fechar o olho e puxando a coberta por cima da cabeça, como se quisesse voltar a dormir imediatamente – mesmo que ele estivesse no chão do chalé.
— Ah, normalmente quando eu durmo eu perco o controle da metamorfose — respondeu meu irmão dando de ombros — eu sempre acabo mudando para a forma que eu acho mais confortável. Eu tive cabelo comprido a minha vida toda, então é meio difícil deixá-lo curto enquanto eu estou dormindo.
— Se você fica mais confortável com ele longo, porquê deixa ele curto? — perguntei, franzindo a testa
— Asgard e Midgard são muito diferentes, e eu não queria que a primeira impressão que você e o Percy tivessem fosse da que eu sou um esquisitão — respondeu Loki
—...Loki, eu morava na Rua dos Alfeneiros — lembrei com voz seca — O único lugar da terra onde as pessoas normais parecem anormais. Se você prefere cabelo longo, usa cabelo longo!
— Eu quero dormir! — resmungou Percy rabugento debaixo da pilha de cobertas
— No chão? — retruquei, e a corneta soou mais uma vez, fazendo Percy grunhir. E então Tyson soltou mais um ronco.
— ....Ele é um desses que não acorda por nada, não é? — disse Loki.
Ψ
Houve um grande tumulto no café da manhã. Parece que todo café-da-manhã no acampamento começa com uma sessão de anúncios, e aparentemente, por volta das três da manhã, um dragão etíope foi avistado nas fronteiras do Acampamento, e eu fiquei bem surpreso ao descobrir que eu dormi direto apesar do barulho. Ou estava anormalmente exausto, ou o plano de Loki funcionou. Os limites mágicos tinham mantido o monstro do lado de fora, mas ele perambulou a colina, a procura de pontos fracos e não parecia ter pressa para ir embora até que Lee Fletcher, do chalé de Apolo, liderou dois dos seus irmãos em uma perseguição. Depois de umas dezenas de flechas se prenderem no seu couro, o dragão pareceu ter entendido que ele não era bem-vindo e deu no pé.
— Ele ainda está por aí — disse Lee, preocupado — vinte flechas no couro e só conseguimos deixá-lo com raiva. O bicho tinha dez metros de comprimento e era de um verde brilhante. Seus olhos... — ele empalideceu e estremeceu só de lembrar.
— Vocês se saíram muito bem, Lee — disse Quíron, dando-lhe um tapinha no ombro — Todos fiquem alertas, mas mantenham a calma. Não é a primeira vez que isso acontece e não vai ser a última.
— Sim — disse Quintus, na cabeceira da mesa que eu julgava ser reservada para a equipe do acampamento — E vai acontecer de novo. Com frequência cada vez maior.
Assim que ele falou isso, os campistas começaram a murmurar entre si, parecendo nervosos.
— O que ele quis dizer com isso? — perguntei para Percy, preocupado
— Segundo os boatos — explicou meu irmão — Luke e seu exército de monstros estão planejando uma invasão ao Acampamento.
— Não parece ser só um boato, por essa reação — comentou Loki, olhando em volta
— Digo que é um boato porquê ninguém tem provas e ninguém sabe quem começou com a história, mas pra ser honesto, Luke já tentou mais de uma vez quebrar a barreira do acampamento, então para mim e muita gente aqui a invasão é praticamente fato confirmado — contou Percy — a maioria espera que aconteça ainda nesse verão, mas ninguém tem ideia de como ou quando seria. Não ajuda em nada o fato da frequência do Acampamento estar baixa. Agora temos cerca de oitenta campistas. Há três anos, quando eu comecei a vir pra cá, tinha mais de cem. Alguns morreram, alguns se uniram a Luke e outros simplesmente desapareceram.
— Não estou empurrando a culpa para ele, mas faz sentido Luke tentar diminuir a quantidade de semideuses no acampamento, assim ele teria menos inimigos para lidar quando finalmente conseguisse invadir — comentei
— A parte que mais me incomoda é que isso implica que há um modo de passar pela barreira — disse Loki — pelo que o Percy falou, ela foi a única coisa que manteve todos do Acampamento seguros desde sempre. Se eles passarem por ela, não temos mais nenhuma defesa.
— Essa é uma boa razão para novos jogos de guerra — disse Quintus, e o pavilhão imediatamente silenciou para que ele pudesse ser ouvido melhor. Uau, nem mesmo Dumbledore conseguia fazer isso em Hogwarts — vamos ver como todos vocês se saem essa noite.
— O que ele quis dizer com jogos de guerra? — sussurrou Loki para Percy, parecendo apreensivo
— Ah, são aqueles jogos que nós fazemos na floresta, lembra que eu falei da captura da bandeira? — sussurrou Percy de volta — Eles são chamados assim porquê temos que lutar com as armas, mas não se preocupe, ninguém nunca se machucou muito seriamente e sempre tem curandeiro de plantão pronto para ajudar quando alguém se machuca. Não se preocupe, você vai ficar bem.
— Bem, chega de pronunciamentos — disse Quíron — Vamos abençoar essa refeição e comer — ele pegou sua taça e a ergueu no ar — Aos deuses!
Todos nós erguemos os copos e repetimos a bênção.
Seguimos Percy e Tyson para o buffet do café da manhã, e fiquei surpreso com a imensa quantidade e variedade de comida que tinha. Hogwarts, apesar de ser famosa por seus banquetes, tinha a maioria de seus pratos focados em carnes e batatas, e uma culinária mais tipicamente inglesa. O buffet do acampamento, porém, tinha uma imensa seleção de frutas, cereais, tipos de torradas e condimentos. Eu fiz questão de pegar um pouco de cada fruta, já que quase nunca tive oportunidade de comer, torradas com melaço e também um punhado de bacon para quando Edwiges decidisse dar o ar da graça. Loki também pegou vários tipos de frutas, mas ele parecia querer pegar um pouco de tudo para experimentar. Percy tinha apenas pego uma tigela de cereais coloridos e uma torrada de passas, e Tyson tinha montado uma pirâmide de torradas com pasta de amendoim no seu prato. Depois entramos na fila do braseiro de bronze para jogar uma porção das nossas comidas nas chamas, como Percy tinha instruído da primeira vez que comemos no Acampamento. Eu ainda achava estranho que a fumaça não tinha cheiro de queimado (apesar de ser grato por isso, ou então todo mundo que sentasse no pavilhão iria ficar com cheiro defumado), e assim como da outra vez, fiz uma prece a Posseidon.
— Obrigado por ajudar a reunir minha família — sussurrei — por favor, proteja-os nos momentos de perigo.
No fim voltamos para a mesa e pedimos nossas bebidas para os copos (obviamente, todas elas na cor azul) e então começamos a refeição. Eu estava montando um ranking mental de qual fruta eu gostava mais (por enquanto morango estava ganhando) quando Quíron se aproximou da nossa mesa, acompanhado por um garoto que eu não conhecia. Ele era alto e de pele bronzeada, com o cabelo castanho encaracolado, olhos castanhos e um colorido boné rastafári. Apesar de parecer da minha idade, ele tinha uma barba fina no queixo, e andava de um modo estranho. Ele também parecia miserável: seus olhos estavam vermelhos e inchados, a camisa do acampamento meio sangue estava para fora da calça e o boné estava tão torto na cabeça que eu não fazia ideia de como ele não tinha caído. E então o garoto simplesmente deslisou o prato na mesa e desabou ao lado de Percy e fazendo Tyson, que estava sentado do outro lado do meu gêmeo, se mexer desconfortável.
— Eu vou... Hã... Polir meus peixes-pôneis — e saiu da mesa rapidinho, deixando o café-da-manhã pela metade. Eu e Loki nos entreolhamos confusos.
— Ei, Grover! — cumprimentou Percy, parecendo ignorar os olhos vermelhos — Harry, Loki, esse aqui é Grover Underwood, meu melhor amigo. Grover, esses são meus irmãos gêmeos.
— Bééééé — eu fiquei surpreso com o som de bode que saiu da boca de Grover até me lembrar de que ele era um sátiro. Talvez seja por isso que ele ande de um modo diferente — você tinha irmãos?
— A gente também não sabia disso a algumas semanas atrás — respondi, dando de ombros — prazer em te conhecer.
— Como passaram a noite? — perguntou Quíron, com um sorriso que parecia tentar transmitir confiança, mas por causa de sua altura ele parecia pairar ameaçadoramente acima da gente.
— Hã, bem — respondeu Percy, a voz um pouco cautelosa. Será que Quíron sabia alguma coisa sobre aquela mensagem de Íris que recebemos no meio da noite?
— Eu trouxe Grover para cá — disse Quíron — porquê pensei que vocês talvez quisessem, hã, discutir algumas questões. Agora, se vocês me derem licença, tenho algumas mensagens de Íris para enviar — ok, isso não parece nem um pouco suspeito — Vejo vocês mais tarde — e, lançando a Grover um olhar claramente significativo, saiu trotando para fora do pavilhão.
— Do que ele está falando? — perguntou Percy a Grover, enquanto o sátiro mastigava os ovos distraidamente, e.... Era impressão minha ou ele estava mastigando o garfo?
— Ele quer que você me convença — resmungou ele.
E então Annabeth se sentou do outro lado de Percy:
— Vou dizer do que se trata — disse ela — o Labirinto.
Era meio difícil de se concentrar no que ela estava dizendo porquê de repente todo mundo do pavilhão começou a sussurrar e a encarar Annabeth com o canto do olho, me fazendo lembrar de como as pessoas me trataram em Hogwarts no Torneio Tribruxo antes da primeira tarefa.
— Você não devia estar aqui — chiou Percy.
— Precisamos conversar — insistiu Annabeth
— Mas as regras... — começou Percy, e então eu me lembrei do que ele tinha dito ontem sobre como sentar na mesa de outro deus era uma ofensa enorme e que você não deveria fazer isso a menos que quisesse um Olimpiano querendo sua cabeça em uma bandeja — francamente Annabeth, se o Sr. D estivesse aqui ele provavelmente teria te estrangulado com parreiras mágicas!
— Bom, mas o Sr. D não está aqui e o Quíron também não — retrucou ela — e o Quintus não parece gostar de drama.
Me virei para olhar e realmente Quintus tinha apenas erguido uma sobrancelha na direção da Annabeth, mas não disse nada.
— Mas o Grover também tá sentado na mesa — comentou Loki — e ninguém falou nada.
— Eu sou um sátiro, nós não somos exatamente semideuses, então podemos sentar em qualquer mesa — respondeu Grover — realmente Annabeth...
— Olhe — disse Annabeth, cortando a fala de Grover — o Grover está em apuros. E até agora só conseguimos pensar em um único jeito de ajuda-lo. É o Labirinto. É isso que Clarisse e eu estamos investigando.
Eu franzi a testa. Do modo que Annabeth falava, parecia que o Labirinto era com L maiúsculo, ou seja, não era um labirinto qualquer, mas eu não fazia a menor ideia do que aquilo significava, e Loki parecia tão perdido quanto eu.
— Você se refere ao Labirinto onde eles mantinham preso o Minotauro nos tempos antigos? — perguntou Percy
— Minotauro não era aquele monstro que você lutou contra na primeira vez que veio para o Acampamento? — perguntou Loki
— Esse mesmo — concordou Percy — nos tempos antigos o Minotauro tinha sido preso dentro do Labirinto onde ele não poderia escapar. É desse Labirinto que você está falando?
— Exatamente — concordou Annabeth
— Então... Ele não fica mais debaixo do palácio do rei em Creta — disse Percy — o Labirinto está embaixo de algum edifício dos estados unidos.
— Debaixo de um edifício? Pelo amor de Deus, Percy. O Labirinto é imenso. Não caberia debaixo de uma cidade, quanto mais de um único prédio.
— Espera, então o Labirinto faz parte do mundo inferior?! — exclamou ele, e imediatamente eu pensei na mensagem de Íris com Nico ao lado do Rio Estige
— Não — respondeu Annabeth, franzindo a testa — Bom, deve haver passagens do Labirinto para o Mundo Inferior. Não tenho certeza. Mas o Mundo Inferior é muito, muito mais baixo. O Labirinto fica logo abaixo da superfície do mundo mortal, como uma segunda pele. Ele vem crescendo há milhares de anos, tecendo seu caminho sob cidades do ocidente, conectando tudo abaixo da superfície. Você pode chegar a qualquer lugar pelo Labirinto.
— Do jeito que você diz, o Labirinto parece até um parasita — comentou Loki
— Eu honestamente acho que seja algo parecido — concordou Annabeth — mas isso não é importante, o importante é que, como eu disse, você consegue acessar qualquer lugar se usar o Labirinto.
— Se você não se perder — murmurou Grover — e foi vítima de uma morte horrível.
— Grover, tem que ter uma forma! — disse Annabeth, e parecia que aquela não era a primeira vez que Grover e ela tinham essa conversa — Clarisse sobreviveu!
— Por pouco! — retrucou Grover — e o outro cara...
— Ele enlouqueceu. Não morreu.
— Ah, que felicidade — respondeu Grover, o lábio inferior tremendo — isso faz com que eu me sinta muito melhor.
—...você precisa melhorar um pouco seus discursos motivacionais — comentei para Annabeth, e ela bufou irritada
— Ei, espera aí — disse Percy — voltem. Que história é essa de Clarisse e um cara louco?
Annabeth lançou um olhar na direção da mesa de Ares, e, seguindo, eu vi que uma das meninas estava nos encarando, diferente do restante do pavilhão que só olhava na direção da nossa mesa pelo canto do olho, devido a adição de Annabeth. A menina era extremamente alta, e tinha a massa muscular de um jogador de rúgbi, com pele bronzeada e cabelo castanho claro cortado curto de um modo que parecia que ela tinha sido atacada por um par de tesouras (não que eu pudesse dizer muita coisa, honestamente. Meu cabelo também se parece desse jeito dia sim dia não). Tinha olhos pretos e pequenos, e ela, assim como todos os outros da mesa de Ares pareciam ter uma carranca permanente. Apesar da aparência marrenta, quando fizemos contato visual ela simplesmente abaixou os olhos para o prato do café da manhã.
— Ano passado — disse Annabeth em voz baixa — Clarisse partiu em uma missão para Quíron.
— Eu lembro — disse Percy — era uma missão secreta, não era?
— Era segredo — concordou Annabeth — porquê ela encontrou Chris Rodriguez.
— Quem? — perguntamos Loki e eu ao mesmo tempo
— Ele é um dos filhos de Hermes, nós o vimos da última vez a bordo do navio de Luke, o Princesa Andrômeda. Chris é um dos meios-sangues que abandonaram o acampamento e se uniram ao exército do Titã.
— Exatamente — concordou Annabeth — No verão passado, ele simplesmente apareceu em Phoenix, perto da casa da mãe da Clarisse.
— O que quer dizer com “simplesmente apareceu”? — perguntei
— Ele estava perambulando pelo deserto, a quase cinquenta graus, vestindo uma armadura grega completa, tagarelando sobre fio.
— Fio? — perguntamos eu e Percy
— Cinquenta graus?! — exclamou Loki, horrorizado
— Tinha enlouquecido completamente — continuou Annabeth — Clarisse o levou para a casa da mãe dela, para que os mortais não o internassem em um manicômio. E ela tentou cuidar dele, ajuda-lo a se curar, mas... Bom, está difícil. Quíron foi até lá e conversou com ele para ver se ajudava, mas ficou tudo na mesma. A única coisa que nós sabemos é que os homens de Luke estão explorando o Labirinto.
Percy estremeceu, parecendo horrorizado com a ideia de que no Labirinto houvesse algo tão horrível que fosse capaz de enlouquecer alguém. Na minha opinião, ele deve ter topado com um dementador no meio do caminho. O silêncio da mesa só era quebrado pelo som de Grover mastigando o seu garfo.
— Ok, mas porquê eles estariam explorando o Labirinto? — perguntou Percy
— Não é óbvio? — perguntou Loki — a Annabeth já disse: você pode chegar em qualquer lugar pelo Labirinto. Luke quer invadir o acampamento, não quer? Nossa única defesa é a barreira. Se ele conseguir um modo de passar...
— Isso foi a primeira coisa que eu pensei — concordou Annabeth — Mas as entradas mais próximas que Clarisse encontrou ficam em Manhattan, o que não ajudaria Luke a atravessar nossas fronteiras.
— Se o Labirinto é tão grande como você disse, para mim é bem possível que tenha alguma entrada dele dentro das fronteiras do Acampamento, ela só não foi encontrada ainda — disse — Além da possibilidade de usar as passagens para uma invasão, por qual outro motivo ele usaria o Labirinto? — perguntei curioso.
— Bom, nós não temos bem certeza do motivo, ele pode estar procurando algum meio ou artefato mágico de acelerar a cura do Titã, não seria a primeira vez que ele faria isso — respondeu ela, dando de ombros — foi por isso que Clarisse partiu em uma expedição de patrulha. Quíron manteve tudo em sigilo porquê não queria ninguém em pânico. Ele me envolveu porquê... Bem, o Labirinto sempre foi um dos meus temas favoritos. A arquitetura envolvida... — sua expressão ficou um pouco sonhadora — o construtor, Dédalo, era um gênio. Mas a questão é que o Labirinto tem entradas por toda a parte. Se Luke conseguir descobrir como se orientar por ele, ele pode deslocar o seu exército com imensa velocidade.
— Exceto pelo fato de que se trata de um Labirinto, certo? — disse Percy
— Cheio de armadilhas horríveis — concordou Grover, agora comendo sua faca — becos sem saída. Ilusões. Monstros psicóticos assassinos de bodes.
— Não se você tiver o fio de Ariadne — disse Annabeth — nos tempos antigos, o fio de Ariadne guiou Teseu, e ele o usou para sair do Labirinto. Era um instrumento de navegação inventado por Dédalo. E Chris Rodriguez estava murmurando algo sobre fio.
— Então Luke está tentando encontrar o Fio de Ariadne para invadir o Acampamento — resumiu Percy
— Não sei — admitiu Annabeth — como eu já disse, Clarisse não encontrou nenhuma entrada tão próxima. Ela explorou um pouco os túneis, mas... Ela passou por alguns apertos. Pesquisei tudo o que eu pude encontrar sobre Dédalo, mas não sei se foi de muita ajuda. Não sei bem exatamente o que Luke está planejando, mas uma certeza eu tenho: o Labirinto pode ser a chave para o problema de Grover.
— Você acha que Pã está no subterrâneo?! — exclamou Percy, parecendo chocado.
— Isso explicaria porquê ninguém nunca conseguiu encontra-lo! — argumentou ela
— Sátiros odeiam ir ao subterrâneo! — reclamou Grover — Nenhum buscador jamais tentaria ir naquele lugar! Não tem flores, não tem luz do sol, não tem cafés!
— Então faz sentido ele estar lá — comentei — seria o lugar perfeito para se esconder.
— Então é praticamente certeza que ele está lá — comentou Loki — se os buscadores estão a séculos procurando por Pã acima da superfície, se ele realmente estivesse acima da superfície ele já teria sido encontrado. Isso sem falar que esconder alguma coisa no último lugar que alguém iria procurar é um dos truques mais clássicos que tem — finalizou ele, e eu não pude deixar de acenar em concordância.
— Sério? — perguntou Percy, surpreso
— Sério. Uma vez escondi todos os tapa-olhos do meu pai em uma gaveta da cozinha, ele demorou quatro meses para achar.
— Eu costumo a deixar os meus itens escolares escondidos debaixo do assoalho quando eu passo o verão na rua dos Alfeneiros — concordei. Era o único modo que eu conseguia fazer todas as redações e exercícios que os professores pediam nas férias. Da primeira vez eu deixava meu malão no armário debaixo das escadas para o meu tio trancar, e depois descia as escadas de noite com a capa de invisibilidade e abria os cadeados com grampos para pegar o que precisasse.
— Olha Grover, eu sei que o Labirinto é perigoso — disse Annabeth — mas ele pode te levar para quase todos os lugares. Ele lê seus pensamentos, e foi projetado para enganar e matar todo mundo que entrar, mas se você puder fazer o Labirinto trabalhar para você...
— Ele poderia te levar até Pã — finalizou Percy
— Eu não posso fazer isso — gemeu Grover, apertando a barriga — só de pensar já tenho vontade de vomitar meus talheres.
— Grover, essa pode ser a sua última chance — disse Annabeth — o conselho falou sério. Uma semana ou você vai precisar aprender sapateado!
Na mesa principal, Quintus pigarreou. Eu tinha a impressão de que ele não queria fazer uma cena, mas Annabeth estava sentada na mesa errada a tempo demais.
— Conversamos mais tarde — disse Annabeth, apertando o braço do meu irmão — Só... Convence o Grover, está bem?
Várias coisas aconteceram em um curtíssimo período de tempo. Annabeth se levantou. Edwiges pousou ao lado do meu prato, perto da pilha de bacon. E todos os campistas do chalé de Atena vieram a nossa mesa tão rápido que por um instante eu achei que eles tinham aparatado.
— Uma coruja de dia! Deve ser um sinal de Atena! — disse um campista
— Ela é tão linda! — disse outra, acariciando as penas de Edwiges
— O que te trás aqui, senhora? — perguntou outro, e obviamente Edwiges não falou nada, mas ela pareceu ter se comunicado de algum modo, porquê...
— Entreguem seus bacons!
— Ela quer bacon!
— Vamos, tragam mais bacons para Vossa Corujeza!
E eu e o restante do pavilhão assistimos, horrorizados, enquanto os filhos de Atena começavam a servir Edwiges como se ela fosse uma imperatriz.
— Ah, Harry, ela não tem nenhuma habilidade de controle mental ou algo parecido, não é? — perguntou Loki
— Se ela tem, eu juro que não sabia — respondi, mas nossa atenção se voltou novamente para Grover quando ele tentou se levantar e Percy o puxou de volta para a mesa. Felizmente o restante do pavilhão estava mais interessado em proteger seu bacon da tirania de Vossa Corujeza e seus súditos do que prestar atenção em Grover.
— Vamos Grover, você não pode desistir assim!
— Percy, você é meu melhor amigo. Você me conhece, e já me viu no subterrâneo — disse Grover, os olhos cheios de lágrimas — Depois daquela caverna de ciclope... Você acha mesmo que eu poderia... — sua voz falhou. Pela expressão de Percy, eu podia ver que ele não tinha nenhuma resposta para o argumento de Grover.
— Tenho que ir — disse Grover, infeliz — Juníper está me esperando. É bom isso, de achar os covardes atraentes.
Ψ
Já era noite quando nós nos reunimos novamente no pavilhão do refeitório, dessa vez equipados de armaduras de combate como Quíron havia instruído. Percy disse que os campistas sempre faziam isso nos jogos de captura a bandeira, mas eu duvido muito que os campistas ficam tão sérios assim quando se preparam para os jogos, o que me deixou uma pilha de nervos. Não ajudava nada que a armadura era extremamente pesada e desconfortável.
— Me sinto como se estivesse preso em uma dessas latas de alumínio — reclamou Loki
— Quintus não tinha dito que nosso estilo de luta se focava em velocidade? Essas armaduras vão mais atrapalhar do que ajudar — reclamei
— Vocês dois não podem sair em jogos de guerra sem armadura, senão podem acabar se acidentando feio — disse Percy — não só os campistas usam espadas e outras armas pra valer, mas tem monstros na floresta.
— Falando em monstros — comentou Loki, olhando em volta — lembra daqueles caixotes que estavam na arena? Eles sumiram quando fomos lá hoje mais cedo.
— Ééééé, isso não é coisa boa — disse Percy, voz apreensiva.
— Certo — disse Quintus, de pé na mesa de jantar principal, parecendo um fantasma ameaçador em sua armadura de couro e bronze a luz das tochas — Reúnam-se aqui.
Os campistas se aproximaram da mesa, e quando parecia que todos estavam mais ou menos organizados no pavilhão, o instrutor continuou:
— Vocês se dividirão em duplas — quando todos começaram a falar e procurar seus amigos, ele acrescentou em voz mais alta: — Que já estão determinadas!
Obviamente, ninguém ficou feliz com isso.
— Seu objetivo é simples: peguem a coroa de louros de ouro sem morrer. A coroa está embrulhada com seda, amarrada ás costas de um monstro. São seis monstros ao todo, cada um deles com um pacote de seda, mas só um carrega a coroa. Vocês têm que encontrar a coroa antes das outras duplas, e é claro, matar o monstro para conseguir pegá-la sem serem mortos.
Todos em volta começaram a murmurar animados, como se a tarefa fosse coisa simples. E talvez, para um campista veterano, até fosse, mas eu não sei se eu conseguiria matar um monstro sem uma varinha. E depois do Torneio Tribruxo, eu acho que nunca mais queria ver um monstro ou criatura mágica na minha vida.
— Agora vou anunciar seus parceiros — disse Quintus — Não haverá trocas. Nem negociações. Nem queixas.
Quando todos finalmente se acalmaram de novo, Quintus tirou um longo rolo de pergaminho e começou a falar os nomes, e obviamente eu não conhecia quase ninguém. Beckendorf ficou com Silena Beauregard, a filha de Afrodite que não sabia fazer inspeção de chalé direito. Lee Flecher, o cara do chalé de Apolo que caçou o dragão, foi pareado com Clarisse La Rue, e eu descobri que Clarisse foi a menina da mesa de Ares que eu tinha visto naquela manhã. E então...
— Percy Potter-Jackson com Annabeth Chase.
— Legal! — disse, Percy, sorrindo para Annabeth
— Sua armadura está torta — respondeu Annabeth, e começou a ajustar as correias da armadura do meu irmão.
— Harry Potter-Jackson com Loki Potter-Jackson
— Ufa! — eu não consegui segurar o suspiro de alívio. Loki parecia igualmente aliviado.
— Grover Underwood com Tyson.
— O quê!? — Exclamou Grover — M-mas...
— Não, não — choramingou Tyson — deve ser engano. O garoto-bode...
— Sem queixas! — lembrou Quintus — juntem com seus pares, vocês têm dois minutos para se preparar.
Tyson e Grover lançaram olhares suplicantes para Percy, mas meu irmão apenas deu um aceno de cabeça que era mais ou menos encorajador e gesticulou indicando que os dois deveriam se juntar. Como resposta Tyson espirrou e Grover começou a mastigar o bastão de madeira.
— Eles vão ficar bem — disse Annabeth, e eu estava um pouco preocupado até que lembrei da facilidade de Tyson tinha em manejar um machado.
— Certo — disse Loki — se a gente for contar com a nossa sorte, provavelmente todos os monstros da floresta vão vir atrás da gente ao mesmo tempo. Precisamos de um plano.
Eu engoli em seco. Estávamos ferrados.
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