Fiquei imensamente grato por Harry ter erguido a barreira mágica de som. Enquanto no começo Loki estava chorando em silêncio, no momento que eu disse para ele botar tudo para fora meu irmão começou a soluçar praticamente descontrolado, se encolhendo e abraçando as próprias pernas, escondendo o rosto nos joelhos e soltando um guincho de tristeza que não era nem um pouco humano e fez meu coração quebrar. Eu e Harry nos aproximamos ainda mais e esmagamos Loki em um abraço em grupo, tentando acalmar nosso irmão estressado. Não sei quanto tempo demorou para Loki se acalmar, mas depois do que pareceram ser horas os soluços começaram a diminuir, e os gritos e gemidos de tristeza cada vez menos frequentes. Demorou mais uma meia hora até que eles parassem completamente, e mais alguns minutos até que Loki erguesse a cabeça, os olhos completamente inchados e vermelhos e o rosto praticamente inteiro molhado de lágrimas e catarro.
— Obrigado — disse ele com voz fraca, rouca e completamente fanha, mas pelo menos ele tinha parado de chorar.
— Quê isso irmão — respondi, acariciando as costas dele — Você, hã.... Quer falar sobre isso?
Do outro lado da cama, Harry virou a cabeça na minha direção rapidamente, me olhando com uma expressão que parecia dizer “você é idiota?!”. Os olhos de Harry também estavam vermelhos e inchados, e a luz baixa do dormitório refletia suas bochechas molhadas, como se ele tivesse chorado junto com Loki. Foi quando eu percebi que meu rosto também parecia estar molhado, não que deveria ser uma surpresa: os sons de agonia de Loki eram capazes de cortar o coração de qualquer um.
— Hoje... Hoje não — respondeu Loki em voz baixa, parecendo completamente exausto.
— Ah, certo... — eu disse, meio sem jeito. O que a mamãe faria nessa situação? — vou fazer uns chocolates quentes para nós, senão é bem capaz que nenhum de nós consiga dormir. Eu já volto.
Eu cuidadosamente me desvencilhei do abraço coletivo e Loki tombou para o lado na direção de Harry, que o puxou contra o peito falando palavras baixas de conforto. Fui em direção a cozinha, tomando cuidado para não fazer barulho para não acordar ninguém, até que eu percebi que a luz da sala e da cozinha estavam ligadas, e que na verdade eu não tinha visto Annabeth no dormitório, apenas Tyson e Grover. Minhas suspeitas se confirmaram quando eu vi Annabeth encolhida em uma das poltronas da sala de estar, com um livro no colo
— Você deveria ir dormir — eu disse a ela quando ela se virou para mim. Mesmo estando em um local seguro, ela ainda estava alerta. Não podia culpá-la, vida de semideus não é fácil.
— Não consigo — admitiu ela — E você? — ela com certeza deve ter notado meus olhos vermelhos — Você está bem?
— Sonhos — respondi, dando de ombros. Por algum motivo não queria falar sobre a reação de Loki, me parecia algo muito pessoal — vim fazer chocolate quente, mamãe sempre faz quando não consigo dormir. Vai querer um também?
— Bom, porquê não? — respondeu ela — as vezes me ajuda a voltar a dormir.
Eu entrei na cozinha e peguei quatro canecas (todas elas de um formato e cor diferente), uma panela, o leite, nescau, açúcar, creme de leite, maizena, gotas de baunilha e um pauzinho de canela.
— Porque quatro canecas? — perguntou Annabeth, com a testa franzida.
— Ah... — Eu disse, começando a preparar o chocolate quente — Bom, eu e meus irmãos compartilhamos sonhos quando eles são... Daquele tipo, sabe?
Annabeth riu
— Se você estivesse falando com qualquer outro tipo de pessoa sem ser um semideus eles iriam entender essa frase de um jeito completamente diferente — disse ela, me fazendo derrubar um pouco do leite para fora da panela — mas é estranho que vocês possam fazer isso só agora. Quer dizer, se vocês compartilhassem sonhos desde o começo, você saberia que tem irmãos gêmeos muito antes, não é?
— Eu acho que é porque de algum modo o lado semideus dos meus irmãos foi bloqueado com magia — eu disse — por isso só eu estava nos sonhos no momento, eu era o único dos três que não tinha o icor do sangue bloqueado. Mas admito que é um alivio não estar no sonho sozinho, alguns deles são bem... — eu deixei a frase incompleta, mas sabia que Annabeth entendia muito bem o que eu não tinha dito.
— Eu não sei se eu queria que alguém compartilhasse meus sonhos de semideus — disse ela — vários deles são bem assustadores e seria um alívio que alguém estivesse nele comigo, assim acho que não seria tão assustador, mas... Alguns deles podem ser muito pessoais.
O modo como ela disse aquilo me fez franzir a testa e eu parei brevemente de mexer os ingredientes na panela para olhar para Annabeth. Ela olhava para o tampo do balcão da cozinha como se tivesse uma coisa muito importante desenhada na madeira.
— Você está bem? — perguntei.
— Claro. Primeiro dia liderando a missão. Foi ótimo.
Então porque o seu tom de voz está tão desanimado?
— Vamos conseguir — eu disse, tentando passar confiança — com certeza vamos achar a oficina antes de Luke.
Annabeth bufou, tirando uma mecha do rosto e prendendo atrás da orelha. Olhando bem, eu sabia que ela estava escondendo o medo por trás de irritação, mas eu sabia o quanto ela era corajosa. Quer dizer, quando ela era uma menina de só sete anos ela ficou perambulando o país com Luke e Thalia, e salvou os dois de uma mansão com um ciclope maligno. Você precisa de coragem pra fazer uma coisa dessas.
— Eu só queria que a missão fosse lógica — reclamou ela — quer dizer, estamos andando sem ter a menor ideia de onde estamos indo. Como se anda de Nova York até a Califórnia em um dia?!
— O espaço não é medido da mesma forma no Labirinto — eu disse, me lembrando das modificações espaciais que fizemos no nosso apartamento, principalmente para acrescentar quartos para Harry e Loki.
— Eu sei, eu sei — respondeu ela com um gesto de mão impaciente — É só que... Percy, eu estava enganando a mim mesma. Todo aquele planejamento e estudo... Não faço a menor ideia de onde estamos indo. Não faço a menor ideia do que eu estou fazendo.
— A gente nunca tem ideia do que tá fazendo nas missões, e no final sempre ficou tudo bem — eu lembrei, voltando a mexer a panela, dessa vez acima do fogo azul na bancada que servia como fogão — comparando das outras vezes, acho até que você está se saindo muito bem. Lembra da Ilha de Circe?
Ela riu.
— Você deu um porquinho da índia bem fofo.
— E da Aqualândia, que você conseguiu nos lançar para fora daquele brinquedo usando “física básica” que na verdade não era básica coisa nenhuma porque eu não entendi nada?
— A culpa não é minha que você quis entrar no que era claramente uma armadilha — retrucou ela com um sorriso.
— Viu? Vai dar tudo certo.
O sorriso dela cresceu um pouquinho mais, o que me fez feliz, mas segundos depois ele desapareceu rapidamente, quase como água de uma banheira quando você puxa o tampão.
— Percy, o que Hera quis dizer quando falou que vocês três conheciam maneiras de sair do Labirinto?
— Eu não sei — admiti — Sinceramente.
— Você me contaria se soubesse?
— Claro! — respondi de imediato — Talvez...
— Talvez o quê?
— Talvez, se você me contasse a última linha da profecia, isso ajudasse.
Annabeth se encolheu no acento.
— Agora não — ela estremeceu — eu sei que estamos seguros dentro do Corujal, mas... Não quero falar sobre isso de noite. Ou antes de dormir.
— Entendo — eu disse — E, sobre a escolha que Jano disse... O que Hera...
— Para — cortou Annabeth, me fazendo ignorar a panela e olhar para ela de volta. Ela parecia ainda mais trêmula e um pouquinho pálida, mas respirou fundo e continuou — desculpa, Percy. Só estou estressada. Mas eu não... Eu não preciso pensar nisso agora.
Ficamos em silêncio por um tempo, o único barulho no cômodo era o crepitar do fogo e a colher mexendo a mistura na panela. A mistura de chocolate quente começou a borbulhar, o que me fez lembrar da cova cheia de líquido preto borbulhante que Nico usara para chamar os fantasmas.
— Nico está aqui em baixo, em algum lugar — eu disse, tirando a panela do fogo, colocando no balcão e acrescentando o creme de leite na mistura — foi assim que ele desapareceu do acampamento. Ele encontrou a passagem para o Labirinto. E daí encontrou uma passagem que descia ainda mais... Até o Mundo Inferior. Mas agora ele está de volta no Labirinto. Acho que ele está atrás de mim.
Annabeth ficou em silêncio por um tempo
— Percy, eu espero que você esteja errado, mas... Se você tiver razão... — Ela parou de falar, parecendo apreensiva.
— Bom, o Chocolate quente já está pronto — eu disse, pegando uma concha da gaveta e enchendo as canecas — receita da minha mãe, funciona cem por cento das vezes. Vou levar pros meus irmãos. Você deveria ir dormir depois, amanhã o dia vai ser longo.
— Eu sei — suspirou Annabeth, cansada — eu vou só... Tomar a minha caneca e já estou indo.
Eu acenei com a cabeça, peguei a minha caneca e as dos meus irmãos com o pano de prato para não me queimar e levei até o dormitório. Os meus irmãos pareciam um pouquinho melhores: o rosto não estava mais manchado de lágrimas e eles tinham parado de tremer, apesar de ainda estarem abraçados. Percebi também que as nossas camas tinham se juntado uma ao lado da outra, que nem daquela vez em que Harry teve o pesadelo.
— Aqui, gente. Receita da mamãe — eu disse, oferecendo as canecas. Nós tomamos o chocolate quente em silêncio, Harry usando a varinha para enviar as canecas flutuando até a pia da cozinha para limparmos amanhã de manhã. Cada um foi para a sua cama e, felizmente, não tivemos mais nenhum sonho naquela noite.
Ψ
Não tinha manhã no Labirinto, lógico, porque é um lugar completamente fechado, mas depois que o despertador do dormitório apitou indicando que tínhamos dormido por sete horas, nós nos revisamos para tomar um banho rápido e tomamos um rico café da manhã de cereal com leite, torradas com geleia e suco, pão com manteiga e chá e, no caso de Grover, latas de alumínio com frutas. Não parecia muito, na verdade, mas era em pequenos momentos como esse que eu era extremamente grato por Harry ter comprado o livro de casas móveis. Essa era acho que minha quinta missão, e raramente tínhamos o luxo de dormir em um lugar seguro e confortável, mas tomar banho todo dia? Tomar café da manhã (ou qualquer refeição, pra ser honesto) sem se preocupar com o racionamento? Papel higiênico disponível?! Em nenhuma outra missão tivemos nenhuma dessas coisas garantidas, e sem dúvidas era maravilhoso. Depois de pegarmos nossas mochilas com os suprimentos que provavelmente usaríamos durante o dia, saímos todos do Corujal e continuamos avançando, Edwiges encolhendo a casa e voando acima de nós. Os antigos túneis de pedra se transformaram em paredes de barro batido sustentados por vigas de madeira, como em uma antiga mina ou uma construção parecida. Annabeth começou a ficar incomodada.
— Isso não está certo — disse ela — ainda deveria ser pedra.
Chegamos em uma caverna com estalactites enormes penduradas no teto, tão longas que algumas chegavam no chão, e no centro do piso de terra tinha um fosso retangular que parecia com um túmulo.
— Está com cheiro do Mundo Inferior — disse Grover, estremecendo.
Apontei a lanterna para o buraco e vi uma embalagem de alumínio vermelha que imediatamente identifiquei como uma coca-cola, e no buraco tinha um líquido marrom borbulhante com o que era claramente um cheeseburguer mordido flutuando nele.
— Pessoalmente isso ainda é nojento — comentou Harry, olhando para o buraco.
— Nico esteve aqui — eu disse para os outros — ele evocou os mortos de novo.
— De novo?! — exclamaram Grover e Annabeth, incomodados
— Não gosto de fantasmas — choramingou Tyson.
— Não se preocupe, grandão — disse Loki, dando um tapinha amigável no braço de Tyson — fantasmas só te machucam se você der poder para eles.
— Precisamos encontra-lo — eu disse. Não sei porque, mas estar na borda daquele buraco me deu uma sensação de urgência. Nico estava perto, e não podia deixar que ele ficasse perambulando pelo Labirinto sozinho, só na companhia dos mortos.
— O líquido ainda está borbulhando — disse Harry, se aproximando do túmulo e pegando a lata de alumínio do chão — e a lata ainda está um pouco gelada, ela não foi esvaziada a muito tempo.
Era tudo o que eu precisava saber. Comecei a correr ao longo do túnel.
— Percy! — chamou Annabeth.
Virei em outro túnel e vi luz a frente. Quando os outros finalmente me alcançaram, eu estava examinando a abertura no teto. Era uma estranha grade feita de tubos de aço, e por ela dava para ver o céu azul, algmas nuvens fofas e árvores.
— Alguém tem um palpite de onde estamos? — Perguntei, tentando olhar melhor o lado de fora. Então uma sombra cobriu a grade e uma vaca olhou mal humorada para mim lá de cima. Parecia uma vaca perfeitamente normal, se você ignorasse a cor vermelho cereja do couro e pelagem do animal. Eu não sabia que vacas podiam ter aquela cor.
—As vacas nos Estados Unidos são vermelhas? — perguntou Loki, surpreso
— Nem todas — disse Annabeth — essas vacas são o Gado Vermelho ou Gado do Sol, são animais sagrados de Apolo.
A vaca mugiu, colocou uma pata em cima das barras e recuou.
— É um mata-burro — disse Grover com desgosto
— O quê? — perguntou Harry confuso
— Eles colocam essas grades no chão, perto dos portões dos ranchos para o gado não fugir. Eles não conseguem andar sobre elas.
— Como você sabe? — perguntei
— Acredite, você saberia sobre mata-burros se também tivesse cascos — bufou Grover indignado — eles são tão irritantes!
— Ei, Hera não tinha dito algo sobre um rancho? — perguntei — Podemos dar uma olhada. Nico pode estar lá em cima.
Todos olhamos para Annabeth, esperando a decisão. Ela hesitou um pouco, mas depois disse:
— Tudo bem. Mas como a gente sai daqui?
Antes que qualquer um pudesse sugerir um plano, Tyson resolveu rapidamente o problema socando a grade, que se soltou que nem uma rolha de champanhe e para fora do nosso campo de visão. Ao longe ouvimos um “clang” e um mugido assustado.
— Desculpe, vaca! — gritou Tyson, corado.
— Não se preocupe, foi um bom modo de resolver o problema — disse Loki, dando tapinhas no ombro de Tyson. Tyson escalou facilmente para fora – de novo, como ele passa por esses lugares estreitos? – e içou um por um para fora. Quando saí pude claramente ver que estávamos em um rancho: colinas até onde se podia ver, pontilhadas por carvalhos, cactos e pedras. Uma cerca de arame farpado circulava o local, onde as vacas do Gado do Sol pastavam a grama.
— Vocês estão ouvindo isso? — perguntou Grover, olhando em volta. Eu tentei prestar atenção, mas no começo parecia tudo estar silencioso, até que ao longe consegui ouvir o som de cães latindo, e o som ficava cada vez mais alto. A vegetação rasteira alta mais próxima começou a farfalhar, e de repente dois cães apareceram. Ah, não, espera. Era um cachorro só, mas ele tem duas cabeças. Você sabe que se acostumou com a vida de semideus quando acha um cachorro de duas cabeças normal. Ele parecia um galgo com pelo todo marrom, mas o pescoço se dividia em duas cabeças, as duas rosnando e não parecendo nem um pouco felizes em nos ver.
— Cachorro de Jano malvado! — gritou Tyson, se afastando e se escondendo atrás de Annabeth
— Au! — disse Grover, erguendo a mãe em saudação, mas o cachorro apenas mostrou os dentes. Não parecia muito impressionado com o fato de Grover falar a sua língua.
— Tá bom, tá bom, já entendemos — disse Loki despreocupado andando na direção do cachorro — Nós estamos invadindo seu território e você como um excelente guarda está protegendo o lugar dessa gente malvada. Quem é um bom menino? Você é um bom menino! — conforme ele falava a voz foi ficando cada vez mais macia, até ficar do modo que ele falava quando brincava com a Sra. O’Larry e quando eu finalmente me dei conta o cachorro de duas cabeças estava deitado de barriga para cima, o rabo abanando e as duas línguas para fora enquanto Loki fazia carinho na barriga dele. Todos olhamos para o meu irmão de queixo caído. Como ele tinha feito isso?
Antes que alguém pudesse perguntar qualquer coisa, o dono do cachorro apareceu de algum lugar (talvez do além, quem sabe. Eu é que não vi ele se aproximar) e apesar do cachorro de duas cabeças ter sido neutralizado, aparentemente ele não seria o nosso único problema. O cara era um sujeito enorme com cabelo completamente branco, chapéu de palha de caubói e barba branca comprida. Usava jeans, uma camiseta com a estampa “não crie problemas no texas” e um casaco de brim com as mangas arrancadas, deixando os braços que eram na verdade puro músculo a vista. No bíceps direito tinha uma tatuagem de espadas cruzadas e segurava um porrete de madeira do tamanho de uma ogiva nuclear com agulhões de quinze centímetros saindo na ponta. No geral, era a estranha mistura de um gigante caipira com um metaleiro.
— Junto, Ortro — disse o homem em uma voz rouca e grave, e o cachorro imediatamente se levantou e andou até o lado do dono, nos olhando atentamente. Percebi que nenhuma das cabeças parecia muito preocupada com Loki.
— O que é que temos aqui? — continuou ele, nos olhando de cima a baixo com desconfiança, o porrete ainda em prontidão — Ladrões de gado?
— Viajantes, apenas — disse Annabeth — estamos em uma busca.
Os olhos do homem se estreitaram.
— Meios-sangues, ein?
— Como é que você sa...? — comecei, mas Annabeth colocou a mão no meu braço, me interrompendo
— Sou Annabeth, filha de Atena. Esse é Percy, filho de Posseidon, e seus irmãos, Loki, Harry e Tyson. E Grover, o...
— Sátiro, é, eu posso ver — disse ele olhando para os cascos de Grover que saiam por debaixo da barra do jeans. Depois virou para mim, parecendo bem irritado — E eu conheço meios-sangues porque eu sou um, filhinho. Eurítion, filho de Ares, vaqueiro desse rancho. Vocês vieram do Labirinto como o outro, eu suponho.
— Outro? — perguntei, esperançoso — Esse outro se chama Nico di Ângelo?
— Recebemos muitos visitantes do Labirinto, mas não são todos que saem daqui — disse Eurítion, sério. Ok, nem um pouco ameaçador. O vaqueiro olhou para trás, parecendo procurar outra pessoa na paisagem, mas depois se voltou para nós e falou em uma voz baixa: — Só vou dizer uma vez, semideuses. Voltem para o Labirinto agora. Antes que seja tarde demais.
— Não vamos embora — insistiu Annabeth — Não até vermos esse outro semideus. Por favor.
Eurítion grunhiu.
— Então não vai me restar outra escolha, senhorita. Vão ter que ver o patrão.
Eu não me sentia como se fossemos reféns ou algo parecido. Eurítion andava do nosso lado com o porrete apoiado nos ombros de um modo que os espinhos não o machucassem (apesar de passarem assustadoramente perto da cabeça e pescoço dele conforme ele andava). Ortro parecia rosnar para tudo o que se movia, farejava as pernas de Grover, andava para perto de Loki para receber carinho na cabeça e de vez em quando disparava pelos arbustos perseguindo os animais, mas Eurítion o mantinha mais ou menos sob controle. Seguimos um caminho de terra batida que parecia se estender pra sempre, e a temperatura não ajudava. Devia estar perto de uns quarenta graus, um verdadeiro choque térmico depois de São Francisco. O calor era tão grande que fazia o chão tremeluzir, e tinha insetos pra todo o lado. Não estávamos aqui a nem dez minutos e eu já suava feito louco.
— Eu nunca estive em um lugar tão quente — reclamou Harry, de algum modo mais suado do que eu. Isso era preocupante, meu irmão não pesava praticamente nada e se ele não se cuidasse perderia mais uns dois quilos em todo aquele suor.
— Eu achei a temperatura até agradável — comentou Loki no que eu no começo achei ser sarcasmo, até que olhei na direção dele e vi que ele não tinha sequer uma gota de suor.
— Mas não é você que vive reclamando que está muito quente?! — perguntou Harry indignado
— Que precisa renovar feitiços de climatização a cada meia hora?! — concordei, chocado. Loki deu de ombros:
— Me sinto melhor em temperaturas extremas. Existe um motivo do porque eu sou um anão honorário lá em casa, e acredite, aquelas minas ficam muito mais quentes que isso.
— Está um ventinho bom — comentou Tyson, como se o vento não fosse uma rajada de ar quente direto na nossa cara
— Lunáticos, vocês dois — comentou Grover, também suando em bicas.
Depois de tanto andar nós finalmente deixamos o bosque para trás e, a nossa frente estava uma grande casa de fazenda empoleirada colina acima, toda branca e feita de madeira, com grandes janelas.
— Parece um projeto de Frank Lloyd Wright! — exclamou Annabeth, animada.
Eu acho que ela estava falando de um arquiteto. É, a casa era bonita, mas ainda tinha a impressão horrível de que aquele era um matadouro de semideuses ou coisa parecida. Subimos a colina.
— Não transgridam as regras — disse Eurítion quando subíamos as escadas da entrada — Nada de brigas. Nada de armas. E nada de falar sobre a aparência do Chefe.
— Porquê? — perguntei curioso — Qual a aparência dele?
Antes que ele pudesse me responder, uma nova voz anunciou:
— Bem-vindos ao Rancho Triplo G!
O homem na varanda tinha uma cabeça normal, felizmente. As rugas no rosto do homem faziam parecer que ele estava já na meia-idade, o cabelo preto e liso e um bigode fino, como desses vilões de filme antigo. Ele sorriu para nós mas não de um jeito amigável, mas sim do modo como um gato olharia para a presa que está brincando antes de engolir. Não pensei nisso muito tempo porque eu finalmente notei o corpo, ou melhor, corpos. Depois de Briareu, Jano e Ortro eu deveria estar mais acostumado a anatomias esquisitas, mas desse tipo eu nunca tinha visto. Esse cara era três pessoas em uma só. Sua cabeça era ligada ao tórax central pelo pescoço, como em uma pessoa normal, mas havia outros dois tórax, um de cada lado do corpo, unidos todos pelos ombros. O braço esquerdo saia do tórax esquerdo e o braço direito saia do tórax direito, e os três formavam um enorme tronco suportados por duas pernas normais, mas enormes. Ele usava as maiores calças jeans que eu já vi, e olha que Tyson não usa um número pequeno. Cada um dos tórax vestia uma camiseta estilo faroeste diferente, uma verde, uma amarela e outra vermelha, como um sinal de trânsito. Eu não conseguia parar de me perguntar como ele tinha vestido o tórax do meio, já que ele não tinha braços.
— Digam olá para o Sr. Geríon — disse Eurítion
— Oi, belo tórax, hã, rancho! Belo rancho o senhor tem! — eu disse, imensamente grato que todos nós decidimos cumprimentar o Se. Geríon ao mesmo tempo e provavelmente minha gafe foi ocultada pela cacofonia. Eu espero.
Antes que o homem com três corpos pudesse responder, Nico di Ângelo passou pelas portas de vidro e entrou na varanda:
— Geríon, eu não vou esperar por... — e então ele paralisou totalmente ao nos ver. Isso é, até ele puxar a espada. Era igualzinho aos sonhos, curta, afiada, da cor de um buraco negro e parecia sugar toda a luz do recinto como um.
— Guarde isso, sr. Di Ângelo — rosnou Geríon — não quero os meus convidados se matando.
— Mas esse é... — começou ele, indignado
— Percy Jackson — completou Geríon — Harry Jackson. Loki Jackson. Annabeth Chase. E dois de seus amigos monstros. Sim, eu sei.
— Amigos monstros?! — repetiu Grover, indignado
— Chamou meu irmão do quê? — perguntou Harry com a voz afiada
— Ele está usando três camisas! — disse Tyson, como se tivesse acabado de se dar conta disso
— Eles deixaram a minha irmã morrer! — gritou Nico, a voz tremendo de fúria — Estão aqui pra me matar!
— Temos coisa mais importante pra fazer — retrucou Harry, o olhar perfurante focado em Geríon se voltando para Nico. Normalmente Harry é tão de boas que eu esqueço que ele pode ser extremamente rude quando irritado.
— Nico, não estamos aqui para matar você — eu disse, erguendo as mãos num gesto que eu espero que ele tenha entendido como “eu não quero brigar” — O que aconteceu com a Bianca foi...
— Não fala o nome dela! Você não é digno nem sequer de falar dela!
— Espere um pouco — disse Annabeth, desconfiada e apontou para Geríon — como você sabe os nossos nomes?
— Eu faço questão de me manter informado, querida — disse Geríon — Todo mundo aparece aqui no Rancho de tempos em tempos. Todo mundo precisa de algum favor do velho Geríon. Agora, Sr. Di Ângelo, guarde essa espada feia antes que eu faça Eurítion tirá-la de você.
Eurítion suspirou, parecendo desanimado, mas ergueu o porrete cheio de pregos mesmo assim. Ortro rosnou.
Nico hesitou, mas mesmo assim guardou a espada. Ele parecia mais magro e mais pálido do que eu tinha visto nas últimas mensagens de Íris. Será que ele comeu alguma coisa na última semana? As roupas pretas estavam empoeiradas da viagem no Labirinto, e os olhos estavam escuros e cheios de ódio. Ele era novo demais pra ter tanta raiva. Não conseguia parar de comparar o Nico de agora com o garotinho alegre que brincava com as figurinhas de mitomagia.
— Se chegar perto de mim, Percy, vou convocar ajuda — rosnou Nico — E você não vai querer conhecer meus ajudantes, te garanto.
— Eu acredito — disse, sério.
Geríon sorriu e deu tapinhas no ombro de Nico
— Pronto, todos muito bem comportados. Venham, eu quero mostrar o rancho.
Geríon tinha uma espécie de bonde – tipo aqueles trenzinhos para crianças que se veem nos parques. Era pintado de preto e branco malhado, que nem o couro de vaca, o vagão do condutor tinha dois chifres de vaca presos no teto e pra coroar a buzina soava que nem um sino de vaca. No geral, era um excelente mecanismo de tortura, porque estávamos todo morrendo de constrangimento ao andar pelo rancho no mumóvel. Nico se sentou na parte de trás, provavelmente para ficar de olho em nós, e Eurítion se sentou ao lado dele, puxando o chapéu de caubói sob os olhos como se estivesse tirando um cochilo, mas ele ainda segurava o porrete com pregos. Ortro obviamente estava no assento da frente ao lado de Geríon, que conduzia o bonde, as duas cabeças para fora da janela com as línguas para fora e latindo para tudo o que se movia. E nós seis nos espalhamos nos três vagões do meio.
— Temos uma imensa rede de setores! — gabou-se Geríon enquanto o mumóvel avançava — Cavalos e gado bovino, na maioria, mas variedades exóticas de todos os tipos também.
Chegamos a uma colina e Annabeth arquejou quando viu, ao pé da colina, um pasto cercado por animais que tinham a metade da frente de cavalo e a parte traseira de galinha:
— Hipaléctrions? Pensei que estivessem extintos!
— Esses são os cavalos mais estranhos que eu já vi na vida — eu sussurrei para meus irmãos
— São como hipogrifos ao contrário! — sussurrou Harry de volta, olhando os cavalos chocado
— O que é que eles comem? — sussurrou Loki, parecendo um misto de fascinado e horrorizado com a existência dos animais
— Galos-pôneis — exclamou Tyson, perplexo — eles botam ovos?
— Uma vez por ano! — riu Geríon, olhando para Tyson pelo espelho retrovisor — Muito procurado para omeletes!
— Isso é horrível! — exclamou Annabeth — eles são uma espécie em extinção!
— Ouro é ouro, querida — respondeu Geríon com um gesto despreocupado com a mão — E você não provou as omeletes.
— Isso não está certo — resmungou Grover baixinho, olhando ofendido para Geríon, que continuou dirigindo como se nada estivesse acontecendo
— O que são omeletes? — sussurrou Loki para nós
— É um prato feito de ovo cozido — explicou Harry aos sussurros — é uma refeição bem popular e simples de fazer, com certeza Asgard tem uma versão do prato.
— Se tiver eu nunca comi, o cardápio de Valhalla é comidas caras e complicadas de fazer — sussurrou Loki de volta
— Agora aqui temos nossos cavalos que soltam fogo pelo nariz, que vocês já devem ter visto no caminho da casa — disse Geríon gesticulando para o curral dos cavalos — são criados para a guerra, naturalmente.
— Que guerra? — perguntei, estreitando os olhos. Geríon apenas sorriu matreiro para mim pelo retrovisor
— Ah, a que aparecer. E mais a frente, obviamente, estão as nossas vacas vermelhas premiadas.
— São tantas! — disse Grover impressionado, olhando as centenas de bois e vacas cor de cereja pastando na encosta da colina
— Sim, Apolo é ocupado demais para cuidar delas — explicou o condutor — então ele terceiriza. Nós as criamos em grande quantidade por causa da demanda.
— Demanda de quê? — perguntei de novo para Geríon. A suspeita de que ele estava apoiando o exército de Cronos de alguma maneira aumentando.
— Demanda de carne, é claro — respondeu ele, erguendo uma sobrancelha — os exércitos precisam comer.
— Você mata as vacas sagradas do deus sol para fazer hambúrguer?! — exclamou Grover, escandalizado — Isso vai contra as leis antigas!
— Ah, não se estresse tanto, sátiro. São só animais.
Grover se aprumou no acento em fúria e eu comecei a ficar preocupado se ele iria tentar acertar a cabeça de Geríon com a sua flauta de bambú
— Só animais?!
— Sim, e se Apolo se importasse eu tenho certeza que ele nos diria — disse Geríon condescendente, acelerando o mumóvel
— Se ele soubesse, você quer dizer — eu murmurei baixinho — Eu acho que Geríon está ajudando Luke.
— Ele totalmente está ajudando Luke — murmurou Loki de volta
— Eu conheço o tipo — concordou Harry baixinho, olhando para Geríon com desgosto — desde que ele tenha benefícios está pouco se lixando para o resto. Venderia a própria mãe se o preço for bom.
— Não estou nem um pouco interessado em um tour, Geríon! — reclamou Nico — Tínhamos negócios para discutir, e isso não fazia parte deles!
— Tudo a seu tempo, Sr Di Ângelo — disse Geríon com voz arrastada — agora a sua esquerda vocês podem ver algumas das minhas caças exóticas.
O campo seguinte era cercado por arame farpado, a área completamente apinhada de escorpiões gigantes.
— Rancho Triplo G — eu disse, me lembrando dos caixotes em que os escorpiões do exercício de Quintus estavam embalados — Quintus comprou os escorpiões de você.
— Quintus? Esgrimista musculoso, de cabelos grisalhos curtos? — perguntou Geríon
— É.
— Nunca ouvi falar dele — disse Geríon — Agora ali estão os meus estábulos premiados! Vocês precisam vê-los.
Eu definitivamente não precisava ver, porque a alguns metros de distancia eu já consegui sentir o cheiro. Próximo as margens de um rio verde tinha um curral de cavalos do tamanho de um estádio de futebol, e era a coisa mas imunda que eu já vi na minha vida. Estábulos se alinhavam de ambos os lados, e uma centena de cavalos estavam praticamente atolados em cocô. Tinha cocô para todos os lados, inclusive em lugares que não deveriam ter, como as vigas de madeira do teto. O lugar fedia mais que um lixão. Até Nico “ressuscito mortos com mcdonalds” Di Ângelo parecia nauseado.
— O que é isso? — perguntou Loki, a voz saindo meio estrangulada por tentar segurar o vômito. Harry olhava para o lugar praticamente catatônico.
— Meus estábulos! — respondeu Geríon sorrindo como se nada tivesse errado — Bem, na verdade pertencem a Egeu, mas cuidamos deles por uma pequena remuneração mensal. Não são adoráveis?
— São nojentos! — respondeu Annabeth
— Muito cocô — concordou Tyson
— Como você pode manter animais assim?! — gritou Grover
— Vocês estão me dando nos nervos — disse Geríon — esses são cavalos carnívoros, não estão vendo? Eles gostam de viver nessas condições!
— Além disso, você é pão-duro demais para mandar limpar os cavalos — murmurou Eurítion debaixo do chapéu.
— Calado! — rebateu Geríon irritado — Certo, talvez a limpeza dos estábulos seja um desafio considerável, e talvez eles me deixem enjoado sim quando o vento sopra na direção errada. Mas e daí? Meus clientes me pagam bem!
— Quais clientes?! — perguntei, exasperado. Tudo bem, ele pode estar ajudando o exército de Luke, mas nem ele estaria tão desesperado a ponto de gastar dinheiro com cavalos nessas condições.
— Ah, você se surpreenderia com o número de pessoas que paga por um cavalo carnívoro. São ótimos trituradores de lixo. Maravilhosos para aterrorizar os inimigos. Excelentes em festas de aniversário! Nos alugamos o tempo todo.
— Você é um monstro — concluiu Annabeth.
Geríon parou o mumóvel e se virou para encará-la
— O que foi que me denunciou? — perguntou ele, estranhamente sério — foram os três corpos?
— Não — respondeu Loki, a voz pingando de sarcasmo — foram os seus sapatos.
— Oh. O que tem de errado com eles?
— Você precisa libertar esses animais! — gritou Grover — isso não é certo!
— E os clientes que você tanto fala — ajuntou Annabeth — um deles é o titã do tempo, não é? Está fornecendo o exército dele comida, cavalos e seja mais lá o que precisarem!
Geríon deu de ombros, o que com os seus quatro ombros era bem estranho de se ver
— Trabalho para qualquer um que pague em ouro, minha jovem. Sou um homem de negócios, e vendo tudo o que meu Rancho puder oferecer.
Ele desceu do mumóvel e caminhou em direção aos estábulos como se estivesse desfrutando do ar puro, o que me fez concluir que o nariz dele não funcionava.
Nico desceu do último vagão e avançou na direção de Geríon, Eurítion erguendo o porrete e indo na direção dele, claramente nem um pouco sonolento.
— Vim aqui tratar de negócios, Geríon — repetiu Nico — e você ainda não me respondeu
— Hummm.... — disse Geríon pensativo — Está bem, faremos o acordo.
— Meu fantasma disse que você poderia ajudar — prosseguiu Nico — que poderia nos guiar até a alma que precisamos.
— Espere um pouco — interrompi, surpreso — Pensei que eu fosse a alma que você quisesse.
Nico olhou para mim como se eu fosse louco
— Você? Porque eu iria querer a sua alma, a alma de Bianca vale mil vezes a sua!
— Porque você iria querer se vingar, seguindo todo esse tema de rancor e trevas que você aparentemente adora — rebateu Harry, ácido.
— Você pode me ajudar ou não, Geríon? — perguntou Nico, ignorando meu irmão
— Imagino que eu possa — concordou ele — por falar nisso, onde está seu amigo fantasma?
— Ele não pode tomar forma em plena luz do dia — respondeu Nico inquieto — É difícil para ele, mas ele está por aí.
— Tenho certeza disso — sorriu Geríon — Minos gosta de desaparecer quando a situação fica... Difícil.
— Francamente, cara — comentei para Nico — você precisa escolher melhor as suas companhias.
— Isso não é da sua conta, Percy! E o que você quer dizer com “quando a situação fica difícil?”
— Quer dizer que ele vê mais vantagem em acabar com a gente do que nos ajudar e que estamos ferrados — respondeu Loki com a voz seca, inspecionando as unhas como se nada estivesse errado.
— Exatamente, Nico... Posso te chamar de Nico?
— Não.
— Então Nico, Luke está oferecendo muito dinheiro por meios-sangues poderosos, e tenho certeza de que quando ele souber do seu segredinho ele vai pagar muito bem por você.
Nico puxou a espada, mas Eurítion a arrancou da mão dele com um golpe do porrete antes que ele pudesse atacar Geríon, e depois pegou a espada do chão, tomando cuidado para não tocar na lâmina. Eu fui me levantar para ajudar, mas Ortro saltou no meu colo e rosnou, os dois focinhos a centímetros do meu rosto.
— Eu ficaria no bonde, todos vocês — disse Geríon — Ou Ortro vai rasgar a garganta do Sr. Jackson.
Ortro rosnou de novo, um fio de baba escorrendo da boca da cabeça esquerda.
E então Loki rosnou de volta.
Era um som nem um pouco humano, alto como um trovão e parecia ecoar por todo lugar, e fez Ortro se afastar de mim rapidinho, ganindo com o as orelhas baixas. O que mais me chocou não foi Loki rosnar daquela maneira, mas o fato de que ele rosnou para Ortro sendo que meu irmão claramente adorava cachorros.
— Agora que nos acalmamos — disse Loki com voz calma e educada, erguendo uma sobrancelha na direção de Geríon como se não tivesse rosnado como um animal selvagem a segundos atrás — podemos conversar como pessoas civilizadas?
— O que você é? — perguntou Geríon para meu irmão, olhos estreitos em desconfiança
— Um meio-sangue, Loki Potter-Jackson, pensei que já soubesse — respondeu meu irmão ainda naquela voz calma e educada — e tenho certeza que podemos negociar.
— Não temos muito o que negociar — disse Geríon — depois que eu tiver entregado o sr. Di Ângelo para o exército dos Titãs, você e seu grupo poderão partir. Eu não interfiro em missões, e além do mais eu fui muito bem pago para assegurar passagem segura para os semideuses dessa busca, mas que lamentavelmente não inclui o sr. Di Ângelo.
— Pago por quem? — perguntou Annabeth — o que você quer dizer?
— Não se preocupe, senhorita, você não precisa saber dos detalhes.
— E se a gente oferecer um acordo melhor — disse Harry — você é um homem de negócios, não é? Não deveria pelo menos ouvir nossa proposta?
— Que tipo de acordo? — Perguntou Geríon — Vocês têm ouro?
— Algo melhor — eu disse — podemos fazer uma troca.
— Trocar pelo quê, sr. Jackson? Vocês não têm nada.
— Poderia fazer os três limparem os estábulos — sugeriu Eurítion inocentemente
— Nós podemos fazer isso! — concordei — Se não conseguirmos limpar os estábulos, você pode vender todos nós para Luke e ficar ainda mais rico, mas se conseguirmos, você tem que deixar todos nós sair, inclusive o Nico.
— Não! — gritou Nico furioso — Não me faça nenhum favor, Percy, eu não quero a sua ajuda!
— Não é como se você tivesse muita escolha — rebateu Harry, depois se voltando para Geríon — Você não tem nada a perder, se nós falharmos você fica rico vendendo o Nico e se conseguimos você economiza um dinheirão tendo o seu estábulo limpo de graça.
Geríon riu
— Aqueles estábulos não são limpos a milhares de anos, e você acha que só três pessoas conseguem?... Mas é verdade que eu talvez possa vender mais espaço neles se todo aquele estrume for retirado de lá — Geríon ficou pensativo um momento — eu aceito a oferta, desde que eu fique com os seus amigos até vocês terminarem como garantia, e vocês tem que limpar tudo até o por do sol.
— Feito! — concordei, e Geríon assentiu
— Eurítion, por gentileza, acompanhe o sr. Di Ângelo até o bonde — ele se voltou para nós com um sorriso satisfeito — vou levar seus amigos de volta para a casa, e esperaremos vocês lá.
Eurítion cuspiu na grama aborrecido e rebocou Nico de volta para o último vagão do mumóvel. Ortro pulou no colo de Annabeth, que deu um grito, e sabia que Tyson e Grover não fariam nada enquanto Annabeth fosse refém. Loki pulou do mumóvel e andou até Geríon, com a mão estendida para um aperto de mão.
— Até o por-do-sol — disse o meu irmão, e Geríon apertou a mão dele, bem humorado. O humor sumiu rapidinho quando uma luz azul esverdeada envolveu os dois por um segundo, mas seja lá o que era aquela luz parecia ser algo em nosso favor considerando o sorriso debochado do meu irmão.
Geríon andou até o mumóvel mal humorado, e nem esperou que eu e Harry saíssemos do veículo direito para dar partida.
— Por do sol — lembrou Geríon, olhando para nós três com uma carranca — nem um segundo a mais.
E se afastou, o mumóvel sumindo pela trilha.
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