“Agora estamos bem no limite, segurando algo que não precisamos. Toda esta desilusão em nossas cabeças irá nos colocar de joelhos.”
Let It Go, James Bay
— Visita pra você. — Mariah anunciou ao que eu atendi o telefone.
— Manda entrar. — eu respondi, suspirando, tentando me preparar psicologicamente para a próxima bomba do dia. Devia ser algum funcionário raivoso que descobriu que os estou investigando, ou, pior, alguém tentando me extorquir para guardar o segredo da crise financeira da empresa.
É, minhas expectativas estavam seguindo esse rumo. Não me julgue, minha vida agora é baseada em evitar e/ou resolver problemas desse lugar.
— Licença.
Oh, não.
Eu quase preferi que fosse uma das opções que eu temi, pois tudo era melhor que enfrentar Frank depois de ser o monstrinho do nosso finado relacionamento. E ele estava bonito! Todo em social, sempre preferindo realçar os olhos cinza com camisas bem ajustadas ao tronco, tornando difícil a minha tarefa de agir com bom senso.
— Frank! — formei um sorriso de enorme confusão, pedindo que ele entrasse com um gesto de mão. — O que você está fazendo aqui?
Ele entrou na sala, mas parou no meio dela e colocou as mãos no bolso da calça. Adorável.
— Precisamos conversar, Anna.
Apertei os lábios, negando calmamente com a cabeça. Internamente eu gritava “não, não precisamos! Eu não aguento o dilema moral que é gostar de você só que não gostar tanto assim de você! Sai daqui!”.
Droga, Fletcher. Você fez merda.
— Precisamos sim. Eu preciso pedir desculpas a você. — sibilei consternada. — Sente-se, por favor.
Frank tinha uma expressão impassível que eu nunca havia visto nele antes, algo que deixava a atmosfera do ambiente muito mais séria que todo o nosso relacionamento. Eu me senti culpada por ter feito as coisas chegarem àquele ponto, por ter feito com Frank o que só uma pessoa imatura seria capaz de fazer. Eu nunca o iludi sobre o quanto o considerava ou o que eu queria com ele, mas nós viramos bons amigos durante todo o tempo em que casualmente ficávamos. De verdade, ele era uma companhia.
Existem amigos que você conta seus dramas e é capaz de fazer de tudo na vida, eles só não são o único tipo de amigos existentes. Há alguns que você convive diariamente e compartilha a rotina, o que é algo precioso, e eu adquiri isso com Franklyn. Desmerecê-lo com o final de tudo de forma que nós parássemos de nos ver imediatamente me fez mal, e eu sei que também o fez. Não foi à toa que nós nos atacamos em beijos a primeira vez que nos vimos após o término. Não acertamos as coordenadas de como ficávamos na vida um do outro, então só agimos da forma que sempre agíamos, algo que descobri não ser tão saudável.
Eu o assisti sentar-se à minha frente e seu olhar mudar, desmistificando aos poucos para algo perdido e magoado.
— Caramba… — eu respirei aliviada. — Eu precisava mesmo dizer isso pra você, odiei ter te magoado daquela forma.
— Foi o calor do momento, eu entendo você. — Frank ergueu o canto do lábio num sorriso amigável. — E… sobre a última vez que nós nos encontramos, eu queria pedir desculpa. Não foi certo chegar te beijando daquela forma, não éramos mais um casal.
— Não peça desculpa por isso! Foi bom… — me evitei de pensar sobre o dia. Foi mesmo uma mistura doida de sensações, a saudade dominando o quanto de desejo e vontade corria pelo meu sangue. — Foi bom termos feito isso, assim podemos tentar entender qual é a coisa certa. A começar por você falando como se sente, Frank. Eu ainda sou sua amiga.
— Essa é a questão… eu sei disso, mas também gosto de como éramos antes. — ele admitiu, remexendo-se na cadeira. Senti um frio na barriga, temerosa pelo que ele falaria. — Eu saio com outras mulheres, Anna. Não falamos sempre sobre isso porque você não tem esse costume e eu quis te respeitar. Mas elas… é bom com elas, é sempre bom conhecer pessoas novas e ter primeiros beijos de novo. O problema é que eu gosto mais de você.
— Frank…
— Não, me escuta. — o olhar dele parecia o oceano num dia limpo, e eu me permiti acalmar. — Eu gosto mais de você porque somos amigos e porque você é uma mulher incrível, me incentiva e realmente ouve quando eu tenho ideias novas pra minha empresa. Eu gosto de você por causa da nossa amizade. O sexo também é ótimo, mas não ligo de abrir mão dele. Eu só não quero abrir mão de você na minha vida.
Caramba.
Minha boca formou um ‘o’ perfeito, tamanha surpresa que me acometeu. Acho que Frank percebeu que o choque foi grande, já que eu ouvi sua risada contagiante no ambiente e assisti completamente pasma ele atravessar minha mesa e parar em frente a mim, estendendo a mão. A aceitei, levantando-me também, e parei rente a ele.
— Aceita ser minha amiga? — Franklyn sussurrou, quase romântico, com os lábios sorridentes. Eu era fogo e gelo com relação ao que sentia. Ainda bem que uma das pessoas presentes naquela sala estava sã o suficiente.
— Ótimo. — Frank deixou escapar, o polegar tocando minha bochecha timidamente. Acolhi o toque, fechando os olhos, apenas absorvendo tudo que tinha acabado de acontecer.
Um segundo depois, aproximei meus lábios para selar aos dele. Instintivamente atraída pela sua presença, talvez pelo costume ou porque estava em conflito comigo mesma e precisava buscar a verdade em alguém. Beijei Franklyn delicadamente enquanto meu cérebro se torturava inescrupulosamente.
Nos afastei de supetão, a boca de novo em um ‘o’, perdida de novo sobre o que fazer.
— Tá tudo bem. — ele garantiu e segurou minha mão, olhando-me com serenidade. — Acho que vai demorar um pouco pra gente desacostumar de fazer essas coisas… e, honestamente, pra mim não tem problema nenhum.
Quase não acontecia, mas aí estava: minhas bochechas ardendo de vergonha.
— Me desculpa, eu não dev-
— Anna… — o homem a minha frente sorria, o canto da boca repuxado de um jeito muito mais charmoso do que deveria. — Tá tudo bem. Estamos terminando pra poder recomeçar.
— Conveniente você aderir ao gerúndio. — eu ri levemente, um tanto constrangida por parecer não ter controle das minhas próprias ações, mas o tom de Frank era tão tranquilo que me fazia pensar que estava tudo bem mesmo.
E foi assim que eu comecei a terminar meu relacionamento com Frank. Se é que isso faz sentido.
...
Anna: Você tá em casa?
Aquiles: Por quê?
Anna: Isso não é resposta.
Aquiles: Simples: é só você não ter intenções ocultas nas suas perguntas. Aí eu respondo.
Anna: Você é a definição de porre.
Aquiles: Adivinha de quem eu sou irmão?
Anna: Tá! Você tá em casa? Preciso de comida e um ombro amigo.
Aquiles: Você só está com preguiça de cozinhar.
Anna: Talvez.
Apaguei as luzes da minha sala e me encaminhei ao elevador, que infelizmente estava cheio de gente. As consequências de sair no fim do expediente.
Aquiles: A mãe e o pai vão pra casa pro jantar. Eles vão conhecer a Jenn.
Anna: Vão? Nossa…
Aquiles: Não quero falar com você sobre isso, você me faz querer fechar meu coração pro mundo.
Anna: Eu não sou assim! Estou feliz por você, a Jennifer é bacana, já me acostumei com ela e a ideia de você gostando de alguém de novo.
Aquiles: Estou fazendo lasanha, traz alguma sobremesa.
História engraçada essa sobre como fui forçada a parar num restaurante durante o caminho para casa só pra comprar entremet de maracujá para um jantar que eu nem sabia que ia ter na minha casa. Eu estava muito cansada, chegando a conclusão triste de que desgaste era quase uma obrigação no currículo de qualquer chefe, e tudo que eu queria era comer coisas gostosas e conversar sobre aleatoriedades… e aí dei de cara com meus pais, Jennifer e meu irmão na sala de estar tentando socializar.
Aquilo demandava esforço demais, e eu não aguentava.
— Boa noite, eu amo vocês, só preciso de um banho antes. — entrei em casa avisando.
— Tudo bem, Anna? — o tom preocupado era maternal e acolhedor. Minha mãe prontamente se levantou para pegar a embalagem com a sobremesa que eu carregava.
— Indo. — murmurei e tentei sorrir, inútil em esconder meus sentimentos de Amelia Fletcher e seu um par de olhos azuis inspecionadores. — Pai, se você colocar uma música animada eu agradeço.
Vi meu pai assentindo, empolgado, e ainda dei brecha para Jennifer e ele começarem a conversar sobre música. De nada, Aquiles. Rumei ao meu quarto e já saí tirando minhas roupas, peça por peça. Levei alguns segundos até notar que minha mãe havia me seguido.
— “Indo”? — Amelia parou e cruzou os braços na minha frente. — É o melhor que você consegue fazer?
— Tenho vivido dias horríveis, você não faz a mínima ideia do pepino que o papai deixou eu assumir.
Minha mãe suspirou longamente.
— Eu sempre me preocupei com seu desejo de seguir os passos dele. — ela disse, um tanto resignada. Para ela era difícil falar sobre os pontos ruins da existência da Fletcher’s, porque, de um modo geral, a empresa fez nossa família prosperar muito. Era um ideal de gratidão deturpado onde se algo te faz bem, então não faz mal algum. E é uma inverdade. — Você tem que ter um tempo pra você, querida.
Observei minha mãe com os lábios apertados num sorriso fraco. Eu sabia que ela falava tudo aquilo de coração, mas agora eu via que as discussões do meu pai e dela se davam justamente pelo fato dela não entender a dedicação dele. Construir a empresa havia sido árduo, exigia sangue e suor, assim como mantê-la. Apesar da sabedoria, Amelia não era especialista naquele assunto em questão. Do contrário, talvez eu tentasse falar com ela.
E eu não tinha mais dezessete anos pra depender dos conselhos da minha mãe pra sobreviver, apesar dela torcer pra isso.
— Não se preocupe, mãe. — me aproximei dela, segurando seu ombro numa carícia. — Eu estou saindo, tenho visto meus amigos, e… você lembra daquele cara que te falei, o Frank? Às vezes eu ainda o vejo — mesmo que tenhamos terminado há alguns meses e estejamos falhando feio nessa tarefa. Não que venha ao caso. —, isso faz bem pra mim.
Minha mãe esboçou um sorriso e tocou meus cabelos, fazendo um cafuné gostoso.
— Não se esqueça de você. — ela murmurou, soando triste. — Eu queria muito poder estar todos os dias do seu lado pra poder comprovar tudo que você diz, e seu irmão não é tão fofoqueiro quanto você, o que só piora minha situação.
Eu soltei uma risada com a sinceridade dela.
— A pessoa em quem eu mais penso é em mim. Eu juro. — e era verdade, uma verdade quase irritante. Eu era pura introspecção nos últimos tempos, tanto que até tinha magoado Frank por causa disso. — Ei, posso te provar isso te expulsando do meu quarto pra poder tomar banho, que tal? — abri um sorriso largo e maroto, provocando um estreitamento de olhos nela. — Eu te amo, mulher! Sai daqui!
— Me respeita, Anna Louise, que eu ainda sou sua mãe.
É, ela era. Não tinha como não exercer alguma influência sobre mim. Pensando sobre suas poucas, porém assertivas palavras, peguei meu celular.
Anna: Oi. O que acha de um almoço entre amigos? Deixo você dirigir meu Audi.
Justin: Essa semana está corrida, Anna. Pode ser na sexta que vem?
Anna: Sem problemas, só preciso muito ver um amigo.
Justin: Um amigo precisa muito ver você. Está marcado.
Anna: Obrigada, Justino. Você é incrível.
O jantar correu bem.
Quero dizer, o Aquiles estava falando demais sobre fatos históricos aleatórios para tentar impedir que um silêncio se instaurasse na mesa, mas tudo bem. Sempre pensei que no dia em que meu irmão apresentasse uma namorada aos nossos pais ele ficaria super nervoso e sem a pose de folgado que é típica dele, e era uma cena até engraçada de se ver. Eu com certeza usaria aquilo contra ele depois.
Ok, até que ele estava se dando bem.
— Então, Aquiles, onde você conheceu a Jennifer mesmo? — tentei puxar um assunto, fingindo estar atenta aquelas pessoas na mesa.
— Não. — Aquiles soltou uma risada nasalada e me olhou com deboche: — Esse gostinho eu não te darei, mana.
Rolei os olhos para ele, decidindo ouvir - mais ou menos - o discurso da minha mãe sobre a salada especial que ela havia preparado. Queria poder dizer que participei ativamente da conversa pelo resto da noite, mas não o fiz. Eu estava cansada demais e com problemas demais (problemas na Fletcher’s, problemas com Frank, problemas comigo mesma) para conseguir me concentrar.
As coisas melhoraram um pouco quando abandonamos o ar formal da mesa e nos espalhamos pela sala com vinho (Aquiles tinha adquirido com nossos pais o hábito de tomar vinho nessas ocasiões, e ninguém conseguia reprimi-lo de fato porque seria muita hipocrisia), conversas aleatórias e Beatles como trilha sonora do ambiente. Me atentei ao meu pai dessa vez, nós dois sentados em poltronas e comendo entremet de maracujá, e depois nós dois sendo obrigados pela mamãe a cuidar da louça.
— Estou feliz por te ver fora da empresa. Devia acontecer mais vezes. — Fletcha disse enquanto colocava o último prato na lava-louça. — Tudo está muito tenso, e se eu estou incomodado com a situação, mal consigo pensar em como você deve estar se sentindo. — ele me fitou, meio que procurando permissão para continuar a falar.
E lá vamos nós.
Balancei a cabeça, dando sinal verde para que continuasse a falar.
— Eu estou bem. — acabei dizendo de antemão, quebrando o silêncio que havia se instalado e fazendo com que meu pai saísse do próprio transe. Ele parecia estar escolhendo as palavras com cuidado.
— Sei que você pediu para Mariah fazer a investigação no pessoal da Contabilidade.
— Sim? — falei, aérea, não entendendo o ponto dele.
— E eu te mandei uma lista indicando algumas pessoas há uma semana. — Andrew começou, um leve pigarro no meio da frase. — Por que não escolheu alguém de lá?
Parei, confusa.
— O que o senhor está querendo insinuar?
— Nada. — meu pai se apressou em dizer — É que você sabe que eu tenho uma certa experiência nessa área, tenho contatos confiáveis pra fazer pesquisas mais aprofundadas. — Andrew Fletcher parecia um homem leve, descontraído e que ia direto ao ponto. Sempre pareceu. Naquela hora, no entanto, tudo que eu captava do meu pai era uma censura velada por uma decisão que eu tomei. — Só estou querendo dizer que tenho experiência e que você pode contar comigo.
Eu não o respondi. Fiquei estática. De certa forma, não pude acreditar no que eu estava ouvindo e interpretando. Não era uma censura, meu pai jamais faria isso. Era uma crítica. E me irritava muito que dentre todas as pessoas que poderiam abrir a boca para falar do meu trabalho, meu pai ser o felizardo a estrear esse rol ao falar bem na minha cara.
Imagina só se ele soubesse que Mariah também estava dedicadíssima à tarefa de investigar um de seus funcionários mais antigos?
Quando abri minha boca para falar que entendia o desespero dele, não consegui. Porque eu não entendia. Se era para ele estar tão desesperado, deveria ter feito isso antes que eu assumisse a empresa. O problema está lá antes de mim, é algo óbvio. Meu pai não foi capaz de lidar com isso.
Soltei uma risada azeda, um tanto cética quanto às palavras de Fletcha.
— Pai, acho melhor terminarmos essa conversa por aqui. — eu disse e me virei para ele, emitindo um olhar de aviso. — Eu vou checar sua lista, vou contar com sua ajuda. Mas por ora você precisa confiar em mim.
Deixei o pano de prato em suas mãos, caminhando em direção ao meu quarto.
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