“Quando o céu ficar cinza e tudo estiver gritando, eu vou procurar por dentro, só para encontrar meu coração batendo. Oh, você me diz pra aguentar, você me diz pra aguentar...
Mas a inocência se foi, e o que era certo está errado.”
Bleeding Out, Imagine Dragons
Maio de 2017, dez anos atrás...
Anna: Não vai rolar mesmo?
Roberta: Sem condições, a não ser que o encontro seja pra socar a cara do Zayn.
Dominique: Ninguém vai socar o Malik, a não ser eu.
Liam: Não posso ir mesmo, e até queria…
Anna: Eu não acredito que vocês vão fazer isso acontecer. Agora é que a gente não se vê mais mesmo!
Justin: Vamos conseguir remarcar, Anna, calma.
Eu queria muito, muito estar calma. Mas estava lidando com coisas demais na faculdade e tivemos que acodir Dominique durante o final de semana porque o Zayn não fez questão nem de disfarçar ao sair do nosso grupo no WhatsApp. Eu tinha a impressão de que tudo estava colidindo e que não haveria volta… e era horrível, horrível mesmo, saber que esse dia havia chegado.
Dois anos. É o que levou para a nossa promessa ruir.
Harry: Cheguei.
Respirei fundo e ajeitei meu vestido, checando meu reflexo no espelho uma última vez antes de ir atender a porta. Styles tinha um sorriso mínimo no rosto, algo a harmonizar com suas roupas pretas, e meu coração apertou ao vê-lo ali. Naquele momento ele representava tudo que eu perderia e tudo que eu sentiria falta.
Não nos cumprimentamos. Uma troca longa de olhar foi suficiente, e então eu estava sendo abraçada por seu corpo. Aquecida por ele, depois de meses de solidão. Por tanto tempo eu havia sentido saudade, e agora não sabia assimilar que deveria sentir que estava tudo bem. Ele estava ali.
Por que eu ainda me sentia tão só?
— Você não tem ideia do quanto eu senti sua falta. — funguei em seu pescoço, me sentindo perdida. Nem eu tinha ideia daquilo de fato. O último semestre parecia ter sido miserável, de repente, e eu sabia que aquela não era a verdade. Era só o que Harry me fazia sentir.
Foi um dia muito bom, mas melancólico. Meus pais liberaram a casa para mim, pensando que meus amigos todos viriam, e provavelmente surtariam se soubessem que os únicos a aproveitar a cama e as comidas gostosas da geladeira haviam sido meu namorado e eu. Então era tudo sobre Harry Styles e eu, juntos, desimpedidos de nos amar, contudo parados frente a frente quando nos tocamos que não havíamos feito isso ainda. Andamos um pouco por Westminster, comemos fora, agimos como casais normais. Não mencionamos o quanto estávamos irritados por estarmos sozinhos durante aquele tempo todo.
Quando Liam cancelou o nosso encontro, uma semana atrás, todo mundo foi desanimando aos poucos, e no fim Harry me mandou mensagem dizendo que ainda queria muito me ver. Dominique e Roberta estavam em Cambridge, e, como eu disse, a situação da Domi era complicada com o sumiço do Zayn… então eu me vi só. Pra variar. E aceitei Styles como um sedento aceita água.
— Anna… — a voz dele chamou, baixinho. O olhei pelo canto do olho, confortável no abraço que havíamos formado enquanto assistíamos a um filme na sala. — Sei que você está triste. Pode falar comigo.
— Não sei o que dizer. — respondi, meus olhos agora presos nas minhas próprias mãos, que se entrelaçavam. — Não sei nem o que sentir… Parece que algo está muito errado com o mundo neste exato momento.
Senti um suspiro bem nos meus cabelos, e uma mão acariciando-os com calma, seguido de minutos de silêncio.
— Você está feliz com o que estamos fazendo?
Mordi o lábio com sua pergunta. Não sabia o propósito dela.
— Fletcher, você pode ser sincera também.
— Não sei o que dizer. — repeti, triste. Eu sabia a resposta àquela pergunta. Afastei o corpo de perto de Harry e me sentei em frente a ele no sofá. — Eu penso em oitenta coisas diferentes enquanto você está longe, até anoto algumas no meu celular pra poder te contar, e aí quando a gente se vê… nada mais se encaixa, nada mais faz sentido.
O olhar verde dele estava decepcionado.
— Harry… — murmurei, arrependida, e minha mão encontrou uma bochecha dele, a pele áspera do início de uma barba recebendo minhas carícias. Sussurrei: — Eu te amo.
Ele fechou os olhos, recebendo com prazer as palavras, pela primeira vez pessoalmente. A oficial primeira vez havia sido ao telefone, numa noite de inverno em que nós dois chorávamos por estarmos distantes e querer justamente o oposto. Ergui um sorriso no canto do lábio, preenchida com um calor no corpo inteiro por sua reação. Mais bonito que ouvir suas declarações era ver o que minhas próprias causavam nele. Eu só queria amá-lo ainda mais, só para presenciar mais disso.
— Você me tem na palma da sua mão, Anna Louise. — ele confessou, os olhos brilhando na minha direção quando seus dedos envolveram minha cintura e me levaram até seu colo, onde me encaixei com pouca dificuldade. — Sabia disso?
— Não. — neguei com a cabeça, mas sorri, levando uma mão até sua nuca. Nossos rostos se aproximaram cada vez mais, sua boca fina capturando toda a minha atenção, mesmo que em parte meu corpo todo tremesse em expectativa por estarmos tão próximos um do outro. — Aparentemente quem me tem na mão é você.
E fiz nossas bocas se encontrarem num beijo, iniciando uma batalha frenética que só se findou quando eu me vi sentindo espasmos involuntários por todo o meu corpo jogado no chão da sala.
Era surreal amar Harry Styles. O fizera poucas vezes em toda a vida, mas enquanto o fiz era como se eu tivesse o mundo em minhas mãos. Talvez tenha sido por isso que senti tanta dor ao terminar com tudo. Nós nos submetemos a vidas muito reprimidas namorando à distância, e eu via o reflexo disso em quem ele havia se tornado: uma pessoa mais fechada, emocional, totalmente vulnerável quando próximo a mim. Exatamente como eu era no ensino médio.
Não é saudável.
Queria que Styles fosse aquele cara debochado, boca aberta, insuportavelmente esperto com números, disposto a encarar desafios. Eu havia aprendido a ser assim com ele e aplicava um pouco disso na minha vida a cada dia que passava. Eu não vivia uma vida miserável sem ele, apesar de sentir isso ao vê-lo, porque, é claro, nós amávamos muito para aceitar menos que um ao outro.
Contudo, com Harry a história era um pouco diferente.
Ele carregava um pouco de culpa por toda a confusão da vida nômade e agora tinha uma necessidade estranha de fazer tudo certo. Era ruim ver que eu o ajudava a alimentar isso impedindo-o de ir embora, de ser livre e aproveitar a vida de universitário. Parecia que eu era uma corrente que o prendia à parte mais sombria de si mesmo.
Eu não suportaria que ele fosse menos brilhante do que podia ser.
— Harry… — me aninhei em seu peito, envolta pelo seu calor.
— Sim, anjo?
Sorri, triste, e deixei alguns beijos cálidos em seu ombro.
— Eu te amo. — frisei. Meus olhos se encheram de lágrimas logo em seguida. — Mas odeio o que estamos fazendo. Isso precisa acabar.
…
Atualmente
Nunca disse à Styles as razões reais de tudo acabar. Eu não tinha força suficiente para lidar com meus próprios problemas psicológicos, quanto mais os dele… e os motivos superficiais do fim de todo relacionamento à distância também se aplicavam ao nosso relacionamento. Deixei o curso das coisas seguirem, conversei com Styles até despertar raiva e inconformação nele. Pensei que a raiva poderia ser um combustível bom para ele não esmorecer depois que eu me afastasse de vez. Depois, claro, conversei com Liam e pedi que ele ajudasse Harry.
Naquele dia, quando o fiz se dirigir até a saída do apartamento, chorei de tristeza. Me permiti chorar e permiti que ele chorasse comigo. Era uma noite de primavera e nós dois chorávamos enquanto admitíamos uma última vez que o que tínhamos era amor. Sei que Styles me perdoou naquela mesma hora, mesmo sem entender o que eu estava fazendo.
É claro que alguns meses depois ele juntou os pontinhos e pediu pro Liam nunca mais ouvir meus conselhos.
Daí nós não nos vimos desde então. Isto é, até anteontem.
Ainda tá foda de assimilar. E, como se não bastasse, eu ainda tinha outras diversas coisas acontecendo.
Também tive que falar com minha amiga e assistente, uma conversa séria e um tanto chata. Mariah confessou que era culpada pela situação do Styles aparecendo e isso fez ela também receber um pouco de ódio da minha parte. Aparentemente eu estava muito nervosa e arisca ultimamente e não a ouviria nem se ela tivesse a solução para todos os meus problemas.
E tudo bem, talvez fosse verdade, mas eu realmente não gostei do que ela fez (organizou inúmeras reuniões e entrevistas como se tivesse o melhor discernimento do mundo para contratar alguém capaz de ajudar a empresa. Ela estava com o Aaron a acompanhando, ok, porém quem conseguiu o cargo de CEO da Fletcher’s não havia sido Aaron, não é mesmo?), então a fiz prometer que não faria aquilo de novo. Para me fazer voltar à razão é muito simples: me prenda em casa, me impedindo de vir trabalhar. Vou ficar emputecida ao ponto de me dar por vencida, e voilá.
Minha cabeça estava doendo muito, mesmo com os analgésicos tomados à tarde.
Era… muita coisa. Quem é que aguenta tudo isso numa boa?
Apanhei meu carregador e o coloquei na bolsa, parando por um segundo ao perceber que estava com roupas muito confortáveis, ainda cheia da comida que pedi assim que cheguei em casa. Bom, a viagem seria longa mesmo. Adentrei meu closet e me precavi com algumas peças, avistando meu cofre no canto do ambiente.
Eu não sou obrigada a aguentar tudo isso numa boa, não é mesmo?
A ideia brilhou na minha mente como em um estalo e eu desbloqueei o cofre com a senha e peguei o conteúdo antes que me acovardasse.
A dose restante da minha paciência havia ido para o quinto dos infernos. É provável que eu vá junto. Eu perdi minha cabeça no dia 13 de maio de 2027 e posso provar. Apesar disso, não ultrapassei os 80 km/h permitidos nas pequenas rodovias do interior do país. Meu destino não era Portsmouth, minha cidade natal.
Era Bradford.
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