Passaram-se pouco mais de uma hora até o médico aparecer e me dar alta. Preenchi todos os meus dados na ficha que me deram para registrar minha curta estadia por ali e ainda fui sutilmente orientado a procurar ajuda psicológica pela enfermeira que, muito prestativa, nos acompanhou até o estacionamento. Jungkook cantarolava baixinho com as mãos no bolso, admirando os arredores do hospital enquanto a enfermeira simpática dizia repetidamente que eu tenho pessoas que se importam comigo e com meu bem estar, que elas ficariam muito tristes se eu tomasse decisões tão drásticas e que sempre há uma luz no fim do túnel. Não precisa ter poderes psíquicos para concluir que com certeza Jungkook deve ter contado a versão dele sobre eu ter tentado se matar enquanto eu ainda estava sem chances de defesas pela inconsciência, e a julgar pelo jeito dele, olhando para todos os lados e cantos com falsa distração e sempre evitando a mim e a enfermeira, ele também sabia disso.
Não valia a pena se explicar.
Taehyung segurava os exames e ficou calado o tempo todo, muito concentrado em pensamentos dos quais não queria expressar. Mesmo quando a recepcionista flertava descaradamente, ajeitando o decote nos seios com segundas intenções e com o lábio inferior preso entre os dentes quando o encarava, ele parecia bem alheio e distante.
Já no estacionamento andando entre os dois, me esforço em identificar qual carro pertencia a eles com base no nível de dano no parachoque e no capô. Paramos ao lado de um veículo grande e reluzente, daqueles aparentemente bem caro e luxuoso e que, para minha total surpresa, sequer tinha um arranhão que fosse. Faço questão dar meia volta até à frente do carro, onde me agacho para poder analisar tudo mais de perto e se certificar de que eu possa estar enganado.
— O que está fazendo? — Jungkook perguntou desconfiado.
— Como… Não danificou nada?
— Você? — Ele dá risada — É preciso muito mais do que isso para machucar esse garotão aqui. — diz orgulhoso, dando tapinhas no teto do veículo antes de abrir a porta e ocupar o assento carona. — Já tive o suficiente por hoje, então você que vai dirigir, Tae. Eu preciso relaxar. — anunciou estendendo as chaves na direção de Taehyung após o mesmo entrar.
Me ajeito no banco traseiro do meio. O interior do veículo tem vestígios fortes do cheiro deles, é quase como se fosse um aroma só e não dá para distinguir qual ou quanto desse cheiro pertence a quem. Não é nada que eu já tenha sentido ou possa expressar com palavras, parece calmante, mas também é intenso e extasiante.
E é muito bom.
Eu poderia inalar isso pelo resto da minha vida sem reclamar nem por um segundo. Inflo meus pulmões com suspiros profundos, lentos, e me seguro para não gemer de satisfação com a sensação que me revigora por dentro. É uma sensação tão ou até mais prazerosa do que se espreguiçar na cama ao acordar. Um combustível natural que faz meu coração acelerar de euforia.
Observo como Taehyung ainda se mantém calado, preso em devaneios enquanto ajusta o cinto e liga o carro, mas antes que ele possa manobrar Jungkook segura seu braço e inclina-se um pouco na direção dele, a testa franzida em algo bem semelhante a preocupação.
Quieto, vejo a interação entre os dois.
— Está tudo bem?
— Sim, só pensando em algumas coisas.
Jungkook não demonstra estar convencido e se aproxima mais um pouco — Tem certeza? Você parece bem distante.
— Absoluta. — Taehyung assegura, então se inclina também, diminuindo ainda mais a distância entre ambos até que não reste mais nada.
E assim eles se beijam, bem aqui na minha frente. Os lábios deslizam com calma um sobre o outro, sem pressa ou volúpia, mas com determinação e vontade. Não há disputa por domínio e liderança, apenas pura concentração neles mesmos e no significado que querem transmitir naquele ato tão íntimo.
O beijo é bem rápido, coisa de míseros segundos, mas é mais do que suficiente para me deixar, como espectador desavisado de tudo, muito chocado. Eles se separam e olham para trás, na minha direção, finalmente lembrado que há mais alguém na presença deles os assistindo.
— Que cara é essa? — Jungkook resmungou voltando a se posicionar corretamente no banco, agora me olhando do retrovisor — Nunca viu um beijo?
— Desculpa, é só que eu não sabia que vocês são um… casal?
Na verdade eu me sinto bem estúpido por sequer ter pensado que eles poderiam ser um casal, porque agora que pude ver com meus próprios olhos, é bem difícil olhar para eles e não cogitar qualquer suspeita acerca de qual tipo de relação levam. Taehyung e Jungkook são dois Alfas bem diferentes um do outro que, aparentemente, as únicas coisas que ambos têm em comum são o subgênero, a aura dominante e a beleza estarrecedora. Além disso, não é tão comum ver dois Alfas juntos porque o subgênero geralmente tem cheiro quase sempre no mesmo nível de similaridade, o que acaba sendo uma espécie de repelente. Nunca passou pela minha cabeça que eles poderiam estar juntos dessa forma, e eu não posso evitar a onda de decepção que infla no meu peito, o que de certa forma chega a ser até risível porque não é como se eu estivesse interessado romanticamente em algum deles.
Ou talvez sim. Só um pouco. É impossível olhar para eles e não sentir nada. Ninguém é feito de pedra e é oco por dentro.
— Agora você sabe. Para sua infelicidade, Taehyung é comprometido — diz sardônico, ainda me encarado do retrovisor.
— Ah…
— Não dê importância para as coisas que Jungkook fala, ele gosta de provocar as pessoas. — Taehyung intervém meio divertido enquanto manobra o carro, sem mais sinais daquela versão silenciosa de minutos atrás. — Onde você mora, Jimin?
— No alojamento da Galahad.
— Di Galahad?
— É.
Escuto Jungkook bufar, mas Taehyung faz um bom trabalho em ignorá-lo. Ele me encara rapidamente e sorri — Então acho que vamos nos ver mais vezes.
Até chegar ao meu destino pude saber um pouco mais sobre eles. Por mera coincidência ou intervenção divina, ambos também estudam na mesma universidade que eu, mas já são veteranos. Fiquei feliz por descobrir que já tenho uma relação amigável com dois rostos ali, porém me obriguei a se conter.
Jungkook não fez questão de participar da nossa conversa; limitou-se a colocar fones de ouvido e se desligar do mundo. Talvez ele até estivesse dormindo, mas eu tinha minhas suspeitas quanto a isso.
A decepção por saber da relação deles não dura muito. Em questão de segundos tudo que consigo imaginar é no quão belo é o casal que eles formam.
Taehyung contou que eles nunca moraram no alojamento, o que me deixou um pouco frustrado. Eles residem em um prédio no centro da cidade desde o ensino médio e vivem juntos até hoje. Me pergunto há quanto tempo eles se conhecem e quanto tem de relação. Nenhum deles usam aliança, pelo menos não onde eu possa ver, logo sinto vontade de questionar tudo isso, se são casados, se apenas namoram, se são noivos ou qualquer outro status seja lá como eles prefiram rotular. Será que são vinculados? Vínculos são bem difíceis de acontecer, mas não é nada raro nem impossível. Particularmente nunca vi ou conheci alguém que já tenha visto pessoas vinculadas, mas dizem que quando acontece é como se tornassem uma pessoa só e os sentimentos são interligados de forma que tudo fica mais transparente do que a água mais cristalina. Uma pessoa vinculada sempre capta todos os sentimentos e sensações que a outra sente, logo não existe mentiras entre elas e nem a chance de esconder nada uma da outra. É o patamar mais puro e verdadeiro que possa existir numa relação, e que apesar de ser algo muito almejado, não acontece para todos.
Taehyung e Jungkook talvez seja esse tipo de casal. A vontade de perguntar deixa minha língua coçando, mas o receio de parecer muito interessado na vida pessoal deles e agir feito um intrometido sem qualquer intimidade me impede de tentar apaziguar as dúvidas. Não ameniza nenhum pouco a empolgação que me acomete, eu sei que soa estranho tamanha euforia perante o relacionamento deles dois, contudo não consigo me importar. É tipo a mesma felicidade e êxtase de ver e torcer por aquele casal favorito dos dramas, séries e filmes, só que real.
Taehyung falava sobre outras coisas, assuntos casuais dos quais se perdiam e ecoavam em algum lugar dentro da minha cabeça enquanto eu me envolvia cada vez mais apenas na beleza do som da sua voz e nas situações imaginárias envolvendo ele e Jungkook que rodeiam minha cabeça sem parar. Todo o resto se tornou trivial e não recebia mais do que respostas monossílabas da minha parte sempre quando ele me perguntava algo. O trajeto até o dormitório foi assim, com ele conversando, eu em total devaneio e Jungkook dormindo.
Quando chegamos, sem ter nenhuma noção de tempo estando entretido demais, fui surpreendido. Sacudo a cabeça para voltar à realidade. Taehyung me entrega os papéis do hospital e dos exames antes que eu possa sair do carro.
— Apesar das circunstâncias foi um prazer, Jimin. Espero te ver mais vezes por aqui.
— Eu também. Obrigado por tudo que fizeram por mim.
— Não agradeça por isso — ele responde e parece querer dizer mais alguma coisa, mas desiste.
Depois de abrir a porta e abandonar o calor aconchegante do carro, o ar gelado sopra em mim. Ainda não amanheceu e está um tanto escuro e silencioso aqui fora.
Taehyung abaixa o vidro da janela.
— Posso te acompanhar até seu dormitório, se você quiser.
— N-não precisa. Aqui é um ambiente bem seguro — a verdade é que eu adoraria se ele e Jungkook viessem comigo, mas acredito que seria demais da minha parte aceitar ou pedir isso depois de tudo que já aconteceu. Ele olha nos arredores antes de assentir, talvez se certificando que realmente não há perigo nas proximidades. Isso me toca profundamente.
— Certo… Cumpra as orientações médicas e repouse.
— Sim, vou seguir as recomendações.
— Nada de atividades bruscas, faça somente o necessário e descanse.
— Sim.
— Se sentir qualquer incômodo ou dores de cabeça, procure o hospital ou me ligue imediatamente. Eu deixei meu número anotado atrás dos papéis.
— Ah… O-ok. Obrigado.
— Se cuida.
— Eu vou. — meu coração estremece por toda demonstração de preocupação. Nada mais é dito quando nos encaramos, até que Jungkook resmungue do outro lado.
Ele não parece nada contente com a expressão amarga que exibe no rosto e com os orbes escuros colados em mim. Abaixo a cabeça desconcertado e limpo a garganta. Aposto que o sangue deve estar pintando todo o meu rosto agora.
— Eu já estou indo, então. — gloriosamente consigo não gaguejar — Até mais, Taehyung. Jungkook. — aceno rapidamente com a mão e dou meia volta.
Suspiro e fecho os olhos.
O que foi isso?
O som do motor ligado é um sinal óbvio de que eles ainda não saíram do lugar. Não sou capaz de virar para olhá-los porque sinto que estou sendo observado pelos dois e não conseguiria encarar ambos novamente sem fazer papel de bobo de novo. Respiro fundo um par de vezes mais a fim de tentar afugentar o friozinho na barriga que já está a um passo de tornar-se algo bem familiar para mim
A distância até a entrada dos dormitórios é algo de cerca de 100 metros. Foram os 100 metros mais longos que percorri em toda minha vida. Quando por fim alcanço a porta de entrada e olho para trás, só então o carro deles dá partida e vai embora. Não posso evitar sorrir feito um completo idiota.
ו×
Ficar de repouso é uma merda.
Nesse horário eu deveria estar na aula. Meu primeiro dia de aula. Ao invés disso, sou obrigado a admirar as paredes e o teto desse cubículo, sem nada para fazer, sem distrações e sem ninguém para poder conversar. Acordei com o despertador berrando nos meus ouvidos pouco antes das sete da manhã, menos de duas horas depois de cair na cama e desmaiar de cansaço. Me arrastei, tomei banho, se arrumei e me preparei só para lembrar da existência do atestado médico logo em seguida, já com a mão na maçaneta da porta e pronto para sair. A fadiga foi tanta que consumiu até mesmo qualquer frustração que eu pudesse sentir.
Acordei novamente algumas horas depois, dessa vez sem vestígios de sono e muito revigorado, o que desencadeou um tédio jamais experimentado por mim até hoje. Na televisão, Netflix ou no YouTube não há nada muito interessante para conseguir me distrair. Sem amigos para conversar e sem amizades aqui no alojamento, tudo que posso fazer se limitar a ficar deitado feito uma múmia na tumba. Poderia se aventurar pelos arredores lá fora, conhecer um pouco mais a cidade e gastar dinheiro em lojas de doces e roupas, mas todos esses planos viram cinzas quando lembro da existência dos papéis em cima da cômoda. A consciência pesa.
É deprimente sentir-se intimidado por um papel, afinal de contas não é como se houvesse alguém vigiando meus passos e pudesse me enquadrar criminalmente por um passo que eu desse para fora daqui. Com certeza não vou morrer se der uma espiadinha lá fora... Preciso respirar ar puro, esticar as pernas, sentir a luz do sol no meu rosto e ver pessoas, não paredes e tetos!
E é o que vou fazer! Que tudo se exploda, não vou me confinar por causa de uma pancadinha na cabeça que nem foi tão forte assim. Antes de sair, puxo o primeiro casaco que vejo no guarda-roupas e enfio o celular no bolso traseiro do meu jeans. Pelo menos dessa vez, se porventura acontecer algum imprevisto, que de verdade espero que não aconteça, não vou passar frio e nem ficar sem poder se comunicar. Coloco o cordão com a chave do quarto no meu pescoço depois de trancar a porta e rumar à liberdade. Tombo com algumas pessoas no corredor, são estudantes apressados carregando livros e caixas nos braços, muito concentrados neles mesmos para responder minhas tentativas frustradas de interação com "oi" e "bom dia". Não é nada novo para mim, então posso lidar muito bem com a sensação de ser ignorado, como sempre.
Andando pelo campus, me surpreende em como há gente de tudo quanto é jeito e em todos os lados possíveis, até sentada em galhos de árvores. Alguns com garrafas de bebidas e cigarros, e outros com o rosto pregado em livros ou celulares. O fato de ter acabado de sair da escola, um ambiente muito rigoroso cheio de restrições e regras, não me preparou para esse nível de… liberdade? Claro que eu sabia que não seria a mesma coisa, mas também nunca esperei por algo assim, como beber livremente dentro das dependências sem receber em troca uma carta de expulsão, por exemplo. Ou como quando exigiram uma reunião com meus pais depois que o diretor me flagrou beijando meu ex dentro do banheiro. Aposto que fazem coisas muito piores do que um simples beijo por aqui sem que haja alguém para repreender e expulsar.
É incrível as regalias que a maioridade pode proporcionar!
O ambiente é bem receptivo. Estátuas em tamanho real, daqueles que provavelmente tiveram seu envolvimentos na história da universidade, estão estrategicamente espalhadas por todo o campus sob bases altas de pedra. Uma delas é de um soldado em traje militar apontando a espada para frente em ângulo reto, como se estivesse desafiando um possível inimigo que não está mais ali, o semblante esculpido em qualquer outro momento retrataria ferocidade e coragem, mas qualquer sombra de seriedade da obra é perdida quando se é percebido o sutiã vermelho pendurado na ponta da espada empunhada. Alguém deve ter achado muito engraçado espalhar peças íntimas por aí. O gramado nos arredores é verdinho e aparado, bom o bastante para que alguns estudantes optem por se deitarem ali do que ocupar os inúmeros bancos inseridos nos arredores. O prédio da universidade é imenso e está logo no centro, a arquitetura clássica sugere imponência e atemporalidade, e honestamente, é a construção mais magnífica que já vi. Mais parece um grande museu do que qualquer outra coisa que possa imaginar. Meus olhos devem estar brilhando e minha boca escancarada, mas acontece que é impossível ignorar tamanha grandiosidade. À frente há um chafariz proporcionalmente grande, onde as laterais servem de assento e está tomado por alunos.
É estranha a forma como parece que tem mais gente aqui do lado de fora do que tendo aulas lá dentro, isso me faz automaticamente pensar sobre quais são as chances de encontrar Taehyung ou Jungkook por aqui e se estão à toa pelo campus também. Não sei qual seria a reação se me vissem vagueando depois de assegurar que seguiria todas as restrições médicas. Meu lado impulsivo que age sem pensar quer arriscar, andar sem rumo até topar com algum dos dois "casualmente" pelo simples prazer de poder vê-los mais uma vez, mesmo que nosso último contato tenha sido feito há menos de 24 horas. Já a minha consciência, a qual estou aprendendo a dar mais valor depois dos últimos acontecimentos, ainda pesa dolorosamente por ter colocado os pés para fora do dormitório. Com certeza esse peso vai multiplicar se eu receber qualquer repreensão por não cumprir com a minha palavra.
Ou talvez apenas não pudesse lidar com esse tipo de decepção vindo de algum deles. Não que eu me importe em ser repreendido, só é meio chato pensar em levar puxão de orelha pelos dois depois de tudo que houve. Coexistindo em paralelo ao sinal de sensatez, também existe essa necessidade fincada no meu peito que faz parecer inofensiva qualquer sombra de culpa ou de possíveis consequências que possa vir, me faz querer acreditar que possa valer a pena arriscar em prol de um bem muito maior. É uma incerteza muito, mas muito tentadora e nada mais além disso.
É, hoje é um belo dia para tentar ser uma pessoa menos impulsiva. Eu tenho o telefone de Taehyung e tanto ele quanto Jungkook estudam aqui, não é como se hoje fosse o único dia em que tenho chances de encontrá-los. Além disso, posso ligar para ele, me foi dada permissão, afinal.
Me sinto satisfeito por ter o controle de repensar minhas atitudes ao menos uma vez.
Antes de voltar, passo na lanchonete perto daqui e pego meu cappuccino preferido, também conhecido como a gasolina de Park Jimin. Enquanto há pessoas que buscam relaxar através de sexo e cigarros, cappuccino é o que realmente funciona para mim. É a minha droga, o sabor dos deuses. Tenho dúvidas se flutuo ou se andei até o dormitório. O dia está ensolarado, mas não quente. É um clima bem gostoso de se aproveitar, com pássaros cantando, ar fresco e o falatório bem distante dos alunos espalhados por aí. Quando me privo de tudo isso ao entrar no alojamento é preciso muita força de vontade – e escutar a voz da consciência – para não sair de novo. Sinto compaixão pelas pessoas de aparência cansada que sobem as escadas junto comigo e alívio por mim mesmo por residir só no terceiro andar. Foram necessárias cerca de quatro viagens para trazer todas as minhas coisas até o dormitório, felizmente tive ajuda dos meus pais com as caixas, mas ainda assim o cansaço foi iminente. Não quero e nem consigo imaginar quão esgotado deve ser o estado daqueles que pegaram os últimos andares do alojamento. Com toda certeza é um inferno, porém não é obrigação minha se preocupar com problemas dos outros.
Quando dobro no meu corredor, a última pessoa que desejo ver está batendo impacientemente na porta do meu dormitório. Chung. No mesmo segundo me escondo atrás da parede, rezando para que ele não tenha me visto. Maldita hora em que passei todas essas informações a esse verme. Ah, se arrependimento matasse… Eu já estaria em putrefação, mas faria questão de sair do plano espiritual só para chutar a bunda quadrada desse desgraçado até ele desistir da vida também.
O que ele quer, afinal de contas?
Pedir desculpas? Terminar o que ele começou? Me bater? Ameaçar?
Sinceramente não sei o que esperar alguém sem caráter feito ele, já tive o suficiente para ter certeza que não é nada de bom e para desconfiar daquilo que ele mesmo diz ser bom. Espio cuidadosamente o corredor. Chung continua batendo e pensando que estou lá dentro se negando a atendê-lo. O chute que ele dá na porta em seguida é um aviso do quanto irritado está, o corredor é tomado pelo eco pela demonstração de agressividade, mas nenhum estudante parece se importar com o barulho ou coloca a cabeça para fora atrás de entender a origem do mesmo. A sensação que tenho é de que estou sozinho com um maníaco sexual e desequilibrado. E talvez realmente isso seja verdade aqui nesse corredor.
Acho que dessa vez eu posso ir contra as recomendações médicas sem se sentir mal por isso, pelo menos agora é em prol do meu bem estar físico e mental.
Tento andar com passos lentos e leves, com muito cuidado para não emitir nenhum tipo de som até chegar às escadas, onde o fluxo de movimentação é bem maior com toda essa gente subindo e descendo sem parar.
Esse maldito do Chung me fez esquecer até do cappuccino. O pouco que resta já deve estar bem frio e intragável. Meu dinheiro está sendo jogado no lixo por causa desse imundo. Arremesso o copo na lixeira mais próxima assim que alcanço a escadaria, depois de muito meditar se jogava na cabeça dele e saia correndo ou continuava o plano de se retirar em silêncio sem que ele soubesse da minha presença. Foi a opção mais sensata a se tomar, até que eu piso no primeiro degrau.
Pisar no primeiro degrau foi como ir de um extremo ao outro dentro dos limites possíveis que 1 segundo pode proporcionar. De um lado o alívio por não precisar lidar com Chung, e do outro a completa desilusão destruindo em tempo recorde todo o alívio que senti assim que a voz de Chung chega aos meus ouvidos, alta e chamando pelo meu nome.
— Jimin, espera! Merda!! — Ele vem apressado — Nós dois precisamos ter uma conversa. Agora.
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