Surpreendentemente, e indo contra todos os planos, meu reflexo não foi correr feito um condenado e se distanciar o máximo possível até onde pudesse ir, como inicialmente planejei que faria. Ao invés disso, paro ali onde estou para escutá-lo. Talvez o fato de agora estarmos em público tenha funcionado como um lembrete de segurança, afinal de contas não há como ele tentar algo tendo tantas testemunhas em potencial ao redor e em plena luz do dia, sem a tropinha baba-ovo dele.
— Estava te procurando. — Chung ressalta com uma careta descontente assim que me alcança. Encosto-me na parede para observá-lo. Não sou capaz de evitar saborear o gostinho da satisfação que surge quando vejo o curativo nada discreto na sua bochecha direita. É decidido que a partir de hoje jamais vou parar de usar anéis. — Vem, vamos para o seu quarto.
Ele faz menção de agarrar meu braço, mas me afasto imediatamente.
Como seu eu fosse louco de ficar sozinho de novo com um maluco feito ele depois de tudo que aconteceu.
— Não toca em mim, filho da puta! — as palavras saem quase como gritos e pouco me importa se isso pode atrair atenção para nós. A vontade é de pular nele e deitar ele no soco até virar parte do chão. Chung me olha mal disfarçando a irritação que sente. — O que você quer?
— Quero conversar, mas não aqui. Vamos lá para dentro..
— Eu não vou à lugar nenhum com você, Chung. Saia daqui agora ou eu chamo a polícia.
— Polícia? — ele bufa, incrédulo — Eu tô aqui numa boa querendo esclarecer as coisas contigo, então para com esse drama do caralho.
— Drama? — parece piada a forma como ele demonstra não ter consciência dos próprios atos. Me faz se arrepender de ter ficado para ouvir isso, era melhor ter corrido. Perseguir pessoas por sexo é o que para ele? Pega-pega? Minhas mãos começam a tremular de nervoso pela banalização de tudo que passei e senti por causa desse porco. O tom de naturalidade que ele usa me faz sentir nojo só de pensar em quantas outras pessoas foram submetidas a situações similares. — Drama? Você praticamente ordena que eu te chupe e chama isso de drama? Assediar pessoas é drama para você? Sabe-se lá o que teria acontecido se eu não tivesse fugido, ou então agora estaria de frente com um possível estuprador. Se é que você já não é um!
— Cala a boca.
— Vai embora daqui. Eu podia ter morrido por culpa sua! Eu não quero conversar, o que você fez foi nojento e nada que você diga ou faça vai mudar isso.
Chung me pega de surpresa quando me empurra contra a parede sem aviso prévio. Eu tento ignorar a dor que espalha pela minha cabeça com o golpe inesperado e por um segundo parece que tudo fica em segundo plano quando o zumbido predomina nos meus ouvidos. Chung deixa seu rosto quase colado ao meu, o corpo inclinado sobre mim quando me encara com seus olhos cheios de fúria. Eu tento afastá-lo, sentindo sua respiração forte e quente contra mim, mas é um trabalho difícil fazer isso estando tão desorientado. Ele me encurrala ainda mais.
— Presta bem atenção — ele grunhe me agarrando pela gola da camisa, cada palavra sendo frisada com uma puxão forte e causando-me náuseas. Eu mal consigo se concentrar nele e no que é dito. — É melhor você não abrir essa boca para ninguém, está me ouvindo? — o tom que ele usa, apesar de furioso, é baixo e audível apenas entre nós. — Você me disse que veio de Geumjeong-gu, não é? De Busan… Eu posso ou não ter alguns conhecidos meus por ali, e também eu posso ou não descobrir seu endereço lá. — Chung revela ao pé do meu ouvido, cruelmente, incitando que o temor desperte dentro de mim. Desta vez, contudo, não por mim mesmo, mas sim pela lembrança da minha família porque são eles, meus familiares, que vivem em Geumjeong-gu agora. O medo vem com força total. — Se eu descobrir que alguém mais sabe do lance entre a gente, que você foi à polícia ou reportou à faculdade, notícias não tão agradáveis de lá podem ou não chegar até você. Não queira saber se estou blefando.
— Eu te mato se-
— Calado!! — ele corta com ódio, sacudindo-me. Chung coloca a perna entre as minhas quando tento chutá-lo, impedindo meus movimentos e qualquer chance que eu tivesse de atingir o ponto fraco dele, como na última vez. — Se abrir essa boca, sua putinha estúpida, eu pessoalmente te faço se arrepender, entendeu?
Sua personalidade agressiva é tão cega que nem mesmo o fato de estarmos em público é razão suficiente para fazê-lo ter um pouco de prudência e discrição. Eu já não sei mais se a essa altura o que grita mais alto é o pulsar dentro da minha cabeça, a raiva por Chung ou o medo pelos meus pais. Meus pais são tudo que tenho de mais precioso. Eu não ficaria tão abalado se, ao invés de ameaçá-los, ele tivesse feito uma ameaça direta à mim, porque eu posso se proteger sozinho, mas não consigo fazer o mesmo com meus pais estando tão longe deles.
Seguro seu ombro para distanciá-lo, mas ele me sacode violentamente de volta. Uma nova onda de dor chega, sinto que a qualquer momento posso vomitar. A angústia começa ramificar quando percebo que apesar das pessoas estarem vendo tudo, nenhuma delas se atreve a intervir. O que era pra ser uma garantia de segurança acabou servindo apenas como exemplo de platéia insossa, além de ser um belo aprendizados sobre não esperar nada de ninguém.
— Eu perguntei se você me entendeu! — Chung diz com agressividade, obrigando-me a focar nele quando intensifica seu aperto. — Responda!!
— Chung? O que você está fazendo?!
De repente suas mãos já não estão mais em mim e eu posso inalar ar fresco novamente, não mais a respiração quente dele. Há um homem o segurando contra a outra parede, mas não de forma agressiva como Chung fazia comigo. Esse homem o prende pelos ombros e conversa como se quisesse acalmá-lo, e é quase assustador o jeito como Chung mantém os olhos pregados em mim parecendo ignorar completamente a pessoa em sua frente falando com ele. Posso sentir sua aura negativa daqui, isso me deixa mais nervoso e preocupado em sair de perto dele o mais rápido possível e se livrar dessa aura pesada.
Tropeço de volta para meu quarto buscando equilíbrio nas paredes enquanto Chung permanece onde está, sendo contido pelo desconhecido. Foram mais de três tentativas até conseguir destrancar a porta com minhas mãos trêmulas, e quando por fim consigo, suspiro de alívio. Incrível como um lugar tão pequeno, e impessoal, até certo ponto, me faz sentir tão seguro e protegido como nunca antes. Pelo menos nesse momento, porque Chung ter essa informação não representa nenhum tipo de segurança a longo prazo. Tranco a porta imediatamente assim que entro, então a primeira coisa que faço é pegar o celular e discar a sequência de números que há anos está memorizada.
A ligação é atendida depois da segunda chamada.
— Mãe? — chamo ansiosamente.
— Jimin? Não era para você estar em aula agora? Está tudo bem?’’
Escutar sua voz é um bálsamo que acalma meu coração com rapidez recorde. Caio deitado em cima da cama sem forças, já conseguindo controlar a respiração e torná-la menos ofegante.
— Jimin? Aconteceu alguma coisa?
— Não, eu… — as ameaças de Chung ecoam impiedosamente nos meus ouvidos incessantemente — Não aconteceu nada, eu s-só estou com saudades… A senhora e o papai estão bem?
— Estamos. Jimin, tem certeza que não houve nada? São onze e meia, você não deveria estar tendo aulas neste horário? O que aconteceu?
— E-eu tive aula, sim… Na verdade, por ser o primeiro dia, só meio que foi uma introdução e… saímos mais cedo… — mentir para minha mãe nunca me deu orgulho, mas saber que posso evitar que ela fique preocupada, mesmo que usufruindo dessa artimanha, tira dos meus ombros um pouco do peso da culpa — Como estão as coisas aí?
Ela não responde imediatamente e por alguns poucos instantes a linha fica muda. A conheço bem, sei que deve estar meditando se minhas palavras valem ou não o benefício da dúvida, e quando isso acontece geralmente ela fica bem persistente, mas por alguma razão ela acredita e o tom já não é mais cético quando ouço novamente sua voz.
— Bem, a senhora Lee encontrou o cachorrinho dela, o danadinho estava todo esse tempo acampando na casa de ração. Como ele chegou lá ainda é um grande mistério, mas agora ela decidiu colocar um chip nele. — Mamãe conta e eu me sinto confortado. Escutá-la me faz esquecer do latejar na minha cabeça, que parece não estar mais tão forte e insuportável como antes. Fecho os olhos para me concentrar mais nas palavras dela e esquecer daquelas que Chung jurou à mim. — Ela perguntou por você, mandou lembranças… Ontem eu flagrei seu pai bebendo olhando uma foto sua. Ele fingiu que não estava chorando, mas eu vivo com aquele homem há mais de vinte anos e ele não pode me enganar tão facilmente assim. Você deveria ter visto ele com os olhos vermelhos e a cara toda toda inchada tentando se explicar e manter aquela pose de homem durão sem sentimentos. — ela ri travessa e eu a acompanho baixinho. Quando continua, a ouço suspirar profundamente, mais nostálgica e menos divertida. — Estamos todos sentindo sua falta, meu filho. Foram só quatro dias, mas nunca ficamos tanto tempo longe de você. Espero que esteja se cuidando direitinho e sendo um bom garoto responsável.
— Aham…
— Sim? Fique longe das más companhias e não aceite nada que pessoas estranhas te oferecer. Ouvi dizer que nesses lugares costumam usar muita droga…
— Mãe, eu já sei. — se ela soubesse tudo que já aconteceu comigo nesse meio tempo, estaria vindo me resgatar agora mesmo junto com o helicóptero da polícia e me matado com puxões de orelha logo depois — A senhora repete isso para mim desde que eu era um bebê. Não precisa se preocupar assim, estou sendo bem cuidadoso e ouvindo todos os seus conselhos como te prometi.
— Oh, eu sou tão orgulhosa de você! Meu garotinho já é um homenzinho responsável! Seu pai vive se gabando para todo mundo porque o filho está na melhor universidade da Coréia, sabe?
— Como ele está? Eu sinto muito a falta dele. Ele está bem?
— Bem? Seu pai está ótimo! Ele foi pessoalmente à casa do seu tio Seung e fez questão de esfregar sua carta de admissão na cara dele. Nunca vi ele tão orgulhoso.
— Eu estou com muita saudade de vocês. Assim quando eu puder vou passar alguns dias aí.
— É a sua casa, meu filho, pode vir quando quiser. A porta está sempre aberta e nós sempre iremos te receber de braços abertos.
— Eu te amo. Eu amo vocês — o aperto que sinto no peito é indescritível, me faz querer chorar, abandonar tudo aqui e voltar para debaixo das asas dos meus pais, certificar-me de que tudo está bem e de que não há e nem vai acontecer nada de errado com eles. Engulo o nó crescendo em minha garganta diversas vezes até ter certeza de que consigo falar sem que minha voz entregue toda essa angustia dentro de mim. — Mãe? Promete para mim que vai se cuidar, a senhora e o papai?
— Mas é claro, Jimin. Quando fiz parecer o contrário? Sou sua mãe, você deve estar pensando que eu sou você. Sou eu que sempre tenho que te mandar ter um pouco de juízo. — ela reclama, mas não está irritada. — Por que você está assim, hein? Todo sentimental e sensível tão de repente?
— Mas eu estou normal...
— Normal? — mamãe ri desacreditada do outro lado — Jimin, você sempre foi uma cópia menos reservada e introvertida do seu pai, mas ainda assim reservada, tanto que as pessoas mal acreditam que você é um Ômega por causa disso. Agora está agindo feito um recém vinculado, todo preocupado, expressivo e sentimental.
— ‘‘Recém vinculado’’?
— É, pessoas Ômegas quando vinculam que ficam assim igual a você: não sabem disfarçar o que sente porque a sensibilidade fica mais aflorada do que o normal, não sabia? — não, não tinha nem ideia. — Jimin, você é igualzinho ao seu pai, e não me enganou nem por um segundo. Vai me falar o que está acontecendo ou nós dois vamos continuar fingindo que está tudo bem?
Isso realmente pode explicar muitas coisas, principalmente o meu papel de bobo na frente dos Alfas. Sei que vínculos dá percepção e claridade às pessoas que vinculam uma com a outra, mas não que podia ter essa espécie de efeito colateral. Pior ainda é cogitar a possibilidade de que isso pode estar acontecendo comigo.
É absurdamente impossível de acontecer assim. Não dessa forma, sem chances.
— Jimin?
— Oi, desculpa. Mãe, eu juro que não tem nada errado, ok? É só que ainda é estranho para mim ficar tão distante e eu quase não conheço ninguém. — a lembrança de Taehyung e Jungkook faz meu coração acelerar desenfreadamente, acordando de novo essas malditas borboletas no estômago. A sensação só deixa mais crível essa teoria que sou incapaz de relevar. — Mãe?
— Tudo bem, meu filho, eu entendo. Mas saiba que estou escolhendo optar pela sua sinceridade ao invés de acreditar naquilo que eu penso, porque acima de tudo e qualquer coisa eu sou sua mãe e confio em você.
Eu não lembro ao certo como a nossa conversa terminou. O celular já está esquecido em algum canto da cama e, de novo, minha atenção está presa no branco do teto. A ameaça que Chung fez pode não ser nada mais além disso: uma ameaça. Não, eu não vou pagar para ver porque eu prezo pela segurança e bem estar dos meu pais, jamais seria capaz de colocá-los em risco a fim de descobrir se tudo é ou não apenas blefe da parte dele. O que me faz ficar tão pensativo não é a preocupação, isso é inevitável, mas sim a forma como lidei com ela. Com tudo que venho sentido, na verdade. Desde o começo, ainda no hospital com Jungkook e Taehyung, eu tinha percebido que alguma coisa em mim não estava certa, contudo não dei tanta importância quanto deveria porque parecia e parece bem normal sentir-se atraído por eles, pelo cheiro deles e pela personalidade deles, mesmo quando uma delas não é exatamente uma das mais amigáveis.
Mas o que minha mãe disse me fez refletir seriamente minhas atitudes, por mais absurdo que seja a possibilidade. Meu ex, quando terminou comigo, realmente afirmou que uma das coisas que o fez tomar essa decisão foi meu comportamento reservado, que eu não aparentava gostar tanto dele quanto ele gostava de mim. E de fato, os efeitos dos sentimentos que tive por ele ou qualquer outra pessoa que já tenha passado pela minha vida sequer podem ser comparados com todos àqueles que o casal de Alfas consegue despertar em mim. Só de pensar em algum deles tudo magicamente acende de novo. A sensação de segurança, de conforto, a confiança e essa vontade imensurável de jamais decepcioná-los, eu nunca tive por ninguém além dos meus pais, e mesmo com eles não costumo ser tão legível quanto a isso. Céus, eu nem mesmo consigo dizer uma palavra perto deles sem gaguejar ou ficar sem jeito. É estranha a forma como sequer pude notar essa diferença se não fosse pela conversa com minha mãe, se ela não tivesse comentado...
Depois de uma rápida e desesperada busca no Google, descobri que essa ‘‘mudança de comportamento’’ é um efeito colateral exclusivo de Ômegas, provando mais uma vez o meu ponto sobre eu pertencer ao subgênero mais desvantajoso dos três. A notícia boa é que nem sempre uma coisa está ligada a outra, podendo haver algumas outras razões responsáveis pelo emocional intensificado. A notícia ruim é que essas outras razões compõem míseros 1,5% das estatísticas, probabilidade ainda menor do que as chances de um vínculo acontecer, segundo pesquisas, além do cheklist não ser compatível com nenhuma particularidade minha.
A possibilidade de realmente ter acontecido um vínculo torna-se cada vez mais crível e desesperadora, porque saber que eles já são um casal é um freio bastante assustador e desencorajador. O pior de tudo é a certeza que sobrevoa sobre mim, a certeza de que, se esse elo de fato aconteceu, não foi com apenas com um deles, mas sim com ambos, o que eleva toda essa situação a um nível ainda mais delicado. É fácil ter ciência disso quando não posso pensar em um sem lembrar do outro, quando meu corpo tem as mesmas reações e o coração dispara para os dois da maneira mais imparcial possível.
. Mas se possivelmente aconteceu comigo, com Taehyung ou Jungkook também pode ter ocorrido o mesmo, afinal de contas não há como algo dessa magnitude ser unilateral.
Pensar em tudo isso fez-me esquecer da existência da dor de cabeça e ela já é quase inexistente. Quando levanto, são os papéis do hospital sobre a cômoda que me chama a atenção, e é como se estivessem reluzindo como o cristal mais brilhante porque sinto como se não conseguisse desviar o olhar deles. Mil coisas passam pela minha cabeça enquanto meus olhos permanecem fixos naqueles papéis, mas só uma delas teve poder suficiente para me fazer agir: a lembrança do número de Taehyung estar escrito ali. Foi como se uma lâmpada tivesse acendido e me iluminado. Pego todos eles sem hesitar, folheando uma a uma até encontrar, no verso da última folha, a sequência de números com um nome logo abaixo, escrito com uma caligrafia fina e quase artística. É incrível como pequenos detalhes como esse consegue gerar grandes satisfações e sorrisos em mim.
Volto para a cama novamente, minha mão indo automaticamente em direção ao celular. Cada número é digitado com uma nova onda de arrepios atravessando meu corpo, por ansiedade e agitação pelo que está por vir. Volto a encarar a caligrafia enquanto pressiono o celular no meu ouvido, escutando a ligação chamar repetidamente.
— Alô, Taehyung? É o Jimin. — o nervosismo obriga-me a beliscar meus lábios com os dentes, cheio de expectativas e inquietação quando ouço sua voz grave — Será que a gente pode… conversar?
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