Depois de aproveitar todo o final de semana no apartamento de Hoseok, mirabolando planos e planejando na agenda compromissos de casal, Jimin podia afirmar que estava se divertindo.
Se divertindo e ganhando presentes, aliás.
Apesar de ser o primeiro a avisar que o namoro de fachada não necessitaria de nenhum tipo de realismo ou dedicação, era o Beta quem, de longe, ficou mais excitado com o falso compromisso. Jimin perdeu as contas de quantas vezes implorou ao amigo para não gastar dinheiro com ele, mas todos seus pedidos foram em vão. Poucos minutos depois ele exibia alegremente o histórico do pedido, aonde estavam listados dois pares de off white e alguns conjuntos da balenciaga.
O valor total fez Jimin se engasgar com a própria saliva, mal acreditando que um teatrinho bobo valesse todo esse investimento financeiro, afinal de contas ele mesmo seria incapaz de retribuir ao mesmo nível. Não porque não tivesse dinheiro, mas sim por não ter coragem de gastar tanto pelos mesmos motivos.
O Ômega prometeu que devolveria todos eles quando terminassem com o show de atuação.
A segunda-feira chegou rápido, e com ela veio todos os problemas que uma rotina agitada poderia ter. Acordou vinte minutos atrasado para a primeira aula, a qual decidiu que perdeu quase que totalmente depois de conseguir aproveitar cerca de apenas dez minutos. Ainda constrangido com o olhar torcido que lhe foi direcionado pelo professor durante o breve período, percebeu que, para piorar, na afobação de chegar o mais rápido possível na faculdade, acabou esquecendo de pegar a pasta de anotações, um dos itens de maior necessidade que um estudante como ele possui.
No entanto, alguma força superior decidiu que tudo isso ainda não foi suficiente para denominar aquela miserável manhã como um dia ruim. Sendo assim, as desgraças se estenderam impiedosamente.
— Posso me sentar aqui?
O sanduíche parou a poucos milímetros da boca aberta de Jimin, quase a ponto de ser mordido. Depois de passar pela manhã desastrosa na faculdade, notou que sua barriga estava completamente vazia, que não foi capaz de ingerir um gole de água sequer. No instante que as aulas acabaram, decidiu passar na cantina para saciar os lamentos nada discretos do seu estômago que parecia estar o comendo por dentro.
Entretanto, maior que a fome que sentia naquele momento foi a surpresa por ter Chung bem ao seu lado parecendo sem jeito, deslocado, uma versão quase totalmente contrária àquela que conheceu e foi ensinado a ter repulsa. Apesar dos traços físicos inconfundíveis que sabia que talvez nunca fosse capaz de apagar da memória, a ausência de todo aquele ar de autoconfiança e arrogância que eram tão característico dele o deixava parecendo outra pessoa.
Enquanto processava o que acontecia, pego pelo ato inesperado e ainda sem saber muito bem como agir, Jimin não pôde conter sua própria curiosidade quando, por fim, se deu conta de como o rapaz mal sustentava o olhar sobre ele, desviando os olhos para a cadeira vazia aonde pretendia sentar. A curiosidade cresceu porque nunca, desde quando o conheceu, Chung demonstrou qualquer sinal de timidez ou insegurança, muito menos de educação e boas maneiras.
No mínimo podia ser considerada estranha a forma como ele esperava calado pela sua aprovação, agindo tão diferente quando, em uma situação aonde estaria sendo ele mesmo, sendo o Chung que Jimin conheceu, ele já teria sentado ao seu lado como se fosse o dono do mundo e atuado como um verdadeiro ditador.
— Você está esperando alguém? — Chung falou novamente o encarando com rapidez, logo em seguida seus olhos buscaram outro foco entre a cadeira vazia e a mesa aonde a mochila do Ômega foi colocada. — Se não tiver, será que podemos conversar? Eu… eu quero te pedir desculpas pelo que fiz com você.
Jimin piscou, o lanche sendo lentamente posto em cima do prato. De todas as coisas que pudesse imaginar como motivação para justificar a existência de Chung ali, um pedido de desculpas foi a última delas.
— Desculpas? Você? — Soar cético foi inevitável. Por mais que a real vontade fosse de chutar a cara dele, cuspir e chutar ainda mais até tudo virar uma mistura irreversível de sangue, pele e ossos, o que prevaleceu foi a incredulidade — Se não me falha a memória, na última vez quando pensei que você era capaz disso minha família acabou virando alvo das suas ameaças e eu quase fui agredido.
— É sobre isso que eu quero conversar.
— Não existe conversa com contigo. Você é um animal!
— Não diga isso…
— Eu vou embora.
— Por favor me escute, Jimin. Eu tenho problemas para lidar com a raiva. Aqueles dias foram de uma época que não sabia conviver muito bem com tudo isso, nem comigo mesmo. Eu... — Chung mordeu o lábio e a expressão tornou-se amarga, mas não de uma forma ameaçadora como nas situações anteriores, como se houvesse um culpado além dele. Desta vez dava para perceber que ele estava ciente dos efeitos das próprias frustrações, e não canalizando em cima outras pessoas assim como fez antes, observou Jimin em silêncio enquanto Chung suspirava apologético — As pessoas me chamavam de esquizofrênico, de bipolar, tinham medo de mim… e eu sabia que tinha algo errado, só não queria admitir, talvez por medo, não sei. Não sou um monstro...
— Olha, eu não vou ficar aqui para ouvir suas desculpas. Sinto muito, mas o que você me fez não tem perdão.
Jimin recolheu suas coisas e pegou o sanduíche, decidido a saciar a fome em outro lugar. Ao tentar se levantar, Chung conseguiu ser mais ágil e o segurou pelo braço.
O Ômega estremeceu pelo contato, automaticamente recordando a última vez que isso aconteceu e disposto a não deixar a mesma cena se repetir, mesmo que para isso tivesse que usar seu réu primário. Diferente da outra vez, o aperto agora foi suave em seu pulso, mas ainda assim a repulsão natural que sentia pelo autor daquele toque fez com que não se sentisse confortável perto dele.
— Jimin, por favor — implorou Chung, desesperado. Para o total constrangimento do Ômega, o rapaz se ajoelhou diante dele ainda o segurando pelo pulso. Não havia muitas pessoas na cantina no momento, apenas alguns poucos estudantes com fones de ouvido e entretidos em seus celulares ou livros, mas Jimin não pôde ignorar a sensação de vergonha que o assolou. Se alguém pegasse a cena de longe, pensaria que trata-se de um pedido de casamento — Eu não consigo ficar em paz comigo mesmo sabendo de tudo que lhe causei. Eu passei essas últimas semanas internado em uma clínica de reabilitação, sei que não mudei, mas estou seguindo minhas recomendações médicas e tomando meus remédios. Eu ainda não mudei, mas estou disposto a ser um ser humano melhor e eu quero melhorar. Estou tentando ser melhor, Jimin, eu juro.
— Para com isso — Jimin grunhiu balançando a cabeça, um rubor espalhando pelas bochechas quando percebeu um dos alunos apontando a câmera do celular em sua direção. Sabe-se lá há quanto tempo estava ali, e sinceramente nem queria descobrir a resposta, tudo que importava no momento era sumir desse momento constrangedor e desnecessário. — Chung, seu infeliz, olha a merda que você está fazendo. Larga meu braço, eu tenho que ir.
— Primeiro promete que vai me perdoar, Jimin, por favor. É tudo que eu te peço.
Jimin quase vacilou ao ver os olhos de Chung inundados de lágrimas não derramadas.
Quase.
Antes que a compaixão gritasse mais alto, lembrou-se de quando esses mesmos olhos nublados de impiedade ocasionaram um dos episódios mais traumáticos da sua vida. Lembrou-se também de como a fúria e a promessa brilhavam sobre eles quando a ameaça sobre ele e sua família foi jogada no ar tão cruelmente.
Jamais seria capaz de banalizar o significado do perdão apenas para alguém como Chung se sentir melhor consigo mesmo, nunca seria altruísta a esse ponto. E se de fato o perdão for assim tão importante para ele, a ponto de fazê-lo implorar de joelhos, Jimin estava mais do que contente em negar, se isso significa a frustração dele. De todas as formas, o seu ‘não’ ainda não tinha o mesmo poder para causar em Chung sequer um terço da dor, do medo e da angústia que o próprio o fez passar.
— Me desculpa, por f-
— Vá se foder!
Tendo decidido suas ações, Jimin não hesitou em lançar o sanduíche, grande e apetitoso, na cara desprevenida de Chung. O lanche se desfez caindo aos pedaços, pintando o rosto com molho, cheddar e deixando uma tira de bacon grudada na testa dele antes que se soltasse e caísse pateticamente no chão.
Não deixando espaço para processar o que ocorreu, Jimin puxou a gola da camisa do rapaz desnorteado que ainda estava ajoelhado para que olhasse em sua direção. Jimin nunca foi tão feroz, mas isso é o que ódio faz com as pessoas.
— E se tocar assim em mim de novo eu acabo com esse lixo que você tem no meio das pernas, seu grande pedaço de merda.
O Ômega cuspiu no rosto do rapaz e saiu dali logo em seguida, carregando a mochila na mão totalmente guiado pela adrenalina que percorria seu corpo. infelizmente, não ficou tempo suficiente para presenciar a expressão de Chung obscurecer em estado habitual.
•×•
Quando Jimin chegou na empresa, foi como se Sunmi já o estivesse esperando. Ele pisca, surpreendido – talvez até um pouco assustado, ao ver a mulher parada ao lado do elevador com a prancheta presa contra o peito, sempre muito formal e indecifrável, com os olhos perspicazes pregados em si. Automaticamente Jimin tocou no crachá em seu próprio peito para confirmar se o cordão de fato estava pendurado no pescoço. Ele não estava nem um pouco a fim de levar outro puxão de orelha por algo tão bobo.
— Oi, bom dia.
— Boa tarde.
Jimin enrubesceu pelo pequeno equívoco.
— Boa tarde. — o Ômega corrigiu com um sorriso sem graça.
— Me acompanhe. — Sunmi chama o elevador e o encara de novo enquanto aguarda chegar. O tom usado por ela quase o lembrou da sua mãe quando o chama para conversar depois de ter feito alguma merda. O elevador chegou e Jimin a seguiu para dentro, apreensivo pelo que poderia vir a seguir. — Recentemente submetemos alguns dos nossos contratados a uma reavaliação interna, então algumas ações foram tomadas.
— E-estou sendo demitido?
— Tecnicamente sim. — afirma com uma expressão estranhamente enigmática. — Você não será mais o auxiliar do Sr. Lee.
A boca de Jimin se abriu de surpresa. Demitido? Mas ele literalmente não fez nada.
Olhou para Sunmi com os orbes arregalados em busca de uma resposta que pudesse esclarecer seu estado de confusão e choque. Não tinha como o emprego com duração mais rápida da história pertencer a ele. De jeito nenhum!
— Por quê? Foi alguma coisa que eu fiz? — o Omêga queria arrancar os cabelos porque já podia ver como o objetivo que estabeleceu, de alugar um apartamento e sair do dormitório da faculdade, criava asas e voava para bem longe. — Eu queria tanto ficar aqui.. — lamentou com pesar.
— Venha comigo.
As portas do elevador abriram e Sunmi guiou um Jimin chateado para o andar que definitivamente não foi o mesmo que frequentou anteriormente, onde estaria o escritório que deveria trabalhar. Quem sabe seja o piso de RH, meditou Jimin amargurado.
A sala era ampla, climatizada e elegante, com uma mesa longa bem próxima à parede que, para sua total admiração, é toda feita em vidro e oferece uma vista privilegiada de Seul e da vastidão do rio Han. O Ômega queria muito se aproximar para apreciar melhor a vista, contudo se segurou procurando outros pontos dentro da sala para olhar. Diante da mesa um monitor enorme, ainda maior do que havia na casa de Hoseok, jazia instalado. O logotipo da empresa se iluminava e apagava gradativamente no centro da enorme tela.
Parecia uma sala de reunião, dado o layout. Uma bem grande e que tomava quase todo o piso.
Sunmi, já estando habituada com o ambiente, foi objetiva ao se recostar na quina da mesa e largar a prancheta em cima do móvel, de costas à vista avassaladora atrás de si.
— Você foi remanejado para outro setor. O Sr.Lee precisa de alguém disponível em tempo integral, então selecionamos outra pessoa para o cargo, visto como a sua disponibilidade é de meio período apenas.
— Então não estou sendo demitido?
— Não afirmei isso em momento algum.
— Mas você disse que tecnicamen-
— Por sorte, nosso engenheiro de software estava com uma vaga de secretário a ser preenchida e, coincidentemente, você tem os requisitos mínimos. — interviu Sunmi, falando mais alto que Jimin. — Seu trabalho agora será mais árduo porque ele não tem assistente, será apenas você.
Jimin se iluminou, nada mais remetia à versão quase chorosa de minutos atrás.
— Eu posso lidar com isso. — exclamou empolgado. Trabalhar como secretário seria de uma grande vantagem para seu currículo. — Quando eu começo?
— Hoje mesmo, a pedido dele.
— Ótimo.
O Ômega não poderia estar mais contente com o rumo das coisas.
— E tem outra coisa. — alertou a mulher, ficando mais séria do que o normal. — Ele é filho do presidente dessa empresa, do próprio fundador de tudo isso. Se você der qualquer deslize aqui dentro, sob os olhos dele, considere-se um ex-funcionário.
— Entendido.
— A sala dele é aqui ao lado. É o único escritório deste andar.
Sunmi liderou o caminho até um curto corredor na lateral da sala que Jimin ainda não tinha percebido que existia, e se deparou com uma porta grande e larga que tinha facilmente o dobro da sua altura. Estava fechada, assim Sunmi bateu levemente nela com os nós dos dedos antes de deslizar a porta para o lado e abri-la.
Antes mesmo de conseguir ver quem estava do outro lado, o cheiro impregnou com força nos sentidos de Jimin, nublando todos os pensamentos possíveis para uma única constatação: Alfa.
Mas não era qualquer Alfa, não quando esse mesmo aroma remete a um certo alguém. Um que Jimin não fazia planos de encontrar assim tão cedo, um que prefere manter milhas de quilômetros de distância e, com toda a certeza, um dos que queria nunca ter conhecido.
Céus! Não tinha como uma coisa dessas ser possível. Não existia explicações sobre tudo isso ser apenas mera coincidência!
Alheia ao conflito de Jimin, Sunmi pôs a mão em seu ombro e o guiou para dentro da sala, o aproximando de quem o Ômega só desejava distância.
— Jungkookie, esse é Park Jimin, seu novo secretário. Jimin, este é Jeon Jungkook, nosso principal engenheiro de software e agora também o seu chefe.
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