“Quando estiver subindo, seja humilde com as pessoas, pois poderá encontrá-las se estiver descendo.”
Hoseok olhou para o relógio preso em seu pulso, constatando que este indicava que já se passavam das uma e vinte da madrugada. Faltavam apenas quarentas minutos para o fim de seu expediente noturno e naquele exato momento ele se encontrava lendo um livro tranquilamente dentro do carro da patrulha, enquanto fazia a última ronda da noite. O horário e o pouco movimento no local lhe permitiam se manter concentrado nas palavras, no entanto, enquanto estava entretido na história, ouviu o rádio chiar, despertando-o de sua leitura:
— Oficial Jung, na escuta? — Reconheceu ser a voz do delegado chamando-o e praguejou por ter seu precioso momento de paz sendo interrompido.
— Estou ouvindo, senhor — respondeu e respirou fundo, se perguntando o que estaria acontecendo àquela hora para que ele precisasse ser incomodado.
— Recebemos ligações de algumas pessoas reclamando que há um baderneiro na rua, causando muitos problemas. Você é o que está mais próximo do local, então precisamos que vá detê-lo. — O mais velho falou do outro lado da linha.
O policial bufou. Já era tarde e tudo o que ele queria era terminar seu turno normalmente e ir para casa descansar. Ele amava seu trabalho, claro, mas não gostava quando tinha de lidar com adolescentes imprudentes que não dão valor à própria vida e acham que tudo se resume à bagunça. Ele entendia a vontade desses jovens de querer curtir e se divertir, afinal, ele também já foi um, mas não conseguia compreender o porquê de se destruírem com bebidas e até mesmo substâncias ilícitas, ao ponto de se permitirem ficar inconscientes de seus próprios atos.
— Tudo bem, senhor. Qual a localização? — questionou, se dando finalmente por vencido, já que era seu dever.
O delegado lhe passou as coordenadas e finalizou a conversa. O local indicado era uma boate que ficava a duas ruas de onde ele estava. Mesmo a contragosto, guardou seu livro no porta-luvas, ligou o carro e se dirigiu ao lugar. Divagou sobre o porquê de alguns pais permitirem que seus filhos tão novos entrassem nessa vida, mas infelizmente ele sabia que, no fundo, em alguns destes casos, estes é que eram o real motivo para que aquilo acontecesse. Compreendia que muitos jovens não tinham bons relacionamentos com seus progenitores, o que levava-os a tomar aquele rumo, por mais que não fosse o correto para resolver.
Não demorou muito para chegar na balada, havia bastante movimento ali, diferente de onde ele se encontrava anteriormente. A fila de entrada se estendia por toda a calçada. Ainda de dentro do veículo, ele pôde ver o tal sujeito de costas, implicando com o segurança do local. O rapaz segurava uma garrafa de vodka em uma das mãos e um cigarro na outra. Hoseok esfregou as têmporas, se perguntando onde estava o respeito das pessoas hoje em dia. Em seguida desceu do carro e se aproximou da cena, que, ao seu ponto de vista, era bem patética.
— Seu estúpido de merda! — Escutou o encrenqueiro proferir contra o homem, que apenas fazia seu trabalho, e respirou fundo mais uma vez naquela madrugada, para não perder a pouca paciência que ainda lhe restava.
— Acabou a farra, garoto. Chega de bagunça. — O policial disse sério, impondo sua autoridade. O outro se virou, era notável o quão bêbado, e talvez até drogado, ele estava. E apesar de aparentar ser mais novo, ele era mais alto que o Jung. — Você já causou problemas demais por hoje.
Ele analisou a face do jovem e se surpreendeu, pois, por um momento, achou aquele rosto familiar. Não se lembrava de onde o conhecia, mas sabia que já havia o visto em algum lugar. No entanto, apenas tratou de ignorar este fato, visto que não lhe era importante, e segurou o braço do maior, tentando afastá-lo dali pacificamente.
— Problema? — O sujeito riu e soluçou em seguida, de tão embriagado. — O único problema que eu vou ter é um pau bem duro na minha calça, se a mocinha aí não cair de boca nele — comentou sem pudor, se soltando dos braços alheios.
E quando tentou aproximar sua mão do corpo de Hoseok, este, que tinha um ótimo reflexo, segurou o braço daquele indivíduo e o torceu para trás das costas, fazendo-o soltar o cigarro ao sentir a dor percorrer todo o seu membro inferior. Em seguida, o empurrou sem dó contra o carro, pressionando o rapaz nele. Sem perder tempo, pegou a outra mão, também colocando-a para trás, e o algemou.
— Cala sua boca, seu babaca! Não me faça perder minha paciência contigo — retrucou o mais baixo, encarando o homem com o rosto prensado no teto do automóvel. Novamente ele pensou que aqueles traços não lhes eram estranhos, porém novamente ignorou; não faria diferença de qualquer forma.
Empurrou o cidadão para o banco de trás da viatura e quando estava para entrar no veículo, ouviu passos de alguém se aproximando. Olhou para trás e viu que se tratava de mais dois rapazes, ambos ofegantes pela corrida. Encarou aqueles jovens por alguns segundos e achou que pudesse estar enlouquecendo, pois também os conhecia de algum lugar, mas sua memória lhe traía naquele momento. Tudo estava se tornando confuso demais.
— Taehyung, desgraçado! O que pensa que tá fazendo? — Ouviu o mais alto dos dois dizer, mas era nítido o tom preocupado em sua voz.
Um flashback passou na cabeça de Hoseok e então ele finalmente se lembrou. Aquele encrenqueiro não era ninguém menos do que Kim Taehyung, o vocalista de uma banda de rock bem famosa. Firmou o olhar mais uma vez nos outros dois e reconheceu que eles eram os outros integrantes da banda. Voltou a encarar o de cabelos escuros e este estava sério; não se ocupou nem ao menos em olhar para os que estavam ali por ele.
— Namjoon, Jungkook... vão pra casa. Que saco, me deixem em paz! — Foi a única coisa que escutaram o cantor dizer, antes de voltar a se calar, sem nem se dar o trabalho de olhá-los.
O fardado suspirou e entrou finalmente no carro, quando olhou a hora, viu que seu turno já estava a poucos minutos de terminar. Encarou os outros dois mais uma vez; decepção era o que ele enxergava visivelmente estampado em seus rostos e ele compreendia perfeitamente.
— Estou levando o amigo de vocês para a delegacia. Resolvam o que têm para resolver lá, porque já estou farto de tudo isso. — Hoseok disse por fim e ligou o automóvel, saindo em seguida do local sem nem esperar uma resposta. Só queria ir para sua casa e encerrar aquele longo dia estressante.
— Acha que vai conseguir me prender? Dinheiro para pagar fiança é o que não falta, idiota. — O roqueiro falou, meio embolado. Sua mente girava um pouco e seus braços já estavam ficando doloridos devido a posição em que se encontravam.
O mais velho o observou através do espelho retrovisor; Seus olhos estavam ligeiramente avermelhados e seu estado era deplorável. Os cabelos bagunçados, possuía fortes olheiras embaixo de seus olhos e o cheiro de tabaco e álcool podiam ser sentidos de longe. Ele não sabia o que era pior: adolescentes se destruírem sem pensar nas consequências futuras, ou uma celebridade famosa que possuía de tudo, jogando o que conquistou por água abaixo. Mas ele não sabia o que se passava com aquele rapaz, então não podia julgá-lo.
Durante o trajeto, avistou um banner em um ponto de ônibus da banda que Taehyung era integrante. “The Troublemakers”. Se tinha uma coisa que o Kim era, com certeza, era encrenqueiro, pensou Hoseok. Ele não acompanhava esse tipo de música, mas sabia o quanto eles eram realmente famosos entre os jovens. Lembrou-se até que era estranho não ter nenhum paparazzi durante toda a confusão que o homem criou, já que era exatamente daquilo que ganhavam suas vidas; imaginou que talvez fosse pelo horário. Contudo, mesmo assim, sabia que aquilo iria parar na mídia no dia seguinte, pois algumas pessoas não pensam duas vezes antes de filmar uma polêmica de um artista e publicar na internet para que todos vejam. Porém, o Jung também não concordava com as atitudes daquele indivíduo, ele mesmo estava procurando aquilo.
Todo o percurso se seguiu silencioso até a delegacia, mas quando o acastanhado desceu da viatura, foi surpreendido por flashes de câmeras vindos de todos os lados. Finalmente os parasitas haviam aparecido, também conhecidos como paparazzis. Ele tirou Taehyung do carro às pressas e o empurrou delegacia adentro, com muita dificuldade para passar por entre aquele alvoroço.
Dentro do *BP, outro tumulto estava formado. O mais velho estava à beira da loucura, não sabia nem onde se encontrava mais. Viu o delegado, seu velho amigo, discutindo com um homem aparentemente mais velho e bem vestido. Alguns policiais estavam ao redor e tentavam acalmar a situação, e ao se aproximar da confusão, pôde ver que os outros dois integrantes da banda já se encontravam ali e também discutiam com o delegado e os demais oficiais. Tudo estava um verdadeiro caos.
— Mas que porra é essa que tá acontecendo aqui? — Hoseok quase gritou, já havia atingido o pico de sua paciência diária. Um silêncio se instalou por todo o local e todos os olhares presentes se voltaram para os dois recém chegados. Só então foi que o Jung ficou sem graça por ter chamado toda a atenção para si.
— Finalmente você chegou! — O homem bem vestido disse para o cantor, se aproximando de ambos. Ele encarou o policial à sua frente. — Pode deixar ele comigo agora.
O oficial somente retirou as algemas e empurrou o guitarrista para cima do outro sem se importar, fazendo o garoto quase cair e olhá-lo com raiva. Ele apenas ignorou e se afastou; Taehyung não lhe era ameaça. Seguiu até o bebedouro, pegando um copo de água e tomando-o em seguida. Seu parceiro de trabalho, Park Jimin, se aproximou e passou as mãos em seus ombros, na tentativa de confortá-lo.
— Você está péssimo, Hobi. — O menor riu baixinho da situação em que o amigo se encontrava, lhe puxando até um dos bancos de espera da recepção, onde se sentaram juntos. Eram melhores amigos desde a infância.
— O que tá acontecendo aqui, Jimin? — Hoseok percorreu o olhar pelo local, vendo que agora as coisas se encontravam um pouco mais amenizadas.
— Esse é o pessoal responsável pela banda. Sabe como é, né? Managers, staffs, advogados… Essa gente aí. Chegaram aqui causando a maior confusão à procura do Taehyung, que não tinha chegado ainda. Mas e você? O que aconteceu? Você parece estressado... — O ruivo afagou os ombros dele novamente. Eram amigos há tantos anos que possuíam um grande grau de intimidade, o que fazia algumas pessoas até confundi-los como um casal.
— Ah, Jiminie. Esse garoto é um idiota! Tá totalmente bêbado e parece até que se drogou. Quando cheguei, ele tava brigando com um segurança como se fosse dono do mundo. E ainda falou um monte de merda pra mim. — O castanho respondeu, evidenciando o cansaço em que se encontrava. Rodeou mais uma vez o local com o olhar e quando parou no cantor, viu que este o encarava. Ele não soube decifrar exatamente aquela expressão em seu rosto; era neutra, porém o mais alto não desviou os olhos dos seus em nenhum momento.
— Você fala como se ele fosse um adolescente. — O mais baixo riu. — Ele tem a minha idade, hyung.
Mais uma vez naquele dia o acastanhado fora surpreendido. Não acreditava que aquele rapaz tinha seus vinte e cinco anos. Realmente, ele não aparentava ser tão novo, mas suas atitudes imaturas faziam dele mais um adolescente mimado e rebelde, na percepção de Hoseok. E pensando nisso, apenas deu de ombros e desviou o olhar do astro, que ainda o encarava.
— Mas age como um! Age como uma criança mimada, rebelde! — O mais velho se encostou na cadeira, apoiando a cabeça na parede e fechando os olhos. Desejou um banho bem relaxante, sua cama e uma noite de sono tranquila, mas sabia que ainda teria de depor sobre o caso. Suspirou exausto, mais mentalmente do que fisicamente. O ruivo lhe olhava atentamente, preocupado com a saúde mental de seu colega.
— Hobi, você sabe como transformar o giz em uma cobra? — perguntou, ouvindo o Jung resmungar apenas. — É só colocar na água, porque assim o giz boia.
O maior lhe encarou incrédulo, mas logo se permitiu soltar uma risada baixa, e Jimin o acompanhou. Tanto ele quanto Park sabiam que aquela piada era horrível, no entanto ele adorava esse lado do amigo, que sempre fazia algo para tentar deixá-lo melhor. Ele já não sabia mais viver sem o ruivo e pela primeira vez, depois de tudo aquilo, se sentiu um pouco melhor. Abraçou seu melhor amigo como uma forma de agradecimento e lhe deu um beijo na bochecha, se levantando em seguida. Ainda tinha de fazer o depoimento e era isso o que faria agora.
Taehyung assistia tudo de onde estava.
Hoseok se moveu até o balcão da recepção e começou a escrever a ocorrência. Mas não demorou para perceber uma presença se aproximando. Pelo canto dos olhos, pôde ver que era o homem mais velho responsável pela banda, então se virou, fitando-o sem o menor interesse.
— Quanto você quer pra esquecer tudo isso e não publicar nada a respeito? — O sujeito questionou, olhando para o policial com certo desprezo.
O Jung não queria acreditar no que estava ouvindo, não podia. Se sua paciência não possuía nem mais uma gota, esse tinha sido o estopim do seu estresse e de sua raiva. Aquele homem estava lhe tratando com desprezo, estava lhe humilhando e, principalmente, o ofendendo. Ele o encarou no fundo dos olhos, ainda não conseguia acreditar no que acabara de ouvir.
— Quem você pensa que eu sou? Eu não acredito no que eu acabei de ouvir! Eu deveria era prender toda essa sua corja de imbecis! Ele que fez a merda, não eu! — falou em alto tom, apontando para Taehyung, todos os olhares estavam em si novamente. — Devia cuidar melhor da sua criança rebelde se não queria ter problemas! E se preocupar com aqueles sanguessugas que estão lá fora, não comigo!
Hoseok largou tudo o que tava fazendo; ele não aguentava ficar nem mais um minuto sequer naquela delegacia enquanto aquelas pessoas estivessem nela. Jimin, que também ouviu o escândalo que o mais velho havia feito, ficou ainda mais preocupado porque foram raras as vezes em que vira o melhor amigo explodir daquela forma.
O acastanhado saiu da delegacia e se dirigiu até seu carro pessoal, adentrando no veículo e batendo a porta deste com força, a fim de descontar parte de sua fúria. Ligou o automóvel e acelerou o máximo que podia para chegar em casa o mais rápido possível. Seu dia não poderia ter terminado pior. Quando chegou no prédio em que morava, estacionou de qualquer jeito na garagem. Pegou o elevador e nem ao menos cumprimentou o porteiro, ato que sempre fazia. Só queria deitar em sua cama e deixar o sono apagar de sua mente a desagradável noite que teve.
Saiu do elevador e entrou no seu apartamento, jogando suas coisas em qualquer canto e já despindo-se enquanto caminhava até o banheiro. Ele morava consideravelmente bem, no auge de seus vinte e seis anos já tinha conquistado muita coisa com seu mero esforço. Tinha um bom emprego, ganhava bem para manter seu conforto e possuía um apartamento bom e bem grande para ele, que morava sozinho.
Ele se encaminhou para o box e ligou o chuveiro, tomando um longo banho e permitindo que a água morna levasse de seu corpo todo seu estresse para o ralo. Após terminado, se secou devidamente e vestiu apenas uma cueca de tecido fino e macio para dormir. Quando verificou a hora em seu relógio, viu que já se passava das três e meia da madrugada, então apenas se jogou em sua cama aconchegante e se permitiu, finalmente, fechar os olhos e adormecer o quanto seu corpo e sua mente lhe permitissem. Quando fazia ronda noturna, no dia seguinte podia tirar uma folga, e essa era uma das coisas que mais amava em seu atual emprego.
Enfim, pegou no sono. Não queria se importar mais com o que tinha acontecido naquele dia; queria esquecer tudo o que lhe foi atirado sem o mínimo de respeito. Havia sido apenas mais um caso que não iria interferir na sua vida.
Isso era o que ele pensava.
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