Foi somente na segunda-feira, que Katsuki conseguiu ter forças para sair de casa novamente.
Quando acordou na sua cama às dez e meia no sábado, Todoroki já havia ido embora e apenas Mina estava lá, assistindo televisão. Bakugou ficou aliviado de não encontrar o rapaz, pois tinha vergonha que as pessoas descobrissem sobre sua brontofobia, mas, por outro lado, saber que ele tinha ido embora lhe causou uma espécie de… vazio?
Como sempre, sua única motivação para sair de casa era a insistência e pequena chantagem que Ashido havia feito.
A amiga contou que, na sexta, correu o mais depressa possível para a casa dele assim que descobriu da tempestade que estava tendo. Chegando no apartamento, encontrou Katsuki em um profundo sono nos braços de Todoroki. Ela ficou impressionada, pois seria mais esperado que Bakugou desmaiasse do que dormisse com uma chuva daquele porte.
Agora ele estava parado a alguns passos da porta da cafeteria, pensando seriamente em fazer o caminho de volta, mas sabia que, caso fizesse isso, teria de escutar os sermões de Ashido depois. A única coisa que precisava fazer era agradecer ao Todoroki pela ajuda durante seu ataque de pânico. Respirou fundo e entrou na loja. Não estava lotada, como da outra vez que estivera ali. Dirigiu-se até o balcão, onde a atendente lhe recebeu com o sorriso que mais irritava Katsuki.
— Bom dia, senhor! O que gostaria hoje?
Ele hesitou, não sabia o porquê. Só o que precisava era pedir para falar com o dono, ou poderia simplesmente pedir um café e depois dizer à Mina que ele não estava no café, o que não seria inteiramente mentira, pois, dando uma rápida olhada, Katsuki não o avistou.
— Ahn… quero…
— Bakugou! — Era ele. Para o desgosto de Katsuki, Todoroki surgiu do que parecia ser a cozinha. — Yumi, deixe que eu atendo ele. — A menina assentiu e foi para o caixa ao lado. — É bom vê-lo aqui de novo!
Katsuki percebia claramente como o outro estava realmente animado com sua presença.
— Sim, eu vim… pelo café.
Hesitou novamente. Por quê? Sempre fora direto ao ponto, odiava pessoas que ficavam enrolando ou fugindo do assunto e agora estava fazendo exatamente isso. Por quê?
— Ótimo, essa é nossa especialidade. Vai ser um americano como da outra vez?
— Você se lembra? — Katsuki tinha esquecido o nome dele quando o viu na boate, mas ele lembrava do café que ele havia pedido há duas semanas?
— Eu disse que prezo por meus clientes. — Sorriu, um sorriso tão… — Então, será esse?
Katsuki sacudiu de leve a cabeça. O que foi aquilo? Por um segundo quase… Não! Fora apenas sua imaginação.
— Sim. Um americano.
— Ok! Vou fazer para você, pode esperar do lado de lá. — Apontou para onde mais algumas pessoas também aguardavam seus pedidos.
Katsuki acatou a sugestão, enquanto Todoroki foi para as máquinas de café. Sem que percebesse, Bakugou observou a leveza com que o outro tinha ao preparar a bebida, era essa a liberdade que ele havia dito?, lembrou-se da fala de Todoroki enquanto conversavam no bar da boate. Lembrava-se também de ter pensado que talvez ele fizesse aquilo por anos e, durante o passeio noturno na sexta, descobriu ser verdade. Todoroki dissera que trabalhou bastante tempo na cafeteria, pois se recusava a fazer parte dos negócios de seu pai. Então um dia, o antigo dono do local decidiu se aposentar, ele não tinha filhos e vendo a dedicação de Todoroki, resolveu passar o negócio para ele.
— Pronto! — Todoroki colocou o copo de café na frente de Katsuki, fazendo ele acordar de seus devaneios. — Gostaria de mais alguma coisa?
Esse era o momento para falar com ele, só precisava dizer obrigado pela ajuda e nunca mais precisaria voltar ali.
— Não, eu preciso ir agora — pegou a bebida quente e se dirigiu para a saída sem notar o olhar desapontado que havia ficado no rosto de Todoroki.
Mas algo dentro dele fez com que parasse no meio do caminho, talvez fosse a imagem de Mina furiosa com ele ou algo ainda mais profundo. Deu meia volta e parou novamente no balcão.
— Na verdade… — Todoroki estava de costas e se virou rapidamente ao som da voz dele. — Podemos conversar?
— Claro! — Ele sorriu, apressadamente desamarrou seu avental preto e o pendurou em um gancho próximo.
Os dois então seguiram para a mesa mais ao fundo do estabelecimento, não havia ninguém nas mesas ao redor, então teriam bastante privacidade. Ao se sentarem, Todoroki aguardava ansioso pelo que Bakugou tinha para dizer.
— Para ser sincero: não vim aqui exatamente pelo café… — começou meio sem jeito e viu a expressão de Todoroki mudar e ele se encolher um pouco — Mina me obrigou a vir. Ela disse que você passou praticamente a madrugada toda de sábado no apartamento para que eu não ficasse sozinho. Então… obrigado.
— Não foi nada — ele deu um sorriso tímido. — A chuva durou bastante e fiquei preocupado com o que poderia acontecer caso eu fosse embora e te deixasse sozinho. Queria ter mandado uma mensagem no sábado à tarde, perguntando se você já estava melhor, mas percebi que não tinha seu número e não achei que seria educado aparecer sem avisar também. Por isso, fico muito feliz que tenha vindo aqui hoje.
Katsuki realmente conseguia perceber a alegria em seu olhar e em seu sorriso. Por alguma razão, Bakugou não conseguia desviar sua atenção dele, era bom vê-lo contente.
— Não me entenda mal, eu só não queria vir aqui porque sinto vergonha de ter um medo tão idiota — piscou e encarou o copo de café nas suas mãos. — Você… deve me achar bastante infantil agora…
— Não — seu tom era sério —, de forma alguma. Todos temos medos por razões distintas, ou até mesmo sem razão nenhuma, e às vezes tudo que precisamos é que alguém ofereça apoio.
Desde que começou a sentir pavor de trovões, Mina esteve com ele em todas as tempestades, mas nunca se sentiu tão confortável quanto na única noite em que Todoroki lhe fez companhia. Como aquele rapaz conseguia lhe passar tanta segurança?
— Obrigado… — Katsuki não entendia por que a opinião de alguém que tinha conhecido há tão pouco tempo importava tanto assim. — Mina foi a única para quem contei sobre esse medo, agora você é a segunda pessoa que sabe.
— Sinto-me honrado — deu uma risada abafada e curta. — Guardarei o seu segredo. — Todoroki esticou o braço e segurou uma das mãos dele. — Sempre que precisar, pode me chamar.
Bakugou já havia escutado aquela frase algumas vezes e, no fim, acabara se decepcionando, mas agora parecia diferente. O carinho e a gentileza que Todoroki transmitia naquele singelo toque e naquele sorriso encantador eram tão verdadeiros.
*
Katsuki voltou voluntariamente à cafeteria no outro dia, e no próximo, e no seguinte… A desculpa que sempre dava a si mesmo era que o café era realmente bom e, sendo de graça, ele deveria aproveitar.
Sempre que chegava, Todoroki ficava todo animado e sorridente, também fazia questão de atendê-lo e preparar seu pedido pessoalmente. Katsuki gostava de vê-lo trabalhar, mas por sua bebida ser simples, o momento durava questão de poucos minutos. Às vezes cogitava pedir uma receita mais complicada apenas para poder observá-lo por mais tempo.
Na sexta-feira, quando já estava de saída, viu de relance, em uma das mesas, uma garota com vários livros e cadernos, provavelmente estudando. Reparando melhor, viu que várias outras pessoas também estavam com notebooks, apostilas, etc. Como não havia pensado nisso ainda?
No sábado, chegou e fez seu pedido normalmente, mas quando Todoroki se despediu dizendo um "até amanhã", Katsuki simplesmente tomou um gole de sua bebida e disse que não iria embora ainda. Dando as costas para ele, foi se sentar em uma das mesas perto das enormes janelas, tirou seu tablet e um sketchbook da mochila que havia levado e se pôs a trabalhar.
Fez o mesmo pela próxima semana. A cafeteria até era um lugar agradável para se trabalhar, e ele não precisava se contentar com apenas um copo de café por dia. Ter mais tempo para observar Shoto — havia descoberto que esse era seu nome — trabalhando também era bom, mas ter a companhia dele e conversar sobre qualquer assunto durante algumas pequenas pausas era melhor.
Mas, no último dia de seu mês grátis, a atmosfera já parecia diferente no momento em que colocou os pés no estabelecimento. Foi até o balcão para fazer seu pedido, como de costume, mas Shoto não apareceu.
— Bom dia, senhor! O que gostaria hoje? — O sorriso dela não tinha o mesmo efeito que o de Todoroki, pelo contrário, o dela o irritava.
— Um americano — respondeu, tentava disfarçadamente procurar pelo outro, mas não encontrou nenhum sinal dele.
— Ele não virá hoje, senhor — a atendente sussurrou. — É seu dia de folga. Vai tomar aqui ou será para a viajem?
— Viajem. — Não via sentido em ficar ali se não tivesse Shoto para se surpreender com a diferença entre os esboços que Katsuki fazia e a arte final.
Todos na rua que olhassem para ele, certamente diriam que parecia meio triste ou abalado.
Ao entrar em seu apartamento, de alguma forma, ele parecia grande demais para apenas ele e também era tão escuro comparado a cafeteria. Como havia passado tantos meses fechado ali dentro sem perceber o quão solitário era?
*
Olhando para o relógio, Bakugou constatou que eram quatro e meia da tarde. Ainda estava cedo para encerrar um dia de trabalho, mas ele não aguentava mais olhar para a tela daquele tablet. Mesmo com um filtro de luz especial, seus olhos doíam, refazia os mesmos riscos diversas vezes e continuava insatisfeito. Precisava de uma pausa, ou acabaria atirando o aparelho na parede e ele não podia se dar esse luxo.
Desligou a tela e deixou a caneta de lado, levantou-se da cadeira e esticou os braços e as pernas o máximo que pôde, sua lombar estava dolorida e conseguiu escutar alguns de seus ossos estralarem durante o alongamento.
Andou até a cozinha, procurava algo para comer nos armários e na geladeira até avistar o copo de café na bancada. Pegou-o e tomou o restante que estava ali. Não estava ruim, estava gelado obviamente, mas esse não era o real problema, a questão era: o gosto não estava igual ao dos vários outros que Todoroki havia preparado para ele.
Jogou o copo no lixo e olhou para o parque pela janela. Por conta da estação, escurecia cedo, então já estava no fim da tarde. Várias pessoas faziam exercícios, crianças reuniam as folhas em montes e pulavam neles, outras apenas conversavam sentadas nos bancos. Mas o que chamou a atenção de Katsuki foram os cabelos divididos e inconfundíveis de Shoto.
Sem hesitar e de forma completamente irracional, Bakugou calçou rapidamente seus sapatos perto da porta e desceu as escadas o mais depressa possível. Saindo do prédio, conseguiu recobrar a razão e caminhou até o outro quarteirão. Havia avistado Todoroki em um dos bancos mais no meio do parque. Para chegar lá, passou pela área de piquenique onde, em algumas mesas, famílias comiam e em outras havia casais melosos que faziam Katsuki revirar os olhos.
Agora mais próximo, Bakugou percebia como Todoroki não parecia estar bem, ele tinha um ar amuado e tristonho.
— Todoroki? — Chamou a alguns passos de distância.
Ele se virou como reflexo e sua expressão permaneceu dispersa por alguns segundos até perceber quem o tinha chamado.
— Bakugou — sorriu, mas não era como os outros, esse era triste e forçado.
— Você está bem? — Perguntou, sentando-se ao lado dele.
— Sim — ele fungou o nariz e passou apressadamente a mão pelo rosto limpando alguma coisa. — É só… o tempo. Acabo ficando meio gripado.
— Desculpe, mas você não é um bom mentiroso e também não sabe disfarçar muito bem.
— Não mesmo, né? — Soltou uma risada constrangida, mas seus olhos continuavam tristes.
— Você gostaria de contar o que aconteceu?
Fez-se silêncio por alguns instantes enquanto Todoroki pensava sobre a proposta e então ele assentiu.
— Eu fui visitar minha mãe hoje — sua voz tinha um peso de tristeza. — Você deve estar pensando: "Ah, isso não deveria ser bom?", para a maioria das pessoas seria, mas, no meu caso, eu fui visitá-la em uma clínica de recuperação.
— E como ela está?
— Em partes bem, mas… — Shoto reparou a expressão ainda confusa do outro. — Vou explicar melhor. — Ele voltou sua visão para o gramado e respirou fundo. — O casamento dos meus pais foi arranjado e, embora eu fosse o filho perfeito que meu pai queria, minha infância passou longe de ser um mar de rosas. A vida de ninguém naquela casa era boa, mas acho que minha mãe era quem mais sofria. Um dia, não sei o que havia acontecido, mas ela não parecia nada bem e foi nesse dia que ganhei essa queimadura. Eu lembro dela ficando aterrorizada e se arrependendo imediatamente assim que teve consciência do que estava fazendo. Meu pai a mandou para uma clínica de psiquiatria no mesmo dia. Já faz anos que ela recebe tratamento e acompanhamento, mas sempre que alguém se aproxima, ela entra em desespero com medo de machucar essa pessoa. Eu já a perdoei, há muito tempo, mas minha mãe ainda se acha um monstro. É horrível vê-la apenas por de trás de um vidro — sua voz começou a ficar embargada —, eu só queria poder abraçar ela.
— Sinto muito… — sentia que devia dizer alguma coisa, mas nada vinha à sua mente. — Eu não… sei o que dizer agora…
— Não precisa — virou-se para ele, Katsuki pôde ver que sua expressão parecia mais aliviada. — Ter você como ouvinte já foi ótimo. — Deu um sorriso fraco.
Shoto sempre fora bastante amigável, companheiro e havia ajudado Bakugou quando ele mais precisara, agora ele sentia que seria bom retribuir aqueles gestos.
— Sei que não se compara nem um pouco, mas, se quiser, posso lhe dar um abraço.
— Quero sim — assentiu e seu sorriso ficava mais animado conforme eles se aproximavam para o ato.
Todoroki se sentiu plenamente confortável e acolhido dentro daquele abraço. Há muito tempo guardava tudo aquilo dentro dele e se esforçava ao máximo para não transparecer, então poder desabafar e receber amparo, era restaurador.
— Obrigado — disse, apertando Katsuki mais um pouco e depois os dois se afastaram.
— Isso não é nada comparado ao que você fez, já estava na hora de eu começar a retribuir. — Eles sorriram. — Sabe, falando nisso, o que acha de hoje você comer algo que eu fizer?
— Eu adoraria — seu sorriso voltara a ter alegria. — Não sabia que você cozinhava.
— Precisei aprender por morar sozinho e, modéstia à parte, sou muito bom.
Levantaram-se e continuaram o assunto enquanto iam para o mercado comprar ingredientes.
E assim, o cansaço e estresse que pesavam o dia de Katsuki simplesmente desapareceram dentro de alguns minutos com uma conversa que fluía naturalmente.
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