História Últimos segundos(Katnic) - Quarto sete

》Dominic《

9:22 - Quarta-feira

Alguém bate na porta. Não é Nina, eu tenho certeza. Pode ser Helen trazendo doces escondidos pra mim. Mas não sei se ela seria educada em bater na porta em vez de entrar direto no quarto.
Me levanto da cama, deixando o notebook ligado na página inicial do Facebook.
Abro a porta e não vejo ninguém. Olho para os lados e para o chão. O chão!
Encontro um pequeno envelope branco com a frase "do quarto sete". Pode ser um presente da garota de branco.

Olho para os lados novamente. Nada mudou. Fecho a porta e me sento na cama, rasgando a beirada do envelope com o dedo mínimo.

Tap.

A garota bateu do outro lado da parede. Então o presente era dela.

Toc.

Eu respondo e pego um papel dobrado:

》Queridíssimo e digníssimo paciente do quarto seis, me desculpe por esquecer o som ligado enquanto eu fazia caminhada. Eu demorei muito e não reparei nesse erro. Oh, que erro terrível, não?《

Paro de ler. Ela está sendo falsa comigo? Nessa última frase, eu imagino ela em uma novela mexicana, colocando a mão dramaticamente na testa e falando teatralmente. Continuo lendo:

》Como uma forma de pedir-lhe desculpas, eu enviei um CD.
Faça bom proveito. (Emoji de diabinho sorrindo)
Assinado: não é da sua conta.《

Eu não acredito nisso. Na parte da frente do CD estava escrito " Lady Gaga" . A minha vontade é de quebrar esse CD e jogar no vaso sanitário. Será que os ratos gostariam de dançar Alejandro?

Rasgo um pedaço do envelope e pego a caneta que estava usando para fazer um relatório sobre as pessoas com Leucemia.
Escrevo:

》Querida, só querida, paciente do quarto sete,
Agradeço seu presente tão gentil.
Nota: estou sendo sarcástico! Você não pode escutar a minha voz, mas, acredite, ela está cheia de sarcasmo. Não sei o que você viu em mim para me odiar tanto, eu nem sei o seu nome! Eu só queria ter a oportunidade de te conhecer.
Assinado: Dominic.《

Deixei o bilhete na cômoda. Vou pedir para Nina levar no quarto da garota de branco mais tarde.


17:45 - Quarta-feira

As primeiras luzes da cidade começam a aparecer. Estou olhando a cidade pela janela. As pessoas de longe parecem tão pequenas. Minha mão poderia esmagar alguém com facilidade. Só pra testar minha teoria, fecho um olho e acompanho um senhor com o dedo indicador, arrastando pelo vidro da janela. Finjo que estou tirando o chapéu dele. Rio sozinho. Quando você mora em um hospital e dá mais valor para a vida, as coisas mais simples do cotidiano podem tornar verdadeiras aventuras. Penso na garota da foto em preto e branco.

Queria descobrir quem ela é, assim poderia ajudá-la. Será que ela gosta de ver filmes ou de música? Qual seria a cor favorita dela, ou o doce preferido dela?

Lembro-me que anotei o facebook dela nas Notas. Eu digito seu facebook e abro na página inicial. Ela postou outra foto. Está de costas, com uma mochila verde e o cabelo preso em duas tranças. Fora a mochila verde, a foto está em preto e branco. Na descrição está escrito:
"Amigos, ficarei fora por um bom tempo. Eu vou viajar e não quero pessoas mandando mensagem para encher o meu saco. Não tenho previsão de volta. Kissesss!!!"

Eu sempre tive vontade de viajar por um bom tempo sem me preocupar com os meus exames ou quimioterapia quase toda semana. Eu queria ter uma vida igual essa garota, aposto que é muito melhor que a minha.

19:17 - Quinta-feira

》Status: o que vocês fazem quando estão no tédio?《

Depois do dia que ela me entregou o CD, eu percebi que mesmo se ela me odiasse, ela não me odiava tanto assim. Se me odiasse, ela não ficaria me estressando dessa maneira que ela faz. Ela sequer ligaria para mim.

Fico com esse pensamento enquanto tomo banho. Nina sempre falava para eu não tomar banho logo depois da quimioterapia, mas a quimio me estressa e o banho é a única coisa que me faz relaxar de verdade.

Na maioria das vezes, eu demoro mais para sair do banheiro, assim como hoje. Já errei a ordem 3 vezes! Quem é erra a ordem três vezes? Nina está do lado de fora do banheiro, esperando para me entregar os remédios e eu finalmente jantar. O ruim da quimio é que faz você perder o gosto de tudo que você come. Chocolate parece cera.

Errei de novo! Desligo o chuveiro e me seco. Quando estou prestes a ligar o chuveiro pela quarta vez, Nina bate na porta:

- Não acha que já está limpo suficiente?

Talvez ela tenha razão. Coloco as roupas devagar, uma por vez, ainda estou tonto por causa da quimio. Lembro-me das sessões. Às vezes são cansativas, como as de hoje.

Saio do banheiro. Como já estava esperando, Nina está no meu quarto.

- Você precisa parar com essa mania de tomar banho tantas vezes. Uma vez já basta.

Na cômoda está minha janta. Uma marmita de comida de hospital, obviamente. A comida daqui é muito gostosa, pelo menos isso.

- Desculpa Nina. - realmente fico meio arrependido com isso. Nina não gosta que eu fique muito tempo trancado sozinho em algum lugar, mesmo se for no meu próprio banheiro. Ela se preocupa muito comigo, um dia ela até comentou que eu era um dos pacientes preferidos que ela cuidava. Às vezes quando eu fico triste ela fica no quarto conversando comigo ou jogando algum jogo chato que os hospitais alugam para os quartos.

- Tudo bem eu preciso ir no quarto 7 agora.

Para minha surpresa, Nina sai rapidamente do quarto e fecha a porta. Ela nunca faz isso. Espera quarto sete? O quarto 7 é o quarto da garota de branco. O que deve ter acontecido?

Pego minha janta e me sento na cama, prestando em atenção em qualquer ruído do quarto do lado. Está estranhamente silencioso, parece que ninguém está lá.

Será que a garota está magoada por eu me estressar daquele jeito no dia que pedi para ela desligar a música? Será que ela pediu para mudar de quarto?

Encosto meu ouvido na parede. Parece que alguém está chorando.

- Você não pode fazer isso.

Escuto a voz de Nina. Segundos depois, barulhos de algo quebrando e gritos. Fico assustado. O quarto sete tem coisas misteriosas e a garota de branco é mais misteriosa ainda.

Tap

Tap

Tap

Não respondo. O que estiver acontecendo, eu não vou entrar no meio. Não quero mais estresse na minha vida.

Mas... e se ela estiver precisando de mim?

Encosto a palma da minha mão na parede. O toque é frio. Um simples movimento e...


Continua...