"Foda-se, eu não quero morrer
A vida é linda demais
Mas você sabe que vou tentar
Você puxando na minha manga
Discretamente tentando beijar
E tarde da noite, andando em todas as ruas
Doce diabinho, conversa controversa"
~Rizha
》Katherine《
Dominic parece estar cansado, mas eu não.
A banheira gigante no banheiro me chama. Tiro minhas roupas, olho para a prótese idiota e me permito chorar silenciosamente. Entrando na banheira, lembro de todas as crises e todos os momentos em que eu simplesmente fui usada. Será que ele também está fazendo isso comigo?
Eu desacordei em minha própria cirurgia e acordei com esse cotoco que alguns ainda tem a audácia de chamar de perna. "Você tem tanta sorte!"
Fico horas naquela bacia gigante e quente. O sangue da minha perna deixa a água cor-de-rosa. Prendo a respiração e permito-me afundar, batendo a cabeça no fundo da banheira. Ouch. Sinto meus batimentos cardíacos embaixo d'água e me sinto em um aquário: o mundo lá fora é tão distante desse aqui.
Os momentos com Dominic foram os melhores, mas estou enganando ele. Sei que estou. Pessoas do meu tipo nasceram para ficar sozinhas. Ninguém teria paciência com alguém que não entende as coisas, leva tudo pro sentido literal e fica magoado fácil. Autistas. Lobos solitários.
Dominic não gosta de mim como mostra. Ele só tem pena, pena de mim. Ele está fazendo tudo isso por misericórdia.
Sinto a falta de ar chegando mas finalmente conseguirei o que tanto almejei: passar para o outro mundo. Não aguento mais ficar aqui e ver tantas pessoas bonitas e com tanta sorte assim.
Meus pulmões queimam e, de repente, não consigo mais respirar.
Só mais um pouco...
- Katherine?
Escuto passos andando para lá e para cá. Ele bate na porta com força.
- Katherine está precisando de ajuda?
Meus pulmões ardem. Solto todo o ar restante que estava prendendo, formando bolhas em cima de mim. Forço a ficar embaixo d'água.
- Kath...eri.. erine. - não escuto direito. - AJUDA.. AJUDA....!! Pelo amor de Deus.. KATHERINE?!?!
Mais batidas na porta e mais batidas...
....
- Katherine?
Abro os olhos. Encontro os castanho-azulados olhando para mim, em uma expressão completa de pânico.
- Que porra você fez!?
Respiro e foi como engolir fogo. Não que eu tenha engolido antes..talvez.
- Só estava tomando banho. - olhei para as minhas mãos. Elas estão roxas e inchadas, igual as minhas pernas. Meus olhos ardem e meus cabelos melam. Eew.
Foi por muito pouco que consegui. Merda, Dominic.
- Katherine, você literalmente cuspiu um rio pelo quarto todo. - agora percebo onde eu estou. No nosso quarto, com um roupão por cima do meu corpo e o chão estava ensopado. Pera, eu fiz aquilo? Não lembro.
Olhei para Dominic novamente. Ele estava com uma expressão estranha, os olhos marejados. Ele ia chorar?
- Porra Katherine. Fiquei preocupado pra caralho. Não faça mais isso, por mim. - diz com voz de choro.
Dei de ombros e me virei na cama. Mas aquela cena rasgou o meu peito. Dom estava chorando? Cada centímetro do meu corpo dói. A dor da minha perna também não ajuda nada.
Olhei para Dominic novamente. Seus olhos estavam cheios de lágrimas.
- Posso te levar no hospital. Nós pod...
- Médicos são uns cuzões, Dominic - um flash passou pela minha cabeça. Lola desaparecida, em uma sala abandonada. Nunca me senti tão despedaçada e arrependida por não gostar dela.
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23:38
Saio escondida de casa e pego o primeiro táxi que aparece na minha frente. Minha perna pega fogo. Entro rapidamente e bato a porta, estressada. O casaco preto me dá agonia, mas é a única coisa que eu pensei em pegar primeiro.
O taxista diz alegremente.
- Para onde a senhorita vai?
Pra puta que te pariu, meu caro senhor!
- Farmácia, centro.
Ele assente e acelera. Mantenho minha cabeça abaixada, entre minhas pernas e tapo meus ouvidos com as mãos. Não suporto olhar para todas aquelas cores passando rápido pela janela. Fora que o vinho tá fazendo minha cabeça explodir.
- A senhorita precisa de ajuda?
- Eu tenho austismo.
- Não acho que brincar com doenças mentais seja engraçado, senhorita.
Reviro os olhos. Sério que isso está acontecendo comigo?
Depois de dar 30 contos para o senhor-não-brinque-com-doenças-mentais, entro na farmácia.
- Boa noite, jov...
- Eu preciso de Codeína.
- Você precisa ir no médico para que possam te solicitar uma receit...
- Médicos são uns cuzões. - debocho e ela semicerra os olhos. - preciso da caixa inteira. - ela olha para a minha perna e eu tento escondê-la. - O quê? Nunca viu uma perna mecânica?
- É que... jovem, você precisa que seus pais...
- Eu sou maior de idade - corto a atendente, pegando a identidade e entregando para ela, dramaticamente - eu só quero levar a codeína, por favor, minha bela moça.
O que mais faltava? Ajoelhar no milho e recitar todos os estados de EUA? Que porra!
- A senhorita sabe que tem uma grande quantidade de morfina nesse remédio, não sabe?
- Sei sim, senão não estaria pedindo. - pego a identidade de volta.
Ela arregala os olhos e me analisa, de cima a baixo.
Coloquei minhas mãos entrelaçadas por trás do pescoço e andei para os lados. Dai-me paciência... e uma faca.
- Senhora, eu preciso de codeína, sou maior de idade e uso uma perna mecânica. O que mais precisa saber?
- Você é muito rebelde, mocinha.
- Pode apostar que sou.
Sem falar nada, a mulher me entrega o remédio. Encaro ela, sorrio e ergo o dedo.
Setenta contos a menos para a conta.
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Entro no quarto. Dominic está dormindo feito pedra. Ótimo.
Vou até o banheiro, abro a última gaveta e deixo os remédios lá. Não antes de pegar um e engolir assim mesmo, sem água nem dignidade.
Tiro as roupas pesadas e coloco uma camisola básica. Deito o mais silenciosamente possível e me ajeito perto dele. Encaro-o por alguns segundos. Será que ele ainda acha que consegue me salvar?
Assim, dormindo, parece um anjo. Meu anjo que está... tentando me proteger.
Toco sua barba por fazer e sorrio. Eu estou mentindo demasiadamente para ele, mas ainda o amo. E como amo!
Fecho os olhos. Mais um dia de mentiras terminado com sucesso.
- Você vai me contar onde estava ou vai fingir que não sabe de nada do que eu estou falando?
Ai merda merda merda!!!!
Ele abre seu olho azul e olha para mim, sonolento.
- O que você comprou, huh? Você chegou com uma sacola. Eu vi.
- Codeína, meu Dominic. - faço cafuné nele, que afasta a mão e me olha, sério.
- Você não pode tomar esse remédio. É cinco vezes mais forte do que aquele que você toma! Kat... minha pequena, por que você fez isso? É insano.
É. Deixei meu namorado chateado.
- Eu estou sentindo muita dor. - confesso. - Eu não consigo dormir, nem pensar direito. Estou cansada de tudo isso. Às vezes eu só quero morrer, só sumir daqui.
- Lembra aquela noite que passamos juntos? Tomando vinho como dois alcoólatras e transando feito animais e discutindo quem tava puxando a coberta... você não gostou?
- Não é isso. Foi muito bom - olho para ele e fico nervosa - É que eu não quero estragar sua vida com meus problemas, Dom.
Ele pega e beija minha mão, deixando descansada no colchão em seguida. Depois se aproxima de mim e beija minha testa também.
- Poderia ter me contado. - disse baixinho e aproximou seu rosto do meu - mas temos que resolver isso do remédio agora. É um remédio anestésico fortíssimo!
- Eu tomo em menor quantidade. Por favor, Dom, eu não posso parar de tomar isso. - olho para a perna mecânica. Que merda. - É tipo uma droga. Eu preciso dessa porra.
- Feche os olhos, pequena.
Eu faço o que ele diz. Parece que minhas pálpebras são feitas de chumbo. Não reparei que estava tão cansada assim. Sinto meus lábios serem tocados pelos dele, bem de leve, como plumas. Sinto meu cabelo sendo acariciado e cada parte do meu corpo corresponde com seus movimentos.
Sinto ele se afastar.
- Te amo viu? - ele diz baixinho.
Procuro seu rosto para dar outro beijo, mas não o alcanço.
- Dom?
... - Dom???
Escuto sua risada baixa e rouca, pelo sono.
- Eu não vou sair daqui. Não se preocupe.
Reparei que nesse meio tempo ele tirou a camisa e voltou para a cama. Meu namorado é lindo!
Ele me abraça, me aninhando contra o seu corpo e puxa a coberta. Esqueço o frio lá fora. O corpo quente de Dominic, nossos pés, braços e corações se tocando, se tornando um só. Ele me faz querer viver a vida, me faz querer ver que a vida é uma dádiva e a morte é para quem é fraco demais para lutar. Esqueço todos os meus problemas e me aconchego em Dominic.
- Boa noite, ruivinha.
- Boa noite, loirinho.
Só sei de uma coisa: por me ajudar a me esquecer de quão horrível é a dor e o sofrimento passado, prefiro ele aos anestésicos.