Camus destrancou a porta do apartamento, prendendo a respiração antes de entrar. Olhou calmamente em volta, tudo estava escuro e vazio. Muito vazio. Pestanejou contra o escuro, sentindo o ardor em seus olhos diminuir com o ato, havia chorado demais. Lá estava ele, sozinho novamente. Havia sido fácil se acostumar a companhia do grego, mas seria terrivelmente difícil fazer o contrário.
Caminhou desolado até o quarto, sem acender qualquer luz. As cortinas sobre a porta que levava a varanda estavam semiabertas, permitindo que vislumbres de luz fossem bem-vindos. Retirou as roupas molhadas uma a uma, deixando que deslizassem até o piso do quarto. Suas últimas lágrimas haviam sido derramadas após a conversa com Saga, desde então as segurava com força. Ele não tinha o direito de chorar por algo que escolheu.
Sob um controle completamente instável, Camus conseguiu tomar um banho quente. Ao retornar para o quarto, contudo, sentiu-se novamente ameaçado pelas lágrimas que ferviam em seus olhos claros. Ele não conseguia olhar para a cama sem pensar nele. Não que fosse possível pensar em outra coisa, mas os lençóis desarrumados, onde a menos de uma hora ambos estavam deitados com a atenção focada em um filme aconchegante, o faziam personificar o grego, e isso era doloroso demais. Quase podia tocá-lo. Roubar-lhe o celular e pedir por atenção disfarçadamente, dizendo qualquer coisa sobre celulares sujos não serem apropriados para dividir o espaço da cama. Desviou o olhar com brusquidão, pressionando os lábios em uma tentativa de se conter. Em passos largos e pesados, alcançou o guarda-roupa em busca de um pijama.
E então, de repente, era tarde demais.
Mirou as roupas esquecidas pelo ex-namorado e sentiu seu corpo estremecer. Não se permitiu hesitar por um segundo sequer, capturando na beirada da cama o short que Milo vestia antes de partir e uma blusa limpa do grego em um dos cabides derrubados sobre o assoalho do guarda-roupa. Se sentou na cama, liberando o primeiro gemido de dor. E lá estavam elas, malditas lágrimas! Se deitou de costas sobre o colchão frio, buscando um travesseiro para abafar seus soluços.
O Boeing 737 taxiava na pista após abandonar as nuvens cinzas. Milo olhava através da janela o dia nublado, desejando ardentemente raios de sol em sua vida como jamais imaginou que desejaria. O azul em seus olhos estava ainda mais vibrante devido ao contraste com o vermelho provocado pelo choro constante.
O loiro divagava enquanto não era obrigado a descer e enfrentar o mundo. Ele deveria evitar, mas o francês habitava seus pensamentos sem pedir permissão. Como será que Camus estaria naquele momento? Ele sentia sua falta? Estaria indiferente, como sempre? Provavelmente havia dito à Saga que entendia a situação e o deixaria em paz. É claro que ele não sofreria. Derramar lágrimas? Jamais. Não o Camus que conhecia. Correr atrás do namorado que o deixou? Óbvio que não. Milo já conhecia a história de Saori, o francês simplesmente a deixou ir.
Suspirou profundamente. Nada mudava na vida constante de Camus.
Quando foi obrigado a levantar de seu assento, Milo puxou o capuz do moletom, a luz o incomodava. Seguiu as pessoas a sua volta sem muita atenção, só queria... O que ele queria? Pelos deuses, estava tão perdido!
Alcançou um grande e amplo salão onde em breve as malas viriam. Com sorte, acabou sendo um dos primeiros a sair dali, andando cabisbaixo até o hall de desembarque. Levantou a cabeça ao ouvir seu nome. Ao ver os olhos muito claros do amigo, o choro retornou de maneira instantânea. Levou as costas da mão direita ao nariz, tentando manter-se minimamente digno. Algumas senhoras que também aguardavam seus familiares e amigos no desembarque de voos internacionais se comoveram com o encontro de Milo e Afrodite. O grego fez uma negativa antes de abraçar fortemente o melhor amigo e afundou o rosto na curva entre ombro e o pescoço delicado, caindo em um pranto silencioso.
– Pode chorar, meu amor. – O sueco o consolava, afagando os cachos aloirados.
– Eu tive que deixá-lo, Dite... – Conseguiu sussurrar entre soluços. Ele não estava nervoso ou alterado. Ao contrário, estava calmo, triste e ciente de que nada iria mudar.
– Eu sei... – Sentiu seus olhos umedecerem.
“Oh, Camus, o que foi que você fez?”
– E ele me procurou, sabe... – Soltou-se do abraço, mirando os orbes tão, tão conhecidos – Mas eu não quis atender, agora ele nunca mais vai vir atrás de mim...
– Milo... – Pronto, estava chorando também. Afrodite sempre foi muito bom em consolar as pessoas pois tinha um alto nível de empatia. Contudo, seu emocional era bastante sensível a mínimas alterações no ambiente a sua volta.
– Ele te ligou, Dite?
O sueco fez uma negativa com a cabeça.
– Está vendo? Ele nem se importa. – Sussurrou novamente, deixando que as lágrimas corressem lentamente sobre seu rosto.
– Uxo, as coisas com o Camus são um pouco diferentes. Ele não vai me ligar enquanto não possuir um controle mínimo dos próprios sentimentos. – A desolação do amigo lhe partia o coração – Mas não é nisso que você deve pensar. Por mais que eu ame profundamente o meu irmão e compreenda todos os seus motivos, ele não está pronto para você, ele nunca se doou por inteiro por que ele não se tem por inteiro. E você precisa entender que por mais que queira, não precisa dele em sua vida.
– Mas eu sonhava em viver ao lado dele, sabe? – Sorriu de modo triste.
– Milo, você não deve colocar outras pessoas em seus sonhos sobre o futuro. Agindo assim sua felicidade depende dos outros e isso está errado. Seu sucesso e felicidade devem depender apenas de você. – Sorriu delicadamente – Se alguém puder te acompanhar, será uma pessoa de sorte.
Milo abaixou o olhar, abraçando o amigo novamente. Permaneceram em um abraço apertado no centro do hall de desembarque. Nenhum dos dois tinha pressa.
Camus só conseguiu adormecer no fim da madrugada. Quando acordou, pensou que havia tido um sonho ruim, mas, ao esticar o braço pelo lado esquerdo da cama, tudo o que sentiu foi o lençol frio sob seus dedos. Sentou-se de súbito e percebeu a bagunça que havia abandonado na noite anterior através de um olhar panorâmico. A luz do banheiro dormira acesa, havia roupas molhadas pelo chão e sua toalha jazia úmida sobre a da cama.
E agora?
As coisas haviam mudado, teria que criar uma nova rotina. Ou melhor, teria que retornar a sua antiga rotina. Suspirou profundamente, esfregando os olhos claros e avermelhados em um movimento rude.
Pisando descalço sobre o piso frio, lembrou-se de que não havia ligado o aquecedor no dia anterior. Levantou uma sobrancelha alaranjada, ele deveria estar usando chinelos, senão se resfriaria. Negou com a cabeça enquanto ia em direção ao banheiro. Ele amava Milo, mas não o tinha mais ao seu lado. Contudo, isso não significava que ele não poderia guardar pequenas recordações. Ele continuaria andando descalço e dormindo do lado direito e comprando iogurtes e...
Pelos deuses, Camus, melhore!
Ao alcançar o banheiro, reparou que seus olhos estavam terrivelmente inchados e vermelhos. Não se lembrava de ter chorado assim alguma vez na vida. Estava na hora de pedir por ajuda.
Foi preparar o café pensando no irmão. Mordeu a ponta do polegar, Afrodite com certeza iria destruí-lo e consolá-lo ao mesmo tempo. Se preparou psicologicamente para o que viria enquanto preparava um café forte. Não sentia fome.
Tempos depois, já com o café em mãos, Camus retornou ao quarto e abriu a porta que dava para a varanda com o celular na mão.
O sueco sentiu a vibração em seu bolso, mas aguardou que Milo ligasse o chuveiro para atender. Mudou de cômodo, andando até a sala do quarto de hotel antes de atender o irmão mais velho. Respirou, tentando se manter neutro e seguro de si, sabia que aquela não seria uma conversa fácil. Para piorar, o grego havia pedido segredo sobre sua estadia, portanto ele deveria se mostrar surpreso. Buscou energia no fundo de sua alma antes de deslizar o dedo sobre a tela.
– Oi, luz do meu dia, como está?
– Dite, o Milo terminou comigo. – Curto e grosso. Não esperaria diferente. Afrodite poderia estar errado, mas não havia resquícios de choro na voz grave do ruivo. Será que Camus não havia derramado uma lágrima sequer? Não, seu irmão não era assim, era provavelmente um escudo.
– O que houve? – Sua voz saiu mais baixa e triste do que esperava. Deveria se mostrar surpreso, mas só queria ouvir da boca do irmão, só queria ter certeza de que todo o seu esforço para finalmente vê-lo feliz havia sido em vão. Ele passou a vida inteira querendo vê-lo bem, emocionalmente saudável, pleno... Quantas decepções ainda teria que suportar?
– Meu pai veio ontem e eu não tive coragem de apresentá-lo, Dite. Não tive coragem... – Seria possível que Afrodite estivesse mesmo sentindo uma vibração na voz grave surgir? As lágrimas em seus próprios olhos ameaçaram transbordar, mas o sueco era uma pessoa forte, ele aguentaria.
Do outro lado da linha, o ruivo sentou-se na cadeira de sua varanda, escondendo o rosto com a mão livre enquanto segurava as lágrimas que voltavam a queimar seus orbes claros. Paris estava diante si, testemunhando toda a sua decadência.
– Camus... – Assim como o irmão, Afrodite escondeu o rosto com a mão livre, a decepção o corroía por dentro – Você está bem? – Pronto, conseguiu manter a calma. Não que esperasse completa frieza por parte do irmão, mas as coisas estavam acontecendo de modo diferente do que imaginava.
– Estou... vai ficar tudo bem. – Extravasou, levantando-se e indo se apoiar na beirada da varanda. A chuva havia cessado, mas o vento forte moldava as mechas avermelhadas como se fossem chicotes raivosos – Eu estou meio depressivo agora, mas faz parte do processo. Eu fui o estúpido da história, quem precisa de suporte é o Milo. Ligue pra ele.
Afrodite não sabia como reagir. Para sua sorte, o irmão continuou.
– O pior é não saber como ele está! – Socou a superfície em que se apoiava, seu controle ameaçava deixa-lo – Ele foi para o apartamento dos gêmeos ontem e não quis me atender ou me ver quando fui até lá.
– V-você foi até lá? – O grego não havia contado sobre essa insistência, provavelmente achava algo normal. E era, mas não para Camus.
– Sim, eu fui. Porém foi o Saga quem desceu no lugar dele me pedindo para sumir. E eu estou me odiando porque tudo o que eu quero é pegar o meu carro e estacionar na porta do prédio dos gêmeos e esperá-lo sair, mas não posso! – Socou o parapeito da varanda novamente, tomado pela cólera de si mesmo.
– Ok... – Tentou usar uma voz apaziguadora, mas estava difícil. Afrodite estava entre sua lealdade com o melhor amigo e seu amor e decepção com o irmão – Então você o quer de volta, Camus? Está disposto a voltar atrás com seu pai?
Silêncio do outro lado.
– Camus, você sabe que não poderia continuar escondendo o Milo embaixo de uma capa para sempre, não é? Seu tempo acabou e você precisa tomar algumas decisões. E não estou dizendo que você deve correr atrás dele, porque quem deve saber se isso é correto ou não é você e ele, apenas. Estou dizendo que você precisa me responder se finalmente quer ajuda, se finalmente fará algo por você mesmo, pois não posso te ajudar enquanto não você souber. Não é saudável amar os outros antes de amar a si mesmo, Camus.
O francês estava surpreso com a atitude do irmão. Por mais sábio que tivesse sido o conselho, Afrodite parecia... bravo? Não, bravo não. Decepcionado. Iria concordar quando o sueco prosseguiu.
– Eu preciso ir agora, mas aguardarei por sua resposta, ok? Eu te amo e sempre estarei aqui por você.
– Obrigado, Dite.
Milo apareceu na sala já vestido, mantendo a cabeça inclinada enquanto esfregava uma toalha nos cachos molhados.
– Era ele? – Se odiou por prender a respiração enquanto esperava pela resposta.
– Era.
– E... como ele está? – Parou o que fazia, apoiando-se na parede.
– Não muito bem.
Pensativo, o grego abaixou a cabeça e torceu a toalha entre dedos firmes. Afinal, ele queria ter notícias de Camus?
Não, não queria.
– Hum. – Fez um muxoxo antes de abrir a toalha e recomeçar sua tarefa.
– Mas me diga, está se sentindo melhor? – Afrodite sorriu levemente, tentando ser positivo. Se Milo havia escolhido não ter mais informações e seguir em frente, quem ele era para colocá-lo para baixo. Que o amigo se recuperasse e saísse dessa situação ainda mais forte.
– Estou sim. – Afirmou, apesar de não demonstrar muitos avanços. Ele iria se esforçar.
– Bom, eu tenho que ir para a galeria daqui a pouco verificar a chegada das rosas, você quer ir comigo ou quer dar uma volta por aí?
– Não vou atrapalhar indo junto?
– Mas é claro que não! Vai ser divertido! – Sorriu lindamente – E não acho que faça bem a ninguém ficar sozinho em situações como a sua.
Camus permaneceu sentado na varanda, vestido apenas com a camiseta esquecida pelo grego e o short leve. No começo não sentiu o frio que pouco a pouco tomava conta de seu corpo. Olhava para Paris, como fez durante toda a sua vida. Aquela era sua prisão, sua linda e adorável prisão. Chegava a ser irônico. Sua mãe o havia ensinado a ser do mundo e ele havia escolhido permanecer preso em uma cidade por toda a sua vida. E o pior, havia levado seu irmão consigo, pois sabia que Afrodite não o deixaria. Mas e quando o sueco também se fosse? Ele conseguiria ver o irmão embalando os pertences no décimo segundo andar? Conseguiria depositar um beijo de despedida na testa alva quando o momento chegasse? Conseguiria ver outra família ocupar a cobertura? Ele viveria sozinho naquela cidade, envelheceria ali. E quando ele morresse, ninguém saberia.
Quando deu por si, Camus percebeu que tremia de um jeito constante e sinistro. Há quanto tempo estava ali? Sentiu o corpo vacilar quando tencionou se levantar, seus pés descalços estavam tão gelados que não pareciam seus. Tudo que sentia eram inúmeras pontas de facas em sua sola. Entrou e fechou as portas da varanda com brusquidão, esfregando os próprios braços em uma tentativa falha de aquecimento. O que precisava mesmo era de um banho quente.
E então ele riu. Gargalhou com a voz rouca e grave. Lembrou-se de seu conjunto único e pessoal de péssimas escolhas. Ele provavelmente era o rei das péssimas escolhas. Deveria se orgulhar disso?
Ao adentrar no banheiro, se assustou com o reflexo no espelho. Sua pele estava quase roxa e seus lábios quase pretos. O estremecimento sinistro não findava e ele percebeu estar com sono, seu coração batendo calma e lentamente. Teria ele cochilado na varanda? Não se lembrava¹. Tomou um banho muito quente, ignorando completamente o choque térmico sofrido por seu corpo. Ao sair do box, olhou para o secador de roupas na parede, escolhendo a toalha do grego. Inspirou o cheiro que ali emanava antes de se enxugar com ela.
O fim de semana seria longo.
Milo havia se divertido bastante na galeria. Conheceu inúmeras pessoas agradabilíssimas e acompanhou de perto o trabalho grandioso do amigo. Afrodite era mais que extremante talentoso, era uma pessoa de sorriso fácil e profissionalismo impecável. Sabia traçar todas as redes de contato necessárias para expor seu trabalho ao mundo.
Apesar de se lembrar do dia anterior toda vez que ficava sozinho para pegar uma bebida ou ir ao banheiro, Milo conseguiu aproveitar. Com certeza o sueco já teria inúmeras propostas antes mesmo de se formar e isso o enchia de felicidade. Mas e quanto a ele? Bom, ele havia decidido matar as próximas três aulas do ex-namorado. Iria apenas na quarta aula, quando a prova seria aplicada. Seria a última vez que veria Camus. Não pediria ajuda à Saori ou qualquer um que tivesse ligação com o francês. Não por motivos de orgulho, ele não era mais tão infantil. Somente não suportaria lembrar-se do ruivo toda vez que deitasse seu olhar sobre a japonesa.
Também planejava se esquecer de todos os acontecidos na França. Ignoraria essa parte de sua vida, mesmo que perdesse preciosas lições no caminho. Ok, isso não seria algo saudável de se fazer, nem algo muito adulto. Mas pensar nele era doloroso demais. Camus despertou o amor em si, a preocupação, o carinho e o cuidado. Ele era grato por isso, ele havia amado amar Camus. Mas, ao menos por enquanto, Milo se sentia perdido. Dessa forma ele se guiaria por seus instintos e seguir carreira na Grécia parecia o adequado a ser feito. Depois pensaria em se mudar, talvez para algum país americano, desse modo estaria a longos oceanos de suas lembranças.
De qualquer modo, precisava começar a melhorar agora. Afrodite havia se disponibilizado durante toda a próxima semana para lhe fazer companhia. O sueco era definitivamente o melhor amigo que teria em toda a vida. Era a única exceção que faria ao cortar as relações com Paris e, consequentemente, com Camus. Afrodite tinha um pedaço próprio em seu coração.
A segunda-feira amanhecia dolorosa para o Camus. Grossas olheiras se destacavam na pele clara, assim como a expressão de abatimento. A experiência da primeira noite sem Milo havia mostrado a Camus que não era possível acordar sozinho na cama, fazendo-o adotar o sofá como local de repouso desde o sábado.
Havia se curvado à depressão durante o fim de semana, mas decidiu que tentaria melhorar na segunda-feira. Ele deveria tirar uma lição disso, caso contrário estaria assumindo que os sentimentos de Milo não valiam nada. Levantou cedo e foi se exercitar sob o céu cinza, pensando no grego durante cada segundo de sua rotina.
Quando pretendia deixar o apartamento e seguir para a Sorbonne, Carlo apareceu, oferecendo-se para assar um bolo rápido. O cunhado havia se assustado com seu estado no fim de semana, ligando para Afrodite assim que foi dispensado do apartamento de baixo. Tentava fazer o ruivo comer desde então, muitas vezes sem sucesso.
Ao entrar na sala de aula, notou a cadeira vazia ao lado de Marin, engolindo em seco sua tristeza e vergonha. Sim, ele era o rei das péssimas escolhas. Quando o grego apareceu em sua sala meses antes, uma efusão de cores foi depositada em seu pequeno mundo particular, que, curiosamente, também deixou de ser particular.
Com todo o profissionalismo que possuía, deu uma aula dentro dos padrões de qualidade exigidos pela diretoria do departamento. Quando o horário terminou, resolveu permanecer onde estava. Não queria subir para sua sala e ver os pertences de Milo, muito menos se juntar aos demais professores na copa comum. Sabia que não haveriam mais aulas naquela sala no período da manhã, então se trancaria ali.
Enquanto os alunos guardavam seus pertences, Camus abriu o notebook e iniciou uma corajosa pesquisa. Marin se aproximou da mesa do professor nesse instante, fazendo-o fechar a tela do notebook com um cuidado medido.
– Pois não? – Cruzou os braços sobre a tela, mirando o olhar atento da aluna.
– Professor Sivan, gostaria de saber se está tudo bem com o Milo, ele não veio hoje...
– Eu não posso mais responder pelo Milo, Marin. – Olhou em volta para se certificar que ninguém escutava a conversa – Nosso namoro terminou e não estamos mais morando juntos.
A surpresa da aluna foi palpável. Como esperado, Camus não cedeu mais informações e o assunto morreu ali, afinal o professor jamais daria espaço para conversas pessoais. A ruiva entrou em contato com Milo depois, mostrando-se presente e oferecendo ajuda.
Camus estacionou o Cadillac a quadras de distância de seu objetivo. O centro de Paris estava particularmente cheio naquela tarde e certamente não haveriam vagas mais próximas disponíveis. Apertou o volante entre os dedos longos e mirou o movimento da rua ao seu redor. Fechou os olhos claros com força, pensando em como atitudes tão simples, como sair do carro, poderiam ser tão custosas. Ao abrir as pestanas, seu semblante foi tomado por seriedade e obstinação. Deixou o Cadillac, sentindo o vento frio invadir as frestas de suas roupas como dedos subindo por suas pernas e embrenhando-se entre os botões de sua camisa. Em breve seria obrigado a usar casacos. Ouviu o som do solado de seus sapatos sobre a calçada e contou os passos para se distrair. Ele não voltaria atrás.
Camus evitou pessoas apressadas, atravessou algumas ruas e finalmente alcançou seu alvo. Checou o endereço anotado antes de deixar a sala de aula, verificando se estava no lugar correto. Entrou sem muitas cerimônias, estava obstinado. Não estava?
Após identificar-se com o porteiro e subir dezesseis andares de elevador, Camus parou em frente a uma porta escura. Toda a obstinação o havia deixado, restando apenas dúvida e medo. Mordeu o lábio inferior, sentindo-se um idiota. Ele deveria voltar e desistir dessa ideia estúpida.
Amassou o papel entre seus dedos e deu meia volta, chamando o elevador novamente. Olhando de soslaio, viu que havia uma campainha chamativa ao lado da porta que havia mirado anteriormente.
Pelos deuses, Camus, o porteiro já anunciou sua chegada, ela sabe que você está aqui!
Bufou, nervoso consigo mesmo. Com passos descompassados, parou em frente a porta escura novamente. Apertou a campainha e esperou, desejando desesperadamente um cigarro.
A porta foi aberta e uma senhora elegante e de aparência gentil o mirou com firmeza.
– Olá, Sr. Sivan. Seja bem-vindo, eu sou a Dra. Frontin, mas pode me chamar de Marjorie. Posso chama-lo de Camus?
Engolindo as palavras presas pela ansiedade, Camus apenas concordou com um aceno nervoso.
– Por favor, entre. – A senhora virou o corpo, dando espaço para que o francês passasse pela porta.
Sem pensar, pois pensar o atrapalharia, Camus apenas obrigou suas pernas a se moverem, sumindo pela porta escura.
Milo teve bastante suporte durante a semana, com verdadeiros amigos dispostos a despejar carinho e amor sobre ele. Afrodite o acompanhava em todas as experiências londrinas, não dando espaço para tristeza ou solidão. Marin conversou com o grego por Skype durante horas a fio e até mesmo Shina apareceu se colocando à disposição. Quanto aos gêmeos, não havia qualquer dúvida do amor fraternal que eles possuíam; ligavam ao menos três vezes ao dia. Era difícil haver um momento em que Milo se sentia só.
Apesar de pensar em Camus a todo momento e não sentir mudanças em seus sentimentos, Milo não se deixava abater. Tentava sair e se divertir sempre que podia.
Já Camus obteve o apoio de Carlo e Mu. O engenheiro o visitou assim que Afrodite lhe contou sobre os últimos acontecimentos. Por mais que o sueco discordasse do irmão, jamais deixaria de se preocupar.
Na aula de quinta-feira, Camus já esperava pela ausência do ex-namorado. Pensava que o fato de estar preparado dessa vez o ajudaria a reagir melhor. É claro que tudo desmoronou assim que visualizou a cadeira vazia. O francês estava com o emocional bagunçado e entrou em desespero ao se lembrar que esse seria somente o primeiro dia de uma longa jornada. Jornada essa que ele mesmo escolheu. Estava fadado a viver esse momento por uma infinidade de dias.
Afrodite conseguiu uma folga antes do almoço. Milo já havia conhecido algumas pessoas e foi convidado para um almoço informal, deixando o sueco com seus pensamentos.
Ele realmente esperava que o irmão se portasse mais firmemente, afinal, havia sido uma escolha dele. Além disso, quando soube o que tinha acontecido, foi completamente tomado pela cólera, ignorando completamente a barreira que sabia existir entre Camus e a felicidade. Ao receber notícias de Paris, questionou-se se o que estava fazendo pelo irmão era suficiente. Camus não ligava para si e ele não ligava de volta.
O sueco checou o relógio, vendo que ainda tinha meia hora até ter que deixar o apartamento. Sabia que Camus estaria chegando em casa nesse momento pois, além de dar aula, haveria uma reunião com os professores do departamento sobre a situação dos futuros formandos.
Apanhou o celular e rumou para a enorme cama de casal que dividia com o grego. Após poucas chamadas, Camus atendeu do outro lado.
– Oi... – Tentava não parecer aflito e preocupado em demasia.
– Oi, Dite, como vai? – O ruivo tinha acabado de adentrar no apartamento. Jogou as chaves sobre balcão enquanto ia em direção ao próprio quarto.
– Vou bem, meu amor, e você?
– Estou melhor. – Massageou a testa ao sentar na poltrona em frente a cama, mirando o chão. Sentia o peito apertar e o sofrimento retornar sempre que entrava naquele quarto, como se todo o esforço que fizesse durante o dia para se mostrar impassível desmoronasse como um castelo de cartas. Buscou a pequena caixa que havia comprado durante a volta para casa, retirando o lacre e puxando um cigarro com a boca.
– Que bom. – Tentou parecer animado, por mais que fosse um péssimo mentiroso – E como estão as coisas por aí? Mask tem se comportado?
– Tem sim, não se preocupe. – Forçou um riso educado enquanto sentia uma vontade desesperadora inundar seu corpo, queria saber sobre o grego – Então... – Acendeu o cigarro com o isqueiro escondido embaixo da almofada da poltrona – tem tido contato com o Milo? – Apertou o joelho com o cigarro aceso entre seus dedos, ainda mirando o chão. Seu rosto estava quente, mas não choraria.
Afrodite fez uma pausa antes de responder.
– Na verdade eu tenho conversado sim. – Por mais que esperasse essa pergunta do irmão, ficou surpreso com a rapidez que ela havia sido feita. Não tinha se passado nem uma semana.
– E ele está bem? – Recriminou-se pela pergunta, não dando tempo para que o outro respondesse – Quer dizer... – Tragou pesadamente – Dite, eu sei que você está do lado dele.
– Camus...
– Olha, calma. Eu sei e concordo com você. – Afrouxou a gravata com rudeza. Estava começando a se descontrolar e isso não era um bom sinal – Ele provavelmente te contou antes de mim e você aceitou a versão. – Levantou-se, caminhando nervosamente pelo quarto enquanto jogava a franja para trás.
– Camus, eu...
– Espera, me deixa falar.
– Ok. – Engoliu em seco.
– A versão dele é a versão correta. Não existe outra porque o que aconteceu foi exatamente o que ele te disse. A questão é que... – Fez outra pausa, comprimindo os lábios e soltando o rabo de cavalo frouxo, brincando nervosamente com o elástico. Tragou tudo o que conseguia do pequeno cigarro, tinha que falar o que estava pensando ou seria sufocado por sua própria angustia – A questão é que eu não estou melhor, Dite. Muito pelo contrário.
Nesse momento Afrodite já sustentava as lágrimas com dificuldade. O ruivo então prosseguiu.
– Eu não consigo trabalhar, não consigo comer... não consigo nem dormir na minha própria cama, acredita nisso? – Riu nervosamente, a voz grave saindo rouca – Eu sei que você odeia quando eu durmo no sofá, Dite, mas não dá para fazer diferente... não dá...
– Camus, eu sinto muito... – E as lágrimas desceram como uma enxurrada de outono.
– A questão é: – Agora era o francês quem segurava as próprias lágrimas – Se eu, EU, que sou o idiota dessa história, não consigo viver, não consigo dar um passo sem que a imagem dele me venha a mente, imagina como ele pode estar? – Apesar de não ceder às lágrimas, a voz já estava embargada pela tristeza.
– Eu deveria estar aí com você.... – Afrodite não controlava mais seus sentimentos, mal conseguia falar de tanto que chorava.
– Se você estivesse aqui eu te mandaria cuidar do Milo... – Camus sorriu, triste. Uma lágrima escorreu, dando vazão a outras que já estavam ansiosas por se libertarem.
– Eu estou cuidando dele, não se preocupe. – Fungou, enxugando as bochechas rosadas com as costas da mão delicada.
– Era só isso que eu queria ouvir. – Respirou fundo, retomando o controle – Estou indo agora, Dite. Conversamos depois, sim?
Sem lembrar que não poderia ser visto, o sueco afirmou com a cabeça. Não tinha condições de falar. No segundo seguinte, Camus desligou o telefone. Ele teria muito o que contar para a Dra. Marjorie em sua próxima consulta.
Afrodite pensou em ligar imediatamente para o namorado em busca de ajuda, mas sabia o que deveria fazer. Em todas as situações possíveis, ele esteve lá por Camus. Em todas elas. Viu o irmão se levantar após cada adversidade, mas não o viu mudar. O amor por Milo parecia ser o sentimento mais forte que assolou o coração do ruivo, assim como o único capaz de fazê-lo acordar. Afrodite tinha que deixá-lo. Por mais doloroso que fosse, Camus precisava passar por isso e, talvez, finalmente se libertar.
Sentado na cama, o sueco abaixou o tronco, apoiando o rosto nas mãos enquanto aproveitava o momento de solidão para sofrer.
Os dias se passaram com rapidez para Milo e com lentidão para Camus. O grego definitivamente não queria retornar à França. O ex-namorado lhe vinha à cabeça em todos os momentos do dia. Em todas as conversas se lembrava de algo que o ruivo havia feito ou falado. Achava cada vez mais impossível o fato de conseguir superar e seguir em frente, pois seu amor não diminuía e isso o machucava. Contudo, se orgulhava de não implorar por notícias do francês. Camus já deveria ter superado há tempos.
A tarde de domingo estava ainda mais cinza em Londres, com graves ameaças de chuva. Afrodite terminava o cenário quando as primeiras gotas caíram.
– Nunca pensei que iria sair de um lugar chuvoso para ir para outro ainda mais chuvoso. – Milo olhava a rua da grande janela da galeria de braços cruzados.
– O nome disso é viagem a trabalho. – Afrodite buscava algo para comer antes que os convidados chegassem, ele não teria tempo de se alimentar quando a exposição começasse.
O grego riu do comentário.
– Os postes já estão começando a acender. – Sentiu o amigo se aproximar, parando ao seu lado enquanto mastigava algo – Até que Londres é bonita.
– Nunca diga isso perto de um francês! Sorte a sua que sou sueco. – Só caiu em si depois de rir da própria piada. Milo apertou mais os braços ao redor do corpo, franzindo o cenho – Desculpe.
– Está tudo bem. – Inspirou fundo, sorrindo verdadeiramente – Tenho que me preparar, essa semana começa tudo de novo.
Afrodite arrumou um cacho disforme no cabelo do amigo antes de responder.
– Você só precisa aguentar mais uma prova, só isso. Daqui a seis dias você estará na Grécia, curtindo o sol e ficando lindamente bronzeado de novo.
Ambos sorriram, apesar da tristeza.
Camus havia definhado nos últimos dias. As conversas com a Dra. Frontin o deixavam ainda mais depressivo, embora se orgulhasse de enfrentar os problemas quando ela assim solicitava. Após resgatar de umas das gavetas de seu armário uma sequência de fotos de própria infância e sofrido com cada lembrança que o visitou, Camus decidiu tomar alguns calmantes para conseguir dormir livre de sonhos com o grego. A situação estava cada vez mais insuportável. Acordou no domingo à tarde com o som de alguém batendo em sua porta.
Sentiu-se tonto ao tentar se levantar do sofá, cambaleando até conseguir apoio na parede. Destrancou a porta com dificuldade, os olhos estavam embaçados e semicerrados devido ao incômodo causado pela luminosidade fraca de fim de tarde.
Carlo assustou-se ao ver o cunhado.
– Pelos deuses, Camus, o que aconteceu com você?! – Empurrou o francês, entrando no apartamento e fechando a porta. O local estava congelando.
– Eu só estava dormindo. – Coçou os olhos, despertando lentamente.
– Há quantos meses? – Carlo gritou enquanto rumava até o corredor para ligar o aquecedor.
– Do que estava falando, eu me deitei cedo, logo quando anoiteceu. Eram apenas umas sete horas ainda.
O italiano voltou a sala, incrédulo.
– Camus, são seis e dez. – Viu o outro não compreender e explicou – Do dia seguinte.
O ruivo levou a mão a boca, estático.
– Quantos calmantes você tomou? Você queria morrer?! – Carlo estava completamente desesperado.
– Não seja idiota! É claro que não. – Retomando o controle, rumou até a cozinha com o intuito de pegar um copo de água fria – Só queria dormir sem estar pensando em algo. Queria um sono pesado.
– Tudo bem, entendi. – Carlo não conseguia esconder o nervosismo, passando ambas as mãos sobre os fios prateados, jogando-os para trás – Mas acho melhor pararmos com o calmante. – Andou até o batente da porta da cozinha, cruzando os braços.
– Concordo.
– Agora podemos comer alguma coisa? Se o Dite chegar e você estiver morto ele me expulsa.
– Eu não estou com fome.
– Camus, eu tentei ser educado. Você vai comer alguma coisa agora.
O francês revirou os olhos claros, porém acabou por obedecer às ordens do cunhado. Quando Carlo deixou o apartamento, Camus estava no banho. Não demorou muito para que ele levasse a manta de volta para o sofá e adormecesse novamente após uma tragada.
Afrodite estava aproveitando seu último dia de exposição. Suas obras estavam quase todas vendidas, além de inúmeras outras encomendadas. Percebia que Milo estava mais calado que o normal, muitas vezes pensativo. Ia ter com o amigo sempre que podia, mas era difícil se esquivar de todas as pessoas ao seu redor.
Seu telefone havia vibrado duas vezes, obrigando-o a retornar na primeira folga que teve.
– Oi, amor. Está tudo bem?
– Não, Dite, não está. O Camus precisa de ajuda.
Indo em direção a cozinha a galeria, Afrodite tampou o outro ouvido para se concentrar melhor.
– O que houve com o meu irmão?
– Ele se entupiu de calmantes ontem, só foi acordar hoje, vinte e quatro horas depois. Além disso mal come e só sai de casa porque é obrigado a dar aulas. Se bem que até nisso eu estou achando que teremos uma primeira vez.
– Eu não posso acreditar nisso... – Agitou a mão na frente dos olhos, tentando evitar que lágrimas atrapalhassem sua maquiagem – Quer saber, chega disso! Eu preciso fazer algo. Já passou da hora.
O taxi estacionou em frente ao prédio luxuoso. Um salto alto e fino tocou o chão quando a porta de trás se abriu. A belíssima morena desfilava no hall de entrada, ostentando um vestido fino, curto e apertado, chamando atenção de todos os presentes.
– Boa noite Gerard. – Cumprimentou com um sorriso sedutor enquanto caminhava até o elevador. Camus já havia dado passe livre para a morena, o que sempre deixava os recepcionistas confusos. O ruivo permitia que uma japonesa estonteante vivesse em seu apartamento sempre que passava por Paris, mas, recentemente, convivia com um homem grego em um apartamento de apenas um quarto. Isso gerava uma infinidade de comentários.
– Boa noite, senhorita Kido. – Cumprimentou entre suspiros.
A morena entrou no elevador, virando-se a tempo de ver a porta se fechar. Todos olhavam para ela. Sorriu enquanto esperava a chegada do décimo primeiro andar.
Testou a porta, constatando que estava aberta. Entrou na escuridão do apartamento, onde somente o barulho de seus saltos eram ouvidos. Andou pelos cômodos, acendendo todas as luzes por onde passava, acordando um Camus assustado.
– Sao? O que está fazendo aqui? – Cobriu os olhos enquanto fazia uma careta.
– Sente-se, Camus. – Imperou e foi obedecida, tomando seu lugar ao lado do ruivo no sofá. Cruzou as pernas e o fitou seriamente – Quando eu achava que você não poderia ser mais idiota, vejo que estava redondamente enganada.
– Ah, então você já sabe.
– Sim, eu já sei. – Levantou uma sobrancelha e suspirou, aparentando impaciência – Você terminou com o Milo pelo mesmo motivo que terminou comigo?
– Não é bem assim... – A quem estava querendo enganar? – Ok, a essência é a mesma. – Abaixou a cabeça, olhando para o carpete – E na verdade foi ele quem terminou comigo.
– Minha nossa, você é muito burro.
– ...
– Camus, você quer estar com o amor da sua vida ou prefere permanecer preso em Paris?
– Saori, você sabe que...
– Não, eu não sei! – Interrompeu bruscamente – Você está nessa fossa e sabe que não vai passar, que nada fará diferença. Eu sei que você já teve essa conversa mil e uma vezes, mas acho que agora você vai efetivamente escutar o que as pessoas que te amam têm a dizer. Então vamos lá: O Raul é nojento. E olha que ele gosta de mim e puxa meu saco sempre que pode. – Fez uma expressão de nojo – Ele é um velho conservador, – Abriu a mão direita e abaixava um dedo a cada característica citada – homofóbico, elitista e adora desvalorizar as pessoas, inclusive as que você ama.
O ruivo estava atento, mas não ousou se pronunciar. Ela continuou.
– Todos nós sabemos que você moldou a sua vida dentro da régua estabelecida por ele o máximo que deu e sofreu a cada desvio, como cursar filosofia, por exemplo. Você se arrepende disso? – Viu uma negativa do amigo – Acha que teria sido feliz se tivesse cedido e feito engenharia? – Outra negativa – Então. O Hillesheim, por exemplo, é uma das pessoas mais maravilhosas que eu conheço, e até onde eu sei ele se esforçou muito para que você o aceitasse como pai.
– Eu sei disso...
– E mesmo sabendo você escolheu o Raul. – Um silêncio desconfortável se instaurou. A morena se compadeceu, aproximando-se do amigo e segurando uma das mãos alvas entre as suas – Por mais que você tenha dedicado vinte e quatro anos a ele, como essa vida limitada pode ser melhor que viver resto dela ao lado do homem que ama?
– Saori...
– Eu não vim aqui somente para enaltecer o Milo. Minha missão principal é que você melhore, que você cresça. Eu te amo muito Camus e daria toda a minha brilhante carreira para te ver bem, independente, tomando suas escolhas baseado no que você quer, não no que você deve fazer. E não estou dizendo que você deve sair dos braços do Raul e correr para os braços do grego, não é isso. Você deve se amar antes de tentar amar alguém, entenda isso!
Os olhos do francês marejaram pois ele entendia. Ele finalmente entendia que se não se consertasse, se não fosse capaz de ser feliz consigo mesmo, não poderia ser feliz com o grego ou com qualquer outra pessoa. E ele queria que fosse com o grego.
– Eu entendo.
– Jura, Camus? Porque eu não quero ter essa conversa novamente. A cada vez que você se quebra você leva um pouquinho de todos nós.
– Eu juro. – Cogitou antes de revelar seu pequeno segrego – Eu estou indo a uma psicóloga incrível, Sao, estou me esforçando e vou melhorar. – Algo crescia dentro dele.
Saori sentia que estava perto de fazer uma mudança, mas o deixou falar.
– Eu vou mudar, Sao. Eu entendo agora que devo ser minha prioridade, que não vou conseguir me doar para alguém ou para algo sem efetivamente me ter. Não estou totalmente pronto para ter o Milo de volta, caso ele me queira, mas o amo e sei que pensarei nele durante todo o processo, como um amuleto. E quando eu estiver pronto, irei atrás dele.
– Acredito que talvez, só talvez, seja possível que ele também esteja disposto a dar a própria carreira para te ver dando os próprios passos. – Um sorriso misterioso foi desenhado nos lábios pintados de vermelho.
– O que você sugere?
– Se desafie, Camus. Faça algo que você queira.
Perante ao silêncio de um de seus melhores amigos, a morena deu o golpe final.
– Você o ama, Camus, corra atrás dele. Se emancipe. – Disse com uma calma cirúrgica, fazendo com que a atmosfera do apartamento se movimentasse, como se uma grande descarga de energia os tivesse atingido.
Ambos permaneceram em uma posição supersaturada. Qualquer movimento seria capaz de romper o tênue equilíbrio. Camus estava atônito, mil coisas passando por sua mente. Ele vivia uma mentira, agradando um pai de mentira. Assumia o ódio que sentia pelo pai, o ódio que sempre estivera ali, ignorado propositalmente. Aquele homem desprezível não valia um décimo do que o grego representava para si.
Em poucos segundos, a expectativa de liberdade o fez tremer.
– Camus! – Saori o segurou pelos ombros, estava eufórica! – Vamos, faça as malas!
– O que quer dizer? – Olhou sem entender.
– Pelos deuses, homem, quanta lerdeza! O Milo está em Londres, com o Dite! – Viu o amigo abrir a boca, surpreso – E eu sei que ele volta amanhã à noite, mas você precisa falar com ele AGORA!
O ruivo parou, respirando fundo. Despejou toda a sua atenção nos olhos puxados da amiga.
– Saori, me guie.
In you I found my home from home
I left all that I knew for a love that I know
– Home from home, Roo Panes
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