07 de março de 2020.
Acordar num sábado de manhã estando de ressaca nunca é fácil, mas, dependendo da sua personalidade – e da forma como é desperto – você pode sim, ter uma manhã produtiva.
Ikkaku Madarame despertou com uma de suas músicas favoritas tocando em seu celular – ele sempre colocava o despertador para tocar às nove da manhã aos sábados – mas não conseguiu concluir o raciocínio. Sentia-se sufocado.
Owareru youni isoi de iru
Estou correndo como se estivesse sendo perseguido
Kawai ta mune ga kari tateru no sa
O coração continuou gritando seco
Hito kiwa tsuyoku kagayaku hoshi wa
A estrela flamejante é uma teimosa
ma mo tooku ni aru
Ela ainda está longe
Abriu os olhos lentamente, sentindo algo macio tocando sua testa e impedindo-o de respirar normalmente. Ergueu o tronco ligeiramente – ganhando espaço suficiente para compreender onde repousara o rosto – levando um baita susto. A superfície macia nada mais era do que os imensos seios de sua amiga, Rangiku Matsumoto, que dormia com Yumichika encostado na coxa dela.
– Mais que caralho! – Pensou. Não era possível que tivesse bebido tanto a ponto de fazer uma merda daquelas… Ou era? Um arrepio percorreu-lhe a espinha, fazendo com que estremecesse com o horror daquela perspectiva absurda. Provavelmente havia uma explicação bem mais simples, precisava haver.
Ushinatte yuku motome nagara
Enquanto eu estava procurando perdido
Ubawa rete yuku atae nagara
Embora eu tenha sido roubado
Dare no tame de naku dare no mono de naku
Não é de ninguém, Não é de alguém
Ore tachi no ima ga
O momento agora é nosso
Ainda confuso, olhou ao redor em busca de seu celular, constatando que o aparelho repousava no balcão da cozinha. Notou que havia um balde ao lado do sofá e que estava limpo e vestindo roupas diferentes das que havia usado na noite anterior. Ao que tudo indicava, havia sido acudido pelos amigos – sequer se lembrava de como havia chegado ao apartamento – mas nada parecia explicar a razão de estar dormindo junto de Rangiku e Yumichika.
Omoi kasane yume o kasane hibi o kasane
Sobre os nossos sentimentos, nossos sonhos, por estes dias suados
Ase ni mamire namida korae chi o tagi rase
Segurando as lágrimas, o sangue está agitando
A cabeça doía levemente com todas aquelas conjecturas. Yumichika era seu melhor amigo há séculos – eram como irmãos – e Rangiku… Bem, antes de mais nada, Rangiku era mulher, e ele duvidava que tivesse bebido o suficiente a ponto de ter algum rompante de heterossexualidade, isso sem falar que a ruiva era uma amiga de longa data.
– Hummm, que saco – Rangiku praguejou, abrindo os olhos lentamente. – Por que escuta essas músicas velhas?
– De que importa o ano de lançamento? – respondeu Ikkaku. – É uma música maravilhosa.
– Nem perde seu tempo, Rangiku – disse Yumichika em meio a um bocejo, esfregando os olhos ao despertar. – Ikkaku só curte músicas dos anos oitenta, é um caso perdido.
– Oitenta foi a melhor década para músicas, aceitem – o careca afirmou, levantado-se do sofá e caminhando até o balcão da cozinha.
– Fala como se estivesse lá para ver – devolveu Rangiku. – Você é de 93!
– E daí? – Desligou a música. – Por acaso eu fico implicando com a porcaria que vocês escutam? K-pop, ou seja lá o nome daquela merda…
– Você tá muito bocudo e ingrato essa manhã, hein – respondeu Rangiku, levantando-se e caminhando em direção ao banheiro. – É assim que agradece quem te deu banho e cuidou de você bêbado?
– Por favor, não vamos falar disso nunca mais – pediu Yumichika. – Foi traumatizante.
No fim, havia mesmo uma explicação simples. Ikkaku descobriu que havia sido levado para casa por seu colega Grimmjow, e que por estar todo fedido e gorfado, Rangiku e Yumichika lhe deram banho e o vestiram.
Sentiu-se aliviado, sequer se preocupou com a zoação – frequentava casas de banho e não se importava nem um pouco em ser visto nu – e era um alívio saber que não havia feito nada de mais bizarro com seus amigos.
Decidiu preparar o café da manhã – modéstia à parte ele cozinhava bem – e seria uma forma de agradecer aos amigos por terem cuidado dele.
Comprou tudo o que precisava rapidamente no bairro, aproveitou para buscar o carro que havia ficado estacionado na porta do bar, retornando ao apartamento em menos de uma hora. Ovos mexidos, bacon, torradas frescas, suco de laranja natural, bananas e aveia – pois não abria mão de ingerir algumas fibras pela manhã – preparando tudo que um bom café da manhã continental precisava ter, e que Yumichika e Rangiku adoravam.
Ikkaku, particularmente, preferia o bom e velho café da manhã japonês, com direito a chá, arroz e um peixinho, mas queria fazer um agrado aos amigos que gostavam de coisas internacionais em geral, inclusive a comida.
Após o café da manhã reforçado, Yumichika e Rangiku foram fazer as unhas em um salão que havia no centro, enquanto Ikkaku se dedicou a limpeza do apartamento, ouvindo sua playlist de bandas japonesas dos anos oitenta e cantarolando durante o processo. Não era como se ele não gostasse de bandas estrangeiras – oitenta havia sido uma década musicalmente excelente no mundo todo, e ele obviamente ouvia outras coisas – mas afinal, o que havia de errado em valorizar a cultura nacional?
Rangiku e Yumichika adoravam encher o saco e lhe recriminar por ser tradicional demais, careca demais, japonês demais. Se vissem qualquer filme de guerra em que houvesse um soldado careca, o chamavam pelo nome do indivíduo por dias.
Ele tinha um carro americano, lutava Muai Thay e ouvia Talking Heads, já não era o bastante? E daí se gostava mais de antigas bandas nacionais, se não comia fast food, se não usava máscaras coreanas e nem ouvia K-pop, se preferia se vestir a caráter nos festivais. Por que isso precisava significar algo ruim?
Ikkaku tinha consciência que seus amigos não diziam coisas daquele tipo por maldade, além da zoeira, queriam que ele experimentasse coisas novas, e muitas vezes ele experimentava, apenas não gostava das experiências em sua maioria.
Além das constantes brincadeiras dos amigos, havia também a fama de “barulhento”. Ikkaku era vice-orientador da 11ª divisão, e todos sabiam qual a sua forma preferida de estimular os companheiros nos treinos: gritando. Ele achava que era uma boa forma de elevar o moral da equipe, e aproveitar ao máximo a experiência.
Como todo membro da 11ª, Ikkaku Madarame era fanático pelo combate. Especialista em Kendo, Sojutsu e Muai Thay, não eram raras as vezes em que ele se segurava durante uma luta apenas para prolongá-la, pois nada lhe dava mais prazer do que lutar com um oponente forte.
Ele poderia ser líder de qualquer outra divisão, mas não estava interessado em questões toscas como hierarquia ou prestígio. Queria lutar ao lado do melhor, queria enfrentar o melhor – sempre que tivesse oportunidade – queria se tornar cada vez mais forte, queria morrer lutando. Tão grande quanto sua obsessão pelo combate, era sua obsessão pelo líder, Zaraki Kenpachi.
Ikkaku estava animado, em breve começariam os campeonatos de artes marciais, e poderia lutar com os mais fortes de todas as treze divisões, inclusive contra seu líder. A motivação não era vencê-lo, tampouco tomar o lugar dele – até porque seria algo impossível – mas poder ter o privilégio de lutar contra o melhor de toda Seireitei.
Ser vice-orientador do líder mais forte da história do campus rendia a Ikkaku respeito e admiração de muitas pessoas, mas, ele não poderia se importar menos com essas coisas. Gostava da adrenalina, do desafio, e de tudo o que vinha no pacote, até mesmo a dor.
Zaraki era o melhor, ninguém jamais poderia vencê-lo, quer dizer, quase ninguém. Havia uma “lenda” na Universidade de que uma certa pessoa poderia sim ser tão forte quanto Zaraki ou até mais, o problema era que essa pessoa não participava dos campeonatos há uns vinte anos – não fazia questão – então não dava para saber se ela era, de fato, tão forte quanto diziam.
Após terminar a faxina, Ikkaku descansou um pouco no sofá, enquanto verificava suas mensagens e refletia sobre algo muito importante: o que comer no almoço.
Yumichika. 13:17 – Não precisa se preocupar com a gente, vamos almoçar no centro.
Yumichika. 13:18 – Daqui nós já vamos pro Shiba’s [emoji de unhas feitas].
Ikkaku. 13:18 – Como assim? O bar não tá fechado a essa hora?
Yumichika. 13:19 – Se prestasse atenção no que eu digo saberia que é a trabalho.
Ikkaku. 13:20 – Ah, aquele negócio lá da dança e das maquiagens…
Yumichika. 13:21 – É. Acho que consigo umas rodadas de cerveja grátis pra gente hoje a noite. Não que você mereça né [emoji mostrando a língua].
Ikkaku. 13:23 – Tô cansado, não vou hoje.
Yumichika. 13:25 – Quem é você e o que fez com Ikkaku?
Ikkaku. 13:25 – Idiota [emoji de risos].
Ikkaku. 13:25 – Vou tirar um cochilo, depois nos falamos.
Yumichika. 13:26 – Ok.
Se os amigos viessem almoçar Ikkaku até se daria ao trabalho de preparar alguma coisa, mas não tinha muita graça cozinhar apenas para si.
Não estava muito a fim de ir ao bar naquela noite, pois além dos excessos cometidos no dia anterior, estava cansado e seu maior companheiro de rolês havia deixado a ilha. Ikkaku costumava ficar bravo com Iba – por ele beber a maior parte do sake – mas sem ele, acabou dando PT e trabalho aos amigos. É claro que ele tinha muitos outros colegas, mas o bar não era mais a mesma coisa sem Iba.
Além de dividirem as garrafas de sake, eles tinham personalidades parecidas. Iba jamais o recriminaria por seus gostos, eles costumavam dominar a Jukebox com suas músicas de aberturas de animes shonen – e cantar juntos – enquanto os demais faziam cu doce e diziam sentir vergonha alheia deles.
Iba havia recebido uma oportunidade de trabalho em Hiroshima – sua terra natal – que pagaria muito mais do que ganhava como pesquisador na Seireitei. Ikkaku acreditava que o amigo havia ido embora apenas para agradar a mãe, que já era idosa e certamente preferia ter o filho mais perto e ganhando mais dinheiro. Fazia sentido, não dava para reclamar, mas ainda sim era uma merda. Sentiria falta daquele filho da puta, mesmo que não admitisse em voz alta.
Após comer um lámen instantâneo, adormeceu, tirando um longo cochilo durante a tarde, levantando-se apenas às 18h00 para dar uma corrida na praia.
Ikkaku tinha 1,82 de altura, uma musculatura bem definida, e gostava de manter uma rotina de exercícios. Como não tinha planos de ir ao bar, optou por fazer exercícios aeróbicos com o objetivo de se aquecer pro domingo, quando teria treino à tarde e participaria de mais um “amistoso” da 11ª divisão à noite.
Eram 19h30 quando Ikkaku se sentou à beira-mar para descansar após a corrida. Sentiu o celular vibrar em seu bolso. Eram mensagens do grupo criado por Iba, chamado “Associação de Machos Bebuns”.
A.M.B
Renji. 19:29 – Nós vamos tocar hoje no bar, mas teremos outra pessoa no vocal pra abertura...
Iba. 19:29 – Que sorte! Até um gato miando é melhor do que você cantando.
Renji. 19:30 – Vai se foder
Iba. 19:30 – [emoji de risos]
Iba. 19:31 – Quem vai fazer a abertura do show?
Renji. 19:32 – Não te interessa
Renji. 19:32 – Aliás, por que ainda tá no grupo se nem mora mais aqui?
Iba. 19:33 – Eu sou administrador dessa porra, me respeita ou vou remover você!
Renji. 19:33 – To morrendo de medo
Kira. 19:34 – A dona do Shiba’s vai abrir o show
Renji. 19:35 – Eu ia contar, seu linguarudo!
Kira. 19:35 – [emoji revirando olhos]
Hisagi. 19:36 – Certeza que o bar vai lotar, postei um stories falando disso, teve mais de cinquenta reações.
Iba. 19:37 – Sempre lota quando ela canta. Bebam por mim.
Ikkaku. 19:38 – Não tem bar em Hiroshima não?
Iba. 19:38 – A bruxa velha tá aqui em casa, não vai me deixar sair.
Renji. 19:39 – Você não tá meio velho para ter medo da mamãe?
Iba. 19:39 – Você não conhece minha mãe
Kira. 19:40 – Temos mesa reservada, tem lugar para você @Ikkaku
Renji. 19:41 – Eu ia dizer isso
Kira. 19:41 – Desviando do assunto toda hora?
Kira. 19:42 – Vamos chegar umas 22h00
Renji. 19:47 – Você vai @Ikkaku? [emoji de olhos].
Ikkaku. 19:55 – Vou
– O homem faz planos e os deuses riem. – Pensou Ikkaku, enquanto caminhava de volta ao apartamento.
Ele não pretendia ir ao bar em absoluto, mas, se Kuukaku Shiba ia cantar – e ele tinha um lugar garantido – não tinha motivos para ficar em casa. Embora não fossem próximos, Ikkaku respeitava muitíssimo a dona do bar, pois era ela quem promovia os “amistosos” da 11ª divisão no porão do estabelecimento, sendo uma mulher muito respeitada por todos, inclusive por Zaraki.
Isso sem falar que ela cantava bem, e Yumichika havia mencionado a possibilidade de conseguir algumas cervejas grátis. Estava decidido, ele iria ao Shiba’s.
Tomou banho, passou sua loção amadeirada, vestiu uma regata branca, uma calça jeans de lavagem escura e um par de tênis.
Ikkaku chegou ao bar às 22:30, encontrou Hisagi, Kira e Renji – acompanhado de sua namorada Rukia – sentados em uma mesa bem no meio do salão. A mesa tinha oito lugares, o que significava que sobraria espaço para mais três pessoas. Procurou Yumichika com os olhos, acenando para ele após vê-lo sentado junto ao balcão.
Yumichika se aproximou acompanhado de sua vizinha Mashiro.
– Boa noite gente – ela cumprimentou toda sorridente. – A mesa de vocês é a única que tem espaço livre, os meninos estão vindo, eles podem sentar com vocês?
– Quem vai vir? – perguntou Renji. – Acho que não cabe todo mundo.
– Quase todo mundo – respondeu Mashiro, parecendo fazer cálculos mentais. – menos Hachi, Shinji e Hiyori.
– A gente reveza, vamos começar a tocar às 23h, dá para eles ficarem nos nossos lugares – sugeriu Hisagi.
Todos pareciam confortáveis com o plano, pois os Vizards eram considerados um grupo bem agradável. Os três lugares vagos haviam sido ocupados por Yumichika, Mashiro e Lisa. Não demorou muito, Love, Kensei, Rose e mais duas garotas – as quais Ikkaku não conhecia – chegaram.
Mesmo com os rapazes da banda liberando espaço, ainda faltaria lugar para duas pessoas, então Mashiro sentou-se no colo de Lisa, resolvendo parcialmente o problema. Uma das garotas, aparentemente, era namorada de Love, e a outra uma amiga dela.
– Se quiser dividir a cadeira comigo – disse Yumichika, encarando a garota desconhecida. – Cabe nós dois.
– Ah eu aceito – ela respondeu prontamente. – Obrigada.
– Como é seu nome?
– Tatsuki Arizawa – ela respondeu, sentando-se com Yumichika.
Ikkaku riu da rapidez do amigo, Yumichika era tão cara de pau e assertivo com mulheres, que o careca ficava de queixo caído ao presenciar suas investidas.
Enquanto a apresentação não começava e os rapazes da banda se organizavam no palco, Lisa, Mashiro, Rukia e Kiyone conversavam animadas, enquanto Yumichika e Tatsuki flertavam, Love e Kensei discutiam sobre quais aperitivos iam pedir, e Rose observava os movimentos com sua cara blasé de metido a besta.
Ikkaku não ia muito com a cara de Rose, pensava nele como um loiro metido e arrogante.
– Ikkaku, quer dividir a porção com a gente? – perguntou Kensei, analisando atentamente os combinados que havia no cardápio.
– O que vão pedir?
– Estamos em dúvida entre batatas ou peixe frito.
– Prefiro peixe.
– Não tem opções menos gordurosas? – Rose perguntou, com sua irritante cara de tédio.
– Tem uma tábua de frios aqui, mas é bem mais cara – respondeu Kensei.
– Eu voto pela tábua, e acho que as garotas também preferem.
– Eu quero tudo! – berrou Mashiro do outro lado da mesa.
– Peixe frito, batatas e uma tábua de frios, todas porções grandes – anunciou Lisa à Ganju, que anotava os pedidos.
– Pra que tomar decisões quando se tem a Lisa? – brincou Love.
Quando a apresentação finalmente começou, todos pararam de conversar para observar a performance dos rapazes da 369 e Kuukaku Shiba. Como sempre, a mulher arrasou, e os rapazes também mandaram bem.
Mas é claro que Rose, o músico, o erudito, o entendido da porra toda, faria comentários sobre a afinação, ou o desempenho dos rapazes de forma crítica, como o bom arrogante que era.
– De quem foi essa ideia tosca de colocar o Hisagi na bateria? – disse o loiro, mais para si do que para os demais. – O desempenho dele é tão melhor com a guitarra…
Ninguém parecia atento aos comentários de Rose, apenas Ikkaku, que sequer sabia o motivo de estar prestando atenção no loiro.
Quando a apresentação acabou, todos aplaudiram animadamente.
– Shiba desafinou duas vezes, mas parece que ninguém percebeu…
Ikkaku, novamente, parecia ser o único a ter escutado as palavras pedantes de Rose, enquanto os demais estavam completamente focados em aplaudir, assoviar e gritar elogios.
– Eles não são profissionais, não têm obrigação de fazer melhor do que isso – comentou Ikkaku, meio que automaticamente, já irritado com as falas do loiro.
Rose o encarou com sua cara de tédio, pareceu ponderar por um momento, mas Ikkaku não sustentou o olhar dele, apenas continuou encarando o palco.
– A arte não se sustenta com senso de dever, disciplina é importante, mas jamais deve ser tratada como uma “obrigação” – disse Rose, fazendo com que Ikkaku olhasse para ele novamente. – Há espaço para aprimoramento, e eles podem fazer melhor do que isso.
– E quem decide isso? Você e seu diploma de música? – Ikkaku o questionou com desdém. – Prefiro ser ignorante no assunto e reconhecer o óbvio: todos gostaram da apresentação, e só tem uma pessoa reclamando.
Rose não disse nada, deu um gole em seu gin tônica e desviou o olhar. Ikkaku, embora não fosse próximo do mencionado Vizard, não tinha uma boa opinião sobre ele, pois em mais de uma ocasião Rose revirou olhos e fez comentários babacas quando ele e Iba se apossavam da Jukebox.
Mesmo que Ikkaku achasse Rose talentoso – assistiu inúmeras apresentações dele no Shiba’s – a arrogância do loiro lhe irritava sobremaneira. Yumichika chegou a comentar em mais de uma ocasião que apesar da cara blasé, Rose não era arrogante, mas Ikkaku jamais acreditou nele. Ainda que não fosse arrogante com os outros, o careca sempre sentiu uma postura de “superioridade” por parte de Rose, o que só reforçava o pré conceito que ele havia criado em sua mente.
Os rapazes da banda começaram a tocar outra música, agora com Renji no vocal, e Ikkaku fez sinal para Ganju, para pedir mais um chopp, quando um baque surdo lhe chamou a atenção.
– Merda! – berrou um homem, que havia se desequilibrado e deixado sua cerveja cair no chão. – Desgraçado, me fez derrubar a cerveja!
Aparentemente, o homem havia tropeçado no pé de Yumichika, que estava ligeiramente em direção ao corredor – por estar dividindo a cadeira com Tatsuki – gerando o acidente. O corredor era largo, não havia muita desculpa para o tropeço, o que provavelmente significava que o homem estava bêbado.
– Você deveria olhar por onde anda – respondeu Yumichika, levantado-se da cadeira, e encarando o homem que era alto, gordo e muito grande.
O homem não estava sozinho, havia um rapaz bem mais baixo que ele, com uma expressão neutra e ao mesmo tempo séria, a poucos metros de distância.
– O que você falou, seu viado? – berrou o homem. – Sabe com quem está falando?
– Com um boçal, bêbado e feio – devolveu Yumichika, com ar de deboche, sem se intimidar nem um pouco com as ameaças.
– Sabe como eu ensino boas maneiras para bichinhas como você? – disse o homem, dando um passo em direção a Yumichika. – Quando eu te mostrar, nem a puta da sua mãe vai te reconhecer.
Sem racionalizar sobre o que fazia, Ikkaku se colocou entre os dois, ficando de costas para Yumichika e de frente para o homem.
– Ikkaku, sai da frente, essa briga é minha – disse Yumichika, já louco por uma luta.
Se as circunstâncias fossem outras, Ikkaku jamais se meteria, sabia que Yumichika podia se defender sozinho – era tão fanático pelo combate quanto ele – mas o careca simplesmente odiava comentários homofóbicos. Ele acreditava que só havia uma forma de educar aquele tipo de gente: quebrando a cara deles.
– Você não ouviu o que ele disse? – Ikkaku respondeu, ainda de costas pro amigo. – Ele quer bater numa bicha, e você não preenche esse requisito.
– Vai dizer que esse babaca maquiado é hétero? – questionou o homem. – Ou é sua namoradinha?
Ikkaku odiava homofóbicos, odiava esteriótipos, e odiava pessoas babacas que faziam suposições errôneas sobre a sexualidade de Yumichika – simplesmente por ele usar maquiagem – ou que supunham que eles eram um casal.
– Não somos um casal – Ikkaku respondeu, dando um passo na direção do homem, ficando com o rosto a menos de um palmo do queixo dele, que devia ter uns dois metros de altura. – Se quer bater numa bicha, bate em mim.
– Ulquiorra! – berrou o homem, chamando o rapaz de expressão neutra. – Eu bato no careca e você pega o mariquinha atrás dele.
– Não há propósito nisso – respondeu Ulquiorra, sem emoção. – Você só tropeçou porque está bêbado.
Dito isso, o rapaz – que aparentemente chamava-se Ulquiorra – saiu caminhando tranquilamente para fora do bar, deixando o homem para trás.
– Foda-se! – bradou. – Vou arrebentar os dois!
O homem empurrou Ikkaku, fazendo com quem ele desse três passos para trás.
– Você é fortinho – comentou o careca, já animado.
“Afastem as mesas” Ikkaku ouviu Kuukaku Shiba berrar. Rapidamente, todos a obedeceram, o som de mesas sendo arrastadas pôde ser ouvido, junto com as batidas da música, e a voz de Renji. A regra do bar era clara: não importa o que aconteça, a música não deve parar.
O homem veio na direção de Ikkaku com o punho fechado, pronto para lhe desferir um soco, o qual ele desviou sem nenhuma dificuldade. Enquanto desviava dos golpes desajeitados e cheios de força do enorme oponente, Ikkaku ria, divertindo-se com o exercício, e prolongando o seu prazer.
Aquilo era tão bom quanto uma preliminar. O oponente, cheio de fúria, vinha em sua direção como um búfalo irritado, desferindo socos e tentando acertar Ikkaku, que desviava e ria.
– Se não estivesse bêbado, talvez conseguisse me acertar – disse Ikkaku, segurando uma tentativa de soco com as mãos e gargalhando. – Patético!
– Careca maldito, eu vou matar você!
– Quero ver você tentar!
Ikkaku desviava e acertava alguns socos no homem que estava tomado pela fúria, e que mesmo sendo maior e mais forte, não conseguia acertá-lo.
Num gesto covarde, o homem pegou uma garrafa e atirou na direção de Ikkaku com toda a força. Ele desviou, mas a garrafa bateu na parede, fazendo um estilhaço voar e sua direção. Sentindo uma gosta de sangue escorrer abaixo de sua sobrancelha, Ikkaku decidiu que era hora de lutar a sério.
Rapidamente, desferiu alguns socos no homem, desviando a atenção dele, seguido de um chute no joelho direito, tão forte, que todos que estavam perto puderam ouvir um “creck”. O homem urrou de dor, curvando-se para frente, enquanto Ikkaku, irritado com o sangue que lhe cobria a visão de seu olho esquerdo, finalizou a luta com um chute certeiro na face de seu oponente.
Yumichika veio em sua direção, entregando-lhe um lenço, o qual ele usou para estancar o pequeno corte abaixo de sua sobrancelha.
– Melhor começar a andar com aquela pomada coagulante – disse Yumichika rindo. – Nunca se sabe.
– Desculpe por roubar sua briga – Ikkaku respondeu. – Sabe que não suporto esse tipo de cara.
– Eu sei…
As pessoas começaram a arrastar as mesas de volta, mas Kuukaku os impediu. Alguns minutos depois, vieram três enfermeiros com uma maca, acompanhados de Isshin Shiba, delegado da ilha.
– E então, quem foi o desgraçado que me tirou do repouso? – perguntou Isshin.
– Aquele babaca ali, comprou briga com o meu cliente, quebrou uma garrafa, e falou um monte de merda – disse Kuukaku, apontando para o homem que estava estirado no chão.
– Yammy, como sempre arrumando encrenca – Isshin comentou. Pelo visto, o delegado já conhecia o homem.
Yammy foi colocado – com certa dificuldade – na maca, pelos socorristas.
– Aquele homem me agrediu! – berrou Yammy da maca, apontando para Ikkaku. – Ele deveria ser preso!
Percebendo que havia sido ignorado por todos, passou a bradar ameaças como “eu vou te matar, careca maldito” enquanto era levado para fora.
– Berra mais, vai tudo pra sua ficha – disse Isshin, todo debochado.
Isshin Shiba, além de delegado, era tio de Kuukaku Shiba. Não dirigiu nenhuma palavra de repreensão a Ikkaku, muito pelo contrário, lhe deu um tapa nas costas e soltou um sutil “bom trabalho”.
Todos começaram a colocar as mesas de volta ao lugar. A parte positiva é que alguns clientes – assustados com a briga – se retiraram do local, e agora havia cadeiras disponíveis para todos.
Kuukaku conversava com o tio, quando de repente, este voltou a atenção para Tatsuki, que estava conversando com Yumichika.
– Tatsuki-chan, vou te levar pra casa, já passou da meia-noite, seus pais devem estar preocupados – Isshin ordenou, firme, mas sem ser rude.
– Ta bom, tio – concordou a garota, que após anotar o número de Yumichika em seu celular, saiu correndo atrás do delegado.
– Vocês são parentes? – Yumichika perguntou a dona do bar. – Ela chamou seu tio de… Tio.
– Arisawa? Não, ela é amiga de infância do meu primo Ichigo, por isso o tio Isshin a trata dessa forma – ela respondeu. – Interessado?
Yumichika concordou com a cabeça, e Ikkaku fez alguns comentários a fim de zoá-lo. Comeram as porções – que haviam atrasado em razão da briga – tomaram chopps, e após os rapazes terminarem o show, juntaram-se a eles.
– Alguém tem moedinha? Precisamos colocar algo para tocar na Jukebox – Mashiro perguntou, berrando do outro lado da mesa.
– Vai lá, Love – disse Kensei, entretido com sua porção de peixe frito.
– Tô de folga hoje – respondeu Love, que agora havia mudado de lugar, sentando-se ao lado da namorada, do outro lado da mesa.
– Vai você, Ikkaku – disse Rukia, estendendo algumas moedas para o careca. – Merece escolher depois de dar uma surra naquele babaca.
Todos riram da fala da namorada de Renji, e Ikkaku aceitou a tarefa alegremente, levantando-se em seguida, quando ouviu a voz cínica de Rose dizendo: “Não sendo aquelas porcarias de aberturas de anime, tá ótimo…”.
Ikkaku fingiu não ouvir o comentário, caminhou até a Jukebox, determinado a mostrar àquele arrogante de merda que não sabia nada sobre ele, muito menos sobre seu gosto musical. Escolheu uma música que adorava da banda Talking Heads, mas não voltou para a mesa. Precisava se acalmar, já tinha se envolvido numa luta, não pretendia estragar a noite de todos comprando outra.
Pegou um chopp direto da bomba, bebendo-o em poucos goles. A música que ele escolheu estava tocando – houve gritos em aprovação vindos da mesa de seus colegas, e também de algumas outras – mas ele não estava no clima, queria paz. Caminhou até a saída do bar, e sentou-se na calçada para tomar um ar.
Permaneceu encostado na parede, observando a rua – completamente morta naquele horário – quando sentiu um cheiro de perfume caro e uma presença aproximando-se dele.
– Excelente escolha – disse Rose, que estava em pé ao seu lado.
– Me sentar no chão? – Ikkaku questionou, ironicamente.
– Sabe que estou falando da música. – Fez uma pausa, olhando para a rua por um instante. – Acho que você não vai muito com a minha cara, né?
Ikkaku ponderou por um instante, pensou em dizer: “o problema não é sua cara, é seu temperamento arrogante de merda” mas não queria dar aquele prazer ao loiro. Rose tinha cara de que gostava de irritar as pessoas, apenas para vê-las perder a pose.
– É só que – Refletiu por um momento, antes de decidir o que falar. – Eu não confio em vampiros.
– Como é? – Rose questionou rindo.
– Nunca te disseram que se parece com o Alucard? – Ikkaku respondeu encarando-o. – Apesar do nome japonês, você tem cara de gringo, não me surpreenderia se tivesse vindo da Transilvânia e fosse filho do Drácula.
Rose riu com gosto, sentando-se na calçada ao lado dele, a apenas dois palmos de distância. Ikkaku estranhou a atitude, pois jamais imaginou que um almofadinha daqueles fosse capaz de se sentar no chão com suas roupas de marca.
– Alucard é gato – disse Rose. – Vou considerar como um elogio.
– Entenda como quiser.
Ficaram alguns minutos em silêncio, até que Rose o quebrou.
– Ainda acho que você tem uma má opinião a meu respeito – comentou enquanto olhava para rua. – Gostaria de ter uma chance de mudar isso.
Surpreso com aquela fala, Ikkaku encarou o loiro ao seu lado com curiosidade, enquanto o mesmo sustentava seu olhar, com um misto de calmaria e divertimento. Por que estava sendo tão legal agora? Será que Yumichika tinha razão e ele havia lhe julgado mal? Não sabia dizer, mas decidiu dar corda.
– E como pretende fazer isso?
– Um jantar, talvez…
– Está me chamando para sair? – Ikkaku questionou, incrédulo.
– Entenda como quiser.
Ikkaku podia ser “casca grossa” mas sabia reconhecer um flerte. Num primeiro momento, pensou em simplesmente dizer não, só para ter o prazer de recusar a investida de um arrogante como Rose. Mas, lembrou-se do que sua mãe sempre lhe dizia desde que era pequeno: “Não julgue as pessoas sem conhecê-las”, além de que muitas pessoas próximas gostavam de Rose – Yumichika, Rangiku, Lisa – o que lhe fez considerar, por um momento que, talvez, só talvez, estivesse alimentando uma imagem errada de Rose.
– Prefiro um almoço – Ikkaku respondeu, finalmente.
– Qual a diferença?
– Não vou arriscar sair com um vampiro à noite…
Mais uma vez, Rose riu do gracejo. Ikkaku, sem saber como continuar aquela conversa, levantou-se, com o objetivo de voltar ao bar, mas foi surpreendido pelo movimento rápido de Rose, que também se levantou, colocando-se à frente dele.
– Sabe, Madarame-San, tem certas coisas que não tem tanta graça a luz do dia – disse o loiro, com os lábios próximos aos dele.
Rose tinha hálito de gin, e cheirava a perfume caro. Era belo, Ikkaku jamais negaria isso, e estava indiscutivelmente flertando com ele. Sem que pudesse terminar o raciocínio, teve os lábios tomados por Rose, que lhe beijou suavemente.
Ikkaku não fugia de lutas, e não fugiria de um beijo, mas duvidava que Rose lhe desejasse daquela forma.
– Está bêbado, se continuar com isso, irá se arrepender amanhã…
– E quem decide isso? – questionou o loiro. – Você com seu diploma de engenharia?
Ótimo. Flerte e provocação. Ikkaku não deixaria aquilo barato. Tomou os lábios de Rose com urgência, pedindo passagem com a língua, explorando sua boca com maestria e desejo.
“O homem faz planos e os deuses riem” pensou Ikkaku, pela segunda vez naquele dia. E pensar que sequer pretendia ir ao bar naquela noite…
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