Quase nada mudou desde o mês passado. Exceto que agora eu me ocupava quase que 100% pra que Min Yoongi não tivesse o que reclamar de mim. Fala sério, eu entendo que tenho tudo pra parecer a garota mais mimada da Coréia, mas isso não quer dizer que qualquer coisinha que eu queira eu vou correndo pedir pro meu pai. Muitas vezes ele tentava compensar sua ausência me dando coisas. Claro que não adiantava nada e eu ainda sentia falta de ter um pai em varias ocasiões. E isso só ajudou no fato de que eu tinha que me virar sozinha depois de cada empurrãozinho que me davam.
Aquela história de lua de mel só serviu pra que eu tivesse uma conversa séria com meu pai, mentindo que meu casamento estava ótimo e contando sobre os vestibulares. Sua filha única tentando vestibular pra medicina. Papai estava orgulhoso. Esqueceu a história de viagem rapidinho e tinha boas noticias e fofocas pra alimentar seu circulo social por pelo menos um mês.
Confesso que com seis meses de casada eu imaginei que já estaria começando a viver meu “felizes para sempre”. Tinha convicção de que com a nossa convivência diária Min Yoongi pudesse sentir o mesmo que eu e que aquilo não iria demorar pra acontecer, mas conforme os meses iam passando aos poucos essa convicção se esvaia. O jeito era ocupar minha cabeça, me confortar nas explicações de Namjoon sobre o sistema nervoso, enfiar as caras nos livros e cansar muito meu corpo. Muito mesmo.
Hora de me concentrar.
Quando o barulho da bola ecoa pelo ginásio eu já corro pela linha de lateral da quadra. Olho rapidamente minha colega de time recepcionar o saque, jogando a bola em minha direção. Eu faço o levantamento com facilidade enquanto a outra garota salta pela linha de fundo e corta a bola com maestria. A bola toca no bloqueio do time adversário e vai pra fora da quadra. Ponto nosso.
- Isso Tae-hee! – exclamo encorajando-a. Ela não perdia mais o tempo do meu levantamento. Estávamos entrando em sintonia como um time.
Antes eu treinava vôlei com as meninas duas vezes por semana, agora eram todos os dias. Não que eu estivesse levando o time a sério a esse ponto. Nossa treinadora sabia que eu não passava de uma amadora e queria permanecer assim. Afinal, meu sonho agora era ser médica e ajudar o maior número de pessoas que eu puder. Mesmo se essa pessoa for Hye-Kyo. Bléh! Nós não podíamos jogar no mesmo time, tão pouco jogar em times adversários. Era um ódio mutuo gratuito. Simplesmente não nos suportávamos.
Como o esperado, na vez de Hye-Kyo no saque ela força a bola na minha direção. Eu tenho uma recepção ruim e ainda por cima não posso fazer o levantamento. Por sorte meu time estava cada vez mais entrosado então não perdemos o ataque. E naquele ponto se vai um rali*.
Ah! Os deuses abençoem o esporte e sua capacidade de mexer com o nosso corpo e a nossa cabeça.
Durante a partida inteira eu mantive o foco e a concentração. Pra desgosto da minha pior adversária, que acabou o dia com uma derrota por 3 sets a 1.
- Julia, quando terminar você sabe onde guardar tudo – a treinadora aponta pro carrinho no canto do ginásio – Deixa a chave com o segurança da portaria.
Afirmo que sim com a cabeça, fazendo uma pausa e pegando a garrafa d’água na minha mochila. Uma a uma as garotas suadas e com suas respirações falhas vão saindo da quadra e se dirigindo ao vestiário. Eu como sempre ficava até o clube fechar. Seco o rosto com uma toalhinha antes de pegar outra bola e voltar para o fundo da quadra. Precisava treinar meu saque. Queria ser uma levantadora completa e era preciso treinar ainda mais nesse fundamento.
Jogo a bola pra cima, acompanhando-a com o olhar. Corro e salto para não pisar na linha de fundo. Acerto a bola com a mão espalmada e ela voa pelos fundos do ginásio. Saque pra fora. Pego outra bola perto dos bancos da arquibancada e repito o processo. Dessa vez acerto a rede. A bola volta pra mim e eu vou para a terceira tentativa. Jogo a bola pra cima e corro, olhando-a virar no ar.
- É isso que você fica fazendo até essa hora na rua? – sua voz inconfundível chega aos meus ouvidos.
Eu quase escorrego no piso liso, perco o impulso da corrida, me atrapalho toda e recebo uma bolada na cabeça.
- Yoongi! – levo a mão até onde fui atingida – Como me achou aqui?
- Te segui – pega a bola que ainda quicava depois de bater na minha cabeça – Estive ocupado esse mês com umas músicas e o estúdio de um amigo, mas você não achou que eu fosse deixar uma menininha como você chegar em casa tão tarde todos os dias. Ou achou?
Fecho a cara na hora, esquecendo a vergonha de ter sido tão atrapalhada na sua frente.
- Eu não sou tão menininha assim quanto você acha. Já sei me virar.
- Você vai embora como? – brinca com a bola de vôlei entre sua mão grande, como se fosse uma bola de basquete.
- De ônibus ué – dou de ombros.
- Depois da meia noite? – me repreende.
- Dá um tempo Yoongi – cruzo os braços, olhando-o impaciente – Aliás, está aqui a quanto tempo?
- Assisti sua partida inteira. Você joga bem.
- Eu sei. Sou boa em esportes.
- Você joga bem vôlei – enfatiza.
Reviro os olhos.
- E o que você sabe sobre vôlei?
- O que eu assisti em Haikyuu* – sorri sem mostrar os dentes.
Franzo o cenho e passo a língua pelos lábios.
- Até que deve ser bastante então.
Ele ri fixando os olhos em mim. Antes que ele me responda uma terceira pessoa nos interrompe.
- Julia, não vai apresentar seu amigo? – Hye-Kyo se aproxima completamente vestida depois de tomar banho.
- Achei que você já tinha ido embora garota – eu não tinha caretas o suficiente pra distribuir pra aqueles dois.
- Ouvi vozes e resolvi voltar – sorri para Yoongi como se fosse amável e não uma insuportável – Sou Hye-Kyo – faz uma reverencia – Você é... ?
- Ele... é... ele é... quer dizer... esse aqui é... – gesticulo, gaguejo, mas não engulo a língua infelizmente.
- Min Yoongi – responde sério pra garota – marido da Julia – depois passa um braço sobre meus ombros e beija minha bochecha.
Sou pega completamente de surpresa pela atitude dele. Sinto meu rosto queimar então olho pra baixo imediatamente.
- Você existe mesmo então – ela arregala os olhos, mas exibe um sorriso cínico – Achei que era fruto da imaginação da desmiolada.
Respiro fundo. Hye-kyo tava querendo conhecer meu temperamento explosivo, a.k.a temperamento do satã. Não ia demorar muito.
- Não, ela não tem a imaginação tão fértil assim. Só dentro do nosso quarto mesmo – ele imita o sorriso cínico dela e agora eu era a plantação de tomate inteira.
Como ele teve coragem de dizer isso pra ela? Não tinha pudor nenhum e eu tinha por nós dois. Já Hye pareceu surpresa com a resposta, mas se divertiu ao mesmo tempo. Cínica, intrometida, duas caras e tudo o que tem de ruim no mundo. Uma menina super poderosa do mal.
- Você é engraçado senhor Min – faz um gesto exagerado e teatral, colocando a mão no peito – E muito bonito pra sua esposa. Merece coisa melhor.
- Isso sou eu quem decide. E eu sei que já achei a melhor – sem nenhum cuidado ou cavalheirismo ele a responde prontamente – você não estava indo embora? Eu estou afim de testar a imaginação da minha esposa fora do quarto.
- Yoongi... por favor... – peço baixinho e sinto seus dedos fazerem um carinho singelo no meu braço.
Hye-kyo solta uma gargalhada extremamente falsa.
- Tudo bem. Boa noite Min Yoongi – depois se vira pra mim – e quem não te conhece que te compre garota.
Eu queria responder com uns bons tabefes, mas com Yoongi por perto eu acabei me tornando a menina mais envergonhada da face da terra. Tudo o que fazemos é esperar até que ela suma de vista. Assim que ficamos sozinhos novamente ele se desprende de mim e eu o encaro confusa.
- Porque você fez isso?
- Isso o que? – indiferente ele volta a brincar com a bola de vôlei.
- Achei que não ia querer se apresentar como meu marido, muito menos falar essas coisas.
- Eu não ia deixar você ser menosprezada ou humilhada por aquela garota – faz um arremesso longo até a cesta de basquete – Além do mais, eu sou seu marido. Não sou?
O jeito que ele fala demonstra seu total e completo desgosto pelo seu estado civil. Parecia mais uma condição de doença venérea que literalmente enchia o saco dele. Eu apenas balanço a cabeça em afirmação e logo me dirijo até minha mochila para arrumar minhas coisas e ir embora. Sair daquele clube suada, fedida e descabelada. Discretamente dou uma fungadinha debaixo do braço e agradeço pelo desodorante ter o efeito prometido. Coloco a mochila sobre o ombro e bebo um pouco d’água da garrafa.
- Faz tempo que eu não jogo basquete...
Faço minha melhor cara de “uhum, legal” com um sorrisinho de boca entortada.
- Encara uma partida? – corre até o carrinho com os equipamentos e pega a bola de basquete sem esperar minha resposta.
- Essa hora?
- Eu estou de carro. Você não vai voltar sozinha, vai volta comigo.
- Se é assim...
Volto a colocar minhas coisas sobre o acento da arquibancada e me posiciono em frente a ele e de costas para a cesta. Ele ri desdenhoso.
- Não quer começar com a bola? Eu deixo.
Nem me dou ao trabalho de responder, só peço com um gesto de mão que ele prossiga e assim ele o faz. Batendo a bola devagar ele vai avançando com calma, me estudando. Eu só o acompanho, acercando seus movimentos bem atenta enquanto ele ria levemente. Min Yoongi dava um passo pra frente, depois dois pra trás me provocando e eu já não tinha muita paciência pra provocações. Num movimento rápido roubo a bola de sua mão e com três passos grandes faço uma cesta de bandeja. Quando volto a encará-lo ele parecia um pouco surpreso.
- Seu erro é não conhecer seus adversários Min Yoongi – sorrio vitoriosa pegando a bola e devolvendo pra ele, voltando a minha posição inicial – Eu joguei basquete no time titular da minha escola até a oitava série.
- Isso torna as coisas bem mais interessantes – sorri de canto.
Dessa vez ele joga de verdade. Bate a bola e avança sobre mim com velocidade. Min Yoongi não fazia o tipo cavalheiro nessas horas e isso era até que legal. Visto que eu não daria espaço pra uma jogada mais próxima a tabela ele arrisca por fora do garrafão. Ao acertar a cesta de 3 pontos seu sorriso irônico me manda um dis a lá Kim Kardashian. It’s on então coreano baixinho que se acha o Michael Jordan.
Eu faço o próximo ponto com um arremesso de uma mão só. Ele faz com duas. Eu faço uma cesta de 3 pontos e nós empatamos o jogo. Seguimos assim marcando ponto a ponto intercalados. Sabia que ele era bom por que já tinha o visto jogar, mas nós dois estávamos enferrujados. Inicialmente nenhum de nós queria perder, porém depois de uns 20 minutos de jogo e Min Yoongi sofrendo pra tirar o cabelo grudado na testa por causa de tanto suor nós começamos a ignorar as regras naturais do basquete.
- Saca só, sem olhar – ele vira de costas e tenta um arremesso por fora do garrafão.
A bola bate na tabela e quica sem entrar na cesta.
- Até que passou perto – rio alto.
Pego o rebote da bola e corro pra tentar mais um ponto.
- EI EI EI! Você andou com a bola – aponta o dedo.
- Claro que não garoto – paro minha corrida e só fico batendo a bola enquanto ele me bloqueia.
- Andou sim, trapaceira. Falta. Pode me dar a bola.
- Não – infantilmente eu mostro a língua.
Ele ri e eu tento passar pela sua direita. Sou bloqueada. Faço uma nova tentativa pela esquerda. Sou bloqueada. Finjo que vou girar pro lado esquerdo e tento virar pro lado direito. Sou bloqueada. Eu já não sabia se ria ou se tentava jogar de verdade. O negócio era tentar correr pra qualquer lado, então empurro Yoongi levemente com o ombro e corro em disparada ao redor do garrafão sem uma direção certa pra tabela. Meu empurrãozinho não adianta de nada e ele me segue sem problemas, quando eu pulo pra arremessar a bola ele agarra minha cintura, me prendendo. Com o impulso dos nossos corpos em movimento, acabamos girando e eu tiro meus pés do chão, praticamente erguida em seus braços.
Nós dois não conseguíamos parar de rir e honestamente eu nem sabia o motivo de tanto riso assim. Era só um joguinho idiota de basquete. Um primeiro momento de descontração entre nós. Nada forçado. Assim que coloco meus pés no chão seguro em seus ombros pra me equilibrar e nós nos olhamos. Eu ainda ria compulsivamente, mas o riso dele ia cessando aos poucos e seu olhar sério retornava. Sua expressão era calma e por um momento sinto um aperto leve de suas mãos em minha cintura. O único som no ginásio era o da bola batendo no piso e ecoando pelo lugar enorme cheio somente de expectativas. Minha vontade era ser beijada pela aquela boca linda de lábios macios, como naquele dia. Eu umedeço meus lábios e seu olhar parece ser atraído diretamente pra minha boca. Por um segundo sua cabeça se inclina em direção a minha.
“Yoon-he... isso foi bom...”
Minha memória relembra. E logo em seguida sua mais recente demonstração de afeto ecoa mais alto do que o barulho da bola:
“Além do mais, eu sou seu marido. Não sou?”
Ele não queria que aquilo acontecesse. Yoongi não queria me beijar de verdade e eu não queria sentir aquela dor no peito de novo tão cedo. A única coisa que eu faço é abaixar minha cabeça e me desvencilhar de seu corpo.
- Está tarde. O clube deve estar pra fechar.
Pela milionésima vez eu me pergunto: por que ainda continuo com esse casamento?
Antes de pegar minhas coisas me sento ao lado da minha mochila, me permitindo descansar um pouco. Afinal tinham sido horas de treino sem parar. Ofegante Yoongi se senta ao meu lado.
- você tem que treinar amanhã? – ele apóia as mãos nos joelhos e me encara de lado com um sorriso encantador - É que eu queria te levar num lugar.
Imediatamente meu coração acelera e a resposta que eu queria me arrebata. A razão de tudo estava ali bem na minha frente, estampada naquele sorriso.
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