- Mas a gente pode marcar uma segunda reunião. Discutir mais algumas mudanças, acrescentar algumas faixas ou substituir outras. Eu tenho várias idéias – insisto ao telefone.
Enquanto segurava o aparelho na orelha, mantinha a cabeça baixa e a mão livre apertava incansavelmente o botão da caneta. O nervosismo me deixava cada vez mais impaciente com aquela conversa. Do outro lado da linha o produtor de uma gravadora famosa negava veementemente qualquer uma das minhas iniciativas, investidas e soluções. Ele realmente não queria saber de trabalhar comigo.
- Tudo bem então. Eu agradeço pelo seu tempo – espero que o homem se despeça e finalizo a ligação completamente frustrado.
Eu planejava não deixar mais aquelas coisas me afetarem pessoalmente, mas era foda ficar ouvindo “não” atrás de “não”. Toda vez parecia um convite pra desistir de tudo e voltar rastejando pra casa, pedindo por misericórdia. E toda vez era a certeza de mais duvidas. Duvidas sobre minha capacidade, sobre o meu talento, sobre continuar naquele caminho. Eu estava cometendo um erro?
- Toc Toc! – alguém simula batidas na porta, me fazendo virar na cadeira.
- Julia? A gente não combinou que eu ia te pegar no seu apartamento? – pergunto com o cenho franzido, deixando o telefone de lado.
- Achei que seria legal te fazer uma surpresa no nosso primeiro encontro – abre um sorriso tímido e encantador.
- E eu achei que você queria um namoro normal com clichês e flores e jantares a luz de velas.
- Me dá algum crédito vai. Nem antes do nosso casamento eu achei que você fosse um garoto de flores e clichês.
Julia entra no estúdio pequeno e se aproxima, sentando-se no meu colo de lado. Trocamos um selar rápido e ela me encara de perto, parecendo me analisar como sempre fazia antes e como sempre continuará fazendo. Uma de suas mãos alisa meu ombro e eu não conseguiria esconder mesmo que tinha algo me incomodando. Eu já era bem transparente pra qualquer ser humano comum através das minhas expressões e reações imediatas, mas pra Julia eu era mais transparente que a capa de invisibilidade do Harry Potter.
- Aconteceu alguma coisa? – pergunta baixinho.
- Mais uma rejeição. Sabe como é... mais um dia comum no escritório – ironizo, dando um sorrisinho sem graça.
Seus braços envolvem meus ombros completamente agora e sinto seu beijo quentinho na minha bochecha. Tudo que faço é um carinho singelo em sua cintura, sem muito ânimo.
- Você quer adiar o encontro? A gente sai outro dia, eu vou entender.
Faço que não com a cabeça imediatamente.
- Eu não quero ficar naquela casa sozinho pensando que eu sou um merda. Melhor a gente sair e aproveitar o sábado a noite.
- Tem certeza? – afasta meu cabelo da minha testa e eu só respondo com uma afirmativa – Tudo bem, vamos esquecer um pouco tudo isso – e se levanta mais uma vez.
Em um minuto pego minha carteira e o celular e já estávamos prontos pra sair.
(...)
Após saltar do carro ela me alcança e eu pego sua mão imediatamente para caminharmos até o restaurante. Julia parecia animada, sorrindo bastante de cada detalhe, as vezes até parecia querer saltitar ao meu lado. Aquilo até que estava me ajudando a esquecer minha depressão de fracassado. Surpreendente! Eu não achei que fosse funcionar.
- Olha, é um lugar pequeno menininha. Um restaurante bem simples, meio pra ralé sabe? Eu não tenho dinheiro...
- Tigrão... eu não me importo com essas coisas. Você sabe que eu nunca liguei pra coisas caras, de marca ou ostentar dinheiro. Não me importo de estar em qualquer lugar se for com você.
Agora eu sorrio abertamente, olhando pras listras da calçada enquanto andávamos.
- Você é real mesmo? Até pros padrões femininos, você parece de mentirinha. Quem fala assim? – pergunto nada sensível, deixando-a meio envergonhada, mas na verdade eu estava realmente admirado – Você não tem vergonha de falar o que sente, ou o que quer. Não tem vergonha de se expor e nem faz joguinhos. É tão sincera...
- Eu sou? – não consegue esconder o sorriso de criança.
- É, sincera de um jeito diferente de mim. Meio que meu oposto. Eu sou sincero e idiota na hora de falar as coisas ruins que eu sinto. Você é boa... simplesmente boa e não é daquele jeito chato – eu tava me enrolando ali, e estava ficando ridículo – Quero dizer que você parece uma protagonista. Sabe?
Claro que não sabia! Ninguém era capaz de entender o que eu tava falando.
- E você falou que não era bom com esses romances Yoongi – da uma risadinha ao balançar nossas mãos.
E foi minha vez de ficar envergonhado. Não era muito minha praia mesmo sair por ai falando essas coisas bonitinhas e fofinhas e romantiquinhas, ou qualquer coisa que desse pra terminar com “inha”.
- Pera... vou guardar essas bobagens pro jantar – faço uma careta enquanto abro a porta do restaurante pra ela.
Julia da uma risada sonora e entra no lugar sem reparar muito em nada ao redor. Era pequeno, mas era aconchegante. Pelo menos ia dar pra ficar tranqüilo com ela, sem me importar com mais ninguém me medindo pelo o que eu visto ou julgando se tenho dinheiro ou não. O kimchi era bom e tinha bebida, tudo o que eu ia precisar naquele fim de dia: comida, álcool e ela. Nos sentamos numa das mesas do fundo e eu imediatamente me escoro na parede, puxando Julia para se sentar ao meu lado. Ficamos em silencio olhando o menu com poucas opções. Teokboki, não. Bibimbap, não. Doenjang jjigae, não também. Não, não, não, não. “Nossa direção criativa NÃO segue o mesmo caminho no momento Sr. Min”. Ta, o foco era me distrair daquilo e dar um primeiro encontro legal pra minha namorada. Mais uma coisa na qual eu estava fracassando. Pedimos arroz com alga, kimchi e uma garrafa de soju pra mim.
- Vai continuar com essa bobagem de que eu não posso beber?
- Você não tem cara de que gosta e combina com essas coisas Julia – arqueio a sobrancelha.
- Eu não gosto de ficar bêbada, mas gosto de beber um pouco socialmente. É gostoso – da um gole na minha bebida e não faz nenhuma careta.
- Ta bom, a gente divide. O que mais eu não sei sobre você?
- Tudo??? – sua vez de ser irônica – Acho que você não tem ideia de nada que eu gosto, nada do que eu já fiz na minha vida, nada do que eu quero fazer.
- Mentira, eu sei de algumas coisas.
- Você sabe que quando eu me formei era a primeira da turma na escola? Sabia que eu já pratiquei vôlei, basquete, handebol e futsal? Eu estudei inglês durante todo o período escolar em aulas extra curriculares e fiz três anos de italiano. Eu nunca viajei, quase nunca sai daquela casa, nunca fui em festas de amigos da escola. Na verdade nunca tive amigos na escola. Na sala de aula eu era a nerd que passava mal toda vez que tinha prova porque eu não podia tirar nota baixa, meu pai só me notava quando eu perdia pontos nas médias e não era uma forma legal de chamar a atenção dele porque eu me sentia humilhada. Por causa disso eu não tinha tempo pra muitos amigos e ninguém também queria ser minha amiga.
- Eu sempre soube que você era a louca dos estudos e do jeito que sempre te vi solitária na sua casa já dava pra imaginar que fazer amigos não era muito seu forte. Senão, você não teria visto nada de mais em mim desde o começo – empurro levemente seu ombro com o meu – Mas a sua situação familiar, eu tenho que admitir, não sabia que era tão parecida com a minha.
- Não é. Você teve uma relação legal e afetuosa com seus pais por certo tempo, eu não lembro de ter tido um pai em nenhum momento importante da minha vida.
- Como vocês estão depois daquele dia na festa?
- Quase não nos falamos. Ele só me ajuda financeiramente e eu me sinto meio mal por isso, mas não quero desistir da faculdade. Sozinha eu não teria dinheiro pra pagar – apóia o queixo na mão, desviando o olhar.
- Eu sei como se sente – passo um braço por trás de seus ombros, puxando-a pra mais perto – Mas isso não tira nenhum dos seus méritos. Dinheiro é só um detalhe.
Ela concorda meramente com a cabeça e lança um novo sorriso em minha direção.
- Ta, agora me conta seu sonho. Já que eu não sei de nada.
- Antes meu sonho era ser médica e ficar com você – entorta a boca e naquela pose aquilo era o aegyo perfeito.
E eu nem era fã de aegyo, mas aquele gesto me fez abrir um sorriso involuntário.
- Antes? E agora qual é?
- Acho que ser médica e ficar com você – finge uma expressão de surpresa, como se tivesse acabado de descobrir o que é H2O.
- Isso eu já sabia – reviro os olhos, irônico como sempre e aquilo arranca uma risada gostosa dela.
Risada que eu só calo com um beijo.
(...)
- Você era goleira? Com esse tamanho todo? Goleira? – pergunto tirando sarro.
- Olha quem fala... faz de conta que você é o Michael Jordan. Eu sou uma ótima goleira porque eu sou ágil. Ser pequena não importa.
- Ta bom, me convenceu. Mas doramas Julia? Fala sério...
Nós estávamos andando sem rumo a um bom tempo depois que saímos do restaurante e acabamos indo parar num parque comum pra crianças. Àquela hora da noite o parque estava cheio de gente e umas pessoas que faziam musica ao vivo por diversão. Julia disse que naquele lugar era comum gravarem k-dramas e estava toda animada de conhecer ali finalmente.
- Você gosta de filmes do Tarantino e eu gosto de doramas, o que eu posso fazer? É um vicio incurável.
- Você é muito menininha mesmo – rio e ela só afirma fazendo uma careta boba.
Paramos por alguns instantes próximos a roda de pessoas e por alguns instantes só ouvimos a música. Os caras eram bons e sem perceber acabo completamente absorto, balançando a cabeça no ritmo. Passei um minuto inteiro sentindo que o planeta terra não tinha gravidade, até um aperto mais forte da Julia me grudar no chão novamente.
- O que foi? – pergunto.
A resposta não vem da minha namorada.
- Não importa quão grande seja Seoul, a gente sempre vai se encontrar se estiver no mesmo país Yoongi – Yoon-he diz cruzando os braços e parando ao meu lado.
- Ei! Isso aqui num é muito mundano pra você não?
Ela passa a mão pelos cabelos e ali no meio de todo mundo, ela parecia mesmo uma atriz de dramas coreanos. Ou até mais bonita. Ahhh, alerta de menininha soado. Julia tinha se encolhido e ficado cabisbaixa no minuto em que viu Yoon-he.
- Eu avisei que isso aqui não era lugar pra pessoas como nós, mas a Yoon é teimosa – Yesung surge do inferno acompanhando-a.
Wtf? O que ela tava fazendo com aquele moleque idiota?
- Yoon-he que porra é essa? O que está fazendo com esse cara?
Assim que a pergunta sai de meus lábios, Julia solta minha mão.
- Ele queria conversar sobre uns assuntos pessoais, me chamou pra sair e eu aceitei. Yesung tem bons contatos no nosso meio – ela explica como se não entendesse qual o problema.
Imediatamente puxo-a de canto, deixando o garoto idiota com um sorriso sínico nos lábios. Ele sabia que eu tinha tudo contra ele, mas no momento eu tava mais preocupado em não deixar Yoon-he fazer a maior merda da vida dela caindo na lábia de um oportunista.
- Cara... foge, corre daqui agora e deixa o Yesung pra trás. Os únicos bons contatos que ele tem são dos maiores fofoqueiros da elite. Ele ta quase falindo a família dele com um monte de festinhas, bebidas e drogas. Ta tentando dar o golpe do baú desesperadamente. Ele faz isso ate com a Julia mesmo debaixo do meu nariz. Não é possível que ninguém tenha te falado nada dele... Yesung só entra nas festas e participa do circulo social de vocês porque ainda tem o sobrenome que tem – falo rapidamente adjetivo por adjetivo. Fato por fato. Segurando com firmeza o braço dela.
- Calma Yoongi. Eu não vou fazer nenhuma besteira. Acho na verdade que sei até mais coisas que você.
- Que coisas? – pergunto surpreso.
- Não posso afirmar nada, mas ele ta mesmo envolvido num esquema desses pra desviar dinheiro. To só me fazendo de burra, só que você pode me dedurar agora – me fuzila com os olhos.
Yoon-he estava mesmo virando uma dessas empresarias fodonas. Talvez até fosse capaz de tirar o posto do pai da Julia em breve.
- Desculpa, eu não sabia que você tava virando a espiã industrial pica das galáxias. Darth Vader do Palpatine - Yoon-he não segura a risada alta, só que eu tava falando super sério – Volta lá pro seu serviço secreto, James Bond.
Quando me viro, antes mesmo de voltar ate ela, percebo pela sua expressão que Julia não tinha gostado nada daquilo.
(...)
Não falei nada. Ela não falou nada. E assim subimos até o apartamento. Julia destrava a porta e se vira pra mim com a melhor das intenções de simplesmente se despedir e entrar sozinha, mas quem disse que eu ia deixar por isso mesmo? Surpreendo-a com meu aperto em sua cintura, tiro-a do chão e entro no apartamento com a menininha no colo. Aquele encontro começou comigo mal e terminou com nós dois igualmente enfezados. Legal! Ninguém avisou que pra ser um casal normal a gente tinha que ter sorte também. O problema é que sorte e Min Yoongi nunca cabiam na mesma frase. Bato a porta com o pé e roubo vários selares, no seu bico emburrado.
- No final do primeiro encontro nem sempre rola sexo, mas geralmente rola uns amassos – falo apertando-a em meus braços enquanto caminho até o sofá.
- A gente não tem vocação pra ser normal mesmo. Melhor desistir.
- Concordo – coloco-a no chão – Não fica com ciúmes dela. Você sabe como Yesung é, só achei que deveria alertá-la.
- Eu sei... mas ela tinha que ser tão linda? – abaixa a cabeça e eu não evito um sorriso.
- Ela nunca vai ser você – seguro seu rosto entre as mãos e beijo sua testa.
Só com meu gesto simples Julia já relaxa e me alivia. Tudo que eu menos precisava era uma briga por ciúmes pra fechar meu dia de “não” com chave de ouro.
- Posso passar a noite? – pergunto assim que ela volta a me olhar – Aquela droga de trabalho não sai da minha cabeça, eu só quero ficar com você... sem sexo. Não precisa rolar nada, só... quero... te abraçar.
Ela morde o lábio e eu tenho a impressão que se não fosse por aquilo eu teria visto o maior sorriso já registrado na história. Rapidamente ela me puxa pra sentar no sofá e se senta no meu colo, colocando as pernas pra cima. Deito a cabeça no seu ombro, abraçando-a de lado. Julia começa um cafuné lento que me faz fechar os olhos. Aquilo tinha o mesmo efeito que musica em mim. Assim ela me conforta.
- Acho que mudei de sonho – murmura, sem saber se eu ia dormir ou não.
- Mudou? Tão rápido? – respondo sem mudar de posição um milímetro sequer.
- Meu sonho é ver você realizar o seu sonho.
- Não quer ficar comigo?
- Quero. Só que eu percebi que ver você realizar seu sonho é mais importante. Estando comigo ou não, eu sempre vou querer que você seja feliz.
Ta ok, agora eu tinha que olhá-la.
- Te deixar orgulhosa é o meu sonho. Fazer valer a pena é o meu objetivo.
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