Jay
Café da manhã.
Este sim é um termo que há muito não era ouvido por mim e por meus amigos. Para aumentar ainda mais a estranheza entre nós, todos os outros moradores daquele prédio gigantesco estavam presentes, falando alto demais e se movendo de um lado para o outro entre as meses distribuídas pelo espaço amplo.
Longas fileiras de mais ou menos dez dessas mesas na lateral, e o mesmo número na vertical, somando em cem delas que se encontravam, em grande maioria, verdadeiramente vazias em relação ao esperado de um lugar tão grandioso e cheio de comida, das mais variadas, desde pães frescos a bolos pequenos que eram divididos e consumidos pelos jovens ali presentes.
Todas as paredes deste lugar seguiam o mesmo padrão sombrio e cinzento, literalmente, em altura exagerada e em tons cinzas e pretos que se distribuíam ao longo a sala. Além das clássicas portas de vidro espessas, que provavelmente serviam para que os mais velhos ali nos vigiasse com mais frequência, ou talvez, eu estivesse tão centrado e acostumado com alguém me observando a cada segundo, que imagino que isso vá acontecer em cada canto em que colocarmos os pés.
Sempre observados, testados, usados, e quando já não mostrávamos resultados que satisfizessem os números estipulados por seja lá quem comande esta rede de criação de monstros, nos davam apenas um fim: eliminados. Mortos por não mostrar nenhum talento, uma força que lhes pudesse ser útil, e para dizer a verdade, me orgulho por não ter passado nos testes.
E ainda que já não esteja no orfanato, sei que alguém estará espreitando em alguma sombra, aguardando pelo primeiro deslize que faria com que pudéssemos cair em suas mãos. Por isso me preparo para o dia que precisarei tirar os garotos deste lugar cinzento, porém, pelo lado bom de toda essa história, ao menos aqui não estamos dopados o tempo todo.
— Ficar olhando para a torrada não fara com que ela vá até a sua boca — levantei meus olhos até o garoto sentado em minha frente, com trajes completamente pretos e feitos em tecidos grossos, apenas a camiseta destoava de tudo, com seu tecido leve. — Se alimente Jay, não conseguirá treinar se não tomar o café da manhã.
— Acho que já estou satisfeito — entoei, afastando o prato de minha frente, este que foi pego por Jake, que colocou o pedaço de pão junto dos outros que devorava com vontade. — Que horas se inicia o tal treinamento? — Sunghoon deu de ombros, levando um pouco de suco de laranja até seu copo, o enchendo até o topo.
— Começa quando a anciã Ailee nos chamar, o que vai acontecer lá pelas nove da manhã — me virei, encarando a garota que se sentou ao meu lado de repente, colocando sua bandeja cheia de comida em cima da mesa. — Bom dia, Jay. Bom dia, pessoal! — Todos lhe responderam com entusiasmo, já eu rolei os olhos ao notar diversos de seus seguidores fieis a imitarem, tomando lugares próximos aos meninos. — Cara fechada a esta hora da manhã? Isso não faz bem a ninguém, Park!
— Já se passaram das nove, Mary. — Respondi a ela, que pareceu verdadeiramente surpresa ao receber esta notícia vinda de mim. — Você nunca vai aprender a acordar cedo, não é mesmo?
— Não deixe esse cara falar assim com você, capitã! — Disse uma garota ao lado de Ni-Ki, esta que realmente pareceu ofendida com meu comentário. — Até parece que ele te conhece o bastante, ou que foi seu mestre em algum momento!
— Mas ele foi meu mestre por muito tempo, se não fosse pelo idiota do Jay, eu seria apenas uma cuspidora de fogo — Mary deu de ombros, se voltando para o próprio café da manhã. — E não, eu nunca acordarei cedo a menos que seja de extrema necessidade!
— A luz do dia é um recurso precioso para treinamento, você sabe bem disso — ela deu de ombros mais uma vez. — Como funciona? O treino com a anciã Ailee?
— Modo clássico, Jay. Você e sua arma preferida, a ajuda de seus poderes, se você souber quais são. E a anciã nos rondando o tempo todo para avaliar o desempenho, dando uma dica aqui, um puxão de orelha lá — balancei a cabeça em entendimento, o mundo poderia caminhar três mil anos a frente que funcionaria desta forma. — Acho que está dando nossa hora, os meninos que vão treinar normalmente, sigam por onde entramos ontem, vocês três, me sigam!
Os garotos não ousaram desobedece-la, caminhando em fila junto de todos os outros que podiam usar roupas mais leves e confortáveis, e não estas calças grossas que pinicam onde não deveriam. Corri os dedos pela superfície lisa da jaqueta, buscando pelo zíper de metal, o qual subi até a altura do pescoço, o fechando por completo, e somente então segui Mary na direção do treinamento com Sunoo e Sunghoon em meu encalço.
A caminhada durou cerca de dois minutos, estes que rederam estranhamento de Sunghoon. Os jovens ali dentro o faziam perguntas como: você era mesmo um lorde? Tinha que usar uma coroa? Como é Veneza?
Isto já estava o deixando desorientado, coisa que me fazia rir algumas vezes, ele nunca foi acostumado a responder este tipo de coisa, pois sempre me teve para fazê-lo para si. Mas já que ele próprio deixara claro na noite anterior que já não é mais um lorde, procurei deixar parte de minhas obrigações de lado, como, por exemplo, responder perguntas chatas e atender seus admiradores e garotas que suspiravam por sua beleza estonteante.
Parei ao alcançar a porta do local de treinamento, uma arena pra ser mais especifico. O terreno coberto de pó e terra com alguns trechos feitos em pedra e o material cinzento das paredes. O formato arredondado tornava tudo ainda mais parecido com os tempos antigos, com um local de treinamento no palácio Ducal, onde Sunghoon, Mary e eu treinávamos quando mais jovens. Não esperei muito ao tentar guardar cada trecho daquele espaço em minha mente, não deixando nenhuma curva do terreno ou displicência do muro escapar.
— Precisamos de armas — disse Mary, seguindo na direção de onde eu esperava ser a sala de lâminas. — O Lorde Sunghoon usa facas – disse a garota, ao chegar no local dito. Paredes se enchiam das mais variadas armas, desde espadas de corte longo até o mais delicado punhal duplo.
A garota entregou a Sunghoon um conjunto de adagas de lançamento em tom prateada, lindas e extremamente afiadas, as melhores presentes ali dentro, e ele pareceu hesitar um pouco ao pegá-las das mãos hábeis de Mary, mas logo depois a agradeceu com um aceno.
Já a mim, a garota sinalizou para que escolhesse a que preferisse, me movi por entre as prateleiras de ferro, buscando primeiro por uma espada longa, escolhendo uma de cabo feito em couro preto e com uma pequena pedra de safira encrustada, o fio cortante dividida em uma folha dupla e prateada, com a guarda em couro com algumas insígnias antigas das quais eu desconhecia, idêntica a minha antiga arma. Logo depois optei por duas facas, as quais prendo nos tornozelos e uma menor, que eu guardaria próximo ao pulso apenas por precaução.
Prendi a guarda da espada, afivelando todas as bainhas das armas em meu corpo nos locais a qual fui instruído quando mais jovem. De repente notei Mary olhando para Sunoo com uma expressão de dúvida, e somente aí me lembrei que ele nunca havia usado uma arma em sua vida.
— O que daríamos a um alfaiate? — Perguntou ela, e logo depois deixou que os olhos espertos percorressem cada uma das armas presas a mim com cuidado extremo, como se estudasse um possível inimigo. — O que acha, Jay?
— Boleadeiras — sugeri, dando de ombros logo em seguida. — Sunoo sabe lidar com fios, carregava coisas pesadas o dia todos, deve saber equilibrar peso. Teremos que ensinar a ele como elas funcionam...
— Eu caçava com meu pai quando era pequeno, sei usar boleadeiras. Quer dizer, sei o básico sobre elas — o garoto pareceu animado com a ideia, e confesso que ele se assustou um pouco ao ver o tamanho das esferas que estavam penduradas nas cordas da arma, mas ainda as pegou, com um sorriso tímido, das mãos hábeis de Mary.
— Então vamos! — Falei a eles, e sai pela porta em direção a poeira da arena. — Sunghoon, fique próximo a mim. — Falei ao garoto, que apenas concordou com a cabeça. — Sunoo, nossas armas são muito diferentes, mas você sabe lidar com fios, peso, equilíbrio. Tudo se trata disso, mantenha a perna de apoio e sempre use seu olho dominante para a mira, é tolice usar os dois olhos para isso. Cuidado. – Ele concordou, e engoliu em seco quando partiu na direção onde outros soldados com armas parecidas com a dele estavam.
Desde ontem a tarde o garoto havia melhorado muito em relação as medicações que davam a ele, é claro que vez ou outra Sunoo ainda se recusa a soltar o ursinho de pelúcia, e só o fez nesta manhã após Jungwon dizer a ele que o brinquedo poderia rasgar no treinamento. Ele concordou com custo, e o trancou dentro do próprio armário, para logo depois descer para o café da manhã, onde comeu de forma satisfatória. Logo o garoto estaria melhor.
— Vamos? — Perguntou Mary, nos guiando em meio as pessoas que treinavam naquele campo, na direção dos alvos para atiradores de facas. — Mostre sua habilidade, Sunghoon, eu e Jay temos um assuntos para resolver! — O garoto concordou, e passou a encarar os tais alvos com afinco, já eu sorri de canto, mantendo a postura. — Estou te esperando, Park...
Antes que ela concluísse meu nome desembainhei a espada com rapidez, a atacando em questão de segundos com uma finta meio desajeitada, e que ainda assim pareceu diverti-la o bastante para que a garota puxasse a própria espada para defender um golpe.
— Nada mal, mas ainda assim você sempre usa os mesmos golpes — disse ela, devolvendo o golpe de espada, e logo depois outro pela esquerda. — Vamos lá, Jay Park!
Não permiti que Mary vencesse minha guarda, levantando a espada de modo que as duas armas colidissem com um som estridente, forte demais, intenso e sem nenhum cuidado: exatamente da maneira que eu gosto em uma luta!
Em meio a arcos e fintas duplas Mary girou, acertando um chute em minha mão, e por consequência me fez soltar a espada, droga. Me desviei de seus golpes com rapidez, sentindo muitas vezes o corte da lâmina próximo a minha pele, ao rosto, cortando as roupas novas de treino, o que, com toda a certeza, é uma coisa gravíssima.
Optei por passar a dar passos para trás em busca de apoio, qualquer coisa que fosse longa o bastante para distrair o corte da espada que Mary usava para me atacar. E foi exatamente quando notei Sunghoon acertar a primeira faca no alvo de madeira, o que já é um avanço, que também notei onde a espada estava caída.
Duas chances, ou eu rolava e a pegava para ter alguma chance, e levava um golpe atordoante de Mary, ou perdia esta luta de forma vergonhosa. É claro que optei por buscar pela arma.
Joguei meu corpo de forma que ele se inclinasse, rolando em direção a espada e a peguei logo em seguida, como dito nem mesmo notei quando o pé direito de Mary veio em minha direção, acertando meu rosto com violência, além da risada ritmada que saiu de seus lábios.
— Está enferrujado, Jay! Você sempre me vencia nos treinos! — Ela sorria, vitoriosa ao ver o sangue escorrer quente por meu queixo. — Levante, quero ver até onde vai!
— Se lembre de quem lhe ensinou este golpe – sussurrei, de forma que a garota pareceu confusa ao ouvir o que disse a ela. — Sua boca grande sempre foi seu maior defeito, Mary.
Então ataquei, correndo em sua direção com uma velocidade bastante descente para alguém que deveria ser um vampiro, e quando a garota esperava que eu lhe atacasse com a espada na direção de sua cabeça, deslizei, acertando seus pés com impacto o bastante para que ela se desiquilibrasse. Prendi suas pernas com as minhas, e a puxei para baixo, fazendo com que seu corpo atingisse o chão.
Tentei agir rápido o bastante para prender seu corpo com o meu, mas a falha aconteceu justamente quando a garota segurou meus ombros com força.
— Eu disse! Seus golpes nunca mudam, Jay! – Ela forçou meu corpo, trocando nossas posições, e mantendo aqueles olhos belíssimos próximos demais dos meus.
— E você sempre cai em cada um deles, mesmo que eu o faça — Mary deu a língua, e sorriu como se a vitória para este embate já lhe fosse certa. — Se conhecesse meus golpes, preveria este.
— O que... — Aproximei meus lábios dos seus, e como sempre Mary fechou os olhos esperando pelo toque, pela sensação. Fofa e linda, como se uma deusa guerreira se tornasse uma adolescente apaixonada em questão de segundos, criando uma expectativa que fiz questão de quebrar quando troquei nossas posições, desta vez prensando suas pernas e segurando suas mãos acima da cabeça. — Park!
— Touché! — Respondi, brincalhão, notando seus olhos verdes se tornarem irritadiços, como de uma pantera me olhasse prestes a arrancar meu pescoço, e ela faria isso, em noventa por cento por eu tê-la enganado em relação ao beijo. — Agora vê o quanto é frustrante o seu “truque”.
— Idiota! Presunçoso! — Praguejava ela, causando uma risada soprada vinda de mim. — Saia de cima de mim, Park, e eu lhe darei uma lição! – Balancei a cabeça negando, a irritar sempre foi um de meus passatempos favoritos.
— Se acalme — disse a ela, pronta para acertar meu rosto com a testa, mas foi interrompida por uma voz divertida, e com um sotaque diferente do Italiano.
— Se continuar desta forma, teremos um candidato forte a se tornar capitão! — Disse a anciã Ailee, passando próxima a nós em passos lentos e ritmados, enquanto observava nosso confronto. — Parem de birra e passem para outro treinamento! — A obedecemos de pronto, nos sentando no chão empoeirado.
— Você não cansa de se tornar um líder rápido? Que droga! — Balancei a cabeça em negação, me apoiando nos cotovelos enquanto recuperava o fôlego. — O que foi? Você não treinava lá?
— Eu era um erro, treinei por algum tempo, mas após isso o máximo que fazia era a força e a mira — falei a ela, que me olhou curiosa. — Aquele era o dia da eliminação, o que vocês chegaram, eles acabariam com Sunoo, Heeseung e comigo.
— Imaginei — disse a garota, se aproximando de meu corpo como costumávamos fazer quando mais novos, quando eu passava um braço por seu ombro, ou a arrastava pelas pernas na direção do treino. — Eu estava te procurando, todo este tempo. Mas os vestidos de preto eram muitos, era difícil saber... — Mary disse, dando de ombros.
— Não se preocupe, me encontrou a tempo — Mary sorriu, e desta vez apoiou a cabeça em meu ombro. — Senti sua falta, coisinha teimosa, senti sua falta todos os dias.
— Apenas, não suma daquele jeito e novo, está bem? — Me virei minimamente, olhando em seus olhos neste instante. — Eu não aguentaria isso uma segunda vez, Jay...
— Eu ficarei aqui Mary, ao seu lado... — Respondi, desta vez fazendo questão de deixar um beijo breve em sua testa. — Estarei aqui quando precisar.
— Espero que sim, ou eu mesma o matarei por me deixar! — Ri baixo, e me levantei com um impulso. — Me dê a mão! Te mostrarei a parte das máquinas destes últimos séculos! Você vai gostar, ou não.
A obedeci, a ajudando a se levantar com um puxão firme e sua mão. A garota logo saiu caminhando na direção dita, se virando apenas uma última vez para me chamar com a cabeça para segui-la.
Busquei por Sunghoon, que conversava com a anciã, esta que parecia dar alguns conselhos para o rapaz sobre como atirar as facas e este tipo de coisa. Sorri. E segui Mary na direção das tais armas.
Eu a seguiria para qualquer lugar que fosse necessário.
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