Envolver(-se)
verbo
1.
transitivo direto e bitransitivo e pronominal
cobrir(-se) [com invólucro]; embrulhar(-se).
2.
transitivo direto e bitransitivo e pronominal
manter(-se) encoberto; esconder(-se).
Draco sentia medo.
Pavor se fosse sincero consigo mesmo.
Em seu âmago ele tinha plena ciência de seu erro, não deveria nem em pensamento ter retornado àquele episódio na Sala Precisa. E mesmo que repetisse a si mesmo, quantas vezes possíveis, que sua ação foi um ato de desespero, afinal fora mesmo, canalizar todo e qualquer sentimento para si deixando as coisas mais fáceis para as crianças, ainda sentia seu corpo tremer e as bochechas esquentarem, morrendo de medo e vergonha.
Beijar o eleito foi seu sonho molhado de adolescente mais vezes do que gostaria e do que poderia contar, mais vezes do que seria honrável.
Mas ele não ligava, de modo geral era algo que passava apenas dentro da sua mente, como um refúgio, a sua própria realidade paralela, e nessa outra versão da sua vida, ele poderia namorar o salvador, rir com os grifinórios, fazer pegadinhas e até mesmo convidar seus amigos para irem passar uma tarde divertida na mansão. Ali podia tudo, enquanto na realidade não poderia nada, e tudo bem pois era ali em sua mente, onde controlava tudo.
Controlava as ações das pessoas ao seu redor e seus próprios sentimentos sobre elas.
Até aquele dia.
Até ter os lábios de Harry Potter nos seus, quebrando todo e qualquer argumento milimetricamente criado em sua mente sobre ser platônico seus sentimentos. Até aquele mísero momento mudar tudo adormecido e jogar para longe de dentro de si.
O momento em si foi horrível, os gritos, os escombros, e o cheiro chamuscado com fumaça ainda pairava, estava sendo beijado depois de quase morrer, estava ali realizando uma fantasia antiga depois de ver seu amigo queimar vivo. Havia tanto ali para tornar o momento terrível, mas o estômago de Draco vibrava e sua boca correspondia ao toque como se nada importasse.
De certa forma, não importava mesmo, naquele dia Malfoy tinha certeza que sairia morto.
Potter quase o matou um ano atrás, Malfoy quase jogou uma imperdoável nele.
Potter o salvou da morte, e Malfoy os protegeu na mansão sem hesitar ou pensar sobre.
E agora tinha seus lábios pressionados contra os do menino-que-sobreviveu.
Mesmo que fosse muito para processar, respirou fundo e foi ajudar a livrar os sonserinos da masmorra depois de ser beijado. E fez de tudo para não se apegar àquele rascunho de beijo com o moreno de olhos tempestuosos, focou em tudo menos naquela despedida sutil, fez de tudo dentro de si para não reviver o momento e mais que isso, para não surtar com o sorriso singelo que o homem deu antes de correr em direção à morte pela milésima vez nos últimos anos.
Draco quis ter esperanças ao mesmo tempo que não as nutria, passou os dias na prisão suja sem comer, pensando em sua mãe, amigos e naquele beijo. Esperanças, mesmo que negasse ele a possuía, algo nele ainda acreditava que teria sua mãe em casa, ainda veria seus amigos e talvez, pudesse beijar Harry Potter novamente, nem que fosse por dó, mais uma única vez, rápido e longe da mídia, ele se prestaria ao serviço pelo conforto do contato. Engoliria as migalhas de orgulho que lhe restava por isso.
Mas nada disso ocorreu.
Invés disso, seu pai foi sentenciado a torturas, interrogatórios intensos e prisão perpétua. Sua mãe por muito pouco não obteve o mesmo, mas o depoimento de Potter a deixou com apenas uma fiança altíssima e reclusão em casa.
Para si o juiz guardou interrogatórios com autorização aberta para uso de força maior, ou seja, poderiam o torturar até que ele cedesse uma informação.
Só havia um único problema com tudo isso, o menino não sabia de quase nada, então não importava o nível de tortuta, não tinha o que retirar de si. E para coroar sua sentença, como medida de realocação de réu, havia a taxa obrigatória em seu retorno a Hogwarts.
De repente a tortura pareceu pouca coisa com o que lidar. Ele não gostaria de ir para aquele local novamente.
Entretanto, estava feito. O julgamento foi encerrado.
Draco lembrava muito bem de sair apático daquela sala, ver seus pais serem arrastados como bichos, enquanto ele era xingado pelo público por não ter o mesmo tratamento, até hoje o revirava o estômago e deixava náuseas para trás. Tudo naquele dia horrendo deixava o loiro em estado de subsistência.
O menino tinha dito para si que o dia não podia piorar, mas como tudo sobre sua vida estava errado, o trio de ouro vinha em sua direção.
Ronald Weasley parecia sem forças, como se respirar fosse a tarefa mais difícil do universo, Hermione Granger possuía um semblante cansado, triste mas um sorriso complacente, e ele, Harry Potter no centro deles, caminhava sem muita vontade e uma feição neutra, como se o mundo fosse seu inimigo mas ele se saísse bem em vencer.
Malfoy se sentiu pequeno contra eles, o poder e confiança que exalavam mesmo sem qualquer esforço. Quis fugir, ele facilmente se esconderia no banheiro, mas precisava agradecer, a situação poderia ser bem pior para sua família se não fosse por eles. A situação poderia ser ruim para si mesmo, se não fosse por eles.
— Granger, Weasley e Potter — saudou tentando não parecer acanhado. — Agradeço imensamente pelo que fizeram hoje, nunca poderei expressar minha gratidão de forma correta. Muito obrigado mesmo!
— Não precisa agradecer, era o certo a se fazer. — Ela sacudiu as mãos no ar como recusa. — Esse não era o resultado que esperávamos, não era o resultado que eu queria, mas poderia ser pior — Hermione falou frustrada, mas tentou sorrir para reconfortá-lo.
— Cara, Mione falou para gente que você deveria recorrer, essa medida aí não é certa. — Foi o menino ruivo que falou, chocando Draco em nível altíssimo.
— Isso pioraria as coisas, poderia ser pior e eles queriam que fosse. — Os olhos cinza adquiriram um ar sombrio. — De qualquer forma, consigo lidar.
— Se falar o que sabe logo, isso termina rápido… — Rony tentou reconfortar, mas se a tez ainda mais pálida do caco do que um dia foi Malfoy indicava algo, não ajudou em nada.
— Pode não parecer, mas eu realmente não tenho grandes informações, e eles sabem. — Hermione engoliu em seco pela resposta, ela desconfiava disso, não via utilidade em dar informações importantes para um recém iniciado mesmo sendo filho da sua alta patente, por isso foi tão obtusa com o resultado, queriam torturar Malfoy, ela sabia. — De qualquer forma, obrigado pela preocupação e peço perdão por tudo que houve durante os anos de Hogwarts, não poderia ter sido pior com vocês.
— Na verdade, poderia — Hermione falou com sarcasmo, algo que era estranho de ouvir para Draco mas comum aos amigos, a morena usava muito de ironia e sarcasmo quando se sentia um tanto revoltada. — Acho que dos nossos problemas, você sempre foi o mais dócil.
— Desculpa ser um problema, então. — Testou a reformulação da frase com um arquear de sobrancelha, ela só assentiu em confirmação.
— Passado? — Hermione estendeu a mão para ele, que a olhou assustado antes de a apertar.
— Passado.
— Eu não sou tão evoluído, mas espero que estejamos neutros — Rony falou jogando os ombros para cima.
— Acredite, estamos!
— Eu não sou evoluída, longe disso, só já soquei ele antes e isso faz as coisas mais fáceis para mim — brinca a morena com uma piscadinha no fim.
— Eu deveria socá-lo? — o ruivo questiona com a sombra de um sorriso, havia um leve brilho no olhar, fora seu desejo por muitos anos socá-lo até destruir a feição de deboche, não que ele a tivesse agora, o homem à sua frente era quase uma assombração do que já foi, entretanto o desejo de infância atrelado a ele ainda estava ali.
— Eu estou disposto — Draco diz, sem brincar ou hesitar, aquilo assusta o casal mas eles nada dizem, era melhor não comentar sobre.
— Sem violência, Ronald.
— Você que manda, chefia — Rony diz com um sorriso pequeno que não chega aos olhos.
— Estamos indo, ficamos à disposição, só mandar uma carta — Hermione avisa, um sorriso fino nos lábios. — Se decidir recorrer, me avise — concluiu, enlaçando seu braço no do namorado, eles começaram a andar.
O recinto caiu em um tenebroso silêncio, podia-se ouvir um burburinho de conversa bem ao fundo, o corredor vazio pareceu se tornar frio ao redor da dupla ali. Harry Potter olhava para além do loiro, os olhos vazios e os lábios pressionados com nervosismo, calado. Draco Malfoy fitava o moreno com uma falsa calma, o único sinal de puro nervosismo sendo trocar o peso da perna em intervalos curtos.
— Malfoy. — O moreno inicia incerto, testando o terreno. — Sinto por sua mãe e por você — adicionou engolindo em seco, não conseguia manter suas frases muito mais conexas que isso.
— Esse foi o melhor dos cenários — respondeu baixo. — As coisas vão se acertar aos poucos.
Harry acenou em concordância, finalmente erguendo a cabeça para fitá-lo, os olhos se conectando com intensidade, o silêncio abraçando-os de forma sufocante. Vira e mexe o moreno abriu a boca em uma tentativa de falar, mas logo a fechava mantendo o contato visual. Draco não sentia suas pernas e se recusava a pensar sobre isso, deixando o outro conduzir a “conversa”, se é que podiam chamar duas frases curtas e longos silêncios dessa forma. Potter desvia o olhar e finalmente forma algo.
— Sobre nosso beijo-
— Não precisamos falar sobre isso. — Draco corta nervoso, ele não queria falar sobre.
Depois de uma semana preso, e um julgamento longo como aquele, a ultima coisa que ele queria era falar sobre o maldito beijo e tudo que ele nunca siginificou para Potter.
— Nós precisamos. — Finalmente as esmeraldas se viram para o loiro, que engole em seco temeroso. — Sei que não é exatamente o melhor momento para se ter esse tipo de conversa, mas sendo franco não sei se um dia haverá um bom dia para ela.
Malfoy apenas maneou a cabeça em concordância. Potter puxou o ar antes de prosseguir.
— E-eu estava nervoso, era mais pânico. Sinto muito por tudo, mas peço que não leve muito aquela bagunça em consideração. Não significou nada para mim, imagino que seja o mesmo para ti, não que no momento não tenha sentido vontade de beijá-lo, apenas, foi isso, não precisamos crescer nisso… Só quis deixar as coisas claras.
— E-eu estava nervoso, acho que chamar de nervosismo é até ser doce, era mais pânico, minha mente estava uma verdadeira confusão também, por algumas razões que não me sinto confortável de compartilhar e não quero. — Houve uma pausa, onde o moreno avaliou a expressão do loiro, que era apenas neutra. — Sinto muito por tudo, mas peço que não leve muito aquela bagunça em consideração. Não significou nada para mim, imagino que seja o mesmo para ti, não que no momento não tenha sentido vontade de beijá-lo, apenas, foi isso, não precisamos crescer nisso… Só quis deixar as coisas claras.
Não significou nada.
Draco quis morrer, nada, aquele momento, as sensações, tudo naquela cena, não significou nada. Houveram outras coisas daquele discurso para se pensar, mas a única que se repetia era essa, o total descaso com seus sentimentos.
Conforme os segundos se arrastavam, os sentimentos dentro de si o varriam com força, inicialmente foi a raiva que o assolou. Como Harry Potter teve a ousadia de usá-lo como a merda de uma tábua de salvação, mas pouco durou, pois o medo corrói demonstrando que fez o mesmo agora, almejava que tudo tivesse sido muito mais do que foi e esse temor misturado com amarga tristeza trouxe o nojo, por ter cedido, por ter fantasiado com tudo isso.
Malfoy queria gritar, descarregar sua energia e suas emoções em algo, porém só passou a mão nos fios loiros bagunçados, no fim nada daquilo importava, então desviou o olhar e se forçou a responder
— Imaginei. — A voz saiu mais estável do que imaginou possível.
— Tenho consciência que foi uma atitude ruim e a pior coisa para se fazer em meio a uma guerra, que complicou tudo, mas-
— Não precisa se explicar, já entendi, Potter. — Cortou as lamúrias de forma direta, totalmente exausto dessa conversa. — Preciso ir, nos vemos em Hogwarts!
O loiro se virou, devastado. O peso dos últimos dias de sua vida surgiu como um só, de uma vez. Não era como se esperasse um romance, mas dizer que não sentira nada o fez se sentir pequeno e idiota, como uma criança sendo repreendida por algo que nem fizera.
Draco saiu do ministério e partiu em direção à Mansão Malfoy, a única propriedade da família que não estava sob análise judicial, afinal o governo não tinha o mínimo interesse no local que foi âmbito de tanta maldade, não depois da varredura que tinha terminado de destruir o local.
Sua mãe já estava lá, a mulher parecia muitos anos mais velha enquanto encarava o que um dia foi seu jardim florido pela enorme janela da sala. Malfoy não falou com ela, não conseguia, a única coisa que fez foi iniciar um processo de limpeza, recusando qualquer oferta de ajuda. Ele queria cansar seu corpo para que sua mente nem ao menos cogitasse o perturbar. E assim o fez, pelos dias que se seguiram até o retorno a Hogwarts ele trabalhou até a exaustão, sua varinha estava sob restrição, ou seja, eram poucos os feitiços que poderia fazer e havia um limite de quantos, por isso tudo fora muito braçal.
E ele gostou, teve prazer em ir tirando os vestígios de Voldemort de sua casa, parte por parte.
Queimou muitos móveis quebrados, arquivos, papéis, mapas e planos deixados tanto por seu pai quanto pelos outros comensais, havia até mesmo a letra de Voldemort em alguns. Draco Malfoy fez questão de vê-los queimar, junto de suas roupas antigas e várias coisas que lembravam seu eu antigo, o antigo Draco, que acreditava e amava seu pai, que foi usado.
Naquele dia, aquele antigo Draco queimou junto aos itens. Agora ele era alguém sem brilho, sem grandes ambições e tão amargurado quanto arrependido.
O loiro vendeu de forma anônima o que ainda servia da Mansão, usando o dinheiro para comprar seus materiais, dar a ajuda de custo de Mizzy, a elfa doméstica que cuidava de si desde a infância mesmo sobre os próprios protestos, o resto ficou para sua mãe se manter.
Ele tinha enormes dúvidas com relação a liberação das fortunas, então tinham que ser cuidadosos com relação às finanças, sabia que havia uma conta para si em um paraíso fiscal, mas só faria uso daquele plano especial de Lucius se fosse extremamente necessário.
Com tudo resolvido, seguiu para a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, sentindo nada mais do que temor, do que veria, do que encontraria e das memórias; ainda havia muita dor naqueles corredores.
De certa forma, Draco estava pronto para que tudo fosse ruim, ele tinha posto em sua mente que as pessoas o odiavam, e que isso era bom, pois ele também se odiava. O problema é que tudo foi muito além do seu imaginário.
Depois de sua volta, a vida de Draco só piorou, seu retorno foi tenebroso.
Os alunos realmente o odiavam, como imaginava, a questão era que virara a escória de sua casa. Há poucos anos era o príncipe da sonserina e agora ele representava tudo de ruim da casa das cobras, o menino tinha virado o símbolo do lado ruim daquela guerra, sofrendo dia após dia por escolhas que nem dançavam por suas mãos; muitos estudantes amargurados e sofrendo em seu luto, desassociando totalmente do real e culpando-o por suas dores.
Tendo pouca ajuda dos diretores, ele se viu acreditando nas palavras de ódio. Esse sentimento de culpa e nojo para consigo misturado com todo o luto e solidão, foi o afastando ainda mais de seus amigos, parando de responder às cartas de sua mãe. Se enroscando na depressão e afundando naquilo, e de repente ele quase agradecia pelas agressões, os destratos foram virando consolos, como se estivesse tudo bem com azarações e xingamentos para si, ele merecia, era o que pensava.
Faltou muito pouco para não desistir totalmente, para não dar fim àquilo tudo.
— Toc Toc! — A voz divertida de Blaise se fez presente em seu escritório, o assustando.
Era comum seus amigos surgirem em sua casa do nada, tal qual era normal que ele mesmo surgisse na casa deles de surpresa. Era tão difícil o quarteto se encontrar no que não fosse eventos sociais, que quando surgia alguma oportunidade, eles só apareciam um na casa do outro, muitas vezes era em vão. Draco vivia em suas excursões pelo mundo, Pansy viajando a trabalho com suas coleções, Theodore morava mais em seu escritório do que na enorme casa em um bairro trouxa e por fim, Blaise era o único que parecia não descontar toda a frustração da vida no trabalho, sendo o único com uma vida social decente.
— Que clima de enterro é esse? — questionou ligando as luzes do escritório, que sinceramente Malfoy nem notara estarem apagadas, na realidade nem vira anoitecer. — Aconteceu alguma coisa?
— Não exatamente, mas você sempre aparece no momento certo — Draco diz em citação, ao sorrir triste olhando-o.
— Não diga isso, por favor — Zabini declara sério com uma óbvia lamentação, a única vez que escutou aquela frase seu amigo estava prestes a se jogar da torre de astronomia e sentia vontade de chorar só de ouvir, seus pelos estavam arrepiados apenas com a breve menção da memória.
— Perdão. — Correspondeu o sorriso triste com outro sorriso triste pequeno. — Dia difícil.
— Quer conversar? — O tom dele era de puro contentamento e complacência, o que tinha tudo para deixá-lo constrangido, mas era reconfortante e familiar.
— Não sei se quero. — Draco riu de forma estranha, como quem ri de si mesmo. — Mas sei que devo, não tenho mais idade e saúde mental para ficar me sufocando em mim mesmo.
— Justo e maduro, ou seja, você está oficialmente me assustando! — Blaise falou de forma teatral em seus gestos e mudanças de tom, o que fez ambos caírem em uma risada frágil.
— Acho que falei o que não devia, hum, foi por uma boa causa, mas eu não deveria ter usado isso depois de tantos anos, mesmo por uma boa razão — Malfoy falou, esperando muito estar sendo coeso, pois sua mente continha uma vaga neblina sob seu consciente.
— Eu costumo ser muito bom em ler suas entrelinhas, Draco, mas vou precisar de um pouco mais — o amigo respondeu ainda com ar leve, mas viu quando o olhar do loiro nublou ainda mais e pareceu sair de seu foco.
— Digamos que hoje eu tive que ir em Hogwarts, o que por si só é suficientemente sufocante, e como se não bastasse eu estava acompanhado, eu me excedi, pensei que estava no controle, quando tudo foi acontecendo eu pensei: Bem, tenho aqui uma situação ruim que eu posso resolver usando um dos meus traumas, por que não?
— Tenho vários “por ques não”, mas prossiga. — Zabini franziu a expressão em um desgosto pouco contido.
— De qualquer forma deu tudo errado, e-eu disse mais do que queria, Merlin, eu abri meus sentimentos, argh! — Malfoy resmungou resignado batendo sua cabeça no tampo da mesa. — Foi uma situação idiota e sentimental, me sinto novamente na escola, o mesmo Draco estúpido e se remoendo em emoções, Blas. Tudo veio à minha mente, faz anos que não revivo aqueles malditos últimos dois anos!
— Oh Dray! — exclamou com preocupação, chegando mais perto de forma lenta.
— Só n-não quero voltar, não posso voltar, e-eu não iria aguentar… — A voz do loiro estava embargada ao finalizar a frase.
A primeira lágrima caiu junto da frase finalizada, e veio queimando a pele, Blaise mal se conteve ao se impulsionar até o amigo, que estava sentado na poltrona em frente à enorme mesa, se escorou na madeira, jogando seu corpo no dele em um abraço mal ajustado.
— Eu odeio isso! — resmungou quase em engasgo contra o peito malhado. — Odeio ele, odeio Londres, odeio estar nessa cidade maldita, odeio mais ainda pisar em Hogwarts, Salazar, como odeio tudo e qualquer coisa que represente ele!
O discurso vinha estranho tanto pelo choro que rasgava a garganta com soluços, quanto pelo fato de estar escorado no corpo grande de Blaise, que não afrouxou o aperto em momento algum. O amigo amparava o outro, afagando suas costas e murmurando palavras de consolo.
Com o tempo, os sons de choro foram ficando mais espaçados e calmos, os minutos servindo para sanar o turbilhão que rondava na mente de Draco.
— Eu o odeio muito. — Malfoy finalmente ergueu a cabeça, observando que Zabini também chorava, o que era esperado, o homem não conseguia se conter ao ver os amigos mal, e sendo honesto, com nada minimamente triste, ver filme com ele era uma lástima.
— Melhor? — Blaise perguntou fungando também, ele era um sentimentalista bobo, não podia ver alguém chorando que o acompanhava, e tinha consciência que Draco deveria estar pensando o mesmo sobre si.
— Sim. — Escorou as costas contra a poltrona, vendo-o limpar as lágrimas. — Desculpa por isso.
— Amigos são para isso. — Ele sorriu terno antes de sentar de vez na mesa do loiro, que em qualquer outra situação o xingaria e o tiraria dali ao chutes, mas se sentia fraco e pouco lhe incomodava no momento esse fato. — E amigos servem para ouvir boas fofocas também…
Draco soltou um riso que era mais ar do que o som. Óbvio que Blaise estava se corroendo de curiosidade.
— Quer dizer, o que desencadeou tudo isso. Mas só fale se quiser, mas se quiser estou aqui, pode ser por carta…
Draco suspirou antes de iniciar. Sua fala não foi breve, preferiu tirar tudo do peito, começando pela amizade de Albus e Scorpius, e sua relação estranhamente amigável com Ginevra, os acontecimentos da estação, já meses atrás, e assim seguiu sua prosa, com Blaise Zabini soltando pequenos comentarios como “caralho, porra, nem fundendo”.
Conforme soltava as informações se percebeu sendo mais franco do que esperava, citando a briga antes da viagem e um pouco sobre seu sonho nela, expondo um pouco da sua dinâmica de trabalho e as regras que permeiam tudo, descontando todas as suas aflições no outro que ouvia atentamente. Havia quase divertimento no olhar dele, como se achasse tudo insano, mas não disse nada do gênero, não precisava, aquilo já era complicado o suficiente.
— Quando você ia me contar que meu afilhado andou beijando a boca de um Potter? — Foi a primeira coisa, sem ser um palavrão, que saiu da boca do homem retinto quando o outro terminou.
— Quando fosse pertinente, no caso, acabei de dizer. — O loiro sorriu cínico.
— Você é totalmente infeliz comigo, às vezes — Blaise murmurou com falsa ofensa.
— Faz parte. — Deu de ombros.
— Draco, não sei o que te dizer sobre tudo isso, é muita coisa. — Zabini suspirou um pouco cansado, entrando no seu modo responsável. — Caralho, você se mete em cada coisa.
— Fala como se eu escolhesse!
— Eu sei que não, mas porra! Digo, é demais, sabe, saímos da escola e tudo pareceu se engatar de forma minimamente boa, mesmo com engasgos! — Ele parecia um tanto assombrado. — E agora cá estamos, estou novamente te reerguendo depois do desastre de cicatriz passar!
— Não fui o único que precisei ser reerguido depois de um integrante do trio de ouro — resmungou em ofensa.
— Podemos não falar desse desastre em particular? — Zabini jogou a cabeça para trás enquanto protestava.
— Não se falam mais? — Quis matar a própria curiosidade, não era de seu feitio mexer em assuntos delicados, por uma questão de autopreservação, mas sempre quis saber detalhes do caso Zabini-Weasley, mas seu amigo era mais do que discreto com relação a tudo isso.
— Nem temos como nos falar, pelo menos não sem que ele faça um esforço, o qual não parece muito disposto. — Havia uma expressão ferida no rosto de Blaise ao falar. — Ele vive em serviço de campo e com a família, as coisas esfriaram depois de bem, aquilo. — Blaise suspirou antes de se abraçar.
— Sinto muito, — Draco levantou abraçando ele muito malmente — o trio de ouro é um porre — o loiro usou a frase que sua amiga ditava aos quatro ventos na escola.
— Pansy nunca foi tão sábia!
Ambos riram com saudade da amiga.
— Temos que sair os quatro juntos, tanta coisa para dizer a vocês! — Zabini choramingou.
— Convença Pansy a vir a Londres, ficarei um longo período aqui. — Soltou o corpo dele voltando a se jogar em sua poltrona, a face azeda apenas de lembrar de seu longo período na cidade chuvosa.
— Tem a ver com o serviço ultra secreto do ministério?
— Total e exclusivamente — respondeu sem muita vontade.
— Certo, sei que odeia estar aqui, mas se esse serviço te mantém próximo de nós, eu posso lidar com isso, e com isso quero dizer seu mal humor do inferno.
— Vá para merda, Zabini! — retrucou.
— Esse é meu ponto — respondeu já rindo.
— Vou preparar algo para comermos — Draco falou, cortando aquele assunto de o ofender.
— Vamos pedir, eu quero ver um filme com meu melhor amigo. — Blaise sorriu e Draco o acompanhou, mesmo revirando os olhos para manter sua pose.
O resto do dia passou rápido, com eles comendo, conversando e ouvindo o barulho de uma comédia romântica qualquer. Quando Zabini deixou a casa, tudo pareceu mais obscuro e silencioso novamente, como se faltasse algo. E talvez faltasse, faltasse felicidade, vida, pessoas.
Draco arrumou tudo no apartamento, desde seu escritório até a cozinha, tomou um banho e se preparou para aquela longa noite, onde provavelmente sua mente não iria parar de atormentá-lo com pensamentos maldosos.
Nem tudo estava resolvido, mas ele iria ficar bem em seu apartamento mórbido.
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