Paris, França. Dez horas e dezessete minutos da manhã, aeroporto Charles de Gaulle, um avião dos Estados Unidos acaba de pousar. De dentro vários passageiros desembarcam, alguns para o próximo vôo outros para a estadia na bela Paris. Um jovem de 25 anos desce a rampa em direção ao portão na qual tem acesso ao salão principal do aeroporto, portando somente uma mochila com algumas roupas, dinheiro e um pacote de batatinhas. Em sua mão direita, com leves balanços, um case de violino; andava tranqüilamente, enquanto mascava um chiclete, olhando para a imensa abóbada com arcos de uma extremidade a outra. O local estava cheio de passageiros, familiares esperando seus entes queridos ou amigos, pessoas vendendo mapas da cidade e até mesmo do lugar. Após sair daquela multidão, o jovem, Alfred F. Jones, se dirigiu até a saída do local para a estação de metrô mais próxima.
Alguns minutos se passaram depois que Alfred pegou o primeiro metrô para quarta estação, onde desceria e caminharia para seu apartamento em uma pequena rua com a vista para a Torre Eiffel. Apesar de ser um lugar pequeno, o suficiente para uma pessoa, a imagem que se via da janela era perfeita. Porém isso não aconteceu, não por agora, não quando o que mais queria era tomar um banho e comer um belo hambúrguer, já estava cansado de comer aquelas batatinhas. O que o impediu, após 10 passos dados depois que desembarcou do metrô, foi um piano. Qual era mesmo o nome da estação...? Gal.. Gave... Gare de l’Est! Alfred já tinha ouvido falar sobre esse piano na estação, mas nunca imaginaria vê-lo assim, logo após algumas horas na França. Aproximou-se do instrumento de cordas e o analisou. Algumas teclas estavam desgastadas devido ao uso público e sujas também. “Que descuido para um piano...” pensou. Apesar de seu forte não ser aquele instrumento e sim o violino, ele o admirava muito, já que sua mãe há muito falecida, tocava para ele. Ela sempre tocava Twinkle Twinkle Little Star, apesar de aparentar ser infantil, tinha certa complexidade ao ser tocada. Ele tocou as primeiras notas da música e logo parou. Sentiu algo estranho, um calor estranho, então colocou a palma de sua mão delicadamente sobre as teclas e sentiu. Estava quente, mas era um tipo de calor diferente. Não aquele calor que emanava quando o sol batia em algum objeto, mas ele estava no subterrâneo, ali não entrava raios de sol. Então de onde vinha aquele calor? Não havia aquecedor nas proximidades e era somente naquele local que estava quente, onde sua mão pousava suavemente.
Então algo aconteceu. Ele escutou e sentiu, em meio aquele barulho do local, uma nota. Uma tecla se abaixou sozinha, emitindo um dó, e Alfred deu um pulo para trás, caindo no chão, assustado. Algumas pessoas que passavam ali perto se assustaram também com a repentina ação do jovem. Um senhor já de idade o ajudou a levantar, perguntando qual o motivo dele estar “deitado” no chão.
- O- o p-piano...! Ele tocou s-sozinho... _ Assustado, Alfred apontou para o instrumento.
- Ora meu jovem, _ o senhor riu da reação do mais novo_ não é a primeira vez que isso acontece.
- O quê?
- Muitas pessoas que passam por essa estação vêem esse piano como uma decoração, outros, bastante talentosos até, tocam a melodia desse piano já gasto. Mas algumas vezes ele toca sozinho e isso raramente acontece durante o dia e sim mais a noite, quando a estação esta mais vazia. Algumas pessoas já viram a melodia que esse instrumento toca por si só e eu fui uma delas. _ O senhor riu baixinho e aproximou do piano.
- Então quer dizer... Que é um fantasma? _ Alfred já estava ficando assustado novamente.
- Bom isso depende da vista de cada um. Em minha opinião, isso é uma dádiva de Deus. _ “O homem está ficando louco” pensou o jovem. _ Uma vez, quando vim buscar minha neta aqui, eu escutei sua triste melodia. Era tão melancólica... Mas não deixava de ser muito bonita. Bom, eu preciso ir. Tenha um bom dia meu jovem. _ Com um sorriso, o velhinho adentrou a multidão, deixando um americano sem entender muita coisa.
Alfred pegou seu violino e olhou uma última vez para o piano e saiu da estação. Seu apartamento ficava praticamente de frente ao metrô e isso lhe dava certa vantagem, não precisaria andar muito para chegar lá.
O americano, de apenas 25 anos, veio a Paris com o intuito de estudar música. Teria que passar bons e belos quatro anos naquela inusitada cidade. Sua mãe, uma linda mulher de seus 35 anos sempre dizia ao seu filho:
“Alfred, meu amor. Consegue ouvir? Cada nota tem a sua voz, basta ouvi-la com carinho. Todo instrumento tem a sua alma, a sua voz. Então, lembre-se, quando estiver tocando com todo o seu coração, irá ver e sentir a alma do instrumento.”
As palavras doces de sua mãe ficaram guardadas no fundo de seu coração, mas nunca, nesses anos de violinista, Alfred conseguiu sentir a alma de seu violino. Ele amava seu instrumento, mais que qualquer coisa, mas talvez, por pouco que seja não acreditava muito na “alma” do seu violino. Ele o amava, isso era fato, mas não acreditava ao ponto de sentir a alma dele. Com isso em mente, foi para o seu apartamento, tomou seu banho que tanto queria, comeu seu hambúrguer, praticou violino até oito da noite e, exausto, caiu de cara na cama. Por volta das duas da manhã, acordou zonzo e foi para a cozinha, abriu a geladeira e tomou o resto da coca que sobrada de mais cedo. As luzes da cidade entravam discretamente pela janela, deixando o lugar com uma iluminação até sedutora. Lá fora, a Torre se erguia ao céu magnífico, com lindas luzes amarelas a iluminando. Olhando para a rua, Alfred observou a entrada do metrô, praticamente vazia. Lembrou do que o velho falou e olhou para sua mão, pensando de onde vinha aquele calor aconchegante. De repente escutou-se uma música baixa, mas perceptível, e vinha de dentro da estação. Será que era o “fantasma”? Com uma ansiedade acumulada no peito, Alfred saiu às pressas do apartamento e correu em direção a estação, esquecendo até mesmo de calçar alguma coisa.
Descendo as escadas correndo, porém diminuiu a velocidade até para de frente ao corredor que dava para o embarque. Ofegante, pensou melhor. A melodia tocava mais alta agora, mas suave. “E se o que eu encontrar não for o que estou esperando? Mas, o que estou esperando ver? Alguma aparição fantasma? E se for somente mais alguém tocando?” Quase desistindo da idéia de ir ver quem estava tocando, a música foi tomando em um ritmo hipnótico e Alfred estava bastante curioso para ver o que estava naquele corredor. “Quer saber? Foda-se!” Quando virou no corredor ele viu algo inesperado. Quando olhou de primeira achou que era uma pessoa tocando, mas não. Não era uma pessoa, não era um fantasma ou qualquer entidade... Era um anjo. Com medo de fazer qualquer movimento brusco, analisou bem o que via: o anjo estava sentado tocando o piano na sua frente; tinha cabelos loiros desgrenhados, olhos verdes como esmeraldas, usava um terno preto como a escuridão. Continha um par de asas do mais puro branco e algumas penas caiam sobre o banco em que estava. Suas mãos, dançando pelas teclas, eram delicadas e finas. Uma auréola brilhante pairava sobre sua cabeça e Alfred percebeu que o anjo estava chorando, uma lágrima caia delicada sobre a maçã do rosto e caiu sobre uma tecla do piano, até que ele parou de tocar e viu o garoto parado no corredor do metrô. De repente o anjo não estava mais lá e o jovem, paralisado pelo que tinha acabado de presenciar, sentiu um calor vindo em sua direção, o mesmo calor de quando colocou a palma sobre o piano horas antes.
- A alma de um instrumento...
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