“Vós, que sofreis, porque amais, amai ainda mais. Morrer de amor é viver dele.”
- Victor Hugo
“Frustrado” não chegava nem perto de ser uma palavra suficiente para descrever como Ben Solo estava se sentindo. Seu mau-humor atingiu o ápice. E o ódio por Snoke, que ele não achava ser capaz de ficar maior, transcendia a ponto de ele ter a impressão de que aquilo estava corroendo seu estômago. Ansiosamente, ele passou a mão pelos cabelos para penteá-los. Odiaria ver sua aparência naquele momento, pois apesar de estar apresentável, havia as olheiras profundas e o olhar iracundo, a expressão de desgosto e cólera que subia à superfície sempre que ele estava sozinho.
Ele estava com Rey em seus braços, e se não soubesse que precisava atendê-lo imediatamente, jamais a abandonaria.
Ele fazia de propósito, era a única explicação. Exigir sua presença imediatamente e chamar-lhe para reuniões fora da agenda e fora do escritório tinha como único propósito mostrar que estava no controle da situação, que podia mandar e desmandar e ele ou era obrigado a satisfazer seus caprichos ou que lidasse com as consequências. Estava em suas mãos e sabia que não havia saída a não ser fazer o que ele exigia por enquanto.
Encontrou uma vaga para estacionar uma rua atrás do restaurante que Snoke indicou que viesse para a reunião, perguntando-se se aquilo fazia parte do plano de tirá-lo do sério; o escritório era muito mais adequado.
Mas Snoke era seu nêmesis e tinha que trabalhar para ele quando tudo que desejava era apertar seu pescoço.
Esse pensamento o levou a projetar em sua mente, logo em seguida, a imagem de Snoke sendo estrangulado até que seus olhos ficassem esbugalhados; ele não reprimiu o sorriso ladino e malicioso que apareceu em seus lábios. Sim, ele gostaria de pôr as mãos no pescoço de Snoke. Ironicamente, no entanto, fora o mesmo momento em que se aproximava do balcão da recepção do restaurante, e a recepcionista talvez tenha interpretado que o sorriso era para ela, pois deu a ele seu melhor sorriso, ajeitou a postura e passou uma mecha do cabelo loiro para trás da orelha.
— Boa noite, em que posso ajudá-lo, meu bem? — Os três primeiros botões de sua camisa social estavam abertos, criando um leve decote, e ela se inclinou mais sobre o balcão quando ele chegou mais perto.
O tratamento íntimo vindo de uma completa estranha fez Ben franzir o cenho, e talvez fosse por causa da raiva que já sentia antes dela falar com ele, associado ao seu tamanho e porte físico, mas o fato é que a cara que ele fez deixou-a tão rapidamente desconfortável que ela só foi capaz de dar um sorrisinho amarelo.
— Leonard Snoke está me aguardando — disse ele em tom seco.
— Ah! Seu nome, por favor?
— Solo. Ben Solo.
Ela engoliu saliva e assentiu, olhou para a tela do tablet em sua mão.
— Acompanhe-me, por favor.
Ela apontou com a mão o caminho e Ben a seguiu. Ele aproveitou para respirar fundo. Precisava se acalmar, ou do contrário não seria fácil manter a postura diante de Snoke. Lembre-se do motivo de estar aturando tudo isso, ele mentalizou.
A mulher levou-o até uma mesa de quatro lugares bem no meio do salão.
— Finalmente! — exclamou Snoke ao vê-lo. Ao lado dele estava sentado um homem de meia idade, de cabelos castanhos penteados para trás e olhos claros. Ben o conhecia, era o cliente, Enric Pryde. — Está atrasado.
— Foi o trânsito. Lamento. — Dizer que lamentava tinha gosto de fel em sua boca, porém, seu tom de voz não deu nem um indício de seus verdadeiros sentimentos e Ben ficou satisfeito com isso.
— Creio que já conhece pessoalmente o Sr. Pryde — apontou Snoke.
— Como vai? — disse Ben, apertando a mão do homem.
— Aperto de mão firme. — Elogiou Pryde. — Costumo dizer que sabemos muito sobre um homem pelo seu aperto de mão.
Ben considerou aquele o elogio mais estranho que recebeu, e teria sido mais educado se sorrisse, mas tudo que ele conseguiu fazer foi assentir enquanto se sentava, colocando sua pasta sobre a mesa.
— Ficaria surpreso com Ben — Snoke falou, e mesmo que Pryde tenha interpretado aquilo como um elogio, ele sabia a verdade, e bastaria um olhar para Snoke para confirmar que o maldito estava na verdade troçando dele.
— Agora que estou aqui, acho que podemos ir ao que realmente importa. — Ben olhou diretamente para Snoke. — O motivo, senhor, de me chamar até aqui com tanta urgência.
Snoke apenas sorri antes de esvaziar a taça de champanhe e o ignorar.
— Vamos pedir um vinho? — Ele perguntou a Pryde, que concordou. Então ele acenou para um garçom. — Os vinhos daqui são fantásticos, já os tinha provado, Enric?
Ben apertou o punho, pois as mãos tremiam de raiva. Ele respirou fundo.
— Sr. Snoke…
— Eu disse que iríamos jantar hoje, não disse, Solo? — Ele inclinou a cabeça lentamente para se dirigir a Ben, como se estivesse tratando-o como um insolente.
— E eu lhe respondi que não poderia.
— Acho que você ainda não entendeu quem manda aqui. — Snoke disse entredentes, em tom baixo, apenas para Ben. Então, inclinou-se ainda mais e sussurrou ao seu ouvido: — Aquela vagabunda pode esperar.
Ele estava tentando. Ben realmente queria se comportar, mas aquilo era demais para um homem sanguíneo como ele suportar. Ele fechou o punho e bateu na mesa, que tremeu junto com as taças sobre ela.
— Chega! — disse Ben entredentes. Ele se levantou e pegou sua pasta, pois queria ir embora. Snoke ficou em pé também.
Mas Enric Pryde levantou-se, tentando apaziguar o clima ruim que se formou, mesmo sem entender por que aqueles dois pareciam estar se desentendendo.
— Senhores, por favor! Não vamos fazer uma cena aqui no meio do restaurante, por obséquio. — Ele sorriu amarelo. — Leonard, podemos deixar para outro dia.
— Não vai ser necessário, Enric — respondeu Snoke. — Ben só está estressado, ele sabe o quanto esse estágio é importante para ele. Ele com certeza entende que não pode sair desse restaurante, ou vai sofrer consequências por isso. Academicamente falando.
Aquilo era uma ameaça velada. Mais uma vez Snoke estava jogando sujo. Ele não podia ir embora. Ele respirou fundo, fechou os olhos com força. Lentamente, ele sentou-se. Snoke fez o mesmo, e por último Enric. Os dois primeiros trocaram olhares coruscantes, e a tensão era tal qual uma guerra fria.
Eles foram interrompidos pela aproximação de uma mulher.
— Papai?
Os três homens viraram as cabeças ao mesmo tempo para ela. Ninguém viu Ben arfando e colocando a mão no rosto, apertando os olhos em frustração quando viu a mulher. “O que eu fiz para merecer isso?”, indagou-se.
— Meu bem, o que faz aqui? — Enric franziu o cenho.
— As meninas queriam esticar a noite — ela apontou para a porta, onde mais duas mulheres de sua idade estavam esperando por ela. —, então viemos para o bar que fica ao lado do restaurante, mas vi seu carro. Não me disse que viria aqui.
— Negócios. Snoke, esta é minha filha, Nicole.
Snoke se levantou e beijou a mão da moça.
— Encantado.
Ela sorriu para Snoke e então viu Ben, que estava de cabeça abaixada, evitando contato visual.
— Ben? — Ele levantou a cabeça. — Ben! Ah, meu Deus, é você mesmo! O que você está fazendo aqui?
— Ah, eu…
— Vocês se conhecem? — Perguntou Pryde.
— Sim, pai, Ben é meu colega de turma. — Ela tomou o assento vazio ao lado de Ben. — Eu não sabia que você estaria aqui. Ouvi dizer que tinha conseguido um estágio. Você está trabalhando com o Sr. Snoke e com meu pai como cliente! Que coincidência.
— Pois é… Que bom revê-la. — Ben pegou a primeira taça de champanhe que sua mão alcançou, que era a de Pryde, aliás, e bebeu devagar para evitar falar.
Aquilo só poderia ser castigo. Encontrar Nicole ali. Não que tivesse algo contra ela, mas também não tinha nada a favor; ele só não gostava do seu… entusiasmo.
Pryde levantou o dedo para dizer que a taça era sua, mas a filha falou mais alto, logo, interrompendo qualquer linha de pensamento.
— Ah, você é tão sortudo! — Nicole exclamou. — Todos estão morrendo de inveja de você por ter conseguido um estágio com o Sr. Snoke.
Ben sorriu amarelo, bastante desconfortável.
— Isso é exagero.
Snoke observou-os. Olhou para Nicole, que, por sua vez, encarava Ben com olhos brilhantes, e sorriu consigo mesmo.
— Ora, mas é claro! — Snoke exclamou. — Como pude ser tão distraído?! Nicole Pryde, a senhorita é minha aluna também.
— Ah, é verdade? — perguntou Pryde.
— A sua filha é uma das alunas mais brilhantes da minha classe, me perdoe se não a reconheci imediatamente, minha cara. É uma classe tão grande.
— Não se preocupe, professor, digo, Sr. Snoke. Eu entendo.
— Não, mas eu deveria ter lhe reconhecido pelo sobrenome. Foi uma falha muito grande da minha parte. — Ele colocou a mão no peito, comovido. Ben fechou os olhos para não o verem revirá-los. — Logo, como um pedido de desculpas, convido-lhe para juntar-se conosco. Eu tenho certeza de que Ben vai ficar muito feliz.
Ben olhou imediatamente para Snoke, e tentou esboçar um sorriso para Nicole. Ele podia não estar feliz com aquilo, mas Nicole era simpática e uma boa pessoa, não merecia ser vítima de seu mau-humor.
Nicole sorriu. — Eu me sinto muito honrada pelo convite, senhor, mas minhas amigas estão me esperando. Eu já deveria ter ido, na verdade.
Ela se levantou e Snoke imitou-a.
— Ah, compreendo. Realmente é uma pena, mas não faltarão oportunidades. — dito isso, ele tomou a mão de Nicole e a beijou respeitosamente.
Ela sorriu meio sem jeito e olhou novamente para Ben. Sorriu para ele, e então virou-se para sair. Mas parou e voltou de novo.
— Ben, meu pai vai dar uma festa, nesse domingo, gostaria muito que você fosse.
— Ah, não, o Sr. Pryde pode se incomodar — respondeu Ben com a primeira coisa que veio à sua mente.
— De maneira nenhuma ficaria incomodado! — replicou Pryde.
— Papai disse que eu poderia chamar quem eu quisesse — ela disse.
— Desculpe, Nicole, é que eu vou passar esse final de semana muito ocupado e…
— Claro que ele vai — Snoke cortou-o. — Afinal, eu também fui convidado e você não negaria um pedido do seu chefe, não é, Solo?
Ben estremeceu de raiva. Aquele velho maldito estava mais uma vez manipulando suas decisões e claramente criando uma situação com Nicole. Ela podia ser legal, mas Ben preferia evitá-la, pois era mais claro que a água cristalina que ela tinha um interesse por ele, do qual ele não poderia corresponder. Não quando seu coração pertence a outra pessoa.
Mas ele já havia provocado o desgraçado a noite toda, mas um passo fora da linha e ele poderia prejudicar Rey. Então, ele ponderou e decidiu que o melhor era aceitar.
— Tudo bem, Nicole. Eu estarei lá.
Ela não conteve a alegria e correu até ele, inclinando-se para abraçá-lo pelo pescoço, dando gritinhos. Ben nem teve tempo de reagir. Meio sem jeito, ele retribuiu o abraço com tapinhas leves nas costas dela.
Ela se afastou súbita e imediatamente, notando o quão ousada havia sido. Seu pai estava ali, o que ele pensaria dela?
— Desculpe, isso foi inapropriado… Bem, papai, estou indo. — Ele balançou a cabeça e balançou a mão indicando que ela saísse e que ele não se importava. — Boa noite, Sr. Snoke. E Ben… A gente se vê. — E deu-lhe um tchauzinho antes de sair correndo.
Ben deu um meio sorriso e acenou com a cabeça. Depois, endireitou a gravata, e crispou os dentes percebendo que as pessoas à volta estavam olhando para ele. Claro, era só o que faltava. Nicole deu um show no meio do restaurante.
— Fico feliz que minha filha tenha aparecido, isso acalmou os ânimos um pouco. — Pryde falou. Ben suspirou e sentou-se ereto, pronto para que a reunião finalmente começasse. — No entanto, Leonard, eu gostaria de ter essa conversa com seu aprendiz em minha casa. Lá estaremos mais à vontade para tratarmos desse assunto indigesto do que aqui.
“Espera…”, Ben pensou.
— O que? — ele vocalizou.
— Eu disse que prefiro ter essa reunião em minha casa, e não aqui.
— Compreendo perfeitamente, acho que isso é o melhor mesmo — respondeu Snoke —, um local mais à vontade é o ideal. Você está dispensado, Solo.
Aquilo só poderia ser brincadeira. Ben simplesmente não podia acreditar no que estava ouvindo. Ele foi chamado às pressas, largou Rey sozinha para trás, correu para aquele lugar e ainda teve que aturar mais humilhações veladas de Snoke para ser dispensado menos de cinco minutos depois de ter chegado?
— Mas que diabos…
— Até segunda, no escritório, Solo. — O tom de Snoke era bastante claro no que ele pretendia passar. “Obedeça e vá embora.”
Ben trincou os dentes e cerrou os punhos. Se ele não estivesse numa posição desfavorável, aquilo não estaria acontecendo. Mas por um lado poderia ter sido uma provisão. Ele estava mesmo desesperado para ir embora, e aproveitaria isso para sair correndo daquele lugar, contudo, não podia deixar de ver que Snoke só o chamou até ali para desafiá-lo, provocá-lo e mostrar-se superior. E Ben mais uma vez foi usado. Snoke deveria estar se divertindo bastante, ele nem disfarçava mais.
— Bem, aproveite o resto da noite — disse Ben com ironia, levantando-se e pegando seus pertences. — Nos vemos em breve, Sr. Pryde. Boa noite.
Ele afastou a cadeira e mal deu um passo para longe quando a voz de Snoke o chamou de novo.
— Não está se esquecendo de alguém?
Ben franziu o cenho. Snoke estava com um sorriso debochado. Agora ele faria isso também? O obrigaria a fingir cordialidade? Ele ainda era obrigado a tratá-lo bem e com respeito? Isso era o cúmulo! Todo aquele jantar, e agora isso, já era uma humilhação.
— Boa noite, Snoke. — disse cerrando os dentes. “Morra, desgraçado!”, ele acrescentou em pensamentos.
Ele saiu marchando rumo à saída e sem olhar para trás.
— Diga-me, Leonard — falou Enric. — Você acha realmente que ter esse garoto como estagiário pode dar certo? Ele parece te odiar.
— É coisa da juventude, Enric. Eu também já fui assim — ele respondeu. — Sabe, eu vejo muito de mim em Ben Solo. Ele tem um futuro brilhante e tenho certeza que estagiar comigo nesse caso vai ser uma experiência fantástica para seu currículo. Tenho certeza de que ele será um excelente sucessor para mim.
— Se você diz…
— Agora, se me permite, Enric. Sua filha pareceu bastante interessada nele.
— Você não foi o único a ter essa impressão, acho que o restaurante inteiro. — Eles riram. — Eu não vou negar. Faço muito gosto, apesar de também ter notado que o interesse é apenas da parte dela.
— Pode deixar comigo, eu resolvo.
— Então além de advogado brilhante, você também é cupido, Leonard Snoke?
E os dois caíram na gargalhada.
***
Poe caminhou de um lado para outro na sala, olhou no relógio no pulso e jogou-se no sofá. Levantou-se e voltou a consultar o relógio, apenas para ver que não havia avançado nem um minuto.
— Amor, vamos logo! Nós vamos acabar chegando atrasados! — ele gritou.
— Só um momento, estou escolhendo um casaco, Poe. — respondeu Finn.
Poe riu.
— Chegando lá você vai tirar mesmo, escolhe qualquer um!
Poe pegou o celular no bolso, para tentar enviar mais uma mensagem para sua irmã, com quem tentava falar o dia todo, mas no mesmo momento a campainha tocou. Levantou-se, porém, quem quer que fosse lá fora, tocava a campainha insistentemente.
— Já vai! — gritou Poe. — Para que tanta pressa? — ele murmurou.
Quando abriu a porta, encontrou Rey com os olhos inchados, o cabelo desgrenhado e as roupas abarrotadas, isso sem contar com a expressão de raiva em seu rosto.
— Poe, cadê o Finn?
— Está lá dentro, mas é que nós estamos de saída, e….
— Finn, estou entrando! — ela gritou, invadindo o apartamento.
Ela passou por ele, tempestuosa. Poe fechou os olhos, contando até três mentalmente, lembrando-se de que Finn era a única razão pela qual ele tolerava Rey. Não que não gostasse dela, Rey era uma boa pessoa, contudo, seus problemas pessoais muitas vezes atingiram Finn de alguma forma, e isso o incomodava.
— E lá vamos nós... — murmurou Poe, balançando a cabeça. Fechou a porta.
— Finn! — Rey gritou.
Ele veio correndo de dentro do quarto. — Amendoim! — ele exclamou.
Finn olhou para ela de cima a baixo e ficou chocado com seu estado. Rey estava com os olhos e o nariz vermelhos e úmidos, seu cabelo estava amarrado na nuca num rabo de cavalo que claramente teria sido feito às pressas, com vários fios caindo no seu rosto. Vestia uma blusa branca sobre uma minissaia e estava descalça, trazendo os tênis na mão e com um par de meias brancas dentro de cada tênis.
E esse olhar foi o bastante para que ele soubesse.
— Não vou perguntar o que aconteceu — ele disse —, porque eu já imagino que tem dedo daquele idiota nisso.
Aos prantos, Rey se jogou em seus braços, procurando conforto. Ela se recusa a responder de imediato, e ele entende. Ela precisa de conforto, então ele a abraçou forte, acariciando seu cabelo. Passado algum tempo, ela finalmente se afastou, fungando e limpando o rosto e os olhos das lágrimas.
O telefone de Poe tocou de novo e ele precisou se afastar para atender.
— Me desculpa… — ela sussurrou.
— Ei... — Finn segurou sua mão. — Não peça desculpas.
— Eu sou tão burra! — As lágrimas voltaram de novo. — Eu sou tão burra, tão estúpida! Que ódio! Como eu pude acreditar que ia ser diferente?!
— Rey! Por favor, você precisa se recompor. Eu nem sei do que exatamente você está falando, mas se tem a ver com ele, saiba que o errado nessa história é só ele. Ele...
— Ele nunca vai parar de me magoar! Sou idiota por acreditar nele de novo e de novo e de novo! Eu deveria ter ouvido você, Finn, você estava totalmente certo sobre ele.
— Amendoim...
— Finn — Poe chamou, irritado. — Eu tenho que ir, eles já me ligaram e não posso demorar mais.
— Ai, droga! Esqueci completamente.
— Ai, meu Deus, vocês iam sair! — Rey disse. — Eu estou só atrapalhando vocês, me perdoem. Não deveria ter vindo aqui.
— Rey, espera.
— Se eu soubesse... É que você é o único com quem eu posso desabafar. Tenho que ir.
Ela se virou para sair, mas Finn a alcançou e deteve-a pela mão.
— Não, escuta, por que você não vem com a gente? O Poe vai tocar é em um pub não muito longe daqui. Eu não quero perder a apresentação do meu namorado, mas também não posso deixar você por aí assim.
— Eu não sei...
— Rey — dessa vez foi Poe quem disse, com bastante firmeza. — Eu não sei o que aconteceu, mas você está visivelmente abalada. E eu conheço bem o meu namorado para saber que ele não vai se concentrar e estar lá comigo da forma como eu preciso se ele ficar preocupado com você. Então, é melhor você vir com a gente.
Finn encarou-o e fez uma careta para o seu tom, mas ele concordava. Rey assentiu em silêncio.
Dois minutos depois, os três estavam no carro. Rey agora vestia um moletom preto muito maior do que ela e que sobrava em seus braços – tinha pedido para Finn um moletom antes de saírem.
Poe bateu à porta com força quando entrou, sua cara também não era das melhores.
— Tem certeza de que não vou atrapalhar? — Rey perguntou. — Eu posso ir à falcon.
— Claro que não! Você vai com a gente, a falcon pode ficar na garagem. Vamos todos para o mesmo lugar, não precisamos ir em carros separados, não é? — Finn respondeu, cortando rapidamente a conversa sem tirar os olhos do celular.
Rey espiou Poe pelo espelho retrovisor. O movimento que ele fez com os olhos deixava claro que o Finn acabara de dizer não era verdade, pelo menos, não para ele. Mas que escolha ela tinha? Era ir com eles mesmo sabendo que o namorado do seu melhor amigo não estava gostando, ou ficar sozinha, se entupindo de sorvete e chorando em casa até acordar com os olhos inchados, ou pior, correndo o risco de ser questionada por Leia e Han.
“Sinto muito, Poe, mas vou ficar por aqui...”, Rey pensou, desviando o rosto e olhando pela janela.
Logo eles chegaram ao pub. Se Rey não estivesse tão triste, ela teria se importado com a forma como estava vestida. Depois do que aconteceu no apartamento, ela se sentiu quase nua, exposta. A forma como estava vestida enlouqueceu Ben, e ela sabia disso porque havia feito de propósito, mas depois… Nada mais fazia sentido, e ela se sentia uma tola.
Quando Rey estava saindo do mirante, praticamente arrancou os sapatos e as meias dos pés, não se importando com o cascalho e a terra. Ela abraçou seu corpo tentando se cobrir enquanto descia o mirante até a falcon. Não pensava em ir para algum lugar, mas não queria ir para casa, então só dirigiu por aí. Até que estava estacionando na frente do apartamento de Finn, como se seu subconsciente a tivesse direcionado para aquele lugar.
Finn era seu melhor amigo, quase um irmão de alma. No fundo ela sabia que eles eram um para o outro como um porto-seguro, por mais que a vida agora esteja eventualmente os levando para caminhos distintos entre si. Finn estava estabelecendo sua vida com Poe Dameron. Quanto a ela, era impossível definir no momento que rumo sua vida estava tomando, pois parecia que tudo à sua volta estava sendo varrido por um furacão e suas emoções mergulhadas em sua tempestade de frustração, mágoa e ressentimento.
Ela seguiu Poe e Finn, que caminhavam juntos à sua frente. As batidas quase ensurdecedoras da música misturadas ao barulho das conversas altas quase fizeram Rey correr dali. O casal escolheu uma mesa perto do palco, Finn queria ter uma boa visão do espetáculo do namorado. Rey somente deslizou para o banco, completamente deslocada e desanimada.
Poe avisou a Finn que ia falar com o gerente do pub, então beijou-o e se afastou, deixando Finn e Rey sentados de frente um para o outro num silêncio desconfortável. Percebendo seu desconforto, Finn indagou:
— Quer uma bebida?
— Um suco, por favor.
— Abacaxi com hortelã, acertei?
Rey sorriu levemente, embora não tivesse nenhuma alegria em seus olhos. Finn sorriu e anunciou que ia buscar as bebidas. Mas seu celular começou a vibrar no bolso da calça, ele o pegou e fez uma careta quando viu de quem era a chamada.
— Amendoim, por favor, será que pode atender por mim? — ele perguntou. — É a Lola. Poe tentou falar com ela o dia todo, está preocupado, para variar.
Ele lhe mostrou a tela do celular, a foto e o nome de Lola apareciam pedindo para aceitar a chamada de vídeo.
— Finn, não quero falar com essa doida!
— É rapidinho, só enquanto vou buscar as bebidas. Se não, ela vai sumir de novo e o Poe vai surtar.
— Espera aí, mas como eu vou... — Ele saiu andando em direção ao bar. — Atender a ligação nesse barulho sem sair da mesa?... — A altura da voz estava baixando à medida que Finn se distanciava.
Rey bufou e atendeu a tecla de aceitar a chamada a contragosto.
— Eh... Oi, Lola. Finn foi pegar umas bebidas e o Poe está se preparando para entrar no palco. — Rey elevou a voz para se fazer ouvir, aproximando o celular do rosto.
Lola abriu a boca surpresa ao ver Rey, logo deu uma gargalhada frenética enquanto batia palmas. O celular parecia estar apoiado em algum suporte, uma vez que ela aparecia com as duas mãos livres.
— Ora, ora, se não é a Cersei da zona oeste de Chicago! Que bom te ver!
— Não começa...
— Como está o... Como é o nome dele mesmo na série? O Jeremy? Jaime? Jaime! Vocês já estão transando, não é? Porque já faz um tempo desde aquele dia...
— Eu não acredito... — Rey revirou os olhos e afastou o celular do rosto.
A música havia baixado um pouco agora, o DJ tinha saído e dado lugar a uma música pop tocada de uma caixa de som. Algumas pessoas estavam no palco, funcionários do local, e Poe ainda não tinha aparecido, mas era bem provável que estivesse no bastidor. Devia estar preparando sua apresentação.
— Espera! — Lola praticamente gritou. Rey olhou para o celular de novo, e apesar do som mais baixo, agora o falatório das outras pessoas no pub se elevou.
— O que?
— Você está um caco!
Rey revirou os olhos de novo.
— Sério isso?
— Seus olhos estão fundos e inchados. Certamente estava chorando, ou seja, provavelmente brigou com ele, não é? Olha, isso é normal. Todo casal discute, nada que uma boa foda não resolva.
Rey arregalou os olhos, indignada com a audácia de Lola.
— Vai se foder! Você não tem jeito, não é, sua maluca?! Já te falei para parar com isso! Ele é meu irmão!
— Oh, eu sei, querida! Mas desde quando isso parece ser impedimento para vocês?
— Você não sabe de nada!
— Então me conta. Eu não te julgo, o Ben é um gostoso mesmo.
— Cala a boca, sua puta!
Nesse mesmo momento, Finn estava voltando e a viu gritando com o celular. Outras pessoas ao redor olharam curiosas com o grito.
— Rey, o que é isso? — ele perguntou. Colocou as bebidas na mesa e então tomou o telefone da mão da de Rey. — Ei, Lola, o que diabos está fazendo? O que falou para deixar a Rey tão irritada?
Lola bufou e começou a enrolar uma mecha de cabelo.
— Eu tento ser legal com a sua amiga, mas ela sempre me trata assim. Não falei nenhuma mentira e ela sabe disso. — Ela suspirou de jeito irritante. — Bem, diga para o Poe que estou ótima e que amanhã falo com ele, sem falta. Diz para Rey procurar logo o irmão gostoso dela e seguir meu conselho antes que outra o faça.
Rey ouviu, então se levantou batendo na mesa.
— Vai se foder! — gritou.
— Beijinhos! — Lola disse, rindo, antes de desligar.
Finn ficou por alguns segundos atônito, como geralmente ficava falando com Lola. Ele se virou para Rey, incrédulo.
— Você contou para ela? Rey, a Lola é completamente doida! Não dá para confiar nela.
Rey se jogou no assento novamente, o som no palco era dos microfones sendo testados e as pessoas ao redor pareciam ter perdido o interesse.
— Eu não falei nada! Ela concluiu por coisas que viu no colegial, e principalmente por causa daquela vez na boate.
— Rey, Rey, Rey… — Ele pegou sua bebida e tomou um gole, era forte, logo fez uma careta. — Essa história está ficando perigosa demais.
— Eu sei, Finn, mas não foi culpa minha. Ela que tirou suas próprias conclusões.
— Sei, e você e seu irmão nunca deram bandeira, não é? — Rey bufou, pegou o suco e bebeu um gole. — Se a Lola, sendo do jeito que ela é, conseguiu perceber, o que garante que as outras pessoas não cheguem à mesma conclusão?
Rey fez uma careta e pousou o copo na mesa.
— Argh! Esse suco já foi melhor. Parece que usaram abacaxi estragado.
— Você está bem?
— Estou sim, não se preocupe.
— Quer que eu pegue outro, ou uma água?
— Está tudo bem. — Rey respirou fundo. — Você está certo sobre a Lola… E sobretudo. Eu não queria que as coisas tivessem chegado a esse ponto. Perdi o controle da minha vida completamente.
— Ainda pode assumir de novo as rédeas.
— É tarde demais.
— Nunca é tarde demais.
Rey balançou a cabeça.
— Deixa para lá, olha, o Poe está entrando.
Poe subiu no palco, acenou para o público que abriu em uma salva de palmas.
— Senhoras e senhores, boa noite. — Ele abriu um sorriso que fez Finn e a maioria das mulheres – e homens também – do lugar se agitarem. — Gostaria de agradecer ao proprietário da casa pela oportunidade de tocar aqui pela primeira vez. Gostaria de agradecer também ao meu namorado, Finn Storm — olhou diretamente para Finn — por me apoiar e incentivar minha carreira paralela, que tanto me deixa feliz. É isso, espero que gostem.
Os aplausos ecoaram pelo pub e Finn era o mais entusiasmado. Rey até esqueceu o mal-estar persistente que vinha sentindo, pois, pelo menos naquele momento, ela queria esquecer seus problemas e contemplar com carinho a felicidade do amigo, que também acabava se tornando a sua.
Poe iniciou a música acompanhado do violão. Na mesa à frente deles, havia um casal abraçado, assistindo ao show juntos. Rey se pegou pensando em Ben e invejou o casal. Mas logo caiu em si, com a lembrança dolorosa do que havia acontecido recentemente. Esquecer os problemas era algo impossível, pelo visto.
“Ele sequer está pensando em você…”, ela pensou.
***
Era quase impossível respirar. Não era uma noite quente, mas ele não suportava ficar vestido no paletó. Ele praticamente arrancou o terno de si, e atirou de qualquer forma, sem se importar se ficasse amassado, na mochila. Apertou suas coisas dentro dela até que conseguisse fechar e jogou sobre suas costas. Ele afrouxou a gravata e abriu os primeiros botões de sua camisa branca, eriçou as mangas da camisa, colocou o capacete, e subiu na moto. É tomado por uma dor de cabeça que se acentua a cada instante.
O vento batia em seus olhos devido à viseira do capacete estar levantada, e ainda assim era como se não fosse o suficiente. Dirigia depressa, e tinha plena consciência de que, caso continuasse daquela forma, acabaria multado por dirigir acima da velocidade média permitida. Contudo, ele realmente não estava se importando com isso. Seu dia encerrou-se como um grande fracasso, e sua noite tinha terminado de forma ainda pior. Logo, uma multa por excesso de velocidade não faria nenhuma diferença.
As luzes dos faróis de outros veículos passavam por ele como borrões de luz disformes. Seus olhos ardiam, irritados. Não sabia se a causa era o sono, se por causa do vento, se por causa das últimas noites mal dormidas, ou se era apenas vista cansada, ou se precisava usar óculos, ou se era apenas incômodo com as lágrimas de pura raiva que se acumulavam em suas linhas d’águas. Talvez fosse, na verdade, um combo de tudo isso.
Sua cabeça estava estourando de dor, por culpa de Snoke.
— Desgraçado! — E acelerou ainda mais. — Eu te odeio! Te odeio, seu verme! — Ben gritou com toda ira abafada pelo capacete.
Toda a raiva que sentia estava entorpecendo seu corpo e seus sentidos. Ele estava completamente cego de ódio. Ah, se ele pudesse voltar agora mesmo e dar àquele miserável o que ele merece… Se pudesse, esmagaria o pescoço de Snoke, e certamente iria se divertir vendo-o sufocar até morrer. Mas essa selvageria não combinava com ele. Esse ódio que alimenta um desejo de matar pertencia ao demônio chamado Kylo Ren.
Ele estava cada vez mais forte. Kylo se alimentava de seu descontrole, de sua ira, de seu ódio, de todas as suas fraquezas. E enquanto isso, Ben se via cada vez mais acuado, encurralado, oprimido…
Snoke usava-o, atormentava-o e humilhava-o. E havia acabado de fazer isso mais uma vez. Que outra razão teria para fazê-lo sair às pressas de casa para uma reunião que terminou em menos de cinco minutos, da qual ele foi dispensado? Ele provavelmente sabia que Enric Pryde não ia querer conversar sobre o caso ali no restaurante, já que os dois eram amigos. Ele leu a ficha de Pryde. Acusado de assédio sexual por uma antiga funcionária, agora a processava por calúnia e difamação enquanto ela tentava provar que era ela a vítima. E todos, principalmente Ben, sabiam no fundo quem estava falando a verdade. Ainda, para piorar ainda mais a situação, Nicole tinha aparecido, e por mais que não a detestasse, era nítido que o interesse em algo a mais era unilateral. E por que tinha que fazer o convite da festa na frente de Snoke? Teria tido êxito em sua recusa caso contrário, pois Snoke, cobra astuta que era, viu que não estava interessado e o forçou a ir para torturá-lo ainda mais.
Então é isso que chamam de fundo do poço? Ben agora conhece esse lugar. Ele é escuro, claustrofóbico, úmido e fétido.
Até quando ele seria capaz de suportar sem sucumbir? Seu limite estava chegando ao fim. Não conseguia olhar para cima e ver a luz, pois o poço ficava cada vez mais fundo, cada vez mais estreito.
A dor de cabeça só aumentava a cada segundo e Ben a sentia como um flagelo; era forte a ponto de deixá-lo enjoado. Talvez não devesse ter tomado aquela taça de champanhe, mas já dirigiu completamente bêbado antes e não aconteceu nada.
Porém, está cansado, desorientado e abalado psicologicamente. Seu corpo é puro estresse, sua mente é uma bagunça de pensamentos barulhentos.
Um carro não sinaliza que vai mudar de pista e ele se choca contra a sua traseira. A força do impacto o atira para fora da pista e ele bate com a cabeça contra o chão, mas o capacete amortece o impacto. Sua moto foi parar debaixo do outro carro, que bateu em outro veículo que por conseguinte bateu em mais outro.
Seus olhos querem se fechar e ele luta contra a inconsciência. Ele não sabe direito de onde a dor vem, pois parece vir de todos os lugares, mas é forte demais. Suas pálpebras se fecham uma vez, na segunda quase não se abrem de novo. Ele não quer dormir… Ele não pode.
Ali, caído no chão, ainda lutando para ficar desperto, ele percebe as estrelas.
Sua visão turva multiplica a quantidade real visível no céu, e ele se admira de não ver tantas estrelas assim há muito tempo. A dor que se acentua nas costelas agora não era maior que a culpa que ele carregava.
Por um milésimo de instante entre a consciência e a inconsciência, ele deseja ser engolido pela imensidão azul-escuro. A paz que ele ansiava só seria alcançada após atravessar aquela cortina azul.
“Faça essa dor passar…”
Sempre foi fascinado pelas estrelas.
“Eu quero que passe…”
Quase sem forças, ele mira o céu estrelado.
“Eu tentei, Senhor, mas eu falhei… Estou cansado, me liberte.”
Ele nunca foi um religioso, mas naquele momento, ele podia jurar sentir que uma força divina estava presente. Era como uma energia que o cercava, mas ao mesmo tempo não era apenas isso. Não conseguia entender o que sentia.
♪ Now the tide is rolling in
I don't wanna win
Let it take me, let it take me
I'll be on my way
How long can I stay
In a place that can't contain me?
Hey, Lord, You know I'm tired
Hey, Lord, You know I'm trying
It's all I've got, is this enough?
Hey, Lord, I wanna stay ♪
Vozes o cercavam, barulhos de carros e buzinas e sirenes. Ele não percebia nada ao seu redor. Tudo se transformou em um borrão.
♪ Oh, oh, oh, oh ♪
Ele pensa em Leia e em Han. Eles finalmente não iriam mais se preocupar com ele. Ele finalmente daria paz aos seus pais. Gostaria que não sentissem mais sua falta.
♪ Hey, Lord, You know I'm fighting
Hey, Lord, You Know I'll find it
I don't know when or how today
Hey, Lord, I'm on my way… ♪
Sem mais forças, Ben fechou os olhos, mergulhando em uma paz que há tempos ansiava.
E ela estava lá, envolta em uma luz radiante, vestida de branco com seus cabelos castanhos esvoaçantes e seus olhos cor de avelã. Ele poderia se aproximar e pedir perdão? Ou isso ficaria para uma próxima vida?
“Não me deixe”, ela sussurrou, lágrimas brotando em seus olhos, seus lábios tremendo. “Benny, não me deixe.”
Com o tempo, ela entenderia que foi melhor assim. Ele era um homem amaldiçoado. O mal o espreitava como uma sombra e quando ele se fosse, nunca mais causaria dor à sua família e ao amor de sua vida.
***
Um grupo de curiosos cercava-o; alguns, demonstrando preocupação, pediam para que as pessoas se afastassem. Um engarrafamento por causa das duas batidas e a moto caída na beira da pista, debaixo de um carro, criava uma fila de carros num dos sentidos da pista.
— Ele morreu? — alguém indagou. Vários murmuravam coisas indistintas sobre o que poderia ser feito.
Um homem se abaixou sobre Ben, que estava desacordado, e colocou o dedo na frente de seu nariz.
— Ele está vivo! — gritou após sentir a respiração. — Oi, você pode me ouvir? Já chamamos a ambulância, por favor, não se mova.
— Ele não pode te ouvir, está desacordado — informou outra pessoa.
— Mas pode ser que esteja ouvindo — retrucou. — Por favor, não se mova. A ambulância está a caminho.
Mais pessoas se juntavam ao redor. O motorista do carro atingido por Ben parecia furioso e gritava para outro homem, com quem discutia:
— A culpa não foi minha, porra! Esse idiota bateu na traseira do meu carro. Olha o estado — ele apontou —, está todo amassado!
O homem com quem o motorista discutia era alto, moreno e de feições latinas. Vestia um terno elegante e viu o acidente de perto, pois estava o seguindo.
Keaton Huang se orgulhava de ser praticamente invisível, mas precisava admitir que seguir Ben sem ser notado hoje foi difícil, primeiro porque Ben estava de moto, e podia transitar entre os carros mais livremente, segundo porque Ben dirigia em alta velocidade e por várias vezes quase o perdeu de vista.
Quando ele se chocou contra o carro, Keaton pensou que ele tinha morrido na hora.
— Ele deve estar bêbado, ou drogado! — gritava o motorista.
— Você mudou de pista sem sinalizar! — replicou Keaton. — Eu estava logo atrás e vi tudo.
— Então você viu que esse irresponsável estava pilotando como louco! Muito acima do limite.
— Gente, pelo amor de Deus! — exclamou outra pessoa. — Ele poderia ter morrido.
— Realmente não sei como ele não morreu — comentou o motorista furioso. — Seu bêbado sortudo! Vai pagar pelo conserto do meu carro!
Keaton fechou os olhos para não revirá-los. Então encarou bem o homem, como fazia quando sentia raiva de alguém e queria intimidá-la, e foi quando reconheceu aquele homem.
— Eu conheço você.
O outro o encarou confuso, mas também olhou bem para Keaton, e em seguida arregalou os olhos, reconhecendo-o.
— Ei, você é o irmão daquele maluco do Stephen.
— Sim, eu mesmo. — Keaton cruzou os braços. — Ocorreu-me agora que você detestaria que a polícia encontrasse as drogas.
— O que? Do que você está falando, cara?
— Já chamaram a ambulância e a polícia também. Logo eles vão chegar e querer ouvir os envolvidos no acidente, e aí…
Ele não terminou a frase de propósito. Aquele homem envolvido no acidente de Ben era uma “mula”, e várias vezes Stephen e Hux conseguiram contatos com traficantes de drogas por meio dele. Antes, estava irritado, agora tinha ficado inquieto com a sugestão de Keaton de encontrarem as drogas.
— Você não vai querer isso, cara. Não mexe comigo.
— Ah, é? Acontece que eu sou advogado. Um muito bom, aliás. E eu tenho muitos contatos que podem acabar com a sua raça em dois tempos. Acha que é um peixe grande? Você não passa de uma mula que transportava as drogas, os traficantes não vão dar a mínima se você desaparecer e depois ser encontrado morto em um beco.
Ele havia blefado sobre ser um advogado, mas quanto a isso, aquele sujeito jamais saberia. Sobre dar um jeito dele sumir e aparecer morto, com certeza não faltava métodos para garantir isso. Não que ele realmente tivesse intenção de chegar às vias de fato, porém, o argumento serviu para o seu propósito. Bastava ver o quanto a expressão do homem tinha mudado.
— Eu estava pensando em sugerir que você deixasse isso para lá.
Ele fitou Keaton em silêncio. Até bufar e sorrir sem graça, e assentiu.
— Por que você se importa com isso?
— Não é da sua conta.
Ele assentiu de novo.
Quando a polícia chegou, o homem nem sequer ficou nervoso, mas talvez fosse uma máscara. Foi feito somente o teste do bafômetro e ele foi liberado, pois concluíram que havia sido um acidente e que Ben foi o maior responsável por dirigir em alta velocidade. Ele foi levado de ambulância para o hospital e Keaton o acompanhou após se prontificar, pois alegou ser um primo.
Ben acordou na ambulância somente cinco minutos depois, muito zonzo. Ele tentou se mover, mas foi impedido por um paramédico.
— Não se mova! O senhor quebrou uma costela e teve algumas escoriações pelo corpo.
— O que?... — ele gemeu.
— Fique quieto, por favor.
— Minha cabeça…
— O senhor bateu a cabeça, ainda precisamos fazer exames para saber se houve um traumatismo ou não.
— Eu estou… bem. Só estou tonto.
— Por favor, relaxe e não fale muito. Estamos chegando.
[...]
Foram os minutos mais angustiantes daquele dia. Ben se sentia muito tonto, provavelmente pela pancada na cabeça, e com uma dor lacerante nas costelas, mas fora isso, parecia estar bem. Uma hora depois, ele estava sentado numa maca, com o tronco enfaixado, um colar cervical e um curativo no ombro. Ele se sentia exausto; gostaria de dormir e não acordar mais.
De olhos fixos no chão, ele viu quando um par de pernas numa calça social entrou no seu campo de visão. Ben levantou o olhar para dar de cara com Keaton fitando-o muito sério.
— Você!
Ben se sentiu furioso. Por que ele estava ali? Snoke enviou-o? Sentiu o desejo de levantar-se e agredi-lo, mas no momento estava impossibilitado.
— Você é um filho da mãe sortudo, hein, Ben Solo — disse Keaton. — O departamento de trânsito devia te usar como garoto propaganda de uma campanha sobre uso de capacete. Foi isso que te salvou.
— Acha engraçado? — retrucou Ben.
— Na verdade eu acho sim, mas não pretendia dizer isso. Não queria magoar seus sentimentos. — Ele colocou a mão no peito, com um sorriso ladino.
Ben bufou.
— O que diabos você está fazendo aqui?
— Eu estava voltando para casa pela rodovia quando presenciei o acidente — respondeu. — Não sabe a surpresa que eu tive quando descobri que era você que estava caído na beira da pista. Me ofereci para te acompanhar. — Ele deu de ombros. — Alguém precisava assinar os papéis do hospital.
Ben o encarou por alguns segundos. Entreabriu os lábios e soltou um pequeno arquejo que se parecia com algo muito próximo do que ele conseguia fazer como sendo um riso, considerando a dor que sentia.
— Acha mesmo que eu acredito nessa história? — Ben indagou. — Ele mandou você me seguir, não foi?
— Eu não sei do que você está falando.
— Essa é a pior resposta que você poderia dar.
— Olha, eu não dou a mínima para o que você pensa — retrucou Keaton. — Eu te ajudei e faria isso com qualquer um.
— Então de repente você se transformou na madre Teresa de Calcutá? — Ben debochou. — Você virou o bom samaritano? Não acredito em nenhuma palavra que disse até agora.
Keaton o olhou gravemente. Ele deu um passo para frente e cruzou os braços.
— Se eu não estivesse lá — ele começou —, teriam chamado sua família. E eu não acho que você ia querer que seus pais estivessem aqui.
— O que te faz pensar isso? — indagou Ben.
Keaton descruzou os braços.
— Eu sei que você tem trabalhado com o Snoke.
Ben ficou em silêncio, refletindo, mas depois disse:
— Claro que sabe. E sabia que eu estava com ele antes. Porque ele te mandou me seguir.
— Você pode pensar o que você quiser, eu não dou a mínima. Eu disse que não, se você não quer acreditar, então que se dane.
— Vai se foder.
Keaton riu.
O médico entrou nesse momento, silenciando qualquer resposta que Ben pudesse dar a mais.
— Benjamin Solo. — Leu o nome no prontuário. — Você fraturou uma costela e teve algumas escoriações pelo corpo. Descartado traumatismo craniano ou qualquer tipo de hemorragia. — Ele fez uma pausa. — Continue usando capacete.
Atrás do homem, Keaton abriu os braços e, com os lábios, gesticulou algo como “eu disse!”.
Ben resmungou que teria melhor, já que ele só servia para dar trabalho. A dor aguda da costela atacou novamente, interrompendo seus lamentos.
— Eu prescrevi um analgésico, se tomar corretamente, com o tempo a dor vai diminuir. Só precisa de repouso. Te darei um atestado de duas semanas. — Ben assentiu. — Preciso que alguém da sua família venha até aqui assinar sua alta, pode informar o número de um parente?
— Não! — Keaton disse antes mesmo de Ben pensar em responder. — Os pais e a irmã dele estão viajando. E já sou da família. Somos primos.
Ben arqueou a sobrancelha para Keaton. Como ele ousava? Ele abriu a boca para negar, mas o olhar de Keaton lhe dizia que devia dançar conforme a música. E pensou melhor, era preciso fazer isso. Sem dúvida seus pais e Rey viriam correndo, e essa certeza aqueceu seu coração por um breve segundo antes da tristeza avassaladora que veio logo depois.
— Ok. Estarei no plantão, qualquer coisa, basta apertar esse botão, Sr. Solo, e um enfermeiro virá atendê-lo. Com licença.
Ele saiu do quarto, Keaton fechou a porta.
— Agora que o doutor saiu — disse Ben, ajeitando-se da melhor forma que conseguia na cama hospitalar —, quer me explicar como diabos o motorista assumiu a culpa? A polícia simplesmente perguntou se eu queria prestar queixa.
Keaton se sentou ao lado de Ben com um sorriso irônico no rosto.
— Você ainda não se deu conta do quão importante é nessa merda toda? Você é protegido do Snoke de novo, ele pode te transformar num sucessor. Qualquer pessoa que tente se colocar no seu caminho é destruída.
Ben ficou irritado e bufou.
— Eu jamais aceitaria ser pupilo desse velho asqueroso de novo por livre e espontânea vontade, você sabe muito bem por que aceitei fazer parte disso! Diferente de você e daqueles dois idiotas, eu tenho nojo do Snoke e da porra do seu império. — Ben praticamente cuspiu as palavras.
— Acha que eu queria ser sua babá? — Huang mirou-o com um olhar dardejante.
— Então admite que estava me seguindo — Ben disse, inclinando a cabeça.
Keaton ignorou-o.
— Eu tenho sonhos. Aspirações! — exclamou. — Porra, eu queria ser médico! Sabe esse homem que entrou aqui? Eu quero ser como ele. Estou aqui nesse hospital e a vontade de fazer parte disso só aumenta.
— Achei que o seu sonho era se vingar de mim.
— Garanto a você que a vontade ainda existe, mas eu queria, não, ainda quero ter outro tipo de vida. Uma que não girasse em torno de você!
Ele encarava-o com raiva enquanto terminava de dizer essas palavras, e Ben devolvia o olhar chocado com o rompante e com o peso da sinceridade presente naquelas palavras. Keaton parecia ter mais lucidez que os outros, que seu próprio irmão, inclusive. Ele queria quebrar o ciclo, queria ser diferente, queria ter sua própria vida, sua própria história. Pelo visto, Ben refletiu por um segundo, ele não era o único querendo escapar da influência de Snoke e do passado. Mas se Keaton pensava daquela forma, por que simplesmente não abandonava tudo aquilo? Por que ele se envolvia naquela história?
Keaton não aguentou mais ficar ali, ele abriu a porta e saiu após seu rompante. Quem Solo pensava que era, afinal? Continuava o julgando pelo que ele foi e não por quem ele é. Nem sequer agradeceu por ter se livrado do cara com a polícia.
Ficou parado no meio do corredor, com as mãos na cintura, tentando entender o que o levou a se abrir daquela forma. Talvez fosse o cansaço, ou a frustração de mil vidas desperdiçadas numa vingança, cujo sentido já se tornou insípido há muito tempo.
Ele respirou fundo, e voltou para o quarto. Mas quando abriu a porta, Ben estava com o celular ao ouvido. Keaton se apressou e tomou o celular de suas mãos. Ao ver o nome de Rey no discador de chamadas, cancelou a ligação.
— Que porra você está fazendo?
— Ligando para a Rey — disse com um tom de como se fosse a coisa óbvia. — Devolve meu celular agora.
— Quer ir para o inferno e me levar junto?! Essa porra está grampeada!
— O que?
— Snoke tem a acesso a tudo, seu idiota! Você é tão tolo a ponto de nunca ter desconfiado disso? — Ben estava atônito. Keaton ficou em silêncio por um segundo, olhando para o celular, antes de olhar para Ben e dizer: — Todos sabiam que a Rey estava no seu apartamento hoje.
Então… ele sabia. Todas as vezes em que estava com Rey e o telefone tocava. Ele sabia.
Ele iria enlouquecer. Seus punhos se fecharam com força e ele gritou.
— Maldito! Maldição! Malditos, todos vocês! — começou a berrar.
— Ei, para de gritar! — Keaton mandou. — Ou vai chamar atenção. — Ele balançou o celular na mão. — Isso tem um rastreador, ele vai saber que você está num hospital. Talvez tenha contatos aqui também, vai saber sobre um paciente que deu entrada após um acidente de moto. Ele sempre sabe tudo, seus métodos são sujos!
Ben estava passando mal. Sentia que estava prestes a explodir. Com certeza os níveis de cortisol no seu corpo estavam altíssimos depois do dia de hoje, mais do que em todos os dias.
— Estou cansado dessa merda! — ele dizia. — Me deixem em paz!
Keaton bufou, irritado.
— Já chega! — ele apertou o botão de emergência.
— Solo, seja racional…
— Eu não aguento mais!
— Solo!
— Por favor... — ele gemia agora, começando a chorar. — Por favor...
Não demorou para uma enfermeira aparecer, perguntando o que tinha ocorrido. Ben estava tremendo e com o rosto muito vermelho, resmungando as mesmas coisas que já tinha dito. Keaton disse que ele estava muito agitado, oferecendo um risco até para si mesmo. A mulher informou que lhe daria um calmante.
Ele não reagiu, não resistiu. Ele estava exausto.
Enquanto a enfermeira administrava o calmante no soro, Keaton observava tudo. Parte dele, uma parte mais racional, lhe dizia que era o que Ben merecia por tudo o que fez em suas antigas encarnações. Todavia, agora ele tinha começado a lutar contra uma empatia que estava aumentando. Empatia era um sentimento perigoso para se ter por alguém que, até certo ponto, ainda é seu inimigo.
Quando toda a agitação acabou, a última coisa que Ben viu antes de dormir foi a expressão de descontentamento no rosto de Keaton.
***
Quase duas horas da manhã quando o trio formado por Rey, Finn e Poe deixaram a boate. A madrugada os saudou com uma brisa fresca. Rey fechou os olhos por um instante, sentindo aquele frescor em seu rosto e pescoço. Rey se virou para o casal que caminhava abraçados atrás dela.
— Poe, sua apresentação foi incrível! As pessoas amaram. — Rey disse com um pouco de animação.
Ela se sentia bem melhor agora, pois, durante o show, conseguiu deixar sua tristeza de lado um pouco e apreciar o momento ao lado de Finn. A companhia do melhor amigo, e uma boa música ao vivo, poder ignorar seus problemas e esquecer, mesmo que momentaneamente suas preocupações, era o que ela estava precisando.
— Certo, obrigada — respondeu em tom seco. — Mas sem rodeios, você está planejando pernoitar no apartamento do Finn, estou certo?
O sorriso de Rey se desfez e o brilho em seus olhos sumiu. Ela ficou sem ação diante da postura de Poe. Ela não sabia o que responder, porque era óbvio no tom de Poe que ele acreditava estar fazendo uma pergunta retórica.
Ela sorriu amarelo, dando-se conta pela primeira vez que não tinha pensado a respeito. Na verdade, agora, ela se deu conta de que as coisas naturalmente encaminhar-se-iam para ela dormir na casa de Finn. Todavia, estava claro o incômodo de Poe com sua presença. Ele já tinha dado sinais mais cedo de que não estava apreciando sua companhia; aquela era para ser uma noite de casal. Voltar para casa agora, porém, estava fora de questão também, porque a menos que alguém lhe desse uma carona e ela acordasse seus pais chegando de madrugada em casa, ela não tinha para onde ir.
— Poe? — Finn o encarou com uma careta, afastando-se do abraço. — O que é isso?
— Eu fiz uma pergunta — respondeu Poe na defensiva.
— Eu... Tem algum problema para eu dormir lá?
— Na verdade, sim.
— Poe! — ralhou Finn.
Poe virou-se para Finn.
— A amizade de vocês é legal, e eu fico feliz que você tenha uma amiga, mas tudo tem limite.
— Poe, para! A Rey está passando por um momento difícil.
Poe riu pelo nariz. — Claro, o tal amante misterioso. Só queria saber o que você tem a ver com isso, Finn?
— Não seja egoísta, ela precisa de mim. Do meu apoio!
— E eu? Não preciso de você? Não preciso da nossa privacidade?
Rey queria que um buraco a engolisse. Suas pernas estavam prestes a correr. Presenciar aquela discussão fez todos os sentimentos negativos retornarem e um sentimento de culpa a preencheu. A última coisa que ela queria era se colocar entre Finn e seu relacionamento. Mas ela só pensou em si mesma quando correu até ele.
Por mais que soubesse que parte daquilo era culpa sua, não podia deixar de se ressentir com Ben.
— Benny, seu desgraçado, isso é culpa sua! — ela disse entredentes.
— O que tem? — indagou Poe, virando-se para ela.
— O que tem o que?
— O que tem seu irmão? O que ele fez?
— Que?
Tarde demais, Rey percebeu que não tinha pensado aquelas palavras, mas sim dito em voz alta. Ela quis cair dura naquele momento.
— Quer dizer que não foi pelo tal homem de quem você é amante que invadiu meu apartamento com o Finn mais cedo, foi por causa do Ben? — Poe continuou, dando um passo em direção a Rey. Ele parecia irado, como se quisesse realmente saber a razão que os levou a tudo aquilo.
Finn estava de olhos arregalados, pensando numa saída urgente, já que Rey parecia atônita demais para dizer algo. Poe era inteligente, se ele juntasse dois mais dois, acharia rapidamente o resultado. Se nunca desconfiou de nada até agora, foi porque nunca passou tempo o suficiente com os dois para notar a realidade, ou talvez tenha estranhado a relação deles, mas não era louco como sua irmã, Lola. Pelos céus, e se Lola insinuar alguma coisa com ele?... Finn nem queria pensar.
— É que a Rey realmente brigou com o cara que ela está saindo — disse Finn, rapidamente —, e o Ben disse que ela poderia dormir no apartamento dele essa noite, mas quando ela chegou lá, o idiota tinha saído e ela não teve como entrar. Foi por isso que ela foi até o meu apartamento, não é Rey?
Ele encarou Rey incisivamente, obrigando-a a confirmar o que ele acabou de falar.
— Sim — ela respondeu, feliz por sua voz ter saído neutra. — Foi isso mesmo. Se aquele safado tivesse deixado a chave, eu teria onde dormir, e vocês não estariam aqui discutindo por minha causa.
Poe revirou os olhos enquanto Rey e Finn trocavam um olhar cúmplice.
— Ok, eu não quero mais discutir, então vamos fazer o seguinte: dorme lá com o Finn, eu vou para casa. Boa noite! — Poe virou-se e marchou em direção ao carro.
— Que?! — Finn gritou. — Poe, para com isso! Volta aqui! — Ele não parecia disposto a escutá-lo. — Amendoim, fica aqui.
Rey começou a chorar. Ela não deveria estar ali. Talvez devesse voltar para casa e tentar entrar de fininho, ou pernoitar em algum hotel. Tão rápido veio o pensamento, rápido lembrou-se de que não tinha dinheiro. Ela estava com tanta raiva de Ben, e com raiva de si mesma porque agora mesmo o que queria era que ele estivesse ali para levá-la para qualquer lugar.
Finn retornou tão abatido quanto ela.
— Finn, mil perdões.
Finn a abraça. Rey retribui o abraço, sentindo que agora ele era quem precisava de consolo.
— Eu nunca quis me colocar entre vocês… Eu só…
— Não é culpa sua. Ele foi idiota — respondeu Finn com a voz embargada.
Rey apertou mais o abraço, sabendo exatamente como ele se sentia.
Após alguns segundos, Finn afastou-se. Seus olhos estavam molhados.
— Agora somos dois sofrendo por amor. — Ele forçou uma risada, mas ela saiu esquisita e melancólica.
— Eu devia ter vindo na Falcon, como vamos voltar?
— Dirigir no estado em que você se encontrava mais cedo era perigoso, fez bem poupar a Falcon.
— Acho que você tem razão.
— Agora... Eu posso falar com o pessoal da equipe, eu os conheço por causa do... dele. — Finn bufou com raiva. — Eu posso pedir uma carona para nós, já que não tem mais Uber a essa hora.
— Ou a gente pode ir andando — Rey propôs sorrindo.
— Você é maluca? — Finn retrucou. — Caminhar até lá em casa às duas da manhã?
— Nem é tão longe assim.
— Eu vou falar com os rapazes. — Finn virou-se, sorrindo de verdade dessa vez.
Rey deteve-o brevemente, puxando-o para um abraço.
— Obrigada por tudo, meu amigo.
***
A primeira coisa que ele sentiu foi a dor. Uma dor persistente que queimava do lado esquerdo de seu torso. Ele abriu os olhos com certa dificuldade, como se suas pálpebras fossem mais pesadas do que o normal, então, a segunda coisa que ele sentiu foi a luz cegá-lo por um instante, forçando-o a fechar os olhos novamente.
Seu corpo parecia ter o triplo do seu peso. Ele tentou se mexer, mas percebeu que seu tronco estava imobilizado. Mais uma vez, ele tentou abrir os olhos, piscando várias vezes agora para acostumar-se à luz. Ele emergiu da semi-inconsciência. Situando-se no tempo e no espaço, percebe com tristeza que não estava despertando de algum pesadelo. As últimas horas foram, para seu completo desespero, muito reais.
— Bom dia, Solo.
Ben virou o rosto para aquele que falava, encontrando Keaton Huang sentado numa poltrona próxima. Ele não estava com cara de sono, então devia ter acordado muito antes que ele. Ben fez uma careta.
— Você ainda está aqui — ele resmungou. — Não brincou quando disse que era minha babá.
O outro fez um sinal feio para Ben.
A enfermeira entrou e administrou medicamentos pelo soro, avisando-o que ele receberia alta para continuar seu repouso em casa provavelmente à tarde. Quando ela saiu, Ben estava reflexivo, pensando no que faria, se ele devia falar com sua família de uma vez e contar que sofreu um acidente, porque ele não conseguiria fazer nada sozinho por dias. Não iria mencionar nada sobre Snoke ou a reunião estranha no restaurante, apenas que estava voltando para casa e caiu de moto.
— No que está pensando? — indagou Keaton, quando estavam a sós, quebrando um silêncio desconfortável.
— No que eu vou fazer — respondeu francamente.
Keaton suspirou. — Snoke ligou mais cedo, eu não tive escolha a não ser atualizá-lo da sua situação. Não se preocupe, eu não mencionei nenhum detalhe sobre o acidente, só sobre seu estado de saúde. — Ele fez uma pausa, como que para tomar fôlego. — E o desgraçado já pensou em tudo — emitiu uma leve risada sarcástica. — Avisou que vai contratar um enfermeiro particular para cuidar de você durante seu repouso em casa.
— E o almoço na casa do Pryde? — perguntou Ben, esperançoso de ouvir a palavra “cancelado”.
— Adiado. Na verdade, o julgamento foi adiado em mais de um mês, pedido dos advogados da requerente.
Ben assentiu, sentindo-se simplesmente cansado.
Os dois homens se encararam, nenhum disposto a conversar sobre o surto de Ben da noite anterior, ou pelas declarações de Keaton sobre toda a operação de vingança contra os Solo encabeçada por Snoke. E Ben preferia que continuasse assim. Ele odiava que as pessoas o vissem tão vulnerável, ainda mais alguém como Keaton. Contudo, na noite anterior, ele tinha chegado ao seu limite.
Keaton mudou a postura no assento, tirando um segundo celular do bolso e inclinando-se na direção de Ben, apoiando os cotovelos sobre os joelhos.
— Você precisa comprar outro celular. E usar ambos. Use o grampeado para seus negócios, para falar com Snoke, etc. E o outro, use para falar comigo, com sua família e com sua. Keaton deu uma pausa antes de concluir a frase que lhe causava desconforto. - É estranho pra caralho essa relação de vocês não é? bem eu te aconselharia a se afastar dela o Snoke não está pra brincadeira mas você que sabe.
Keaton mostrou seu segundo celular. Era um aparelho simples, de modelo antigo e com botões, não um dos smartphones modernos.
— Meu irmão não sabe sobre esse celular — ele disse.
— Como você sabe que o outro celular está grampeado? Não é como Snoke fosse simplesmente dizer isso.
— Eu sei muitas coisas, Ben.
Ben, e não somente Solo. O tom mais pessoal. Ben se perguntou se aquele homem estranho que o detestava (e que com toda certeza era recíproco), estava se transformando em um tipo de aliado.
— Snoke gosta de achar que está no controle de tudo. Ele é megalomaníaco, adora transmitir a sensação de que é como Deus, onisciente. — Keaton explicou. — Antes ele tinha a Phasma para te observar, agora, ele coloca grampos nos nossos celulares e câmeras escondidas na nossa casa.
Quando Ben achava que não podia se escandalizar mais, que não podia ficar com mais raiva, Keaton o surpreendia mais uma vez. Dessa vez, porém, ele estava preparado, e não surtou como na noite anterior.
— Tem câmeras no meu apartamento?
— Provavelmente.
— Onde?
— Eu não sei. Talvez tenha um gravador também.
Ben trincou os dentes, com raiva. Ele se lembrou de Phasma, da forma como ela o traiu. Não era de se espantar que Snoke segue o mesmo método.
— O que eu faço? — A pergunta era mais para si mesmo do que para o outro.
— Você vai ter dias para pensar a respeito — respondeu Keaton. — Mas, escute, Snoke precisa acreditar que você é ignorante sobre tudo isso, entendeu? Ele precisa acreditar que está no controle. E ele ainda estará, por um tempo.
Ben estava calado, mas sua mente fervilhava. Ele olhou refletidamente para Huang por um instante antes de perguntar:
— O que você espera ganhar com tudo isso? O que quer de mim?
Keaton se levantou, guardando os celulares de volta a bolsos diferentes da jaqueta. Ele demorou a responder, e quando Ben desistiu de esperar pela resposta, voltando-se para seus próprios pensamentos sobre si mesmo, Keaton irrompeu o silêncio:
— Minha liberdade! minha e do meu irmão.
[...]
As horas passaram, e como esperado, o médico voltou para dar a alta. Ben também recebeu um atestado de duas semanas de repouso absoluto e mais um monte de recomendações sobre cuidados, como não levantar coisas pesadas ou fazer grandes esforços por mais um mês depois do fim do repouso. Seus curativos foram trocados e recebeu receitas de analgésicos para dor e uma pomada contra as raladuras.
Ele assinou seu nome da recepção e saiu com Keaton Huang. Havia um carro preto parado no estacionamento do hospital. Ben recolheu imediatamente o homem parado ao lado dele, era um dos motoristas que trabalhavam para Snoke, que ao vê-lo, imediatamente se adiantou em abrir a porta. Ben hesitou em entrar.
— Posso saber da minha moto? — perguntou.
— Você está louco se pensa que pode dirigir — rebateu Keaton.
— Eu sei disso — retrucou ríspido. — Mas eu quero saber mesmo assim.
Keaton bufou, querendo muito mandá-lo para o inferno.
— Sua moto está no conserto. Sinto muito, mas você terá que aceitar o motorista de Snoke. — Ben olhou para o motorista com uma fúria assassina que fez o homem remexer-se, ele claramente estava odiando a ideia. — Ou… — Ben fitou-o de novo. — Você pode ir comigo no meu carro, assim poupando meu trabalho de ficar te seguindo.
Ben bufou com uma careta.
— Prefiro o motorista.
Ele entrou no veículo, devagar por causa das dores. O motorista fechou a porta rapidamente.
— Foi o que eu imaginei — murmurou Keaton.
Ele ficou parado ali mais um minuto vendo o motorista dar a volta, entrar no carro e dirigir. Então ele também foi embora, não atrás de Ben, como havia dito, mas para casa. Havia muito o que refletir a partir de agora.
Com Ben era igual. Ele estava perdido demais em seus próprios pensamentos nebulosos para dizer qualquer coisa ao motorista, ou mesmo pedir que abaixasse os vidros, desligasse o ar-condicionado, coisas do tipo.
Huang tinha razão. Ele precisava de um novo celular, precisava descobrir se havia realmente uma câmera e um gravador no apartamento, encontrá-los e destruí-los. Snoke descobriria, é óbvio, mas ele podia fingir que tinha sido “casual”, porque estava limpando a casa. Ocorreu-lhe que Snoke tinha meios de colocar outra câmera lá, afinal, o apartamento era dele.
Ele precisava ser muito mais cauteloso daqui para frente.
Rey não pode mais pisar naquele lugar, ele precisaria achar outro lugar para falar com ela pessoalmente. Se Snoke sempre sabia quando ela ia até lá, não podia mais colocá-la em risco.
E havia seus pais. Céus! Como foi se esquecer deles? Eles não podiam saber de nada disso. Porém, conhecia bem sua mãe para saber que ela não ficaria quieta se ele simplesmente sumisse e deixasse de falar com ela por duas semanas. Iria atrás dele, contrariando seus próprios princípios.
Ben pensou que poderia enrolá-la por telefone, conversando quase todos os dias, apenas para que ela não se preocupasse tanto a ponto de querer ir até o apartamento. Sim, ele poderia fazer isso. Quanto a Han... Bem, ele não precisava fazer muita coisa mesmo. Para o pai, bastava que soubesse que ele estava vivo.
Ele entrou na portaria do prédio, olhou com desconfiança para o porteiro que o cumprimentou, perguntando-se se ele era um espião de Snoke, que sempre anunciava quem entrava e quem saia. Pegou o elevador e, ao chegar ao seu apartamento, já havia uma pessoa esperando por ele. Um rapaz alto e forte, vestido de verde, que se identificou como Devron Luss, seu enfermeiro particular. Ben encarou o homem duramente, e, mesmo com o machucado, elevou-se com altivez, pois era mais alto.
Mas ao que parece, Devron já tinha sido colocado a par de seu temperamento. Não parecia ter medo, ou, se sentia, não demonstrava. Sem saída, Ben teria que aguentar aquela situação.
Por outro lado, ele estava um pouco contente em ser forçado a ter que ficar sozinho por duas semanas e Snoke não ter escolha a não ser esperar. Ele teria dias para pensar e refletir sobre seus próximos passos, sobre o que ele ia fazer com as informações que recebeu de Huang. Ele não podia ficar parado, devia, pelo menos, começar a elaborar um plano.
***
Rey chegou em casa só ao cair da noite. Ela passou a manhã inteira na casa de Finn, e quando pensou em ir embora, Finn insistiu para que ela almoçasse com ele, pois estava muito triste por conta da briga com Poe. Ele insistiu que ela ficasse mais, fez pipoca e ambos assistiram a alguns episódios de uma série nova de um serviço de streaming.
Ela estava cansada física e mentalmente, então, se Leia quisesse começar uma conversa, teria que esperar.
— Cheguei — ela anunciou, apenas caminhando em direção às escadas.
— Só um momento, Ben, a Rey chegou — era a voz de Leia que vinha da cozinha. Ela parou ao ouvir o nome de Ben. Ele estava ali? Seu coração deu um salto, ao mesmo tempo ansiosa por revê-lo e ressentida também.
Ela permitiu que a esperança entrasse em seu coração mesmo assim. Ela correu até a cozinha, sorrindo, esperando encontrá-lo sentado à mesa. Porém, a decepção a encontrou quando ela viu somente sua mãe ali, com o telefone ao ouvido. Seu sorriso desvaneceu.
— Onde você esteve? — Leia inquiriu, com raiva, afastando o celular.
— Dormi na casa do Finn, e depois fiquei lá o dia todo.
Leia estreitou os olhos, e soltou um “hum”. Rey revirou os olhos, perguntando-se até quando sua mãe ia tratá-la como uma adolescente e não uma mulher adulta.
— Oi, querido, o que você estava dizendo? — Leia voltou a falar ao telefone. — Sim... Entendo, mas quando você vem nos visitar?... Mas por quê?... Se você diz... Claro, meu filho… Sim, sim… Sua irmã está aqui, quer falar com ela?
Rey deu um passo à frente, pronta para pegar o telefone. Ela não negava que gostaria de ouvir algo dele, uma explicação pelo menos. Simplesmente sua voz seria o bastante.
— Ah… Tem certeza? — Leia disse em seguida. — Está bem, você é um homem ocupado agora. Eu entendo… Certo, certo… Beijo, querido.
Rey franziu o cenho.
— Ele desligou?
— Ele pediu desculpas, mas estava ocupado e não poderia falar com você agora — Leia disse.
Rey sentiu seu coração ficar mais pesado. A decepção era amarga e dolorosa como um soco. Ele não queria falar com ela, não havia outra desculpa.
Leia mirou-a com escrutínio, e indagou:
— Vocês brigaram de novo?
Rey balançou a cabeça.
— Não.
— Não minta para sua mãe.
Rey queria chorar. Ou melhor, sair correndo, se trancar no quarto e chorar. Mas Leia estava ali, esperando uma resposta. Ela podia lhe dar apenas fragmentos da verdade.
— Estávamos bem, então tivemos uma discussão, e ele saiu.
— Vocês dois dizem que não querem ser tratados como crianças, mas continuam brigando como dois adolescentes teimosos. — Leia balançou a cabeça. — Logo vocês terão feito as pazes de novo, é sempre assim.
Leia guardou seu celular no bolso e abriu a geladeira, tirando alguns ingredientes, concentrada em seus próprios afazeres agora. Rey deu a volta devagar e saiu da cozinha.
Justamente como queria, ela se trancou no quarto, e então esperou suas lágrimas virem. Mas elas não vieram. Ela não chorou.
No lugar das lágrimas, o que ela sentia era uma mágoa profunda e uma raiva borbulhante.
***
Ele odiou cada minuto disso.
Ben passava quase o dia todo na cama, ou na sala, estudando o material para o julgamento, fazendo anotações sobre o caso e procurando pela tal câmera, que só podia estar muito bem escondida, porque não achou nada.
Ele também fez ligações. A primeira foi para Mitaka, para se colocar a par do que acontecia na faculdade, onde, ninguém, de fato, sentiria sua falta por duas semanas. O lado bom de ser um aluno "turista". Falando em Mitaka, o estranhamento causado por sua falta de tato com Miles já havia passado. Por sorte, seu amigo não costumava ficar chateado com ele por muito tempo.
Evidentemente, que ele precisou se desculpar por ter agido como um idiota pomposo. Além disso, ele também fez questão de expressar o mais profundo pesar pela morte de Miles. Essa atitude contou muito para que seu amigo voltasse a falar com ele. Entretanto, sobre a morte de Miles, só o simples pensamento do real motivo lhe causava calafrios.
Ele ligou para a mãe, várias vezes, em ligações rápidas, fingindo que estava bem, que só estava muito ocupado. Funcionou como ele esperava. Ele até ligou para Han, uma vez, quando não conseguiu ligar diretamente para Leia. Ele só não falou com uma pessoa.
Rey.
Ele pensou em fazer isso. Várias vezes chegou a discar o número dela. Mas desistia todas as vezes. Nem uma mensagem ele ousou mandar. Não porque não queria falar com ela, longe disso. Mas todas as vezes em que pensava em ligar, ou mandar mensagem, ele imaginava o quão furiosa ela devia estar. No mínimo, desligaria na sua cara! Bem, é o que ele merecia depois do papelão daquela noite. Mas não apenas isso, também tinha a presença fantasmagórica do velho maldito, Snoke. Keaton foi bem enfático ao dizer que ele não estava para brincadeira.
Snoke pode não ter trocado uma palavra com ele pelos últimos dias, mas ele sabia de cada um dos seus passos. Devron talvez fosse mais que um enfermeiro, talvez fosse um espião de Snoke também. A mulher que vinha uma vez por semana fazer faxina também era uma candidata em potencial a espiã.
Pelos sete infernos, quando ele se tornou um maníaco paranoico?
Todavia, enquanto Snoke pensava que ele estava somente seguindo o repouso médico e se comunicando com sua mãe somente para despistar suas preocupações, e que não estava falando com Rey, estava de bom tamanho para ele.
O repouso fechado se encerrou, para o alívio de Ben. Ele já conseguia fazer praticamente tudo sozinho, embora Snoke tenha insistido com a presença de Devron por mais alguns dias. Felizmente, o enfermeiro estúpido e sorridente se foi depois de uns dias, e agora Ben conseguia sair.
Infelizmente, porém, o almoço na casa de Pryde estava se aproximando também, mas não podia ser tão ruim, certo? Seria insuportável e ele preferia estar morto a se sentar ao lado de Snoke e Pryde, contudo, não ia durar o resto da vida. Ele só teria que suportar e observar, procurar pontos fracos, algo que pudesse ser útil no futuro.
E tolerar Nicole. Ou melhor, tolerar os sentimentos evidentes que ela vinha nutrindo por ele e tentar não ser um babaca completo com a mulher em sua própria casa. Ele se comportaria como um cavalheiro, é claro, porém, não significava que isto não era irritante.
Ele pegou sua moto de volta na oficina, e fez ele mesmo uma averiguação nela, grato pelo conhecimento de mecânica que aprendeu com seu pai e com Rey.
Na verdade, ele estava procurando uma coisa. Graças a Snoke, agora ele era paranoico, então deduziu que poderia haver um rastreador na moto. Felizmente, não havia. Ele se certificou disso. E a razão para não haver era óbvia: o celular. Ele não precisava rastreá-lo por sua motocicleta se podia facilmente encontrá-lo através do celular.
E por falar em celular, Ben seguiu o conselho de Keaton. Na primeira oportunidade que teve, comprou um novo, um modelo antigo também, pequeno, mais fácil de esconder na roupa. Nem sequer havia acesso à internet, mas graças ao aparelho obsoleto ele conseguia ligar sem ser rastreado, então, ia servir.
***
Não era um término, mas o relacionamento de Finn e Poe estava esquisito, muito esquisito, segundo como próprio Finn tinha definido. Poe não havia pedido desculpas, não quis sentar-se e conversar com o namorado para falar sobre o que aconteceu naquela noite no pub. Ele só apareceu no apartamento de Finn depois de uma semana para pegar umas coisas que tinha esquecido lá, mas quando Finn quis conversar, eles brigaram de novo antes de Poe ir embora.
Rey não conseguia parar de se sentir culpada por isso. Porque Poe tinha deixado bem claro que enquanto Finn não impusesse alguns limites e começasse a priorizar mais o relacionamento deles ao invés de se meter no dos outros, não teria como o namoro deles continuar a dar certo. Em outras palavras, ele deu um ultimato.
Finn estava deprimido desde então, Rey ia à sua casa quase todos os dias para fazerem companhia um ao outro.
Além da postura lamentável de Poe, o sumiço de Ben Solo também era tópico frequente nas conversas dos dois amigos. Ben estava há duas semanas e quatro dias sem aparecer ou simplesmente falar com Rey. Quando chegava em casa, ficava sabendo que ele havia ligado e conversado com seus pais, mas ele escolheu deliberadamente não falar com ela. Só podia haver uma razão para isso; ele estava a evitando, era óbvio.
No domingo, Rey chegou à casa de Finn pouco antes das oito e o ajudou com a faxina do apartamento. Ela gostou de gastar o tempo com aquelas tarefas domésticas, porque trabalhar com as mãos sempre a ajudou a se esquivar da tormenta que era sua mente. Ela se lembrou dos tempos em que limpava a sucata que recolhia em Jakku, e isso foi familiar de uma forma estranhamente reconfortante. Perto do meio-dia, eles já tinham terminado e Finn decidiu preparar o almoço.
— Eu posso te ajudar com alguma coisa?
— De jeito nenhum, da última vez que você chegou perto de um fogão, quase colocou fogo na minha cozinha. — respondeu Finn em tom de troça. — Não entra na minha cabeça que alguém que apresentou um projeto de um robô naquela feira da universidade seja péssima cozinhando.
— Obrigada pela parte que me toca — redarguiu Rey. — Mas também não é assim, eu até sei fazer algumas coisas.
— Tipo cup noodles no micro-ondas?
Ela fez uma careta para ele em resposta, o que o fez rir um pouco. Rey sentiu-se bem em vê-lo rir, ele estava triste há dias.
— Então, Amendoim, o que vai querer almoçar?
— Pode ser uma salada, por favor.
Finn fez uma careta, mas não ousou contrariar a amiga. Ela vinha reclamando do seu peso há alguns dias, o que era um absurdo para Finn, já que, na verdade, ela estava mais magra do que antes. Rey não estava comendo direito, quase não tinha apetite e quando tinha, comia como um passarinho. Ele entendia como os problemas podiam afetar o apetite de uma pessoa, e que o fardo emocional que Rey vinha carregando era pesado demais, mas não deixava de preocupá-lo. Por causa disso, ele fez uma salada mais elaborada, com rúcula, couve, agrião, dois tipos de alface, ricota, tomate cereja, molho agridoce e alguns outros ingredientes.
— O Poe não ligou? — perguntou Rey enquanto Finn servia-lhe um bowl com uma salada e se sentava na frente dela com um igual.
— Não. E eu também não vou atrás dele.
— Finn, eu não quero que vocês terminem por minha causa — respondeu de boca cheia. — Por favor, tratem logo de se entender.
— Rey, ele está errado. Esse ciúme que ele sente é tão ridículo que me recuso a alimentar isso. — Finn enfiou uma quantidade enorme de salada na boca, mastigando rapidamente e com raiva. Depois concluiu: — E mesmo que ele tivesse razão, ainda agiu como um idiota. Está sendo infantil ao querer me punir com silêncio ao invés de vir aqui e conversar comigo como dois homens adultos que somos. Mas não vou dar esse gostinho a ele.
A última parte ele mais murmurou do que falou, deixando parecer que estava falando consigo mesmo. Rey encolheu os ombros e se concentrou em comer sua salada.
— Tudo bem, você que sabe.
O momento de silêncio não demorou a ser rompido.
— E quanto a você, vai ligar para o Ben?
— Eu? De jeito nenhum! Ele que tem que vir atrás de mim.
— Estamos quites então.
Finn terminou de comer e levou seu bowl para a pia. Em seguida, voltou à mesa com o celular e decidiu olhar suas redes sociais para matar o tempo. Sem mensagens de Poe. Ele suspirou. Abriu o Twitter e nada de novo, só os mesmos posts virais sem sentido. No Instagram também não havia nada de interessante, só as mesmas fotos repetidas e vídeos absurdos de jovens desesperados por curtidas.
Ele rolou o feed já entediado com a falta de novidades, até que esbarrou com uma postagem que o fez quase derrubar o celular. Ele conferiu de novo, e seus lábios foram mais rápidos que seu raciocínio, pois ele murmurou:
— Mas que porra...?
— O que foi? — perguntou Rey distraída.
— Ah, n-nada.
Finn bloqueou a tela do celular e o deixou virado de cabeça para baixo na mesa.
— Finn... — disse Rey. — Você é um péssimo mentiroso, sabia?
— Eu não sei do que você está falando.
— Pior ainda quando tenta mentir para mim.
Finn respirou fundo. Suas mãos estavam suando e isso o irritou, porque não havia motivo para suarem. Não era nada demais... Não havia motivos para se preocupar. Exceto que, ele conhecia o temperamento de Rey, e se ela visse a publicação que ele viu, ela não só rolaria o feed para baixo e seguiria em frente com sua vida. Era por isso que ele tinha ficado nervoso.
Mas o pior não era isso, era saber que agora ele tinha atiçado a curiosidade dela. E se ela soubesse por si mesma, ficaria irritada por ele não ter contado nada. Então, Finn tornou a respirar fundo e se aproximou da mesa.
— Primeiro, promete que não vai ficar brava nem surtar.
— Por quê? — ela perguntou com as sobrancelhas vincadas, confusa.
— Promete.
— Eu prometo. — Ela revirou os olhos e riu, sem entender o motivo daquilo.
— É sério, Rey.
— Eu estou falando sério.
Finn soltou o ar pelo nariz devagar. — Está bem.
Ele pegou o celular, abriu a publicação de novo e virou para ela a tela do aparelho.
O que antes era uma expressão divertida no rosto de Rey, transformou-se gradualmente em uma carranca. O brilho em seu olhar desapareceu, seu sorriso desvaneceu. Suas bochechas ficaram vermelhas e a respiração dela mais curta e forte. De nariz enrugado, boca cerrada e cenho fechado, Rey esqueceu em segundos a promessa que tinha acabado de fazer.
O que ela estava vendo era uma sequência de três fotos publicada por Nicole Pryde, que mostrava nada mais nada menos que Ben com Nicole lado a lado, na frente de uma piscina. Na primeira foto, Nicole o segurava pela cintura, nas outras ele até dava um sorriso discreto, enquanto a outra mulher dava um daqueles sorrisos “espontâneos” de Instagram. Hora da publicação: menos de uma hora atrás.
A expressão de Rey deve ter mostrado sua fúria interna, pois Finn disse:
— Amendoim, por favor, tenta manter a calma. São só fotos.
— Aaaaah, maldito! — Rey gritou indignada. — Traidor, filho da puta!
— Rey, calma, você acabou de insultar sua própria mãe.
— Eu vou matá-lo! — Rey empurrou o bowl e empurrou a cadeira ao se levantar, que caiu no chão, então correu em direção à sala, procurando as chaves do carro na bolsa. Para a sorte de Ben, ela não tinha o poder de quebrar o pescoço dele usando a Força, e nenhum sabre para atravessá-lo, porque, que Deus a perdoe, esse foi um dos pensamentos dela.
Finn correu atrás dela.
— Rey, você não está raciocinando! — falou ele alto e bastante sério. — Se fizer alguma loucura, vai despertar a desconfiança de todos, inclusive dos seus pais.
Mas evidentemente Rey não deve ter ouvido o que Finn disse.
— Onde fica esse lugar? Me fala, Finn!
— Eu não sei! E mesmo se soubesse, eu não iria te falar! — Ela bufou indignada e pegou sua jaqueta, mas Finn a segurou pelo braço, arrancando as coisas da mão dela. — Você não pode sair por aí a esmo achando que vai encontrá-lo! E no estado em que está, pode até sofrer um acidente!
— Finn, o Ben nunca tirou fotos comigo para o meu Instagram! As únicas fotos que temos juntos estão nos porta-retratos da nossa casa e as mais recentes são de oito anos atrás! E agora basta essa puta dar um sorrisinho e ele aceita tirar, e pior ainda aceita postar na internet!
— Até onde eu sei, tirar uma foto com outra pessoa não configura traição — disse ele com um toque de ironia. — Eu não vou deixar você fazer algo que certamente vai se arrepender!
Rey desabou no sofá, chorando. Todas suas forças pareciam estar deixando seu corpo. Finn deixou as coisas dela sobre um pufe e em seguida se ajoelhou aos seus pés.
— Droga, Rey, por favor! — ele disse. — Não fica assim.
Rey sentiu sua vista escurecer subitamente. Por um momento, achou que fosse desmaiar. Ela balançou a cabeça e apertou os olhos a fim de voltar ao normal, e para sua sorte, o mal estar cessou antes que Finn percebesse. Ela abraçou o amigo, que prontamente a acolheu, como sempre fazia. Após alguns minutos chorando no ombro de Finn, ela parecia estar mais calma.
— Eu aqui me corroendo por dentro — disse Rey, separando-se de Finn e limpando as lágrimas do rosto —, achando que talvez ele estivesse doente e eu só estava sendo orgulhosa demais para procurá-lo. Mas, não! Ele estava transando com essa vadia sem ao menos lembrar que prometeu queimar comigo!
— Queimar com você? — ele indagou, sentando-se ao seu lado.
— Sim! Ele falou que nós queimaríamos juntos!
— Que papo mais doido.
— Você não entende, Finn.
— Não e nem quero.
— Ok — disse ela tomando fôlego e ficando de pé —, vou invadir aquela mansão sozinha e te juro que vou afogar aqueles dois naquela piscina!
— Você não tem como saber se eles estão fazendo sexo. Repetindo, tirar uma foto com outra pessoa não é sinônimo de traição.
— Mas não é óbvio?! Vamos, Finn, cansei de ser a irmã boazinha que aceita tudo calada!
— Primeiro, você nunca foi boazinha e jamais aceitou as merdas do Ben, mesmo antes, quando vocês mantinham uma relação apenas fraternal, então seu argumento não é válido!
— Finn, levanta essa bunda e vem comigo!
— Não, eu não quero terminar meu dia na cadeia.
Finn olhou para Rey com uma expressão séria, como um pai que está prestes a dar uma lição no filho.
— Rey, como vai justificar essa loucura? “Afoguei os dois porque tive uma crise de ciúme, foi um crime passional.” Para! Quer ser responsável pelo piripaque dos seus pais também? A vergonha que você vai enfrentar, sem falar na cadeia... Aquele idiota narigudo não merece isso.
Rey caiu no sofá de novo, e pela primeira vez desde que viu as fotos, decidiu ser racional. Largou as chaves na mesa de centro e se concentrou nas palavras do amigo.
— Fale com ele, o procure no apartamento e esclareça tudo. É o melhor a fazer.
Rey não precisou considerar muito a respeito. Então ela só assentiu em anuência.
***
Qualquer pessoa minimamente sabe quando há algo de errado consigo, com seu próprio corpo. As mãos tremendo, a pupila dilatada, o batimento cardíaco acelerado, a boca seca e a sensação de histeria que enxotava todos os pensamentos coerentes para longe.
Ben Solo estava dopado. Ele chegou a essa conclusão quando saiu do elevador no andar em que morava. Se ele estivesse sóbrio, se perguntaria como havia chegado até ali dirigindo vivo. Depois de um acidente, é natural a pessoa ser mais receosa no trânsito. Mas Ben Solo não estava em seu juízo perfeito.
Ele tinha certeza de que o chão do corredor estava se mexendo.
Ben parou por um minuto no corredor, a cabeça contra a parede, e lutando para retomar o controle não só do próprio corpo, como da própria mente. Ele não conseguia se lembrar de nada após o almoço, pois sua mente encontrava-se estranhamente em branco.
Ele se esforçou para lembrar o que aconteceu após a reunião com Snoke. Ele precisava se concentrar em preencher os buracos vazios de sua memória se quisesse entender o que o tinha levado até aquele estado.
Ben apertou os olhos, e forçou sua memória. Conversas sobre o processo de Pryde, aquele no que ele passou duas semanas estudando. Era uma acusação de assédio. Uma funcionária o acusou, mas ele negou qualquer envolvimento. Ele chegou a chorar! Ben lembrou-se disso. O maldito chorou dizendo que era impossível ter feito uma coisa dessas, pois a mulher tinha a idade de sua filha, e aquilo era nojento demais para ele.
A memória a seguir era Snoke dizendo que “tudo não passava de uma trama barata da jovem, que desprezada por ele, decidiu se vingar”. Ben sentiu uma raiva crepitante acender dentro de si. Era tão gozado Snoke falando daquele jeito, com tanta convicção, quando todo mundo sabia que a verdade era outra. Era frustrante, revoltante. Não tinha como uma pessoa sensata escutar aquilo e não ficar indignada.
Tanto Snoke quanto Pryde eram farinha do mesmo saco. Dois porcos, duas cobras. Ele se odiava por estar do lado errado daquela disputa, ou melhor, por ser forçado a ajudar Snoke a defender Pryde, quando todas as provas apontavam que a parte queixosa estava com a razão. A ex-funcionária falava a verdade.
Ele queria poder expor isso ao mundo, mas não tinha como fazer isso no momento sem amarrar uma corda ao redor do pescoço de todas as pessoas que amava e de si mesmo. Tal pensamento aumentou sua fúria. Além disso, ele se sentia ainda mais decepcionado consigo mesmo. Como não percebeu antes? Como não desconfiou de Phasma? Por que se deixou ser enganado e rendido pelo mal novamente?
Era inútil se culpar, ele pensou. Não resolveria as coisas. Havia mais em jogo do que sua vida miserável. Ele precisava proteger Rey e poupá-la de todo esse sofrimento terrível.
Ele cambaleou para frente, parou e então estapeou o próprio rosto.
Ele tentou se lembrar do que aconteceu a seguir. Se lembrou de Snoke lhe oferecer uísque. Ele negou... Ou acha que negou. Havia uma memória enevoada em seu cérebro sobre não querer misturar álcool com os remédios para dormir que vinha tomando ultimamente, mas ele não sabe se isso aconteceu ou se é sua mente alucinando. Após isso, tudo é um borrão em seu cérebro. Imagens entrecortadas e memórias cheias de lacunas. Tudo parecia suspenso.
A lembrança mais vaga que tem é de se despedir de Nicole e de Pryde e então chegar em casa. Como ele chegou aqui, ele não sabe. Alguém o ajudou a subir na sua moto? Certamente que não, não conseguiria pilotar daquela forma, então, talvez alguém, um motorista de Snoke ou de Pryde, que o trouxe até o prédio em que morava.
Uma sensação esquisita que vinha sentindo há poucos minutos começou a ficar mais forte: ele sentiu como se seu sangue estivesse fervendo, literalmente, de raiva. Ben apalpou os braços, nervoso, sentindo-os quentes, acreditando-o que realmente seu sangue estava borbulhando. Mas era só mais uma ilusão criada pela mistura de calmantes e uísque em sua corrente sanguínea.
Sua garganta estava seca, ele precisava de água. Tinha que beber água e entrar debaixo de uma ducha o quanto antes, do contrário, acreditava que entraria em combustão. Ele cambaleou até a sua porta e se atrapalhou com as chaves, mas ao segurar a maçaneta, dobrou-a para baixo com a força que a segurava e ela se abriu facilmente.
Sua porta estava aberta? Como?
Não demorou muito para descobrir que havia um “invasor” ali dentro.
A mulher no sofá de costas para a porta, virou a cabeça para trás para vê-lo entrando. Era sua irmã. Era Rey.
Oh não... Ela não deveria estar aqui.
Rey ficou de pé e o encarou de olhos vermelhos e inchados. Ela parecia ainda menor do que ele se lembrava, mas seu rosto era uma expressão de fúria que ele reconhecia muito bem. As mãos cerradas e as costas retas eram mais um sinal de que ela estava muito brava. Mas Ben não se atentou para nada disso. Ele só a encarou de olhos arregalados, com as palavras de Keaton ressoando em seu cérebro.
Se ela estava ali, Snoke ficaria sabendo. Ou se já não sabe. E usará isso contra ele de alguma forma.
Ele podia fazer e dizer várias coisas diferentes, mas optou pela pior:
— Como você entrou aqui?
— O porteiro me deixou entrar — Rey redarguiu, seu tom era afiado.
Ben não estava nem um pouco disposto a discutir. Ele precisava que ela fosse embora, pelo seu próprio bem e o dela, especialmente o dela.
Ele fechou a porta, caminhou até a cozinha, abriu a geladeira, pegou a jarra de água e bebeu do próprio gargalo. De costas para ela, ele bebeu como uma forma de distração.
Mas uma parte de si, uma que não estava tão comprometida, estava feliz e aliviada em vê-la. Ele sentiu tanto a sua falta. Quantas vezes quis falar com ela nessas últimas semanas, vê-la... Queria tanto poder abraçá-la.
— Você deu carta branca para eu vir até aqui, ou não lembra? — Rey prosseguiu quando ele não disse mais nada.
Escuridão... Venha para a escuridão...
Ben chacoalhou a cabeça, mas o resto transmitiu para Rey a mensagem de que ele estava negando o que ela tinha dito. Ela contornou o sofá e caminhou até ele em passos rápidos.
— Vai negar agora?
Ele se repreendeu mentalmente por não ter mandado uma mensagem para ela antes, proibindo-a de vir até o apartamento, ou por não ter falado com o porteiro para não permitir que ela subisse mais. Era tarde demais agora.
Por que ela estava ali?
Expulse-a! Faça ela se arrepender de ter vindo.
— Porra! — Ele esbravejou junto com a voz em sua mente. — Claro que me lembro! E já me arrependi — sussurrou a última parte.
Rey arregalou os olhos com o que acabou de ouvir. Mas ela estava determinada e nada a abalaria agora. Mais do nunca, ela ia cutucá-lo e pagar sua grosseria na mesma moeda.
— Então é assim agora? — A pergunta soou mais afirmativa do que deveria. — Você se esqueceu da nossa promessa?
Venha... Venha para a escuridão...
— Você está me dando nojo! — Rey gritou.
A voz soava muito mais incisiva na sua mente. Ben balançou a cabeça de novo e por um instante jurou ter visto tudo vermelho.
— Porra, sim! Está satisfeita? Eu lembro da porra da promessa! Não tem como esquecer com você falando dela TODAS AS VEZES QUE A GENTE BRIGA! — ele berrou. — PORRA!
Ben apertou os olhos com força e bater na cabeça com as mãos. Rey ficou mais furiosa, ela abriu a boca para gritar com ele, mas, então, algo a fez parar. O jeito dele.
Ela franziu o cenho e, logo, ficou assustada com o que estava vendo. Ele claramente não estava bem. Ben não parecia ele mesmo.
— Ben? O que você tem?
Ela tentou pegar seu braço, mas ele se afastou abruptamente. Só a simples intenção do toque dela causando uma série de sensações ruins em seu corpo, como se ela estivesse o empurrando contra a parede. Sua respiração foi se tornando cada vez mais difícil.
— Nada! — retrucou. — Por que veio aqui?
Rey se irritou com a rispidez dele. Ela viu que algo estava errado, por isso ponderou se deveria dizer logo o motivo de sua ida até ali. Mas agora ela não mediria suas palavras já que ser empática não estava dando certo.
— A princípio eu vim aqui cobrar uma explicação para o vexame daquela noite, mas diante desses fatos... — Rey pegou o celular do bolso de trás da calça jeans e mostrou para Ben. Uma das fotos com Nicole.
Ben estreitou os olhos, então bufou.
— Fotos do Instagram, qual é o problema?
Rey olhou para ele indignada.
— Mas é muita cara de pau!
Ben se afastou de Rey. As sensações ruins pareciam estar se intensificando. Ele precisava engolir aquele nó que estava se formando em sua garganta. “Que secura desgraçada”, ele pensou, e voltou a beber da jarra.
Não passou despercebido a forma estranha como ele virava o corpo, mas sua indignação não podia esperar.
— Você nunca tirou fotos assim comigo! Eu praticamente implorei várias vezes por ao menos uma foto no Natal. Mas você sempre fugia e dava desculpinhas esfarrapadas!
Ben bufou irritado, se afastando dela. Ele sentia que estava fora de controle e agora teria que lidar com uma crise de ciúme idiota. Aquilo precisava acabar logo. Então ele tomou uma péssima decisão, ser o mais idiota possível, pois, quem sabe, assim ela fosse embora.
— Eu não estava afim. É isso.
A resposta grosseira fez Rey dar um leve pulo para trás, mas se ele achou que ela se daria por vencida, estava enganado. Ela iria arrancar a verdade.
— Mas não hesitou em tirar uma com ela.
Ben respirou fundo antes de responder.
— Olha aqui, eu fui para um almoço na casa da Nicole. O pai dela é cliente do escritório onde eu estou estagiando. Ela está passando por uns problemas.
Rey deu uma única gargalhada, zombando do que acabou de ouvir.
— Ah, faça-me o favor! — gritou ela. — E eu? Hein? E eu?! Você acha que eu estou ao menos dormindo direito nessas duas semanas? Você sequer me ligou! O que foi? De repente o sofrimento dessa puta é mais importante que o meu?
Ben avançou em direção a ela. As manchas vermelhas em sua visão voltaram com mais força.
— Olha como você fala! Ela não é puta.
— Ela vive se oferecendo para você! — Rey rebateu furiosa. — Todo mundo já percebeu, acha que ela é inocente? Nossa, mas você é realmente muito ingênuo — acrescentou com sarcasmo.
Ben esfregou os olhos. Estava sentindo como se fosse explodir.
— Rey, esse ciúme é ridículo! Está cegando você! — ele disse, tentando ao menos fazê-la tornar à razão. — Você está se comportando da maneira mais estúpida e infantil possível.
Rey quis socá-lo. Ela avançou para ele e inquiriu, determinada a arrancar a verdade dele.
— Diga, você a consolou de outra maneira?
— Que?
— VOCÊ FEZ SEXO COM ELA?! — Rey vozeirou. — Vocês estão transando?!
Ben a encarou com nada mais que choque e confusão no rosto. Ele abriu a boca para tentar dizer alguma coisa em sua defesa, mas não conseguiu. Ele só sentia raiva, muita raiva.
Como ela ousa?...
— Talvez eu devesse bancar a santinha, Ben Solo? — perguntou Rey com escárnio. — Talvez se eu fosse mais como a filhinha de papai da sua amante, eu termine a noite com uma gozada tua na boceta ao invés de uma descu-
Ben atirou a jarra que estava segurando contra a parede ao lado com força. Rey pulou para trás com um grito. O olhar de Ben era pura fúria, um olhar que Rey não via há muito tempo.
— PUTA QUE PARIU! Você está louca? Você tem noção da merda que está falando?!
— Seu...!
Rey avançou contra ele e desferiu vários tapas e socos.
— Não me chame de louca! — gritou, arranhando o rosto e pescoço dele com ódio. — Você sabe muito bem que tem algo errado! Não negue!
O choque da agressão dela, o fez demorar a reagir. Talvez fosse a fúria descontrolada dela ou o fato de estar um pouco alterado pela bebida, ou simplesmente por ela ser Rey de Jakku no fim das contas, que ele não conseguiu agir para fazê-la parar.
— Não negue, você saiu com ela aquela noite e me deixou na mão, me abandonou! Seu traidor! Está transando com ela há duas semanas!
Ben finalmente conseguiu segurá-la, evitando alguns chutes. Ele a prendeu pelos dois pulsos e a segurou longe de si.
— REY! — ele gritou. — PARE!
Ele estava tomado por uma fúria que ele não sentia há tempos. Vermelho brilhando em seus olhos deixando-o com a sensação de estar num filme de terror. Como aquela maldita catadora ousava agredi-lo, gritou uma parte de sua mente, muito alto.
— Se quer saber, Nicole é uma mulher linda, interessante, bem-nascida, e, diferente de você, com bons modos!
— Me solta — ela resmungou, tentando se soltar. Mas ele só apertou mais forte os punhos dela.
— Acho que eu deveria mesmo investir, é o certo a se fazer, afinal ela não é minha...
Sem aviso prévio, a energia sombria que envolveu a mente de Ben em seu ataque de fúria se dissipou. Como num estalar de dedos. Ele fitou Rey confuso, tentando entender em que momento e como ele a estava prendendo daquela forma. Ele a soltou com as mãos tremendo.
Rey tentou de todas as formas segurar as lágrimas, mas foi impossível. Tudo o que ele falou, fosse da boca para fora ou não, doía demais. Ela chorou compulsivamente.
— Continue — disse. — Vamos, Ben, pode dizer.
Ben estava destroçado. Ele se afastou dela, com uma mão na cabeça. O que ele tinha acabado de fazer? Ele quis se jogar aos pés dela e pedir perdão, mas sabia que tinha ido longe demais dessa vez.
— Rey...
— Então eu digo, ela não é sua irmã!
— Rey, eu não sei o que deu em mim... — ele começou.
— Vá se foder! — interrompeu-o. — Talvez seja melhor você ficar com ela. Vocês se merecem.
Ela correu para a saída, mas Ben a alcançou e a segurou. Rey o empurrou furiosa.
— Me solta!
— Não, por favor! — ele implorou. — Me escuta.
— Eu já ouvi o suficiente!
— Meu amor, me perdoa.
— Um amor não se sustenta apenas com palavras, é preciso atitudes também — disse Rey. — E eu fui um idiota em acreditar que você fosse alguém melhor do que foi em outra vida. Eu confiei em você! Acreditei em sua promessa de que ficaríamos juntos, independentemente de tudo, de sermos inimigos no passado e irmãos agora no presente. Só que para mim não dá mais!
Agora era Ben quem chorava desesperado com a possibilidade de perdê-la novamente. Ele tinha que fazer alguma coisa.
— Não, Rey, por favor, me deixa explicar.
— Eu não quero ouvir suas explicações! Cansei das suas desculpas esfarrapadas, Ben!
— Eu te amo, Rey! — ele disse. — E eu sei que sou um idiota, mas eu te amo, se você soubesse...
— Eu não sei de nada porque você não me fala nada! Diz que me ama, mas não demonstra!
Ela se desvencilhou do braço dele, voltando-se para a porta de novo, mas não foi rápida o suficiente. Ben a tomou nos braços e a puxou contra si, beijando-a desesperada e intensamente. Tinha a intenção de transmitir o quanto a amava. Rey tentou resistir ao beijo no começo, mas o ardor com que ele a beijava a fez ceder aos poucos, entregando-se cada vez ao momento e empurrando a raiva dele para o lado.
Por um segundo, ela se sentia disposta a esquecer tudo que tinha acontecido, porque ela era um estúpida apaixonada que sempre o perdoava, mas a realidade bateu cedo à porta. Quando ele pôs as mãos dentro de sua blusa e espalmou seu seio, ela gemeu, e quis retribuir os carinhos. Por isso, suas mãos vagaram para a cintura dele.
Contudo, nesse momento, se afastou e se contorceu um pouco. Gemendo de dor e xingando baixinho.
Rey havia tocado em sua pele sobre o lugar em que teve sua costela quebrada. Mesmo depois de duas semanas, ele ainda sentia um pouco de dor no local às vezes. O médico havia dito que mesmo depois do repouso fechado, ele ainda levaria um tempo para se curar completamente.
— O que houve, está com dor? — perguntou Rey, preocupada.
Ele balançou a cabeça. — Não foi nada.
Rey deu um passo para trás, olhando em seu rosto, analisando-o. Convivia com ele há tantos anos, que não tinha como não perceber quando havia algo errado ou diferente.
— Você ainda está escondendo coisas de mim — ela pontuou. — Eu sei que tem alguma coisa. Há menos de um minuto atrás, você agiu de forma totalmente estranha. Eu estava com raiva, mas algo me diz que você estava fora de si quando disse aquelas coisas. — Ela fez uma pausa. — E aquele jeito que olhou para mim... Não parecia você.
Ela acrescentou a última parte com um certo receio.
Ben pensou em contar sobre o acidente, sobre tudo. Mas não havia como. Ele a amava tanto que queria poupá-la de toda aquela podridão, e não havia jeito de contar toda a verdade sem atirá-la na lama junto com ele.
— Ben, por favor. — Rey aproximou-se dele. — Ben, o que está acontecendo? Me diz, por favor. Eu quero te ajudar. Mesmo você tendo se comportado de maneira horrível, eu não suporto te ver assim.
Ele a afastou.
— Você não pode me ajudar. Ninguém pode.
Rey suspirou derrotada. Era isso, Ben continuava a afastando mesmo depois dela ter demonstrado mais uma vez que estava disposta a perdoá-lo, a entendê-lo, a ajudá-lo. Num segundo ele diz que a ama e a beija e no outro a afasta e a magoa.
Não suportava mais aquelas oscilações de humor dele. Tudo isso tem afetado sua vida de uma maneira violenta, e talvez ela tenha chegado ao seu limite.
Ela o fitou por alguns segundos, o silêncio entre eles era tenso, denso e assolador.
— Dizem que o amor suporta tudo — ela disse —, mas isso é uma grande mentira!
Rey deu-lhe as costas e seguiu em direção ao corredor. Dessa vez, Ben não a impediu de ir.
Por mais que seu coração estivesse dilacerado, era melhor assim. A luz dela não merecia ser apagada por sua escuridão. Ela sabia que algo estava errado com ele e não era apenas o estresse causado por Snoke. Era algo muito mais sombrio, algo que ele jurou nunca mais ser.
Ben caiu de joelhos no chão da cozinha. Todo o seu peito sendo esmagado com o peso daquela cor, muito mais forte que qualquer dor física. Sentiu-se fraco, tolo e miserável. Ele merecia todo o sofrimento que caísse sobre ele, mas Rey? Ele não queria que ela se machucasse, mas foi justamente ele que a magoou. Tentou poupar a dor dela e acabou sendo o causador.
Ele chorou, sentindo mais uma vez o desejo de não ter voltado daquele acidente. Se ele fosse, a escuridão também iria com ele.
— Maldito Kylo Ren! — ele disse soluçando.
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